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Processo n.º 618/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 405/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), foi interposto recurso, em 22 de maio de 2013 (fls. 323 a 327), de acórdão proferido, em conferência, pela 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 08 de maio de 2013 (fls. 309 a 317), para que sejam apreciadas as seguintes questões:
i) «Inconstitucionalidade da dimensão normativa e interpretação à mesma associada, do art. 180º CP, por violação dos arts. 20º e 26º CRP bem como dos princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, segundo a qual não comete o crime de difamação o credor que dispondo de título executivo, consciente de que poderia valer o seu direito de crédito pelo recurso às instâncias judiciais, opta previamente a tal recurso, que acaba por concretizar poucos dias depois, pela prática de afixação e divulgação de cartazes/editais a atestar tal dívida e situações de incumprimento contratual, junto e nas imediações da residência dos devedores e seus veículos, submetendo os mesmos a um achincalhamento público e dando a conhecer a terceiros, por ação da sua conduta, tais factos ocultos que em nada aumentam a consideração social dos visados» (fls. 325);
ii) «Não conformidade à Lei Fundamental, pelos mesmos fundamentos, da interpretação da dimensão normativa do art. 1º CPC no sentido de perante uma situação de incumprimento contratual ser lícito à parte credora, e tido como realização de interesse legítimo, em alternativa e previamente ao recurso aos meios judiciais, na vertente de modalidade tida por adequada de dirimir litígios dada a intervenção de um terceiro imparcial, o recurso à afixação/distribuição de editais a conter a situação de incumprimento, sujeitando os credores à publicidade de tal facto negativo para a sua honra e consideração social bem como a suportar tal vexame, atuando como se oficial de justiça ou agente de execução fosse» (fls. 325)
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Logo no despacho proferido no tribunal “a quo”, a 26 de junho de 2013, ao abrigo do n.º 1 do artigo 76º da LTC, que admitiu o recurso se ressalvou a latência de um fundamento de não conhecimento do objeto do recurso então interporto: «(…) embora se não vislumbre qual norma este tribunal aplicou e cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada durante o processo» (fls. 334). Apesar da admissão do recurso – ainda que sob reserva –, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Conforme já notado pelo despacho de admissão, quanto ao artigo 180º do Código Penal, o recorrente não identificou qualquer questão que se revista de uma verdadeira natureza normativa. Pelo contrário, o recorrente limita-se a enunciar as circunstâncias fácticas concretas que estiveram em discussão nos autos de processo-crime ora recorridos, pretendendo, no fundo, que o Tribunal Constitucional se substitua ao tribunal recorrido na apreciação sobre se tais factos concretos – alguns deles nem sequer dados como provados – permitem ou não o preenchimento dos elementos típicos do crime de difamação.
Na medida em que o Tribunal Constitucional só tem poderes para fiscalizar a constitucionalidade de “normas jurídicas” (ou de “interpretações normativas”), que se revistam de uma mínima generalidade e abstração – assim, ver o artigo 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) –, mais não resta do que recusar conhecer do objeto do recurso, quanto a esta parte, por manifesta ausência de dimensão normativa.
Esta conclusão sai ainda reforçada pela circunstância de que, mesmo que se admitisse haver uma interpretação normativa – o que não se concede, mas por mera exaustão de fundamentação se pondera –, sempre seria forçoso concluir que ela nem sequer corresponde à que foi aplicada pela decisão recorrida, já que esta nunca considerou que a conduta do arguido/recorrido consubstanciasse a divulgação de juízos de valor lesivos da honra, mas apenas de factos documentados num título executivo. Assim sendo, por força do artigo 79º-C da LTC, acabaria sempre por concluir-se pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, na medida em que aquela concreta configuração normativa não foi aplicada.
Quanto a uma alegada inconstitucionalidade de interpretação normativa extraída do artigo 1º do Código de Processo Civil (CPC), torna-se evidente que a decisão recorrida nunca aplicou sequer aquele preceito legal e, muito menos, o erigiu a fundamento determinante da decisão, a final, proferida. Como tal, por força do artigo 79º-C da LTC, fica igualmente prejudicado o conhecimento do objeto do recurso, quanto a esta parte.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s.»
2. Inconformada com a decisão proferida, a recorrente veio deduzir a seguinte reclamação, cujos termos ora se sintetizam:
«I) Considerações gerais
Mediante douta decisão sumária, proferida pelo Ex.ma Juiz Conselheira relatora, foi decidido não se tomar conhecimento do objeto do recurso apresentado.
Ora, tal douta decisão não deixa de ser curiosa e surpreendente na sua fundamentação…
O presente recurso foi objeto de decisão sumária de não conhecimento em nome da ausência de aplicação das concretas configurações normativas.
Ademais, para efeitos de fundamentação chega-se a afirmar que alguns factos nem foram dados como provados.
Apenas uma distração poderá suportar tal afirmação uma vez que, tal qual ressalta dos autos, o processo não chegou sequer a julgamento.
E apenas não chegou porque o Tribunal a quo entende que tal factualidade não é crime.
E, salvo o devido respeito, se entende que não é crime, fará uma interpretação normativa do art. 180º CP em termos restritivos, havendo assim uma efetiva aplicação e dimensão normativa.
Na verdade, toda e qualquer factualidade terá de ser aferida à luz de uma subsunção jurídica.
Ao proferir despacho de não pronúncia e posterior confirmação judicial de tal douta decisão não deixa de estar subjacente uma interpretação de tal artigo do Código Penal.
E é relativamente a essa dimensão normativa, a implicar não punibilidade do ilícito, que se suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Referiu o Tribunal a quo que não vislumbrava qual a norma aplicada e cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada no processo.
Ora, com o devido respeito, ao efetuar um juízo de valor sobre o que seja ou não crime, haverá sempre uma interpretação normativa.
De facto, o Tribunal a quo entende que os factos não constituem crime, pelo que não deixou de os fazer subsumir à luz do art. 180º CP.
É esta a norma aplicada, ainda que no sentido do seu não preenchimento.
Não se percebe assim tal apego literal a tal referência do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que efetivamente aplicou uma dimensão normativa que se tem por inconstitucional!
II) Da opção pela decisão sumária e (des)proporcionalidade
Primeiramente, e antes de mais, tecer unicamente umas singelas palavras sobre a decisão em sede de decisão sumária, prévia ao oferecimento de alegações.
Em modesto entender do signatário, trata-se de uma restrição desproporcionada dos direitos da recorrente, presidindo ao recurso apresentado unicamente o sentimento de injustiça e de disformidade face a um Direito penal justo e processualmente conforme.
Houvesse oportunidade de se ter oferecido alegações, como expressamente se manifestou tal intenção na penúltima página do requerimento de recurso, para efeitos de melhor corporalização dos fundamentos e razões inerentes ao mesmo, muito provavelmente teriam sido dissipadas as dúvidas e lapsos sobre as quais navega a douta decisão sumária…
Em alternativa ao uso de tal meio desproporcionado sempre deveria/poderia o Tribunal ter feito uso da prerrogativa plasmada no nº. 5 do art. 75º-A da Lei do Venerando Tribunal Constitucional por forma a que a recorrente suprisse qualquer eventual lacuna ou aperfeiçoasse o teor do requerimento.
Na verdade, em matéria de privação de direitos, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade, proibição do excesso ou da racionalidade).
Todavia, para que não restem/hajam dúvidas, não se defende em abstrato nenhum direito subjetivo a apresentar alegações e aceita-se que em certos casos, por questões de celeridade processual, manifesta simplicidade ou ostensiva preterição dos requisitos legalmente fixados para a admissibilidade recursória, deva mesmo ser adotada tal solução decisória após prévia notificação de tal possibilidade e convite ao aperfeiçoamento.
Aquilo que se discute, e discorda, é o facto de no presente caso se não mostrarem verificados tais requisitos para a prolação decisória na forma como a mesma foi feita e que, cumulativamente, radique a mesma numa errada valoração, ponderação e análise do objeto recursório!
Ademais, mostra-se vertido no nº. 2 do art. 78º-A que a decisão sumária que radique na não indicação integral dos elementos exigidos pelos n.os 1 a 4 do art. 75º-A LTC terá de ser necessariamente precedida de notificação nos termos dos n.os 5 e 6 de tal norma.
In casu inexistiu qualquer notificação nesses precisos termos, desde já se alegando preterição de tal formalidade e tendo a douta decisão sumária por contra legem e constituindo manifesta decisão-surpresa!
E basta ver que no tocante à rejeição estará a ausência de uma configuração normativa que tivesse sido aplicada, não podendo deixar de contender com o não preenchimento dos pressupostos processuais.
(…)
Ademais, desconhece-se se o Ministério Público terá emitido parecer bem como qual tenha sido o sentido do mesmo pois não se foi notificado do mesmo.
Todavia, a ter existido, tal não deixa de constituir preterição do direito ao contraditório, uma vez que, não se poderá deixar de ter tal parecer como contrário às pretensões da recorrente e radicado em posição ainda não assumida por tal parte processual ao longo do processo, a impor prévia notificação à decisão-sumária que constituiu… surpresa!
Tem-se por inconstitucional a dimensão normativa e interpretação do nº. 1 do art. 78º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada ausência de aplicação da concreta configuração normativa invocada sem que previamente seja a recorrente notificado nos termos e para efeitos do n.os 5 e 6 do art. 75º-A LTC, visando-se a sua pronúncia e reformulação da respetiva enunciação com adequação aos requisitos legalmente plasmados e consagrados, assim se obstando à proferição de decisões-surpresa nefastas aos seus interesses e direitos.
A simili ter-se-á por disforme à Lei fundamental a dimensão normativa e interpretação do nº. 1 do art. 78º-A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada ausência de aplicação da concreta configuração normativa invocada sem que previamente seja a recorrente notificado do parecer emitido pelo Ministério Público, sempre e quando tenha o mesmo tido lugar e sido proferido no sentido de não conhecimento do recurso interposto.
(…)
III) Da douta decisão sumária
A reclamante não pode deixar de manifestar alguma perplexidade (por proferida por Tribunal de um Estado de Direito!) face à douta fundamentação vertida na douta decisão sumária…
Na verdade, como pode afirmar-se que inexistirá aplicação das concretas configurações normativas invocadas quando é a douta decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra clara em conhecer (negando-a!) a inconstitucionalidade do art. 180º CP bem como a legitimar, do ponto de vista jurídico, a ação do arguido?!
Já se teve oportunidade supra de expor que, em razão das doutas decisões de ausência de configuração dos factos como crime, tal terá de se traduzir numa interpretação da norma penal em causa.
Houve assim, por parte do Tribunal a quo, uma dimensão normativa que foi efetivamente aplicada a ponto de se chegar à conclusão que a factualidade em causa não integraria tal tipo de ilícito de ofensa à honra.
E o juízo decisório radica na concreta configuração normativa apontada: não comete o crime de difamação o credor que dispondo de título executivo, consciente de que poderia valer o direito de crédito pelo recurso às instâncias judiciais, opta previamente a tal recurso, que acaba por concretizar poucos dias depois, pela prática de afixação e divulgação de cartazes/editais a atestar tal dívida e situações de incumprimento contratual, junto e nas imediações da residência dos devedores e seus veículos, submetendo os mesmos a um achincalhamento público e dando a conhecer a terceiros, por ação da sua conduta, tais factos ocultos que em nada aumentam a consideração social dos visados.
Da mesma forma que ressalta legitimada a preterição do recurso aos meios processuais, no sentido de perante uma situação de incumprimento contratual ser lícito à parte credora, e tido como realização de interesse legítimo, em alternativa e previamente ao recurso aos meios judiciais, na vertente de modalidade tida por adequada de dirimir litígios dada a intervenção de um terceiro imparcial, o recurso à afixação/distribuição de editais a conter a situação de incumprimento, sujeitando os credores à publicidade de tal facto negativo para a sua honra e consideração social bem como a suportar tal vexame, atuando como se oficial de justiça ou agente de execução fosse.
Com o devido respeito, entende-se que tal aplicação normativa ressalta do teor da douta decisão proferida, sendo perfeitamente percetível para o comum dos mortais!
Na verdade, seria exigir demasiado que o Tribunal tivesse de expressamente se referir textualmente às concretas dimensões normativas alegadas, quando refere expressamente que os factos “não constituem facto ilícito com relevância penal” e se não verificavam “as inconstitucionalidades alegadas pela recorrente”.
Mas inexistem dúvidas do sentido decisório, legitimando, do ponto de vista penal, a atuação do arguido, uma vez que a não pronúncia não é radicada em qualquer ausência de prática dos factos (aliás confessados!) mas pela diversa subsunção jurídica!
E caso faltasse algum pressuposto sempre deveria a recorrente ser previamente convidada a suprir a sua falta, não sendo lícito, na visão que se tem da realidade e supra já exposta, a proferição imediata de douta decisão sumária de não conhecimento do recurso sem qualquer prévio convite.
(…)»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos, que ora se resumem:
«6º
Ora, concorda-se, inteiramente, com esta conclusão da Ilustre Conselheira Relatora.
Basta ler, com efeito, o requerimento de recurso para este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 331-333 dos autos), para se compreender a justeza da posição da mesma Conselheira Relatora.
7º
Por um lado, o arguido refere a “inconstitucionalidade da dimensão normativa e interpretação à mesma associada do art. 180º CP, por violação dos arts. 20º e 26º CRP bem como dos princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, segundo a qual não comete o crime de difamação o credor que dispondo de título executivo, consciente de que poderia valer o seu direito de crédito pelo recurso às instâncias judiciais, opta previamente a tal recurso, que acaba por concretizar poucos dias depois, pela prática de afixação e divulgação de cartazes/editais a atestar tal dívida e situações de incumprimento contratual junto e nas imediações da residência dos devedores e seus veículos, submetendo os mesmos a um achincalhamento público e dando a conhecer a terceiros, por ação da sua conduta, tais factos ocultos que em nada aumentam a consideração social dos visados” (cfr. fls. 331 dos autos).
Trata-se, com efeito, da enunciação de questões relativas à matéria de facto apreciada pelo tribunal a quo, com dimensão pretensamente normativa, e que levou, aliás, este, a emitir despacho final de não pronúncia do Réu.
Aliás, a ora reclamante facilmente poderia ter evitado o que designa de «achincalhamento público», pagando o que devia, ou devolvendo o carro que utilizava e cujas prestações já se não encontrava em condições de satisfazer.
8º
Por outro lado, relativamente à segunda questão de constitucionalidade, refere a ora reclamante (cfr. fls. 331 dos autos):
“Não conformidade à lei Fundamental pelos mesmos fundamentos, da interpretação e dimensão normativa do art. 1º do CPC no sentido de perante uma situação de incumprimento contratual ser lícito à parte credora, e tido como realização de interesse legítimo, em alternativa e previamente ao recurso aos meios judiciais, na vertente de modalidade tida por adequada de dirimir litígios dada a intervenção de um terceiro imparcial, o recurso à afixação/distribuição de editais a conter a situação de incumprimento, sujeitando os credores à publicidade de tal facto negativo para a sua honra e consideração social bem como a suportar tal vexame, atuando como se oficial de justiça ou agente de execução fosse”.
Valem, aqui, as considerações produzidas relativamente à questão de constitucionalidade anterior.
Por outro lado, é evidente “que a decisão recorrida nunca aplicou sequer aquele preceito legal e, muito menos, o erigiu a fundamento determinante da decisão, a final, proferida”, pelo que tal interpretação, pretensamente normativa, acabou por não integrar a ratio decidendi da decisão impugnada.
9º
Na sua reclamação para a conferência, a ora reclamante veio contrapor, todavia (cfr. fls. 348-349 dos autos):
(…)
Ora, é justamente uma tal atividade subsuntiva, de apreciação dos factos e da sua ponderação jurídica, pelo tribunal a quo, que se encontra, justamente, excluída da apreciação deste Tribunal Constitucional.
10º
Não faz, também, grande sentido, a pretensão, formulada pela reclamante, de este Tribunal Constitucional a convidar a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso (cfr. fls. 349-350 dos autos).
Não estão em causa, com efeito, questões de forma do seu requerimento, mas pressupostos substanciais, que impedem a respetiva apreciação, não sendo, por esse motivo, supríveis.
11º
Não faz sentido, da mesma forma, a referência a possível parecer do Ministério Público (cfr. fls. 350-352 dos autos), que não existiu nos presentes autos e à necessidade da sua eventual notificação à reclamante.
12º
E, muito menos, a referência a uma possível notificação da reclamante, ao abrigo do art. 75º-A, nºs 5 e 6 da LTC, antes de proferida a Decisão Sumária agora reclamada (cfr. fls. 351-353 dos autos).
Como afirmado, por exemplo, no Acórdão 179/11, deste Tribunal Constitucional:
“No que respeita à invocada «nulidade» da decisão sumária reclamada (nºs 59º a 63º da reclamação), é totalmente desprovida de sentido a invocação de que a reclamante devia ter sido previamente ouvida «por 5 dias» sobre a «exposição do Conselheiro Relator». Como é sabido, as decisões sumárias são proferidas pelo relator sem qualquer audiência prévia do interessado, como é próprio deste tipo de decisão «liminar» (cfr. artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Ao interessado assiste, antes, o direito de reclamar da decisão do relator para a conferência, como aconteceu no presente caso (artigo 78º-A, nº 3, da LTC).
13º
O restante requerimento da reclamante (cfr. fls. 352-354 dos autos), limita-se a produzir argumentação já anteriormente por ela apresentada, nada se retirando, por isso, que possa infirmar o sentido da Decisão Sumária reclamada.
14º
Nessa medida, e por todo o exposto, crê-se que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 405/13, de 16 de julho, que determinou a respetiva apresentação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Note-se, antes de mais, que a reclamante não impugna a decisão reclamada, quanto à não aplicação, como “ratio decidendi”, de qualquer interpretação extraída do artigo 1º do Código de Processo Civil (CPC). Fica, por conseguinte, tal questão definitivamente assente, no sentido da sua manifesta não aplicação, pelo tribunal recorrido, o que inviabiliza o conhecimento do objeto do recurso, quanto àquela parte, por estrita aplicação do artigo 79º-C da LTC.
Além disso, a reclamante limita-se a afirmar que a decisão recorrida teria aplicado uma interpretação normativa extraída do artigo 180º do Código Penal (CP), idêntica à que teria sido delimitada como objeto do presente recurso de constitucionalidade. Ora, conforme já bem demonstrado pela decisão reclamada, o presente recurso não só foi alvo de decisão de não conhecimento por aquela norma não ter sido efetivamente aplicada pelo tribunal recorrido, conforme imposto pelo artigo 79º-C da LTC, mas também – e em primeiro lugar – por o modo como a reclamante delimitou o objeto do recurso o ter expurgado, em função do apelo reiterado a circunstâncias concretas que rodearam a questão controvertida nos autos recorridos, de qualquer dimensão verdadeiramente normativa.
Reitera-se, portanto, que a referência feita pela reclamante ao artigo 180º do CP, em sede de requerimento de interposição de recurso, não assume qualquer natureza normativa. E que o Tribunal Constitucional não pode dele conhecer, na medida em que se encontra cingido à fiscalização de normas jurídicas (cfr. artigo 277º, n.º 1, da CRP). Da reclamação apresentada resulta que nem sequer se impugna este fundamento de não conhecimento, limitando-se a reclamante a insistir que a decisão recorrida teria aplicado aquela interpretação normativa. Porém, em momento nenhum logra demonstrar que o objeto do recurso por si interposto assumisse uma efetiva dimensão normativa.
Assim sendo, não faz sentido algum o apelo à alegada preterição do exercício de faculdade de convite ao aperfeiçoamento, por parte da Relatora, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. Ora, a referida possibilidade de convite ao aperfeiçoamento apenas se verifica quando não se tenha procedido à indicação de qualquer dos elementos mencionados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC, mas já não serve para que os recorrentes possam proceder à indicação de um novo objeto do recurso já interposto, no prazo legalmente fixado pelo artigo 75º, n.º 1, da LTC. Conforme resulta de jurisprudência reiterada e unânime do Tribunal Constitucional, a sede própria para fixação do objeto do recurso é o requerimento de interposição e não qualquer outra peça processual subsequentemente deduzida.
Acresce que a reclamante também não lograria aperfeiçoar o requerimento de interposição quanto à manifesta falta de aplicação efetiva, por parte do tribunal recorrido, pois o requerimento de aperfeiçoamento não corresponde ao meio processual adequado para suprir algo que só ao tribunal recorrido cabia decidir. Em suma, os fundamentos de não conhecimento do objeto do presente recurso não eram suscetíveis de serem obviados, por via de aperfeiçoamento, razão pela qual a Relatora não procedeu a qualquer convite, que lhe não era legalmente imposto, atentas as circunstâncias concretas da tramitação dos presentes autos.
Torna-se, portanto, desprovida de qualquer sentido a alegação de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, visto que nem a decisão sumária se fundou exclusivamente na falta de aplicação efetiva – antes tendo considerado, a título principal, que o objeto do recurso não se encontrava dotado de dimensão normativa –, nem tão pouco se verificam os circunstancialismos que justificariam o convite ao aperfeiçoamento.
Por fim, quanto à invocada inconstitucionalidade do mesmo artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, “no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada ausência de aplicação da concreta configuração normativa invocada sem que previamente seja a recorrente notificado do parecer emitido pelo Ministério Público”, torna-se flagrante que a mesma não foi aplicada pela decisão reclamada. Simplesmente porque – conforme determina a lei processual constitucional – não há (nem houve) qualquer lugar a parecer do Ministério Público. A questão colocada não se reveste, portanto, de qualquer interesse processual.
Mantém-se, portanto, integralmente a decisão reclamada.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 6 de novembro de 2013.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.