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Processo nº 625/09
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Trabalho de Setúbal, em que é 
 recorrente o Ministério Público e A., Lda., foi interposto recurso ao abrigo da 
 alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 21 de Abril de 
 
 2009.
 
  
 
 2. Em 16 de Setembro de 2009, foi proferida decisão de não conhecimento do 
 objecto do recurso, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os 
 fundamentos que se seguem:
 
  
 
 «O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da LTC, para apreciação da ilegalidade e da inconstitucionalidade da alínea m) 
 do nº 6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção dada 
 pela Declaração de Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março.
 
 1. De acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de 
 qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade. Tal obsta ao 
 conhecimento do objecto do recurso na parte que se refere à questão da 
 ilegalidade da alínea m) do nº 6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009, na redacção 
 dada pela Declaração de Rectificação nº 21/2009.
 
 2. Segundo a decisão recorrida, a Declaração de Rectificação nº 21/2009, na 
 parte em que alterou a redacção do artigo 12º, nº 6, alínea m), da Lei nº 
 
 7/2009, é “nula por várias ordens de razões”: por um lado, é ilegal, porque “não 
 cumpre o disposto no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro; por 
 outro, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 161º, alínea c), 
 da Constituição da República Portuguesa.
 Nestas circunstâncias, revela-se inútil a apreciação da questão de 
 inconstitucionalidade colocada nos autos. De facto, ainda que, em sede de 
 recurso, se viesse a concluir pela conformidade constitucional da norma, 
 subsistiria o fundamento da ilegalidade da mesma, com a consequência de se 
 manter inalterada a decisão de declaração de extinção do procedimento criminal. 
 Este Tribunal tem entendido que, “não visando os recursos dirimir questões 
 meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de 
 constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica 
 sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse 
 representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso” (Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 366/96, Diário da República, II Série, de 10 de Maio 
 de 1996).
 Uma vez que um eventual juízo de não inconstitucionalidade da norma em causa 
 nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida, importa concluir, 
 também nesta parte, pelo não conhecimento do objecto do recurso, justificando-se 
 a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos 
 do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
 
  
 
 «1º
 A decisão proferida entendeu, designadamente, o seguinte:
 
 “Nestas circunstâncias, revela-se inútil a apreciação de inconstitucionalidade 
 colocada nos autos. De facto, ainda que, em sede de recurso, se viesse a 
 concluir pela conformidade constitucional da norma, subsistiria o fundamento da 
 ilegalidade da mesma, com a consequência de se manter inalterada a decisão de 
 declaração de extinção do procedimento criminal. Este Tribunal tem entendido 
 que, «não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, 
 a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão 
 de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, 
 pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da 
 admissibilidade do próprio recurso» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 366/96, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).
 Uma vez que um eventual juízo de não inconstitucionalidade da norma em causa 
 nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida, importa concluir, 
 também nesta parte, pelo não conhecimento do objecto do recurso, justificando-se 
 a prolação da presente decisão (artigo 78º - A, nº 1, da LTC).
 Pelo exposto, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º - A, nº 1 da LTC, 
 não tomar conhecimento do objecto do recurso” (destaques do signatário).
 
 2º
 Ora, desde logo, encontram-se pendentes de apreciação, neste Tribunal 
 Constitucional, diversos recursos que têm, por objecto, da mesma forma, a 
 apreciação da inconstitucionalidade da Declaração de Rectificação nº 21/2009, de 
 
 18 de Março de 2009.
 
 3º
 
 É este, designadamente, o caso dos Procs. nºs 448/09 (2ª Secção), 469/09 (3ª 
 Secção), 551/09 (2ª Secção), 561/09 (3ª Secção), 621/09 (2ª Secção) e 635/09 (1ª 
 Secção).
 E a situação destes processos é, ao que se crê, neste momento, a seguinte:
 a) Proc. 448/09 - aguarda, neste momento, a elaboração de Acórdão;
 b) O Ministério Público apresentou, já, as suas alegações no âmbito dos Procs. 
 
 469/09, 551/09, 561/09 e 621/09, tendo sido, ainda, notificado para apresentar 
 alegações no Proc. 635/09.
 
 4º
 Assim, de todos os recursos interpostos perante este Tribunal Constitucional, 
 sobre a mesma questão de direito, apenas nos presentes autos (Proc. 625/09), 
 pelo menos até ao presente momento, se entendeu de proferir decisão sumária.
 Há, nessa medida, risco de, para uma mesma situação, este Tribunal decidir, num 
 dos casos, proferir decisão sumária, ou seja, não conhecer do objecto do recurso 
 e, nos restantes, apreciar o fundo da questão que lhe foi submetida pelas 
 jurisdições a quo, proferindo decisão de mérito. 
 
 5º
 
 É bem certo, contudo, como justamente referido na decisão sumária em apreciação, 
 que o recurso interposto levanta simultaneamente questões de 
 inconstitucionalidade e de ilegalidade.
 Hesita-se, no entanto, em concluir, sem mais, pela irrelevância ou inutilidade 
 de uma decisão de mérito sobre o recurso de inconstitucionalidade dos presentes 
 autos.
 
 É por um tal motivo que o signatário não está em condições, apesar do grande 
 respeito que nutre pela argumentação expendida na decisão sumária proferida pela 
 Excelentíssima Conselheira Relatora, em aderir a uma tal argumentação.
 
 6º
 A questão em apreciação é, com efeito, claramente controvertida, como facilmente 
 se comprova pelo número de recursos interpostos sobre a mesma questão de direito 
 
 – a apreciação da inconstitucionalidade da Declaração de Rectificação nº 
 
 21/2009.
 
 7º
 Por outro lado, as jurisdições não têm tido um entendimento uniforme sobre a 
 decisão a proferir sobre a questão controvertida.
 Há, com efeito, decisões judiciais que concluíram pela inconstitucionalidade da 
 referida Declaração de Rectificação – com a consequência de determinar a 
 revogação das coimas, aplicadas pela Autoridade para as Questões do Trabalho 
 
 (ACT), aos arguidos.
 Bem como há decisões judiciais em sentido inverso, ou seja, a confirmar as 
 coimas aplicadas pela mesma entidade.
 Ora, uma tal situação apresenta-se como claramente violadora do princípio da 
 igualdade, constitucionalmente protegido (cfr. art. 13 da Constituição).
 
 8º
 Por outro lado, está em causa, nos presentes autos - bem como nos processos 
 pendentes sobre a mesma questão de direito - uma questão de inegável âmbito – e 
 importância - constitucional.
 Com efeito, será que o legislador nacional poderá recorrer a mecanismos que se 
 poderiam qualificar de in fraudem legis, para determinar a alteração de um 
 diploma legislativo, da reserva relativa da competência legislativa da 
 Assembleia da República (cfr. art. 165 nº 1 alínea d) da Constituição), com o 
 valor de lei, portanto, através de uma simples Declaração de Rectificação? 
 Sem a interferência, assim, do plenário da mesma Assembleia, que não apreciou – 
 e muito menos aprovou - o texto da Declaração rectificadora? 
 
 9º
 Alteração essa, por outro lado, que foi feita depois da promulgação do diploma 
 original pelo Presidente da República e sem conhecimento deste?
 Encontrando-se, por isso, a Declaração de Rectificação, seguramente, ferida de 
 inexistência jurídica, ex vi do art. 137 da Constituição? 
 
 10º
 Acresce que, no entender do signatário, estão em causa, nos presentes autos, 
 questões de primacial importância para o adequado funcionamento dos tribunais de 
 trabalho. 
 Como será possível, com efeito, assegurar o adequado funcionamento destes, 
 quando há juízes que consideram que matéria contra-ordenacional, constante do 
 novo Código do Trabalho, poderá está irremediavelmente revogada, enquanto outros 
 entendem justamente o contrário? 
 Deixando impunes situações claramente violadoras dos direitos dos trabalhadores, 
 que o referido Código é suposto ajudar a proteger? Incentivando, nessa medida, 
 comportamentos infractores dos mesmos direitos?
 
 11º
 Por último, não se poderá deixar de ter igualmente em consideração que, no caso 
 dos presentes autos:
 a) num primeiro momento, até à entrada em vigor da Lei nº 7/2009, encontravam-se 
 previstas certas contra-ordenações de natureza laboral, designadamente 
 contempladas no anterior Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de 
 Agosto;
 b) num segundo momento, certos factos, por força da Lei nº 7/2009, de 12 de 
 Fevereiro, que aprovou o actual Código do Trabalho, na sua versão original (cfr. 
 art. 12, nº 1, alínea b) da lei preambular que aprovou o novo Código do 
 Trabalho),  deixaram de  ser considerados “ilícitos”, não podendo, portanto, 
 nenhum Tribunal, ou entidade competente, proceder contra-ordenacionalmente com 
 base nesses factos, após aquela Lei; 
 c) no presente recurso, com efeito, foi aplicada à arguida uma coima, no valor 
 de € 2.400, por violação do disposto no art. 245, nºs 1 e 2, alínea a), da Lei 
 nº 35/2004, de 29 de Julho (…), factos esses integradores, ao abrigo do disposto 
 no art. 484, nº 2, do mesmo diploma legal, de contra-ordenação grave. No 
 entanto, o art. 12, nº 1, alínea b), da versão original da Lei 7/2009, de 12 de 
 Fevereiro, veio determinar a revogação da Lei nº 35/2004; 
 d) num terceiro momento, porém, teríamos uma “inovação” incriminatória (através 
 da repristinação de normas), por meio de uma “rectificação” retroactiva (cfr. 
 alterações introduzidas ao art. 12, nº 6, alínea m), da lei preambular que 
 aprovou o novo Código do Trabalho, pela Declaração de Rectificação nº 21/2009, 
 de 18 de Março).
 
 12º
 Nessa medida, nos presentes autos, uma tal actuação do legislador acaba por 
 infringir, inapelável e negativamente, os princípios da não retroactividade da 
 lei penal (e contra-ordenacional), da igualdade e da segurança jurídica, 
 protegidos pela Constituição da República Portuguesa (cfr. artigos 9º, alínea 
 b), 13º e 29º, nºs 1, 3 e 4 do texto constitucional), princípios, esses, de 
 fundamental importância num Estado de Direito.
 Sendo certo, por outro lado, que os referidos princípios se mostram aplicáveis 
 ao direito de mera ordenação social, situação dos presentes autos. 
 
 13º
 São estes, em síntese, os motivos que levam o signatário a suscitar, perante V. 
 Exa., as presentes reflexões.
 Espera, por outro lado, o signatário, que as mesmas reflexões possam permitir, a 
 V. Exa., ponderar se a decisão sumária proferida se deverá manter, ou se, em 
 face da orientação seguida por outros ilustres Conselheiros deste Tribunal, 
 deverá ser objecto de reapreciação, tendo em vista garantir uma saudável 
 uniformidade de julgados.»
 
  
 
  
 
 4. Notificada, a reclamada não respondeu.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão sumária proferida nos autos concluiu, na parte que é objecto da 
 presente reclamação, pelo não conhecimento do objecto do recurso, face à 
 inutilidade da apreciação da questão de inconstitucionalidade colocada.
 A argumentação do reclamante em nada contraria o fundamento da decisão 
 reclamada.
 O Tribunal Constitucional tem entendido, em consequência do carácter 
 instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, que a 
 utilidade do recurso interposto – ou seja, a susceptibilidade de repercussão na 
 decisão recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge como 
 condição do seu conhecimento (assim, Acórdãos nºs 169/92, 366/96, 463/94, 
 
 420/2001, 634/2003 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. 
 Cf., ainda, neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional. 
 Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição, tomo VI, Coimbra Editora, 
 
 2001, p. 207 e s., e Victor Calvete, “Interesse e relevância da questão de 
 constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recuso de 
 constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em Homenagem ao 
 Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 403 e ss.).
 Na fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280º da 
 Constituição da República Portuguesa e 69º e ss. da LTC) – diferentemente do que 
 sucede na fiscalização abstracta (artigos 281º da Constituição e 62º da LTC) – 
 
 “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de 
 constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do 
 processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (Cardoso da 
 Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66). Daí a 
 averiguação da utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade por 
 referência ao sentido da decisão recorrida (bem como por referência à natureza 
 final ou não desta decisão – cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 
 
 387/2008 e 95/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Procedendo àquela averiguação nos presentes autos, é de concluir, com efeito, 
 que, ainda que o Tribunal Constitucional viesse a concluir pela conformidade 
 constitucional da alínea m) do nº 6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009, na redacção 
 dada pela Declaração de Rectificação nº 21/2009, subsistiria o fundamento da 
 ilegalidade desta norma, com a consequência de se manter inalterada a decisão de 
 declaração de extinção do procedimento criminal. Ou seja, é inútil apreciar a 
 inconstitucionalidade da norma indicada no requerimento de interposição de 
 recurso.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão sumária na parte em que foi reclamada.
 Sem custas.
 Lisboa, 11 de Novembro de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão