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Processo n.º 914/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Na ação declarativa, com processo ordinário que A. moveu a B., SA, e C., SA, aquela Autora requereu a dispensa do pagamento do remanescente das custas, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais, o que foi indeferido.
A Autora interpôs recurso de agravo desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 25 de outubro de 2011, negou provimento ao recurso.
A Autora, após não lhe ter sido admitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“…9- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13º, nº 1, e tabela l, anexa, e 27º, nº 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º, 18º, nº 2, segunda parte e 266º, nº 2, da mesma Constituição.
10- No caso concreto a violação do princípio da proporcionalidade resulta designadamente do referido em 3.
11- Estando em causa saber se a quantia de custas exigida à Recorrente é desproporcionada em relação ao serviço prestado, de tal forma que seja suscetível de configurar um entrave ao recurso ao tribunal e, nessa medida, violadora do princípio do acesso ao direito e ao tribunal e do princípio da proporcionalidade ínsito no Estado de Direito, decorrendo tal desproporcionalidade da circunstância de o valor da taxa de justiça ser calculado unicamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo ou intervenção moderadora do tribunal.
12- Sendo certo que existem acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, dos quais se destacam dois, um designado pelo seu no de processo 491105.3TCFUN-A.L1-6 e que se encontra publicado em: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/fO5af49ccO2a3f d0802577900066f9b8?OpenDocument e outro designado pelo seu nº de processo 3768/05.4TBVFX.L1-1 e que se encontra publicado em: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1f1cf185573370 398025793c0039b4e1?OpenDocument, que decidiram ser «razoável reformular a conta de custas, reduzindo o valor a pagar a final e assim, ponderando que o valor inicial da ação foi de € 694. 537,26, decide-se que o remanescente não considerado na taxa de justiça inicial e subsequente, será tido em conta a final, nos termos do nº 2 do art. 27º do CCJ, até este valor, isto é, até € 694.537,26€» o primeiro e «considerando o valor da ação, e a tabela anexa ao CCJ aplicável e a que se refere o respetivo artigo 13º, e, bem assim o valor da UC à data da propositura da ação (valor da UC para o triénio 2004-2006 = 89,00 €), temos que o valor do remanescente da taxa de justiça a considerar in casu na conta final poderá atingir o valor de € 31 595», e «como bem se acentua nos doutos arestos deste tribunal da Relação já citados, deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais , quer de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º igualmente da Constituição da República Portuguesa.
Tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, e porque no âmbito da faculdade que ao juiz assiste de dispensar o pagamento do remanescente (cfr. artº 27º, nº 3, do Código das Custas Judiciais), se inclui obviamente outrossim a de reduzir o valor do montante do remanescente a considerar na conta a final, tendo presente que, com o RCP, o valor da taxa de justiça, partindo é certo e também do valor da ação, tem este último o limite máximo fixado em € 600 000,01, afigura-se-nos equilibrado e justo, em razão da efetiva complexidade da causa, reduzir o pagamento do remanescente a pagar a final em função de um valor da ação de € 600 000,01, que não de € 2 005.748,11.» o segundo.
13- Enquadrando-se estas decisões numa corrente jurisprudencial plasmada to texto dessas decisões «de alguma forma na linha do entendimento sufragado pelo autor apelante, já este Tribunal da Relação de Lisboa (Vide os Ac.s de 22/10/2009 e de 20/5/2010, ambos disponíveis ¡n www.dgsi.pt) veio a utilizar - sem deixar de notar que não se trata de aplicar retroativamente a nova legislação - os critérios aferidores da complexidade dos autos estipulados no artº Artigo 447.º-A, do cpc, precisamente para efeitos de aplicação, ou não, da faculdade a que alude o artº 27º, nº 3, do CCJ.
É assim que, no Ac. de 22/10/2009, se refere que “(...) à falta de outros critérios, e por forma a obviar ao subjetivismo e à arbitrariedade, podemos considerar os critérios aferidores da complexidade estabelecidos pelo Decreto- Lei 34/2008, de 26. 02, com a advertência de que não se trata de aplicar retroativamente a nova legislação, mas tão só lançar mão da mais recente valoração do legislador nesta matéria e equacionar a problemática da complexidade dos autos em apreço à luz desses parâmetros.
Subscrevendo-se tal argumentação, quer porque o CCJ a estes autos aplicável não fornece quaisquer critérios orientadores para o efeito, quer sobretudo porque de alguma forma se mostram eles em consonância com uma nova e adequada filosofia de justiça distributiva no âmbito da responsabilização /pagamento das custas processuais»
14- Tudo levando a concluir que dado que a questão em causa foi decidida de forma diferente nas duas Relações se este processo tivesse corrido em área abrangida pela jurisdição da Relação de Lisboa e tivesse sido apreciada nessa Relação a decisão seria no sentido dessa corrente jurisprudencial ou seja, dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou diminuindo o seu valor ao contrário do que diferentemente se decidiu na Relação do Porto o que, para além do mais, viola o princípio da igualdade.
15- Pelo que também se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu não concorrer qualquer circunstância que pudesse fazer operar o mecanismo previsto no artigo 27º, nº 3, do CCJ não tendo levado em conta que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, quer de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 200 igualmente da Constituição da República Portuguesa ao contrário do que decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da sua corrente jurisprudencial, criando uma situação de patente violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, pois a ter sido apreciada pela Relação de Lisboa a questão em causa nos presentes autos tudo leva a crer que o resultado seria diferente.
16- A questão desta inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, só pode ser suscitada neste momento face à verificação, apenas após o prazo de apresentação de Alegações para a Relação do Porto neste processo, do trânsito em julgado das citadas decisões referentes aos processos 3768/05.4TBVFX.L1-1 e 491/05.3TCFUN-A.L1 -6.”.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Contudo, este requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) considera-se dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelos Recorrentes neste processo.
O Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional conheça as seguintes questões:
- a inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13º, nº 1, e tabela l, anexa, e 27º, nº 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão;
- a inconstitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu não concorrer qualquer circunstância que pudesse fazer operar o mecanismo previsto no artigo 27º, nº 3, do CCJ não tendo levado em conta que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais.
Quanto à primeira questão resulta, com evidência, da leitura da decisão recorrida que esta não considerou que o regime de custas aplicável, ou seja o que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, determinava que o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor excedesse 250.000 Euros, era definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão.
Antes pelo contrário verificou que após as alterações introduzidas no regime de custas por aquele diploma, contrariamente ao que sucedia anteriormente, passou a existir um limite máximo para a taxa de justiça e a possibilidade do juiz, a partir de certo montante, reduzir o seu valor.
Não correspondendo, pois, o critério normativo, cuja constitucionalidade se pretendia ver fiscalizada, àquele que foi perfilhado pela decisão recorrida, não pode esta questão ser apreciada.
No que respeita à segunda questão que foi colocada, constata-se que não se pretende um controlo da qualquer norma, mas sim da própria decisão ou, mais concretamente, do juízo subsuntivo efetuado pela decisão recorrida, segundo o qual neste processo não se justificava aplicar o mecanismo de dispensa do pagamento do remanescente previsto no artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais.
Não tendo o recurso nesta parte um conteúdo normativo, também não pode ser apreciado, pelo que deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
A Recorrente reclamou desta decisão, expondo os seguintes argumentos:
“1- São dois os fundamentos alegados pela Exmº Sr. Relator para não conhecer do objeto do recurso:
a) O Tribunal «verificou que após as alterações introduzidas no regime de custas por aquele diploma, contrariamente ao que sucedia anteriormente, passou a existir um limite máximo para a taxa de justiça e a possibilidade do juiz, a partir de certo montante, reduzir o seu valor.
Não correspondendo, pois, o critério normativo, cuja constitucionalidade se pretendia ver fiscalizada, àquele que foi perfilhado pela decisão recorrida, não pode esta questão ser apreciada.»
b) «No que respeita à segunda questão que foi colocada, constata-se que não se pretende um controlo da qualquer norma, mas sim da própria decisão ou, mais concretamente, do juízo subsuntivo efetuado pela decisão recorrida, segundo o qual neste processo não se justificava aplicar o mecanismo de dispensa do pagamento do remanescente previsto no artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais.
Não tendo o recurso nesta parte um conteúdo normativo, também não pode ser apreciado, pelo que deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.».
2- Entende a Recorrente que os fundamentos infra explanados devem merecer a apreciação do Tribunal Constitucional, tomando este conhecimento das alegações a produzir.
3- Quanto à primeira questão pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13º, n.º 1, e tabela I, anexa, e 27º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º, 18º, n.º 2, segunda parte e 266º, n.º 2, da mesma Constituição.
4- Nas alegações do recurso a Recorrente pediu a revogação do despacho impugnado tendo concluído do modo que segue:
A. Atendendo, sem mais, ao valor da ação, as custas em cada instância, de acordo com o estipulado no antigo Código das Custas Judiciais (DL 224-A/96) atingem o valor de 237.274,44 €.
B. Como consta do processo, designadamente da decisão da Segurança Social, o 'volume de negócios' da Recorrente 'é de 27.178,76 €'.
C. Deste modo, o valor da taxa de justiça em cada instância representa quase 10 vezes esse 'volume de negócios'.
D. Como o processo subiu ao Supremo Tribunal de Justiça temos que considerar três instâncias, pelo que o valor total em questão se traduz numa significativa repercussão económica para a Recorrente.
E. É grande a desproporcionalidade relativamente ao serviço público concretamente prestado no caso em apreciação, tendo por referência tanto o 'volume de negócios' da Recorrente quanto o custo médio de vida em Portugal, e o montante das custas atendendo ao valor da ação.
F. A norma que resulta dos artigos 13º, n.º 1, e tabela I, anexa, e 27º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º, 18º, n.º 2, segunda parte e 266º, n.º 2, da mesma Constituição.
G. Tomando em consideração esta desproporcionalidade e os fundamentos que levaram à alteração do novo regime das custas, no qual o legislador procurou 'adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores'.
H. Deveria ser deferida a pretensão da Recorrente no sentido de beneficiar do regime do artigo 27º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (redação do DL 324/2003, de 27.12), ficando dispensada do pagamento da taxa de justiça final correspondente à diferença por excesso entre o valor de 250.000,00 € e o efetivo valor da causa para efeitos de custas.
5- Salvo melhor opinião e ao contrário do afirmado na decisão sumária, nos normativos em causa, i.e. artigo 27º do Código das Custas Judiciais (redação do DL 324/2003, de 27.12) ou em qualquer outro artigo do mesmo diploma, não «existe um limite máximo para a taxa de justiça e a possibilidade do juiz, a partir de certo montante, reduzir o seu valor».
6- O que existe é a possibilidade de o Juiz dispensar o pagamento do remanescente.
7- Ou seja, se o Juiz assim o entender, a lei em questão nem sequer estabelece o dever de apreciar a questão, pode dispensar a totalidade do remanescente o que não é exatamente o mesmo que «reduzir o seu valor» já que nesta última expressão estaria incluída a possibilidade de dispensar apenas parcialmente o remanescente.
8- Dispõe o art.º 20º n.º 1 que a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
9- E o n.º 2 do art.º 18º dispõe que a lei só pode restringir os direitos liberdade e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
10- Quanto ao princípio constitucional da proporcionalidade (também chamado principio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios:
a) o princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionais protegidos);
b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tomarem-se exigíveis) porque os fins visados pela lei não podia, ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;
c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adoção de medidas restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos - Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª edição, pág. 152.
11- Embora não sendo gratuita, os custos da Justiça deverão ser adequados, necessários e proporcionais, face à natureza e complexidade do processo e à atividade judicial desenvolvida, por forma a que a contrapartida pelo acesso aos tribunais não impeça ou restrinja de modo intolerável tal direito ao cidadão médio.
12- A este respeito considerou-se no Ac. do TC n.º 608/99, in DR, II, de 16 de março de 2000, que na 'área em questão' [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, pelo menos, três sentidos: o de equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilização de cada parte pelas custas de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional; e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respetiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes'.
13- Como foi referido, no processo em causa as custas em cada instância, de acordo com o estipulado no antigo Código das Custas Judiciais (DL 224-A/96) atingem o valor de 237.274,44 €.
14- Assim havendo uma 'desproporção intolerável entre 'o montante do tributo e o custo do serviço prestado', justamente por ser manifestamente exorbitante este valor calculado em função do normativo em crise, ocorrerá também uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais.
15- Quanto a este ponto estão em causa duas questões.
16- Uma prévia, no normativo em crise, não «existe um limite máximo para a taxa de justiça».
17- E tanto não existe que o legislador preâmbulo no DL 34/2008, de 26.02, veio dizer «A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utiliza dores.
De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação.
Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, Independentemente do valor económico atribuído à causa.»
18- Estabeleceu neste diploma um valor máximo que poderia ser corrigido, para cima, quando se tratasse de processos especialmente complexos, Independentemente do valor económico atribuído à causa.
19- Isto porque, até à publicação desse diploma não existia «um limite máximo para a taxa de justiça»
20- Deste modo, é, desde logo, a constitucional idade dessa ausência de limite para a taxa de justiça que está em causa.
21- Ou seja, pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13º, n.º 1, e tabela I, anexa, e 27º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo do montante das custas e sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º, 18º, n.º 2, segunda parte e 266º, n.º 2, da mesma Constituição.
22- A segunda questão deste ponto reside na violação objetiva do princípio da proporcionalidade.
23- Isto porque não estamos perante um processo que diga respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso ou tenha implicado a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
24- A génese deste processo está na apreciação da rescisão de um contrato-promessa não sendo essa apreciação afetada pelo valor do sinal prestado, valor esse que influencia, determinando, o valor da causa.
25- Quando no processo em causa, para apreciação da rescisão de um contrato-promessa as custas em cada instância, de acordo com o estipulado no antigo Código das Custas Judiciais (DL 224-A/96) atingem o valor de 237.274,44 € estamos salvo melhor opinião perante uma 'desproporção intolerável entre 'o montante do tributo e o custo do serviço prestado'.
26- E esta desproporcionalidade surge a prior i devido à ausência de limite para a taxa de justiça e a posteriori pela interpretação dada pelo Tribunal de que tal valor, calculado em função de uma norma sem limite máximo para a taxa de justiça não é desproporcional.
27- Na fixação das custas judiciais o legislador haverá de ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.
28- O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça.
29- Com efeito, na ponderação de meios e fins a que este Tribunal é conduzido não pode deixar de ter presente o quantitativo da taxa de justiça que é , repete-se, de 237.274,44 € em cada instancia, originando um débito de custas muito superior aos custos da prestação do serviço de administração da justiça.
30- Em relação à segunda questão está em causa princípio da igualdade consagrado no artigo 130 da Constituição.
31- A Recorrente não pretende a produção de um juízo de facto sobre a complexidade dos processos.
32- O que pretende a Recorrente é a apreciação da (in)constitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu não concorrer qualquer circunstância que pudesse fazer operar o mecanismo previsto no artigo 27º, n.º 3, do CCJ não tendo levado em conta que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, quer de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º igualmente da Constituição da República Portuguesa ao contrário do que decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da sua corrente jurisprudencial, criando uma situação de patente violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, pois a ter sido apreciada pela Relação de Lisboa a questão em causa nos presentes autos tudo leva a crer que o resultado seria diferente.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
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Fundamentação
O Recorrente no recurso interposto invoca:
- a inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13.º, nº 1, e tabela l, anexa, e 27.º, nº 2, todos do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo o qual o montante da taxa de justiça devida numa ação, cujo valor exceda 250.000 Euros, é definido em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo ao montante das custas sem ter em conta o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão;
- a inconstitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu não concorrer qualquer circunstância que pudesse fazer operar o mecanismo previsto no artigo 27º, nº 3, do CCJ não tendo levado em conta que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais.
Conforme se refere na decisão reclamada, enquanto a primeira questão respeita a um critério normativo que não foi adotado pela decisão recorrida, uma vez que aí se considerou que após as alterações introduzidas no regime de custas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, contrariamente ao que sucedia anteriormente, passou a existir um limite máximo para a taxa de justiça e a possibilidade do juiz, a partir de certo montante, reduzir o seu valor, a segunda questão não incide sobre qualquer norma, mas sim sobre um juízo subsuntivo efetuado pela decisão recorrida, pelo que nenhuma destas questões podia ser conhecida, dado não respeitarem os pressupostos do recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de novembro de 2013. João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.