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Processo n.º 378/2012
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante o Município da Póvoa de Varzim e são expropriados A. e B., realizada a arbitragem, foi proferida decisão arbitral que fixou o valor da indemnização a pagar aos expropriados em € 50 720, 88.
Tendo os expropriados interposto recurso da decisão arbitral, a expropriante, notificada para responder, interpôs igualmente recurso subordinado.
Foi proferido acórdão colectivo que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e improcedente o recurso interposto pela expropriante e, em consequência, revogou a decisão arbitral e fixou o valor da indemnização devida pela expropriação em € 120 801, 24.
Dessa decisão, apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação do Porto.
Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13.03.2012, foi a apelação julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida.
2. É dessa decisão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
No requerimento de interposição do recurso, os requerentes indicam que pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie “a inconstitucionalidade, no presente caso concreto, das normas dos nºs 4 e 10 do artigo 26 do Código das Expropriações (CE), quando interpretada e aplicada, a primeira, no sentido de que a justa indemnização se fixa com base no custo da construção e não no valor da construção e a segunda, no sentido de que se deduz ao valor da indemnização, aplicando ao custo de construção, um fator correctivo de 15%”.
3. Por despacho da relatora no Tribunal Constitucional, o recurso foi admitido apenas quanto à questão de constitucionalidade da norma constante do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações, tendo sido considerado que, em relação à norma constante do n.º 10 desse preceito legal, se não verificavam os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Na sequência desse despacho – e, portanto, apenas quanto à primeira questão de constitucionalidade – vieram os recorrentes apresentar as suas alegações, tendo concluído do seguinte modo:
I. O objecto destes autos perspectiva-se em saber se é constitucionalmente conforme a leitura dada à norma do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de que a justa indemnização devida pela ablação do direito de propriedade sobre o bem deva ser fixada com base no custo da construção a considerar, e não já no seu valor da construção.
II. De facto, classificado que fica o solo como “solo opto para a construção”, o legislador consagra (pelo menos) dois critérios atinentes à avaliação dos solos; ora, na exacta medida em que não seja possível apurar o valor indemnizatório por via daquele que afirmou como critério principal, importa perceber se é admissível indemnizar-se o particular pela atribuição de um valor apurado apenas pelo custo da construção que no solo é possível efectuar.
III. E isto porque, tendo sido essa a interpretação assumida no Acórdão recorrido, ele traduz, sem dúvida, uma petição de princípio, não permitindo concretizar aquele que é um pressuposto de legitimidade do processo de expropriação, a saber, a fixação da justa indemnização. Na verdade, exigindo o legislador, perante a privação do bem, uma compensação integral do particular, a consideração exclusiva do custo da construção na determinação da indemnização apenas compreende uma dimensão da valorização construtiva do solo.
IV. Se “o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação” (n.º 1 do artigo 26.º do C.E.), significa isto por dizer que a interpretação a dar ao preceito aqui versado não pode ser outra que não considere o “valor da construção”, ou seja, que considere o valor que o bem expropriado tem em condições normais de mercado.
V. E este conceito – equivalente, pois, àquele que o particular teria de despender para, como um normal comprador, adquirir um bem com idênticas características – não se aterá apenas e só ao custo da construção propriamente dito (mão-de-obra e materiais), que o inclui, mas abrangerá igualmente outras dimensões que, no quadro das expectativas de valorização fundiária, serão sempre considerados, sendo eles no sentido de majorar (lucro, localização,…), seja no sentido de minorar (custos, por exemplo), o valor indemnizatório.
VI. Ademais, será incompreensível que, procurando-se indemnizar o valor do solo expropriado, se interprete o referido preceito legal de modo a calcular-se o seu valor por consideração de um limite máximo e intransponível, que pouca flexibilidade reflecte a propósito da localização, da qualidade ambiental e equipamentos existentes, e reportando-o apenas ao custo da construção, como vector de um conceito mais lato, que é o do valor da construção, que assim fica excluído. Ora, esta circunstância poderá conduzir – no caso concreto – a que a destrinça, em termos de fixação de um valor indemnizatório, seja exígua mesmo para solos que, localizando-se no mesmo concelho ou cidade, tenham entre si diferenças significativas em cada um daqueles predicados.
VII. Essa interpretação é, inclusive, ainda inquinada pela atendibilidade de um custo da construção que se reporte, mesmo que em termos referenciais, a um tipo de habitação que não é desenvolvido, em termos normais de mercado, pelo particular, mas ao invés resulta da concretização legislativa de uma imposição constitucional, derivada da concretização de um direito à habitação de todos os cidadãos
VIII. Referente que, inclusivamente, alarga o âmbito da restrição imposta pela interpretação firmada no Acórdão recorrido quando, ao estabelecer um zonamento do país, com vista a determinar, perante cada um deles o valor do custo da construção, numa ideia de verticalidade, não estipula, dentro de cada uma das zonas previstas, a titulo horizontal, critérios distintivos.
IX. A justa indemnização, como pressuposto ancilar da expropriação por utilidade pública, há-de constituir, para que seja justa e promova a igualdade perante os encargos públicos, um reflexo do pulsar do mercado; concretizando, terá de existir sempre uma simbiose entre o valor da indemnização a atribuir e o valor de mercado do bem, algo que – com maior ou menor crítica – o legislador ordinário procurou promover na definição de um critério como o do n.º 2 do artigo 26.º do C.E., mas também noutras normas, com alcance signif1cativo, a propósito do “conteúdo da indemnização” (vide, por exemplo, o artigo 28.º do C.E.).
X. Infirma esta ideia, porém, a interpretação dada à norma do n.º 4 do artigo 26.º do C.E. pelo Acórdão recorrido, uma vez que não existe uma clara equivalência entre os pressupostos estabelecidos: uma coisa é o custo da construção, e outra distinta é o valor médio da construção, no mercado; o valor do solo da parcela, definido que seja o que nele se pode construir, será o mesmo, independentemente do custo da construção, pois que este poderá variar significativamente, consoante a pessoa do promotor, embora se saiba que o mesmo integrará, em todo o caso, aquele conceito.
XI. Esta petição de princípio que vai estabelecida conduz, de resto, à inconstitucionalidade do critério e da interpretação efectuada, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, nos termos dos n.º 2 dos artigos 13.º e 62.º da C.R.P., pois que não permite, como claramente se depreende, uma recomposição ou reintegração cabal da posição jurídica do particular, para quem, a indemnização arbitrada, fica aquém do valor real do bem, aferido em condições normais de mercado.
XII. Sabendo-se que uma indemnização, no âmbito do processo expropriativo, não pode ser uma indemnização meramente irrisória ou simbólica, a definição efectuada, por via da interpretação firmada, a manter-se viola ostensivamente o princípio da igualdade, desde logo na sua vertente interna, pois que não definindo unanimemente, e com carácter unívoco, os critérios que permitam a fixação de indemnização devida pela expropriação, cria, por decorrência, a possibilidade de estabelecimento de indemnizações distintas entre expropriados, quando em causa está a perda de bens de igual valor, e sem que haja fundamentos para essa destrinça.
XIII. Mais se nota um tratamento desigualitário, desta feita na sua vertente externa, entre expropriados e não expropriados, quando, comparando-os, vemos que, como decorrência da imposição de um sacrifício imposto a este, a sua perda patrimonial não é compensada, em termos iguais, face à perda decorrente para aquele.
XIV. De facto, ao passo que se permite ao não expropriado definir, em termos cabais, o valor do seu solo, e nele incluir todas as dimensões atinentes à construção (valor da construção) que o mesmo admitiria, ao expropriado, por sua vez, e numa desigual repartição daquele encargo, apenas se permite a sua compensação por consideração do custo que aquela construção (idealizada) inculcaria.
XV. Donde, ao funcionamento do mercado, e na procura da livre determinação do valor do solo, inerente à dinâmica própria que lhe subjaz, e em que ao particular se permite fixar o quantitativo a obter, considerando factores diversos, e dinâmicas que respeitam quer à qualidade ambiental, quer às infra-estruturas, quer quanto à capacidade edificativa, mas com valores de mercado diferentes, por causa da sua localização, opõe-se aqui uma limitação desproporcional dos expropriados que não pode ter idêntica expectativa… apenas a de ver, dentro de parâmetros fixos e inflexíveis, fixada uma indemnização reportada a um concreto vector: o custo da construção.
XVI. Isto é visível, tanto mais, no caso concreto quando resulta demonstrado nos autos que, na mesma cidade, na margem oposta da Avenida do Mar, há um terreno loteado à venda por preços que variavam á data da declaração de utilidade pública entre € 275,00 e € 430,00 o m2, o que revela claramente o desfasamento de prismas entre aqueles dois conceitos
XVII. Concluindo, a norma constante do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão Recorrido, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, nos termos dos n.ºs 2 dos artigos 13.º e 62.º da Constituição,
XVIII. Tendo questão em tudo idêntica à dos autos sido suscitada, aguardando ainda apreciação por parte deste Alto Tribunal, no âmbito do Processo n.º 190/12, da 2.ª Secção.
4. Notificado para contra-alegar, o recorrido nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Está em juízo, no presente recurso, a norma contida no n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações (CE), que dispõe como segue:
Cálculo do valor do solo apto para construção
(.)
4. Caso se não revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
Sustenta o recorrente que esta norma, ao determinar que a justa indemnização se fixa com base no custo da construção e não no valor da mesma, é inconstitucional, por lesar o disposto no n.º 2 do artigo 62.º da CRP.
Tem entendido o Tribunal, em jurisprudência constante, que o conceito constitucional de justa indemnização, decorrente do n.º 2 do artigo 62.º, significa antes do mais que a compensação devida ao privado pelo sacrifício grave e especial que lhe é imposto através de expropriação deve ser calculada tendo em conta o princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos; e que daqui decorre que o montante da indemnização, a fixar de acordo com os critérios que o legislador, em termos gerais e abstractos, há-de estabelecer, deve corresponder em geral a um valor que seja equivalente ao valor real do bem que ao particular pertencia, de modo que este seja ressarcido da perda que, por força do interesse público, sofreu.
No contexto deste quadro constitucional o Código das Expropriações estabeleceu os critérios por força dos quais se determina o montante da indemnização que é devida em caso de expropriação por utilidade pública. Não obstante cada um desses critérios ser autonomizável – desde logo pelo seu âmbito de aplicação, definido em função da respectiva fatispecie – a verdade é que a “soma” de todos eles forma um sistema de regulação próprio, sistema esse que, antes do mais, deve ser entendido na sua unidade.
Em primeiro lugar, há que notar que o Código começa por indicar qual é a finalidade prosseguida pelo sistema e por cada um dos critérios que o compõem. E essa finalidade é, como decorre do n.º 1 do artigo 23.º do CE, a da garantia da correspondência entre o valor da indemnização e o valor real e corrente do bem expropriado. Aliás, que é esse o objectivo prosseguido pelo legislador prova-o o disposto no n.º 5 do artigo 23.º, que nos diz que os critérios referenciais legalmente estabelecidos (nos artigos 26.º e seguintes) devem ser afastados – adoptando-se, nesses casos, outros – sempre que a sua aplicação conduzir a um resultado outro que não o da correspondência entre o valor da indemnização (fixada nos seus termos) e o valor real e corrente dos bens expropriados, numa situação normal de mercado.
Em segundo lugar, há que notar que, para efeitos de obtenção do “valor real e corrente “ do bem expropriado, o legislador estabeleceu um conjunto de elementos ou factores de cálculo [critérios referenciais] que variam, consoante for o solo o objecto da expropriação (como sucede no presente caso), ou consoante for expropriado o edifício ou construção.
No que respeita aos critérios referenciais relativos a solos, todo o regime legal assenta na distinção entre “solo apto para construção e solo apto para outros fins”.
A recondução do solo expropriado a uma dessas duas categorias determina-se através do preenchimento de requisitos objectivos, o que significa que o legislador não adoptou um critério abstracto de aptidão edificativa – já que, em abstracto, todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, é passível de edificação – mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa.
Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do CE, considera-se “solo apto para construção”, o que dispõe de infra-estruturas urbanísticas [alínea a)]; o que, dispondo apenas em parte de infra-estruturas urbanísticas, se encontra inserido em núcleo urbano [alínea b)]; o que é qualificado como tal em instrumento de gestão territorial [alínea c)]; o que possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública [alínea d)].
De acordo com o n.º 3 do preceito indicado, todo o solo que não deva ser considerado como “solo apto para construção”, por não observar um dos requisitos objectivos enunciados, considera-se “solo para outros fins”.
Os critérios referenciais do cálculo do valor do solo variam consoante o solo expropriado se reconduza a uma ou outra categoria.
O artigo 26.º do CE contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo apto para construção.
Nos termos do seu n.º 1, o valor dessa espécie de solo “calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º”.
Para o efeito, atende-se, nisso consistindo o primeiro critério referencial, à média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas numa zona preestabelecida (artigo 26.º, n.º 2); apurando-se, nisso consistindo o segundo critério referencial legalmente estabelecido, o cálculo do solo apto para construção em função do custo da construção em condições normais de mercado (artigo 26.º, n.º 4).
O artigo 27.º do CE contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo para outros fins. O n.º 1 do preceito contém uma disposição paralela à do n.º 2 do artigo 26.º.
À semelhança do disposto no n.º 4 do artigo 26.º, também em relação ao cálculo do valor do solo para outros fins entendeu o legislador fixar um segundo critério referencial, para o caso de não se revelar possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1 do artigo 27.º, determinando que “o valor do solo para outros fins será calculado tendo em conta os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo cálculo”.
É, pois neste contexto – ou seja, no contexto de um sistema dotado da unidade de sentido que acabámos de apreender – que deve ser resolvida a questão de saber é ou não inconstitucional o disposto no nº 4 do artigo 26.º do CE, segundo o qual a indemnização deve ser fixada tendo em conta o “custo” da construção (no caso, bem entendido, de expropriação de “solo apto para construção”, que é o que ocorre no caso).
6. Ora parece bem evidente que a resposta terá que ser negativa.
Nesse sentido, aliás, já decidiu o Tribunal no Acórdão nº 381/2012. Disse-se então:
O Código das Expropriações de 1999, à semelhança do que havia sucedido com as leis que o antecederam, apontou como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação de um terreno com esta aptidão, a construção que nele era possível efetuar num aproveitamento económico normal.
Efetivamente, nos terrenos com esta aptidão o seu valor venal não é determinado diretamente pelas suas características físicas atuais, mas sim por aquilo que nele é possível edificar. É essa potencialidade que lhe confere um especial valor no mercado que deve ser considerado para efeitos de atribuição de uma indemnização justa pela sua expropriação.
Como critério principal para a determinação deste valor o legislador do Código das Expropriações de 1999, optou por se socorrer da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10% (artigo 26.º, n.º 2).
Contudo, devido à difícil praticabilidade da elaboração pelos serviços competentes do Ministério das Finanças de uma lista das referidas transações e avaliações fiscais e os respetivos valores, este critério não tem funcionado, o que tem obrigado os tribunais a utilizarem o critério subsidiário previsto no n.º 4, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, cuja constitucionalidade se encontra neste recurso sob fiscalização (o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 131/2001, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, não julgou inconstitucional o critério constante do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, que não apresentava diferenças substanciais relativamente ao critério aqui sob fiscalização).
Dispõe este preceito que o valor dos solos com esta aptidão se calcula em função do custo da construção que nele é possível erigir, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes do mesmo artigo 26.º.
Conforme resulta do disposto nesses números, o valor da indemnização corresponderá a uma percentagem do “custo da construção”, obtido num juízo de prognose, tendo em atenção o grau de influência que as específicas características do terreno em causa determinam no valor final do prédio edificado.
A expressão “custo da construção” é algo equívoca, tanto podendo referir-se, abstratamente, aos custos da sua realização (materiais, mão de obra, projetos, etc…), como aos custos da sua aquisição pelo consumidor (no Acórdão n.º 677/2006, deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, julgou-se inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de equiparar ao custo da construção o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do solo apto para construção”, sendo essa também a opinião de ALVES CORREIA, em Manual de Direito do Urbanismo, vol. II, pág. 287, da ed. de 2010, da Almedina).
Nos diversos números do artigo 26.º utilizam-se indistintamente as expressões “valor da construção” e “custo da construção”, como se referindo à mesma realidade. E o disposto no n.º 5, do mesmo artigo 26.º, para cujos termos remete o anterior n.º 4, não deixa dúvidas sobre o significado daquela expressão quando dispõe que na determinação do “custo da construção” se atende, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
Conforme resulta do artigo 61.º, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 7 de fevereiro, até à publicação de um novo regime, mantêm-se em vigor o regime de renda condicionada a que se reporta o revogado Regime do Arrendamento Urbano (RAU), constante do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de agosto, no artigo 5.º, regulou o preço de venda dos fogos de habitação social.
Em ambos os casos, o preço das construções por metro quadrado é fixado anualmente, por zonas do país, por portaria, referindo-se esses valores não a custos de produção mas sim a custos de aquisição pelo consumidor (João Pedro Melo Ferreira, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 192-193, da 4.ª ed., da Coimbra Editora, e Luís Perestrelo de Oliveira, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 101-102, da 2.ª ed., da Almedina, defendem também esta interpretação do termo “custo da construção”, como a única que forneceria um valor comparável).
Estes são meros valores de referência a que o julgador deve atender na fixação da indemnização, sem prejuízo de poder utilizar o poder que lhe confere o atual n.º 4, do artigo 23.º, do Código das Expropriações – sem prejuízo do disposto nos n.º 2 e 3, do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artigo 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
O legislador entendeu que, nestes casos, o valor da indemnização a atribuir pela expropriação deste tipo de terrenos deveria consistir numa percentagem a fixar pelo julgador dentro de determinados limites e tendo em conta determinados parâmetros definidos nos números 5 e seguintes, do mesmo artigo 26.º, do Código das Expropriações, sobre o valor de aquisição que teria o prédio constituído por esse terreno, caso se encontrasse edificado em condições de normalidade.
Simula-se que no terreno expropriado foram erguidas as construções que nele são permitidas, atribui-se um valor a esse prédio idealizado e, finalmente, calcula-se qual a percentagem que nesse valor assume o referido terreno, sendo o resultado a quantia a pagar pela expropriação do mesmo.
É este, em suma, o critério subsidiário definido no artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações.
Ora, reconhecendo-se que é a potencialidade construtiva deste tipo de terrenos que lhe confere um especial valor no mercado, o critério analisado, apesar de se basear em juízos de probabilidade e normalidade, ao ter como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação o valor de aquisição do prédio com a construção que nele era possível efetuar num aproveitamento económico normal, valoriza precisamente essa potencialidade edificativa, pelo que a sua aplicação permite ao julgador encontrar um valor que respeite a ideia de justa indemnização exigida pelo artigo 62.º, da Constituição.
(…)
Por estas razões, não se verifica que o critério estabelecido no n.º 4, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, viole qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, da Constituição.
É este o juízo que, no presente caso, se reitera.
III – Decisão
Por estes motivos, o Tribunal decide:
a) Não julgar inconstitucional o disposto no n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixadas em 25 unidades de conta da taxa de justiça.
Lisboa, 19 de novembro de 2013. – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.