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Processo n.º 280/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
             Acordam, na 3.ª Secção, no Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. A., ora recorrente, foi condenado no Tribunal do Círculo Judicial de Viana do 
 Castelo, por sentença de 11 de Outubro de 2007, num processo iniciado em 2005, 
 pela prática de dois crimes de homicídio na forma tentada, na pena única de 5 
 anos de prisão, em cúmulo jurídico das penas de 4 anos e de 3 anos de prisão. 
 Por acórdão de 29 de Setembro de 2009, o Tribunal da Relação de Guimarães 
 confirmou sentença condenatória. 
 O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, que 
 não foi admitido. O arguido reclamou então para o Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça, sustentando que o acórdão da Relação de Lisboa seria recorrível ao 
 abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código do Processo Penal, na 
 redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, regime 
 que lhe deveria ser aplicado por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do 
 artigo 5.º do mesmo Código, por ser aquele que vigorava quando o processo foi 
 instaurado. Alegou, ainda, que a interpretação do disposto no artigo 5.º e no 
 artigo 400.º do Código do Processo Penal no sentido de que a lei aplicável é a 
 vigente no momento da prolação da decisão em 1.ª instância seria 
 inconstitucional, por limitar um direito constitucionalmente consagrado no n.º 1 
 do artigo 32.º da Constituição. 
 A reclamação foi indeferida com os seguintes fundamentos:
 
 “ […]
 No domínio dos recursos, e das normas que disciplinam a competência em razão da 
 hierarquia, a nova redacção do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, dispõe 
 que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis 
 proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.
 E o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na nova redacção após a Lei n.º 48/2007, 
 determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, 
 pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de 
 prisão não superior a oito anos. Na redacção anterior, o critério da 
 recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias (“dupla conforme”) 
 partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada. 
 A influência das modificações da lei de processo penal nos processos pendentes – 
 nos pressupostos, nos actos, na regulação sobre a prática e sobre as condições 
 de validade dos actos – pode ter consequências mais ou menos intensas, 
 requerendo fórmulas de resolução que permitam definir a lei aplicável. 
 O CPP contém norma – o artigo 5.º – que dispõe a este respeito que a nova lei se 
 aplica imediatamente (isto é, também aos processos iniciados anteriormente à sua 
 vigência), sem prejuízo, naturalmente, da validade dos actos realizados na 
 vigência da lei anterior – artigo 5º, n.º 1, tudo na decorrência do princípio 
 processual tempus regit actum. 
 Todavia, no respeito por princípios materiais ligados à posição do arguido, ou 
 por exigências de coerência sistemática e harmonia intra-processual, a lei nova 
 não se aplicará aos processos iniciados anteriormente quando da aplicabilidade 
 imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação 
 processual do arguido ou quebra de harmonia e unidade dos vários actos do 
 processo. 
 Nesta confluência de princípios e de compatibilidade entre a regra tempus regit 
 actum e a posição processual de arguido, vista esta na perspectiva processual 
 material das garantias de defesa, a modificação do sistema de recursos, ou das 
 regras sobre a admissibilidade do recurso podem suscitar problemas específicos. 
 A instância (a fase) de recurso tem autonomia relativa, mas processualmente 
 relevante, na estrutura e na dinâmica do processo, tanto nos pressupostos em que 
 o recurso é admissível, como nas sequências estritamente procedimentais de 
 desenvolvimento e julgamento. 
 Estando, por isso, em causa o exercício de direitos processuais de um sujeito 
 processual, que são inerentes e se confundem com a própria fase de recurso, o 
 momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respectivos 
 pressupostos de exercício será aquele (ou a prática do acto) que primeiramente 
 define no processo a situação do sujeito interessado e que seja susceptível de 
 ser questionada como objecto do recurso com a abertura da respectiva fase. 
 No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do 
 direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de 
 que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos 
 determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o 
 exercício do direito de recorrer. 
 Deste modo, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por 
 consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no 
 momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do 
 próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for primeiramente 
 proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a decisão da primeira 
 instância. 
 No caso, a decisão que primeiro se pronunciou foi proferida, como se referiu, já 
 na vigência do regime de recursos após a entrada em vigor das alterações 
 introduzidas pela Lei n.º 48/2007. 
 Anteriormente a este acto não existia no processo situação processual definida 
 no que respeita aos pressupostos de direito de recorrer, seja na integração do 
 interesse em agir, legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da 
 natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do 
 crime, pena aplicada. 
 Os pressupostos de recorribilidade são, pois, os definidos nesse momento, sem 
 campo de intervenção do artigo 5º, n.º 1, do CPP, por se não contemplar um caso 
 de confluência de regimes. 
 Esta solução resulta também da argumentação e decisão do Acórdão de Fixação de 
 Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.02.09 – Proc. n.º 
 
 1957/08–3.ª, que apenas considerou aplicável a anterior redacção da alínea f) do 
 n.º 1 do art. 400.º do CPP, aos casos em que a decisão de 1.ª instância tivesse 
 sido proferida anteriormente ao início da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto: “nos termos dos artigos 432º, n.º 1, alínea b), e 400º, n.º 1, alínea f) 
 do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, 
 após a entrada em vigor da referida Lei, em processo por crime a que seja 
 aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1.ª 
 instância anterior àquela data.
 
  
 
 2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro 
 
 (LTC), pretendendo com o mesmo ver apreciada a inconstitucionalidade da 
 
 “norma que se extrai dos arts. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 400.º, n.º 1, al. f), 
 do CPPen., este último na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 
 
 29/AGO, quando interpretada no sentido de permitir a aplicação imediata da nova 
 lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência e, 
 desse modo, tornar legalmente inadmissível o recurso do acórdão condenatório 
 proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1ª instância e 
 aplique pena de prisão não superior a 8 (oito) anos, quando daí resulte uma 
 manifesta agravação da situação processual do arguido, resultante da supressão 
 da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que era 
 expressamente estabelecida e salvaguardada na lei antiga.”
 
  
 
  
 
 3. Prosseguindo o recurso os seus trâmites, o recorrente apresentou alegações em 
 que acusa a interpretação normativa que presidiu à inadmissibilidade do recursos 
 de violar “os seguintes preceitos e princípios da nossa Lei Fundamental”:
 
  
 
 “30. Com efeito, semelhante norma interpretativa viola frontalmente, entre 
 outros, os seguintes preceitos e princípios da nossa Lei Fundamental: 
 a) o art. 2.º da C.R.P., que consagra o princípio fundamental do Estado de 
 Direito, a que estão inerentes as ideias de jurisdicidade, constitucionalidade e 
 direitos fundamentais, concretizado nos seguintes subprincípios: 
 
 - no subprincípio do Estado constitucional ou da constitucionalidade, consagrado 
 no art. 30, n.º 3 da C.R.P., segundo o qual, e para além do mais, a validade das 
 leis e demais actos do Estado depende da sua conformidade com a Constituição; 
 
 - no subprincípio da reserva de lei em matéria de restrição de direitos, 
 liberdades e garantias, resultante do art. 18.º da C.R.P.; 
 
 - no subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, 
 consagrado nos arts. 20.º e 205.º e ss. da C.R.P., segundo o qual, e para além 
 do mais, a todos é garantido o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos 
 seus direitos e interesses legítimos, incumbindo aos Tribunais, na administração 
 da justiça, a defesa desses mesmos direitos e interesses legalmente protegidos; 
 
 - no subprincípio da protecção da confiança, que se encontra desde logo 
 manifestado no art. 18.º, n.º 3 da C.R.P., segundo o qual as leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, para além de deverem revestir carácter geral e 
 abstracto, não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos 
 preceitos constitucionais; 
 
 - no subprincípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, aflorado em 
 diversas normas da C.R.P. e que assume particular relevância na limitação das 
 restrições de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (cfr., p. ex., art. 
 
 18.º, n.º 2 da C.R.P.); e, 
 
 - no subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo 
 procedimento, aflorado em diversos preceitos da C.R.P. e segundo o qual a todos 
 
 é garantido um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de 
 realização do direito (são manifestações deste subprincípio, entre outras, as 
 várias garantias do processo judicial, válidas sobretudo para o processo penal, 
 como p. ex., o princípio da igualdade processual - art. 13º da C.R.P. -, o 
 princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais - art. 32º 
 da C.R.P. - e o princípio do contraditório - art. 32.º, n.º 3 da C.R.P.). 
 b) o art. 32º da C.R.P., que consagra o princípio fundamental da plenitude das 
 garantias de defesa, que tem como corolário lógico, entre outros, o direito ao 
 recurso. 
 
  
 E que remata com as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1. Em causa nos presentes autos está um processo crime iniciado em 2005 e em 
 cujo âmbito o ora recorrente foi constituído arguido no dia 30/SET desse ano, 
 vindo depois a ser julgado e condenado em 1ª instância, por acórdão de 
 
 11/OUT/2007, como autor material de dois crimes de homicídio na forma tentada, 
 nas penas parcelares de 4 (quatro) anos de prisão quanto a um deles e de 3 
 
 (três) anos de prisão quanto ao outro, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 
 
 (cinco) anos de prisão; 
 II. Nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPPen., na redacção 
 vigente à data em que o presente processo foi instaurado e em que o aqui 
 recorrente foi constituído como arguido – data essa que é muito anterior às 
 alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/AGO –, era e é 
 inquestionável a admissibilidade legal do recurso que aquele interpôs para o 
 S.T.J., uma vez que estão em causa dois crimes (de homicídio tentado) puníveis, 
 cada um deles, com pena de prisão superior a oito anos; 
 III. Por força do preceituado no art. 5º, n.º 2, al. a), do CPPen., que 
 expressamente proíbe a aplicação imediata da nova lei aos processos iniciados 
 anteriormente à sua vigência, quando daí resulte agravamento da situação 
 processual do arguido, nunca poderia ou poderá ser aplicável in casu a nova 
 redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPPen., que suprimiu um grau de 
 recurso cuja admissibilidade estava expressamente prevista na anterior redacção 
 desse mesmo preceito, passando a estabelecer a irrecorribilidade de acórdãos 
 condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1 
 a instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; 
 IV. O direito ao recurso, como direito fundamental de defesa que é, nasce, pelo 
 menos, no momento em que o arguido é como tal constituído, e não no momento em 
 que é proferida a decisão condenatória em 1ª instância, pelo que interpretar o 
 inciso «processos iniciados» como o Sr. Juiz-Conselheiro Presidente do S.T.J., 
 fazendo coincidir aquele momento ou fase processual com o da decisão 
 condenatória proferida em 1.ª instância é subverter o direito, com grave 
 postergação do que a C.R.P. impõe em matéria de garantias de defesa do arguido; 
 V. O que está verdadeiramente em causa na situação em apreço não é saber se o 
 direito ao recurso em sede penal, que é um direito fundamental do arguido e 
 passou a constar expressamente do art. 32.º, n.º 1, da C.R.P. (após a 4a revisão 
 constitucional), implica sempre a salvaguarda de um duplo, triplo ou até 
 quádruplo grau de jurisdição, mas, isso sim, saber se é legítimo ao Julgador 
 fazer uma interpretação claramente violadora da norma que proíbe a aplicação 
 imediata da nova lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à 
 sua vigência, quando daí resulte a agravação da situação processual do arguido, 
 v. g., por força da supressão de um grau de recurso efectivamente estabelecido e 
 salvaguardado na lei antiga, desconsiderando-se para tanto a referência textual 
 que essa mesma norma faz ao momento em que os processos têm início, de molde a 
 reportá-la ao momento em que se inicia a fase do recurso, que só surge com a 
 prolação da decisão que virá a ser impugnada; 
 VI. Nesta conformidade, o despacho exarado a fls. 1003 dos autos violou 
 frontalmente o disposto, entre outros, nos arts. 5º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 
 
 400.º, n.° 1, al. f), do CPPen., este último na redacção anterior à que lhe foi 
 dada pela Lei n.º 48/2007, de 29/AGO, pelo que deveria ter-se atendido a 
 reclamação deduzida pelo ora recorrente e, em consequência, receber-se o recurso 
 que o mesmo interpôs para o S.T.J., seguindo-se os ulteriores trâmites 
 processuais; 
 VII. Não tendo sido assim entendido pelo Sr. Juiz-Conselheiro Presidente do 
 S.T.J., então tem o recorrente igualmente como certo que enferma de manifesta 
 inconstitucionalidade a norma que se extrai dos arts. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 
 
 400.º, n.º 1, al. f), do CPPen., este último na redacção que lhe foi dada pela 
 Lei n.º 48/2007, de 29/AGO, quando interpretada – tal como fez aquele Ilustre 
 Magistrado – no sentido de permitir a aplicação imediata da nova lei processual 
 penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência e, desse modo, tornar 
 legalmente inadmissível o recurso do acórdão condenatório proferido, em recurso, 
 pela relação, que confirme decisão de 1a instância e aplique pena de prisão não 
 superior a 8 anos, quando daí resulte uma manifesta agravação da situação 
 processual do arguido, resultante da supressão da admissibilidade de recurso 
 para o S.T.J., que era expressamente estabelecida e salvaguardada na lei antiga; 
 
 
 VIII. Semelhante norma interpretativa, com efeito, viola frontalmente, entre 
 outros, os preceitos e princípios da nossa Lei Fundamental que se deixaram 
 enunciados supra, no item 30 das presentes alegações e, de resto, constavam já 
 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 O Ministério Público apresentou a sua contra-alegação, em que começa por referir 
 não haver rigorosa coincidência entre a norma que o recorrente identifica como 
 objecto do recurso e a aplicada pela decisão recorrida. Sustenta, depois, como 
 já alegou no Proc. 540/08, em que foi proferido o acórdão n.º 263/2009 a negar 
 provimento ao recurso, que a norma em causa, privilegiando o momento em que é 
 proferida a decisão de 1.ª instancia, confere tutela bastante ao interesse 
 constitucional subjacente ao artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do CPP. Em suma, não 
 estando garantido constitucionalmente o triplo grau de jurisdição, o critério 
 normativo adoptado pela decisão recorrida não viola os princípios constantes dos 
 artigos 32.º, n.º 1, conjugado com os artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 29.º, n.º 4 da 
 Constituição. E também não viola o princípio da confiança, ínsito no artigo 2.º 
 da Constituição, não procedendo aqui as razões da jurisprudência constitucional 
 relativa à supressão do recurso por efeito da aplicação imediata da lei nova que 
 eleve o valor das alçadas (p. ex. acórdão n.º 287/90), porque não existe em 
 processo penal tradição jurídica no sentido de os pressupostos de recurso serem 
 sempre os legalmente fixados no momento em que o processo se iniciou. 
 Termina, com as seguintes conclusões: 
 
 “1. Uma vez que a dimensão normativa que se pretende ver apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, não coincide integralmente com a aplicada, como ratio decidendi, 
 na decisão recorrida, não deverá conhecer-se do recurso.
 
 2. A norma que se extrai dos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 400.º, n.º 1, 
 alínea f), do Código de Processo Penal, este último na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, em 
 processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é 
 admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas 
 relações, que confirmem decisão de 1ª instância, proferida após a entrada em 
 vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, não 
 viola o artigos 29.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, não sendo, por isso, 
 inconstitucional.
 
 3. Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
 4. O recorrente foi notificado para responder à questão do não conhecimento do 
 objecto do recurso suscitada pelo Ministério Público, nada tendo alegado.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
 5. Cabe, em primeiro lugar, verificar se há coincidência entre a norma aplicada 
 pela decisão recorrida e a norma que o recorrente submete à apreciação do 
 Tribunal no presente recurso. Questão que o Ministério Público suscitou, a que o 
 recorrente não respondeu e que, a proceder, conduzirá ao não conhecimento do 
 objecto do recurso 
 Afigura-se que a divergência é meramente aparente. Há identidade substancial 
 entre o enunciado pelo recorrente e o critério normativo utilizado pelo despacho 
 recorrido na decisão da concreta questão que tinha para resolver, que era a de 
 saber se a nova lei processual penal que não admite recurso para o Supremo é 
 aplicável a um processo iniciado na vigência do regime anterior que o admitiria.
 
 É certo, como o Ministério Público sustenta, que do enunciado da norma sujeita a 
 apreciação há que excluir a expressão “quando daí resulte uma manifesta 
 agravação da situação processual do arguido”. A interrogação concreta era 
 precisamente a de saber qual o critério adequado para decidir se havia agravação 
 sensível da situação processual do arguido na aplicação do novo regime de 
 recursos, que é uma das hipóteses em que o artigo 5.º do CPP admite o 
 afastamento da regra da aplicação imediata da lei. Aquela expressão traduz uma 
 diferente avaliação por parte do recorrente do resultado do critério normativo 
 utilizado pelo despacho recorrido para resolver essa questão e não propriamente 
 um elemento da norma em que esse critério se analisa. 
 Mas o que resta do enunciado através do qual o recorrente procede à 
 identificação do objecto do recurso é compatível com a interpretação de que o 
 que se pretende submeter à apreciação do Tribunal não é senão a regra de 
 aplicação da lei processual penal no tempo adoptada pelo despacho recorrido de 
 que resulta não serem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça decisões da 
 Relação confirmativas de penas de prisão inferiores a 8 anos que, por aplicação 
 do regime em vigor quando o processo fora instaurado, o permitiriam.
 
  Assim, o julgamento terá como objecto a norma extraída do n.º 1 e da alínea a) 
 do n.º 2 do artigo 5.º, em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º 
 do Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, interpretada 
 no sentido de que não é admissível recurso de acórdão proferido em recurso pelas 
 relações que confirme decisão de 1.ª instância proferida após a entrada em vigor 
 da referida lei e que aplique pena de prisão não superior a 8 anos, quando por 
 aplicação do regime vigente à data da instauração do processo esse recurso seria 
 admissível.  
 
  
 
             6. A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, modificou os pressupostos de 
 recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em 
 recurso, pelas relações que confirmem decisão condenatória de 1.ª instância: a 
 chamada “dupla conforme”.
 
             Assim, a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP que anteriormente 
 dispunha não ser admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em 
 recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por 
 crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso 
 de concurso de infracções” passou a dispor que não é admissível recurso “de 
 acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem 
 decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicada pena de 
 prisão não superior a 8 anos”. Na redacção anterior, o critério de 
 recorribilidade em caso de decisões idênticas das instâncias partia da pena 
 aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada.
 
             Na interpretação pressuposta no despacho recorrido, que não cabe na 
 competência do Tribunal Constitucional censurar, o acórdão da Relação seria 
 recorrível se fosse aplicável o regime legal vigente no momento em que o 
 processo foi instaurado e o recorrente foi constituído arguido, uma vez que a 
 pena aplicável tinha um limite máximo superior a 8 anos de prisão. Mas não é 
 recorrível face ao regime emergente da Lei n.º 48/2007, porque a pena aplicada, 
 quer a qualquer dos crimes em concurso, quer a pena única, é inferior a 8 anos 
 de prisão. E foi este último regime que por aplicação das regras do artigo 5.º 
 do CPP se considerou reger a admissibilidade do recurso, considerando que da 
 aplicação imediata da lei nova não resultava agravamento da posição do arguido, 
 porque o momento determinante da definição da situação do arguido no que 
 respeita à admissibilidade do recurso é a data em que tenha sido proferida a 
 sentença condenatória de 1.ª instância.
 
             Note-se que esta não seria a única interpretação possível da alínea 
 f) n.º 1 do artigo 400,º do CPP na anterior redacção. Chegou a ser sustentado um 
 outro entendimento deste preceito – aliás, não julgado inconstitucional pelo 
 acórdão n.º 64/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio 
 de 2006 – segundo o qual, embora a lei cominasse abstractamente pena superior a 
 
 8 anos de prisão para o crime em causa, seriam irrecorríveis os acórdãos 
 confirmatórios quando não pudesse ser aplicada pelo Supremo pena superior a esse 
 limite por virtude da proibição da reformatio in pejus. Não é este o 
 entendimento pressuposto no despacho recorrido. Se o fosse, nenhum problema de 
 escolha material de regimes processuais em sucessão se levantaria porque, à luz 
 de qualquer deles, o recurso sempre seria inadmissível, uma vez que só o arguido 
 recorreu.
 
                Importa, portanto, apreciar se viola qualquer das regras e 
 princípios constitucionais que o recorrente invoca o entendimento de que os 
 pressupostos do direito de aceder ao Supremo Tribunal de Justiça em via de 
 recurso são os definidos pelo regime processual vigente à data em que é 
 proferida a sentença condenatória que a decisão da Relação tenha confirmado, 
 ainda que mais restritivo quanto à admissibilidade do recurso do que aquele que 
 vigorava no momento em que o processo se iniciou.
 
  
 
 7. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de 
 que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em 
 processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas 
 também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um 
 duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na 
 discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à 
 mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis 
 ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado 
 reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos 
 casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa 
 ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que 
 era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da 
 República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso 
 apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não 
 assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor 
 gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não 
 ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o 
 arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da 
 Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à 
 condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).
 
  
 
 8. Porém, o problema colocado não é exactamente este, mas o de saber se é 
 constitucionalmente admissível suprimir, mediante a aplicação da lei nova a 
 processos pendentes, um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que era 
 consentido pela lei vigente no momento em que o processo foi instaurado.
 O artigo 5.º do Código de Processo Penal institui a regra de que a lei 
 processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos 
 realizados na vigência da lei anterior (tempus regit actum). Com duas excepções 
 
 (n.º 2 do artigo 5.º). A lei processual penal não se aplica aos processos 
 iniciados anteriormente à sua entrada em vigor quando da sua aplicabilidade 
 imediata possa resultar: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação 
 processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; b) 
 quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
 O Tribunal tem admitido que a questão de constitucionalidade dos regimes de 
 aplicação da lei processual penal no tempo pode e deve ser vista à luz do 
 princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido constante 
 do nº 4 do artigo 29º da nossa Lei Fundamental. Segundo esta jurisprudência, o 
 domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva, 
 antes deverá ser alargado até ao ponto de serem colocadas sob a sua protecção 
 certas situações em que esteja em causa uma norma processual penal de natureza 
 material. A projecção dessas normas no processo e na responsabilização penal do 
 arguido não pode deixar de ter‑se por intimamente conexionada com o próprio 
 princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida.
 Diz-se, a este propósito no acórdão n.º 247/09, in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, em que o Tribunal apreciou uma outra modificação 
 introduzida pela Lei 48/2007, que igualmente suprimiu um recurso admissível face 
 
 à lei vigente no momento da prática dos factos (a aplicação a processo criminal 
 já pendente de uma nova lei que determinou a irrecorribilidade das decisões 
 instrutórias na parte em que apreciam a existência de nulidades e outras 
 questões prévias ou incidentais, quando o arguido é pronunciado pelos factos 
 constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público):
 
  
 
 “Entre os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal 
 encontram-se os princípios da não retroactividade da lei penal desfavorável, que 
 se traduz na impossibilidade de ser aplicada lei que qualifique como crimes ou 
 que agrave as penas relativamente a factos que lhe são anteriores, valendo 
 apenas para o futuro, e o da retroactividade da lei penal mais favorável que 
 impõe que a lei despenalizadora ou que puna menos severamente determinado crime 
 se aplique aos factos passados (artigo 29.º, n.º 1 a 4, da C.R.P.). 
 Na doutrina tem-se sustentado que, na medida imposta pelo conteúdo de sentido 
 destes princípios, eles também são aplicáveis a algumas normas do processo 
 penal, cuja natureza justifique tal extensão.
 Assim, ainda na vigência da Constituição de 1933, Figueiredo Dias já defendia 
 que “…o princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo 
 sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito 
 processual penal…importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou 
 situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no 
 domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia 
 conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se 
 a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em 
 processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, 
 sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido 
 ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa” (In “Direito 
 Processual Penal”, 1º vol., pág, 112, da ed. de 1974, da Coimbra Editora). E 
 citava em abono desta extensão do âmbito de aplicação do princípio da legalidade 
 penal não só as opiniões de Caeiro da Mata (em “Apontamentos de processo 
 criminal, pág. 31, da 2ª ed.) e de Castanheira Neves (em “Sumários de processo 
 criminal”, 1968), mas também o próprio conteúdo de anteriores preceitos 
 constitucionais (o § 10.º, do artigo 145.º, da Carta Constitucional de 1826, e o 
 n.º 21, do artigo 3º, da Constituição de 1911).
 Apesar da actual Constituição também não enunciar especificamente qualquer 
 critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a 
 defender-se que aqueles princípios são extensíveis não só às normas processuais 
 que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. as relativas à prescrição, 
 ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in 
 pejus), mas também às normas que possam afectar o direito à liberdade do arguido 
 
 (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus direitos 
 fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais 
 substantivas (vide, com cambiantes quanto às razões desta extensão e quanto à 
 fixação do momento-critério da determinação da lei processual aplicável,, MAIA 
 GONÇALVES, em “Código de Processo Penal anotado”, pág. 66-68, da 16.ª ed., da 
 Almedina, FIGUEIREDO DIAS, em “Direito processual penal”, pág. 92-94, ed. pol. 
 de 1988-1989, GOMES CANOTILHO, na R.L.J., Ano 123, pág. 94-96, ANTÓNIO 
 BARREIROS, em “Manual de processo penal”, pág. 237 e seg., da ed. de 1989, da 
 Universidade Lusíada, TAIPA DE CARVALHO, em “Sucessão de leis penais”, pág. 347 
 e seg., da 3ª ed., da Coimbra Editora, MARIA FERNANDA PALMA, em “Linhas 
 estruturais da reforma penal. Problemas de aplicação da lei processual penal no 
 tempo”, em “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, 
 vol. II, pág. 1373-1377, e PEDRO CAEIRO, em “Aplicação da lei penal no tempo e 
 prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, em 
 
 “Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 231 e seg.).
 Foi também no sentido de estender as regras do artigo 29.º, da C.R.P., à 
 sucessão de algumas normas processuais penais que se pronunciaram os acórdãos 
 deste Tribunal n.º 250/92, de 1-7-1992 (em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, vol. 22.º, pág. 709) n.º 451/93, de 15-7-1993 (acessível no 
 site www.tribunalconstitucional.pt), e n.º 183/2001 (em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, vol. 49.º, pág. 667), afastando-se de anterior jurisprudência 
 
 (acórdãos n.º 155/88, de 29-6-1988, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 
 11.º vol., pág. 1049, e n.º 70/90, de 15-3-1990, em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, 15.º vol., pág. 267).
 A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no 
 tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta 
 duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem claramente no 
 
 âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência 
 directa na punição criminal.
 Já relativamente às normas processuais que possam afectar o direito à liberdade 
 do arguido ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, a sua 
 aplicação imediata a processos em curso resulta sempre na atribuição duma 
 eficácia retroactiva imprópria (Pedro Caeiro, na ob. cit., pág. 241-242). Se é 
 verdade que, na aplicação imediata, a nova lei apenas atinge os actos 
 processuais ocorridos após a sua entrada em vigor, o que é certo é que ela acaba 
 por se aplicar a processos iniciados e em que se julgam factos que tiveram lugar 
 no domínio da lei antiga.
 Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade 
 de protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do 
 princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), exige a 
 proibição da aplicação com efeitos retroactivos, mesmo que impróprios, de 
 normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias 
 constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a 
 evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição 
 impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direccionada e 
 intencional o nível de protecção da liberdade e dos direitos fundamentais de 
 defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados.
 Nesta lógica se situa, aliás, a proibição expressa de atribuição de efeito 
 retroactivo às normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias, imposta 
 no artigo 18.º, n.º 3, da C.R.P.”
 São estes os princípios que se reafirmam e a que importa submeter a norma em 
 apreciação.
 Essa norma elege como critério de determinação da lei aplicável em matéria de 
 admissibilidade de recurso de acórdão das relações para o Supremo o momento em 
 que tenha sido proferida a sentença de 1ª instância que seja confirmada pelo 
 acórdão de que se pretende recorrer. Foi este, aliás, o critério adoptado no 
 acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, 
 publicado no Diário da República, I Série, de 19 de Março de 2009, embora 
 aplicado a uma situação inversa daquela que agora está em consideração (a 
 decisão de 1ª instância era anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007). 
 Este critério não pode ser censurado por abrir a porta aos riscos que levam a 
 estender as consequências do princípio constitucional da legalidade penal a 
 certas normas de processo penal respeitantes à situação processual do arguido. 
 Na verdade, só com a sentença fica definida a resposta judicial à pretensão 
 punitiva do Estado. O direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que 
 lhe forem desfavoráveis que passa a integrar o estatuto do arguido (alínea i) do 
 n.º 1 do artigo 61.º do CPP) só se define perante uma concreta decisão que lhe 
 seja desfavorável. É perante o conteúdo desta que se fixam os elementos 
 determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o exercício do 
 direito de recorrer, os pressupostos e o âmbito possível do recurso. Até aí o 
 direito de recorrer, o âmbito do recurso e a sua extensão possível na hierarquia 
 dos tribunais constituem uma mera potencialidade no estatuto do sujeito 
 processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos. Perante essa 
 situação de incógnita – para o arguido, para os restantes sujeitos processuais, 
 para o poder legislativo –, não se verificam as razões que levam a proibir 
 soluções legislativas que comportem o risco de um possível arbítrio ou excesso 
 do poder estatal, diminuindo o legislador (ou gerando objectivamente a suspeita 
 de diminuir), de forma direccionada e intencional, o nível de protecção da 
 liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos em processos 
 concretos já iniciados. 
 Por outro lado, a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória 
 como factor de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o 
 Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, também na perspectiva de 
 que o arguido é livre de escolher e adequar a sua estratégia processual aos 
 meios legais existentes no momento em que exerce determinado direito. Só perante 
 a sentença o arguido saberá se dela discorda e em que termos pode ou lhe convém 
 atacá‑la. Se a lei vigente nesse momento lhe permitir levar o recurso até ao 
 Supremo Tribunal, é legítimo que opte por reservar a discussão de algum aspecto 
 da questão ou a apresentação de determinados argumentos para a fase de recurso 
 perante o Supremo. Ora, a fixação da extensão admissível dos recursos de acordo 
 com a lei vigente no momento da sentença de 1ª instância preserva integralmente 
 essa liberdade e a tutela da confiança no seu exercício, que a escolha da lei 
 vigente em momento posterior, designadamente o do acórdão da relação, poderia 
 vulnerar.
 Mas só isso pode reclamar-se em nome da preservação dos direitos de defesa, não 
 sendo legítimo que o arguido confie em que o sistema de recursos vigente no 
 momento em que o processo é instaurado se mantenha inalterado. Não se concebe a 
 existência de estratégia processual que venha a ser comprometida pela alteração 
 do regime de recursos antes de ter sido proferida a decisão que se pretende 
 atacar, porque só perante esta surge, em concreto, o interesse em recorrer e se 
 define o seu âmbito possível.
 Concluiu-se, por tudo isto, que a solução normativa adoptada no despacho 
 recorrido não infringe os preceitos e princípios constitucionais que o 
 recorrente elenca e que no relatório se mencionaram (No mesmo sentido se decidiu 
 no acórdão n.º 263/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 III. Decisão
 
  
 
 9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao 
 recurso. 
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC.
 Lx. 27/X/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão