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Processo nº 633/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
  
 
                                  1. Em 6 de Julho de 2006 o relator proferiu a 
 seguinte decisão: –
 
  
 
           “1. Inconformado com o acórdão proferido em 21 de Fevereiro de 2003 
 pelo tribunal colectivo da 9ª Vara Criminal de Lisboa que – pela prática de 
 factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de tráfico de 
 estupefacientes, previsto e punível pelo nº 1 do artº 21º do Decreto-Lei nº 
 
 15/93, de 22 de Janeiro, e por um crime de detenção de arma proibida, previsto e 
 punível pelo nº 3 do artº 275º do Código Penal – o condenou na pena única de 
 sete anos de prisão, recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 o qual, por acórdão de 9 de Julho de 2003, alterou a pena parcelar atinente ao 
 primeiro ilícito e a pena única, fixando esta em seis anos de prisão.
 
  
 
           De novo irresignado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de 
 Justiça que, por acórdão de 4 de Fevereiro de 2004, determinou a remessa dos 
 autos à segunda instância para aí se providenciar pela sanação do vício de falta 
 de fundamentação parcial.
 
  
 
           Na sequência do assim decidido, foi, em  31 de Maio de 2004, lavrado, 
 acórdão na 9ª Vara Criminal de Lisboa, que impôs ao arguido penas parcelares e 
 
 única idênticas às que constavam do acórdão de 21 de Fevereiro de 2003.
 
  
 
           Do aresto de 31 de Maio de2004 recorreu para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, o qual, por acórdão de 28 de Setembro de 2004, determinou a repetição do 
 julgamento levado a efeito na 1ª instância.
 
  
 
           Tendo o tribunal colectivo da 9ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão 
 de 3 de Junho de 2005, absolvido o arguido do crime de detenção de arma proibida 
 e condenado o mesmo pela prática do ilícito de tráfico de estupefacientes na 
 pena de cinco anos e nove meses de prisão, recorreu ele para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, tendo, na motivação adrede apresentada, concluído, inter alia 
 e para o que ora releva: –
 
  
 
 ‘(…)
 
 4. Além disso, ao tribunal a quo também estava vedado estribar-se, unicamente, 
 nas regras da experiência comum, conjugadas com a circunstância de se terem 
 demonstrado dois actos concretos de tráfico, confessados pelo arguido, para 
 considerar provado que a substância estupefaciente que lhe foi apreendida se 
 destinaria a venda posterior.
 
 5. Pois que, em última análise, isso apenas significa que o tribunal, de entre 
 as várias hipóteses que se lhe deparavam e à míngua de provas, optou por 
 considerar provada a hipótese que lhe pareceu mais provável.
 
 6. O que viola, frontalmente, o princípio in dubio pro reo, consagrado no art.º 
 
 32.º n.º 2 da CRP.
 
 (…) 
 
 14. Pelo que a única decisão lógica que poderia decorrer de tal fundamentação – 
 e do princípio in dubio pro reo – era de considerar não apurado o destino que o 
 arguido visava dar ao estupefaciente apreendido.
 
 (…)
 
 22. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou, no entender do 
 recorrente, o disposto nos art.ºs 25.º al. a) do DL 15/93, e 22 de Janeiro, 61.º 
 n.º 1 c), 343.º n.º 1 e 345.º n.º 1, todos do CPP, 71.º do Cód. Penal e 32.º n.º 
 
 2 da CRP
 
 (…)’
 
  
 
           Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Fevereiro 
 de 2006, concedido parcial provimento ao recurso, impondo ao arguido a pena de 
 cinco anos de prisão, recorreu ele para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 concluindo a sua motivação do seguinte jeito, também para o que ora interessa: –
 
  
 
 ‘1. Da conjugação do texto do acórdão condenatório proferido nos autos com as 
 regras da experiência comum ressalta que ao tribunal de 1.ª instância, 
 necessariamente, se deveria ter colocado uma dúvida razoável quanto à prova de 
 que o arguido destinava à venda a heroína que lhe foi apreendida.
 
 2. Por tal motivo, impunha-se àquela instância que tivesse optado por considerar 
 não provada a referida factualidade.
 
 3. Por assim o impor o princípio constitucional in dubio pro reo, consagrado no 
 art.º 32.º n.º 2 da nossa Lei Fundamental.
 
 4. A interpretação que o tribunal recorrido fez dos comandos legais definidores 
 dos poderes de apreciação da prova por parte do julgador, nomeadamente do art.º 
 
 127.º do CPP, é violadora do citado princípio constitucional.
 
 5. Pois que o recurso a presunções judiciais ou naturais, no exercício dos 
 referidos poderes, conflitua flagrantemente com o citado princípio 
 constitucional in dubio pro reo.
 
 6. Deve, por isso, ser revogado o acórdão recorrido e ordenada a sua 
 substituição por outro que, à luz do citado princípio constitucional, elimine 
 dos factos provados o aludido segmento da matéria de facto dada por assente pela 
 
 1.ª instância.
 
 (…)
 
 10. Ao decidir como decidiu, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.ºs 
 
 61.º n.º 1 c). 127.º, 343.º n.º 1 e 345.º n.º 1, todos do CPP, e 25.º al. a) do 
 DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro’.
 
  
 
           O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Junho de 2006, 
 rejeitou o recurso por manifesta improcedência.
 
  
 
           Desse aresto, no que ao caso tem pertinência, escreveu-se, a dado 
 passo: –
 
  
 
 ‘(…)
 
    Repetidamente vem este Supremo Tribunal de Justiça decidindo o seguinte: 
 
 «Pretendendo os interessados solicitar o reexame da matéria de facto fixada em 
 
 1.ª instância por decisão final de tribunal colectivo, terão que o fazer 
 directamente para a Relação e nunca per saltum para o Supremo, uma vez que este 
 só julga de direito. É que, tendo os recorrentes ao seu dispor o Tribunal da 
 Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo e tendo aquele 
 tribunal mantido tal decisão, vedado lhe está pedir ao Supremo Tribunal uma 
 reapreciação da decisão de facto tomada pelo Tribunal da Relação e, muito menos, 
 directamente do acórdão sobre os factos do tribunal colectivo de 1.ª instância»
 
 «A competência das relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes 
 de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o 
 eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no 
 Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe 
 são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a 
 tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido» 
 
 …….
 Ora, o reexame/revista (pelo STJ) exige/subentende a prévia definição (pelas 
 instâncias) dos factos provados (art. 729.1 do CPC). 
 E, no caso, a Relação – avaliando a regularidade do processo de formação de 
 convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos (re) impugnados no recurso 
 
 – manteve-os, em definitivo, no rol dos «factos provados». 
 A revista alargada ínsita no art. 410.2 e 3 do CPP pressupunha (e era essa a 
 filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um 
 
 único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal 
 singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a 
 cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos 
 finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em 
 matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não 
 impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito 
 instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob 
 pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»). 
 Essa revista alargada (do STJ) deixou, porém, de fazer sentido – em caso de 
 prévio recurso para a Relação quando, a partir da reforma processual de 1998 
 
 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser 
 susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.ºs 
 
 427.º e 428.1). 
 Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal 
 colectivo, de duas uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito 
 
 (art. 432.d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça e, se 
 o não visar, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da 
 decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.°», poderá depois 
 recorrer para o STJ (art. 432.b). 
 Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que 
 visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de 
 direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» – das instâncias «na 
 apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa».
 
 ……
 O recurso de revista terá assim que circunscrever-se a questões «exclusivamente» 
 de direito. Pois que insiste-se – as questões «de facto» deverão considerar-se 
 definitivamente decididas pela Relação.
 Vêm estes comentários a propósito por ter o recorrente invocado, mais uma vez, 
 que o tribunal violou o princípio ‘in dubio pro reo’ na apreciação da prova, 
 apreciação esta que em regra é livre, nos termos do art.º 127.º do CPP, pois 
 essa é uma questão que se prende com a fixação da matéria de facto e que ficou 
 definitivamente decidida no Tribunal da Relação. É insindicável no recurso de 
 revista a eventual violação das regras de presunção natural na fixação dos 
 factos, pois tal equivaleria a conhecer das provas e do seu conteúdo, o que, 
 obviamente, não é matéria exclusivamente de direito. 
 De resto, o Tribunal da Relação não mostrou ter dúvidas na fixação da matéria de 
 facto e, por isso, não se coloca a questão de direito associada àquele 
 princípio, que é a da decisão tirada contra o arguido apesar dos factos que 
 estão fixados patentearem a dúvida (por exemplo, não ficou provada a quantidade 
 de droga que se destinava à venda, mas decide-se que não era diminuta). 
 
           Assim, os factos provados consideram-se definitivamente adquiridos.
 
 (…)’
 
  
 
           Do acórdão de que a parte relevante para a vertente situação se 
 encontra extractada, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional 
 ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o 
 que fez mediante requerimento em que fez escrever: –
 
  
 
 ‘(…)
 No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegou o recorrente, 
 em síntese, que o tribunal de primeira instância, para concluir que o 
 estupefaciente encontrado na sua casa se destinava à venda, estribou-se, 
 unicamente, nas regras da experiência comum, conjugadas com a circunstância de 
 se terem provados dois actos concretos de venda, confessados pelo arguido. 
 Concluiu-se, por isso, que aquele tribunal não dispunha de elementos probatórios 
 suficientes para considerar provado, como considerou, que o arguido destinava à 
 venda o estupefaciente que lhe foi apreendido. 
 E, consequentemente, sustentou-se que àquela instância estava vedado proceder 
 como procedeu, sob pena de violar o princípio constitucional in dubio pro reo, 
 vertido no art.º 32.º n.º 2 da Lei Fundamental. 
 Apesar de todo o alegado, o Tribunal da Relação de Lisboa veio negar razão ao 
 recorrente, sustentando, em síntese, que: 
 a 1.ª instância decidiu a matéria de facto como decidiu pela razão simples de 
 que é o comércio ou o consumo o destino ‘normal’ da heroína; 
 
  ao julgador é cometida a obrigação de se munir com os dados de experiência 
 corrente; 
 esse processo mental desenvolve-se pelo recurso às presunções judiciais, sem as 
 quais, não raro, o descritivo sentencial ficaria tão lacunoso quanto 
 incompreensível e inútil. 
 Tal entendimento, porém e segundo o recorrente, consagra uma interpretação 
 inaceitável e inconstitucional dos poderes de apreciação da prova por parte do 
 julgador, nomeadamente do disposto no art.º 127.º do CPP, por violação do 
 mencionado princípio constitucional in dubio pro reo. 
 Por tal motivo, impetrou o recorrente a esse Venerando Tribunal a revogação do 
 aludido acórdão e que fosse ordenada a sua substituição por outro que, à luz do 
 citado princípio constitucional, eliminasse dos factos provados o aludido 
 segmento da matéria dada como assente pela 1.ª instância. 
 Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão recorrido, veio a 
 considerar ser ‘... insindicável no recurso de revista a eventual violação das 
 regras de presunção natural na fixação dos factos, pois tal equivaleria a 
 conhecer das provas e do seu conteúdo, o que, obviamente, não é matéria 
 exclusivamente de direito’. 
 Ora, pese embora se discorde, salvo o devido respeito, de tal entendimento, a 
 verdade é que, ao decidir como decidiu, acabou esse Tribunal por confirmar a 
 decisão que o TRL havia tomado sobre tal questão. 
 Com o que o recorrente se não conforma. 
 Pois que, como atrás se referiu, entende o recorrente que não podiam as 
 instâncias, face à ausência de provas, assumidamente, decidir a matéria de facto 
 com recurso a presunções judiciais que, em bom rigor, mais não são do que a 
 consagração da arbitrariedade das decisões judiciais, sempre que inexistem 
 provas concretas dos factos imputados ao agente. 
 Pelo que se continua a entender que a interpretação do citado art.º 127.º do 
 CPP, no sentido que lhe foi dado pelas instâncias, é manifestamente violador do 
 citado princípio constitucional. 
 Inconstitucionalidade que se pretende sindicar através do presente recurso.’
 
  
 
           O recurso interposto por via do requerimento acima transcrito foi 
 admitido por despacho prolatado em 28 de Junho de 2006 pelo Conselheiro Relator 
 do Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
  
 
           2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 
 
 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido 
 admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente 
 decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente 
 impugnação.
 
  
 
           Na verdade, é por demais óbvio que o mais Alto Tribunal da ordem dos 
 tribunais judiciais, no aresto intentado colocar sob a censura deste órgão de 
 fiscalização concentrada da constitucionalidade, não aplicou a norma (resultante 
 de um processo interpretativo incidente sobre o preceito ínsito no artº 127º do 
 diploma adjectivo criminal) cuja apreciação se deseja ser levada a efeito pelo 
 recurso que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
           Antes, e como bem deflui da transcrição acima efectuada da pertinente 
 parte de tal acórdão, formulou um juízo de harmonia com o qual – atentos os 
 poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, nos recursos penais em que 
 houve recurso de facto e de direito da decisão proferida pela 1ª instância para 
 o tribunal da relação – lhe era vedado pronunciar-se sobre a matéria fáctica 
 dada por assente pelo tribunal de 2ª instância, a este, e unicamente, cabendo 
 avaliar a regularidade e legalidade do processo de convicção do tribunal de 1ª 
 instância referente a tal matéria.
 
  
 
           Neste contexto, torna-se acentuadamente claro que o aresto pretendido 
 pôr em crise, na parte que agora interessa, tão somente convocou, para a decisão 
 a ela referente, os comandos adjectivos que regulam os poderes cognitivos do 
 tribunal «de revista» quanto à matéria de facto, não discorrendo minimamente (e 
 logo, não fazendo aplicação, directa ou indirecta, explícita ou implícita) de 
 qualquer normativo extraído do artº 127º do Código de Processo Penal.
 
  
 
           Em face do exposto, de concluir é que, no acórdão sub specie, não foi 
 aplicada a norma querida submeter ao veredicto deste Tribunal, motivo pelo qual 
 falece, neste particular o pressuposto do recurso previsto na alínea b) do nº 1 
 do falado artº 70º da Lei nº 28/82, justamente o que consiste na aplicação, na 
 decisão recorrida, da norma sobre a qual se deseja a pronúncia, do ponto de 
 vista da sua compatibilidade com o Diploma Básico, por este órgão jurisdicional.
 
  
 
           Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, 
 condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça 
 em seis unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, se 
 atentar no benefício de apoio judiciário de que o mesmo desfruta.”
 
  
 
                                  Da decisão supra transcrita veio o arguido 
 reclamar nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o 
 que fez mediante requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
 “1. Por decisão de fls. …, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do 
 recurso oportunamente interposto, invocando-se, para tanto, o disposto no n.º 1 
 do art.º 78.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 
 2. Com efeito, na decisão de que ora se reclama, invocou-se, em síntese, que o 
 STJ não teria aplicado a norma do art.º 127.º do CPP, cuja conformidade, 
 pretensamente, o recorrente desejaria ver sindicada pelo Tribunal 
 Constitucional.
 E, bem assim, que aquele Alto Tribunal apenas se pronunciou sobre os comandos 
 adjectivos que regulam os poderes cognitivos do tribunal «de revista» quanto à 
 matéria de facto, não discorrendo minimamente (e logo, não fazendo aplicação, 
 directa ou indirecta, explícita ou implícita) de qualquer normativo extraído do 
 art.º 127.º do Código de Processo Penal.
 Pelo que, necessariamente, se teria de concluir que, no acórdão proferido pelo 
 STJ, não foi aplicada a norma querida submeter ao veredicto deste Tribunal, 
 motivo pelo qual não estaria verificado o pressuposto legal do recurso previsto 
 na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82.
 
 3. Salvo o devido respeito, discorda o recorrente de tal decisão, pelos motivos 
 que seguidamente se indicam.
 
 4. Na verdade, entende o ora reclamante que o STJ, ao decidir que não se podia 
 pronunciar sobre a questão que lhe foi colocada pelo recorrente, implicitamente 
 
 (pelo menos), pronunciou-se sobre a questão a decidir.
 
 5. Assim sendo, necessariamente, se terá de concluir que o STJ decidiu 
 definitivamente a questão suscitada pelo recorrente.
 
 6. Pelo que, só a partir da prolação de tal decisão, podia o ora reclamante 
 colocar a questão de constitucionalidade, já por si suscitada perante a 1.ª 
 instância, ao Tribunal Constitucional.
 
 7. Refira-se, de resto, que o reclamante não possui o dom da adivinhação e é 
 imperativo legal que sejam esgotados os recursos ordinários para que o mesmo 
 possa colocar a questão de constitucionalidade perante esse tribunal.
 
 8. Ora, ao interpor recurso para o STJ, o reclamante desconhecia que tal 
 instância iria manter a decisão do TRL, pelas razões constantes do acórdão 
 recorrido.
 
 9. Pelo que sempre o recorrente estaria em tempo para colocar perante esse 
 tribunal a questão de constitucionalidade por si oportunamente suscitada - cfr., 
 neste sentido, o art.º 70.º n.º 6 e 75.º n.º 2, ambos da citada Lei n.º 28/82.
 
 10. Assim, entende o reclamante que, a manter-se o decidido, sempre lhe 
 assistirá o direito de interpor recurso para esse tribunal do acórdão do TRL de 
 
 8 de Fevereiro de 2006, para apreciação da mesma questão de constitucionalidade.
 
 11. O que, salvo melhor opinião, constitui para o reclamante manifesto desvio ao 
 princípio da economia processual que deve reger toda a actividade judicial.
 
 12. Em conclusão, entende-se que o STJ se pronunciou, ainda que implicitamente, 
 sobre o thema decidendum, tendo entendido sancionar afirmativamente a decisão do 
 TRL.
 
 13. Caso não se perfilhe tal entendimento, sempre o recurso interposto pelo 
 reclamante para o Tribunal Constitucional teria cabimento por referência ao 
 citado acórdão do TRL, uma vez que ainda se mostra tempestiva a sua 
 interposição.
 
 14. Pelo que, sob pena de ser postergado o princípio da economia processual, 
 sempre o presente recurso deverá ser admitido e apreciado.”
 
  
 
                                  Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo 
 Representante do Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos: –
 
  
 
 1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 - Desde logo – e como é evidente – a decisão que o recorrente quis impugnar é 
 obviamente o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que carece 
 de sentido pretender agora convolar de tal recurso para outro, reportado ao 
 acórdão anteriormente proferido nos autos pela Relação – e obviamente 
 
 ‘consumido’ pela decisão final do pleito pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
 3 - Em segundo lugar, não ocorre manifestamente qualquer pronúncia ‘implícita’ 
 do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão de constitucionalidade 
 equacionada quanto ao artigo 127° do Código de Processo Penal limitando-se o 
 Supremo, como seria, aliás, normalmente previsível, a lembrar que lhe não 
 compete sindicar a livre valoração da prova pelas instâncias, por tal envolver 
 
 ‘questões de facto’, naturalmente subtraídos aos seus poderes cognitivos.
 
  
 
                                  Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                                  2. É, a todos os títulos, improcedente a 
 vertente reclamação.
 
  
 
                                  Efectivamente, como se assinalou na decisão sub 
 iudico, o aresto prolatado no Supremo Tribunal de Justiça não aplicou o 
 normativo cuja compatibilidade com a Lei Fundamental o ora reclamante pretendia 
 se efectuada por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, 
 e isso, justamente, porque, atentos os seus poderes cognitivos, devidamente 
 prescritos na lei, lhe era vedado entrar na discussão da matéria de facto, a 
 qual tinha sido objecto de impugnação perante o tribunal da 2ª instância.
 
  
 
                                  A manutenção do decidido pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, como bem se extrai do acórdão de 1 de Junho de 2006, 
 fundou-se na circunstância de, tendo o Supremo Tribunal de Justiça de dar por 
 assente a matéria fáctica alcançada por aquele Tribunal, não ser, na óptica 
 deste Alto Tribunal, de censurar juridicamente a decisão do acórdão da 2ª 
 instância.
 
  
 
                                  Não houve, assim, de todo, qualquer pronúncia 
 implícita, por parte do mais elevado Tribunal da ordem dos tribunais judiciais, 
 referentemente ao artº 127º do Código de Processo Penal. 
 
  
 
                                  Por outro lado, tendo em atenção que o 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional 
 inequivocamente se reportava ao acórdão lavrado no Supremo Tribunal de Justiça, 
 
 é por demais óbvio que não poderia o mesmo vir a ser «convolado» por forma a 
 querer dizer respeito ao aresto tirado no Tribunal da Relação de Lisboa que, 
 aliás, quanto à sua decisão então em recurso – e nos termos em que foram 
 figurados por aquele Supremo – foi «consumido» pelo acórdão emitido por este 
 mesmo Supremo. E, de todo o modo, mesmo na perspectiva seguida pelo reclamante, 
 não se deixará de dizer que nem sequer o que foi escrito na motivação do recurso 
 para aquele último dos indicados tribunais e que, na decisão agora reclamada, se 
 encontra extractado, poderia ser considerado a suscitação de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, já que a violação do nº 2 do artº 32º do 
 Diploma Básico estava direccionada ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (cfr. transcrita «conclusão» 22) e não a qualquer normativo ínsito no 
 ordenamento ordinário. 
 
  
 
                                  Em face do que se deixa dito, indefere-se a 
 reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se em 
 vinte unidades de conta a taxa de justiça, sem prejuízo de, não havendo 
 pagamento voluntário, se atentar no benefício de apoio judiciário de que ele 
 desfruta.
 
  
 Lisboa, 20 de Julho de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício