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Proc. nº 476/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. J... interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão da Secção que negou provimento ao recurso interposto do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que recusou o pedido de asilo e fixou o prazo de quinze dias para o recorrente abandonar o País. Nas respectivas alegações de recurso, o recorrente concluiu que o despacho inicialmente impugnado foi deficientemente fundamentado, 'envolvendo, assim, violação do disposto no nº 3 do artigo 268º da Constituição da República, do nº 1 do artigo 99º do Código do Procedimento Administrativo e, finalmente, do artigo 1º, nº 1, alínea a), e nº
2, ambos do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho'.
O Supremo Tribunal de Administrativo, por acórdão de 10 de Fevereiro de 1999, invocando os artigos 676º, nº 1, 687º, nº 1, 690º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 1º e 102º do Código do Procedimento Administrativo, considerou que o recorrente não cumpriu o 'ónus da alegação, limitando-se a tecer considerações de ordem genérica sobre o Supremo Tribunal de Justiça e sobre o Supremo Tribunal Administrativo, e as implicações políticas que teria uma decisão que concedesse o asilo ao recorrente'. O Supremo Tribunal Administrativo entendeu ainda que 'não satisfaz o ónus de alegação a remissão para as alegações do recurso contencioso' e que as alegações apresentadas 'voltam a focalizar essencialmente o acto administrativo contenciosamente impugnado'. Concluindo que
'nem nas alegações nem nas conclusões se faz um ataque directo, explícito, ao acórdão recorrido', o Supremo Tribunal Administrativo considerou-se
'impossibilitado de exercer a sua censura sobre o julgado' e negou, consequentemente, provimento ao recurso.
J... arguiu a nulidade do acórdão de 10 de Fevereiro de 1999, invocando omissão de pronúncia e oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 28 de Abril de
1999, desatendeu a reclamação.
2. J... interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 99º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, e 1º, nºs 1, alínea a), e 2, ambos do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho.
O recurso não foi admitido, por decisão de 21 de Maio de 1999, em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das normas impugnadas.
3. J... reclamou da decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º e 77ºda Lei do Tribunal Constitucional, afirmando ter invocado 'expressamente a violação do disposto no nº 3 do artigo 268º da Constituição'.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das normas impugnadas.
4. Foram dispensados os vistos.
II Fundamentação
5. Através do recurso de constitucionalidade interposto e não admitido, o ora reclamante pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as normas contidas nos artigos 99º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo e 1º, nºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei nº
256-A/77, de 17 de Junho.
Tais preceitos têm a seguinte redacção: Artigo 99º Forma e prazo dos pareceres
1. Os pareceres devem ser sempre fundamentados e concluir de modo expresso e claro sobre todas as questões indicadas na consulta.
(...)
Artigo 1º
1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a. Neguem, extingam, restrinjam ou por qualquer modo afectem direitos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
(...)
2. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto.
(...)
Ora, da análise dos elementos constantes dos autos resulta que o Supremo Tribunal Administrativo em momento algum do presente processo fez aplicação das normas contidas nos preceitos impugnados. Com efeito, no acórdão de 10 de Fevereiro de 1999, o tribunal considerou-se impossibilitado de exercer censura sobre o julgado, em virtude de as alegações apresentadas não obedecerem aos requisitos do artigo 690º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força dos artigos 1º e 102º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos
(foram ainda invocados nesse aresto os artigos 676º, nº 1, e 687º, nº 1, do Código de Processo Civil). Por seu turno, no acórdão de 28 de Abril de 1999, o Supremo Tribunal Administrativo desatendeu a reclamação, em virtude de não se verificarem as nulidades das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. Em nenhum dos arestos se procedeu à apreciação da suficiência da fundamentação do despacho impugnado contenciosamente.
Sendo o recurso que se pretende ver admitido interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que o Tribunal possa tomar conhecimento do seu objecto, que a decisão recorrida tenha feito aplicação das normas impugnadas.
Conclui-se, nessa medida, que não se verifica nos presentes autos o pressuposto processual do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida das normas cuja conformidade à Constituição o reclamante pretende ver apreciada.
6. O reclamante afirma no requerimento de fls 1 e ss que referiu expressamente a violação de uma dada norma constitucional.
Tal consideração não infirma, porém, a fundamentação da decisão reclamada. Na verdade, o recurso de constitucionalidade não foi admitido porque as normas impugnadas não foram aplicadas pela decisão recorrida. O despacho reclamado não se referiu sequer ao pressuposto processual consistente na suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
Por outro lado, esta afirmação do reclamante ilustra bem o facto de, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ter apenas imputado ao despacho contenciosamente impugnado a inconstitucionalidade por si suscitada.
Ora, uma questão de constitucionalidade normativa só se considera suscitada durante o processo [artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional] quando o recorrente indica, antes da prolação da decisão recorrida, a norma que considera inconstitucional, o princípio ou norma constitucional que considera violado e quando apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, do vício apontado (cf., entre outros, o Acórdão nº 155/95 - D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Tendo o reclamante imputado o vício de inconstitucionalidade apenas a um acto administrativo, conclui-se que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa (o reclamante só o fez no requerimento do recurso de constitucionalidade, o que se afigura manifestamente extemporâneo – cf. o citado Acórdão nº 155/95). Assim, também por esta razão o recurso interposto não poderia ter sido admitido.
7. Conclui-se, pois, pela improcedência da presente reclamação.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 14 de Julho de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida