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Processo n.º 1123/98
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por sentença de 20 de Janeiro de 1997, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu o pedido, formulado pela I..., Ld.ª, de intimação da Presidente da Câmara Municipal de Sintra 'para a emissão de alvará de licença de construção relativo ao processo n.º 883/95', julgando procedente a excepção de caducidade suscitada pela autoridade requerida e pela Magistrada do Ministério Público. Inconformada, interpôs a requerente da intimação recurso para o Tribunal Central Administrativo que, por Acórdão de 30 de Abril de 1998 se julgou incompetente em razão da matéria e da hierarquia para dele conhecer. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foi em 15 de Julho de
1998 proferido Acórdão que negou provimento ao recurso interposto, podendo ler-se na parte final da respectiva fundamentação:
'Tal prazo, que já se tinha iniciado decorridos 30 dias após 21 de Fevereiro de
1996, (data em que o ora recorrente procedeu à entrega dos elementos instrutórios solicitados pela Câmara) e que determinava a aprovação tácita do alvará de licença de construção, passou, pelo menos a partir de 30.4.1997, e em relação ao ora recorrente, a ser inequívoco, quanto à aprovação tácita do referido alvará de licença de construção. Consequentemente, decorridos mais de 6 meses entre 30.4.1997 e 9.12.1997, (data de entrada do pedido de intimação do T.ªC. de Lisboa), e porque a contagem de tal prazo, por se tratar de prazo de caducidade, como sublinha a recorrente, se conta nos termos do disposto no art.º
279º, alínea c) do C.Civil, bem andou a decisão recorrida em julgar procedente a questão de caducidade suscitada e em julgar prejudicadas as demais questões suscitadas no presente processo de intimação para um comportamento.' Notificada deste aresto, veio a recorrente arguir a sua nulidade por falta de pronúncia, sobre a questão da relevância do pagamento das taxas devidas, para a determinação do momento a partir do qual se há-de contar o prazo de caducidade da faculdade de requerer a intimação judicial para emissão de alvará de licença de construção. Acrescentou ainda que
'as normas dos artigos n.ºs 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do Dec.-Lei n.º 445/91, com a redacção que lhes foi dada pelo Dec.-Lei n.º 250/94, com a interpretação que lhes foi dada no aliás douto acórdão sub judice são manifestamente inconstitucionais, por violação dos artigos 20º e 268º da Lei Fundamental, pois conduzem a uma clara situação de denegação de justiça.'
2. Após lhe ter sido indeferida, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Setembro de 1998, a arguição de nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 668º do Código de Processo Civil, veio a recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da constitucionalidade dos 'artigos n.ºs 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do Dec.-Lei n.º
445/91, com a redacção que lhes foi dada pelo Dec.-Lei n.º 250/94, com a interpretação que lhes foi dada no acórdão de 2 de Setembro de 1998, por violação dos artigos 20º e 268º da Lei Fundamental.' O recurso não foi admitido por despacho do Conselheiro-relator do mesmo Tribunal de 6 de Outubro de 1998, onde se escreveu:
'Tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional não ser admissível recurso para aquele Tribunal, quando o recorrente não suscitou, anteriormente, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma cuja apreciação pretende ver feita por aquele Tribunal (entre outros, Acórdãos do T.C. n.ºs 228/84 e 274/98, D.R., II Série, de 12.3.85 e de 12.2.89). Ora, no caso sub judice o recorrente apenas suscitou a inconstitucionalidade dos artigos 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do D.L., por violação dos artigos 20º e 268º da C.R.P., após ter sido proferido o Acórdão do T.A.C. de Lisboa onde já se julgou no sentido da procedência da excepção de caducidade, invocando os art.ºs 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do D.L. 445/91.' Inconformada, a recorrente veio reclamar, 'nos termos dos artigos 69º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 688º do Código de Processo Civil', para obter a reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, do despacho que julgou inadmissível o recurso por si interposto. Em vista do processo, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto aqui em funções pronunciou-se pela improcedência do mesmo, embora por razões diferentes das da decisão reclamada, tecendo a seguinte ordem de considerações:
'A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o acórdão de que se pretendeu recorrer para este Tribunal se limitou a dirimir questão de natureza estritamente procedimental, consistente em apurar se a decisão inicialmente proferida nos autos padecia ou não da invocada ‘omissão de pronúncia’. O que equivale a dizer que tal aresto se limitou a aplicar a norma constante do art.º
668º, n.º 1, alínea d) do CPC – e não obviamente os preceitos legais, situados no âmbito do Direito Administrativo e atinentes à decisão, tomada na 1ª instância e confirmada pelo STA.' Cumpre, neste momento, apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. As reclamações sobre indeferimento ou retenção dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional destinam-se a verificar uma eventual preterição da devida reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade, pelo que importa apreciar, para as decidir, não tanto a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, como o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor. Constituem requisitos específicos de admissão do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente, a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo e o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso cabiam.
4. Entendeu-se, no despacho recorrido, que falecia, no caso, o segundo dos requisitos enumerados, o da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo. E, de facto, no caso presente, discutiu-se logo no recurso para o Tribunal Central Administrativo a questão do momento a partir do qual se há-de contar o prazo de caducidade da faculdade de requerer a intimação judicial para emissão de alvará de licença de construção, previsto no artigo 62º, n.º 10 do Decreto-Lei n.º 445/91. A recorrente, porém, não suscitou nesse momento a questão de constitucionalidade atinente à relevância do momento em que são pagas
- ou apenas garantidas ou depositadas – as taxas devidas, para efeitos da determinação do dies a quo do prazo de caducidade referido. Apenas depois do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em requerimento de arguição de nulidade deste, a recorrente veio invocar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do Decreto-Lei n.º 445/91, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, por violação dos artigos
20º e 268º da Lei Fundamental. É ela própria que o reconhece no requerimento que consubstancia a presente reclamação, no qual se lê:
'Expressa e inequivocamente, a invocação da inconstitucionalidade dos ditos preceitos do Dec.-Lei n.º 445/91, na redacção que lhes foi dada pelo Dec.-Lei n.º 250/94, com a interpretação que lhes foi dada pelo aliás douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Julho de 1998, foi invocada pela ora recorrente na supra referida arguição de nulidade deste mesmo aresto.' Como se decidiu no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), deve, porém, entender-se a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, 'não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas 'num sentido funcional', de tal modo 'que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão', 'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita'. É este o único sentido do dito requisito que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado
(ver também o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II série, de
20 de Junho de 1995). Assim, 'porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade.' Esta orientação, como também se salientou no Acórdão n.º 352/94, 'sofre restrições apenas em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final.' Não é, porém, este, manifestamente, o caso dos autos, não procedendo, por outro lado, a alegação da recorrente de que
'não se conformando a ora recorrente com os termos da aliás douta sentença supra referida, arguindo a sua nulidade por omissão de pronúncia nos termos do seu requerimento para o qual aqui se remete, e sendo que tal omissão de pronúncia se conecta inevitavelmente com a interpretação dos referidos preceitos, interpretação que a ora recorrente reputa inconstitucional, não poderá deixar de entender-se ser a questão ainda controvertida.' Logo no recurso para o Tribunal Central Administrativo, na verdade, a recorrente atacou a interpretação dada às normas ora impugnadas pela decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sem, porém, referir qualquer inconstitucionalidade, sendo certo que dispunha já de todos os elementos para isso. Este Tribunal tem, aliás, repetidamente afirmado o ónus de os recorrentes considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas impugnadas, actuando de forma correspondente (ver, por todos, o Acórdão n.º 479/89, publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1992). No caso presente, porém, o requerimento de interposição do recurso para esse Tribunal Central não refere qualquer inconstitucionalidade, apesar de já então a recorrente dispor de todos os elementos para, em face do decidido pela 1ª instância, suscitar a questão de constitucionalidade.
5. Acresce, no entanto, que também o requisito de que as normas impugnadas tenham sido aplicadas pelo tribunal a quo como ratio decidendi não pode considerar-se verificado no caso sub iudicio. Sendo a referência à norma questionada mero obiter dictum, ou versando a decisão sobre outra questão, a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma impugnada e não aplicada não se poderá reflectir utilmente no processo - sempre a decisão recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional. No caso presente, é isso mesmo que se verifica, não se tendo o tribunal a quo baseado na decisão recorrida numa qualquer interpretação dos artigos 21º, n.º 2 e 62º, n.º 10 do Decreto-
-Lei n.º 445/91, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94. Efectivamente, a decisão recorrida limitou a decidir a questão, de natureza procedimental, consistente em apurar se a decisão inicialmente proferida nos autos padecia ou não da invocada nulidade por omissão de pronúncia, limitando-se a aplicar a norma constante do artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC, e não os preceitos legais impugnados. O Supremo Tribunal Administrativo considerou suficientemente fundamentado o Acórdão atacado, ao concluir que
'o Acórdão deixou bem patente e expressa a sua posição quanto à questão jurídica do momento a partir do qual se deveria contar o prazo de caducidade do n.º 10 do art.º 62º do DL n.º 445/91, e à irrelevância do momento em que são pagas as taxas devidas ou apenas garantidas ou depositadas.' Mas, para além disso, no que tange à questão de constitucionalidade, considerou:
'Como se vê, trata-se de divergência de entendimento da reclamante quanto ao decidido, que apenas em recurso cabível terá assento capaz de permitir o conhecimento jurisdicional deste ponto. Mas, nesta reclamação não cabe conhecer de tal questão, manifestamente fora dos limites dos art.ºs 667º, 668º e 669º do CPC, e abrangida pela regra geral do art.º 666º, n.º 1 do esgotamento do poder jurisdicional pela prolação do Acórdão decidido.' III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e condenar a reclamante em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC. Lisboa, 21 de Setembro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa