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Procº nº 289/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 8 de Julho de 1999 lavrou o relator nos presentes autos (fls. 68 a 70) decisão sumária do seguinte teor:-
'1. C..., V..., P..., VR..., J..., JP..., JA... e A... interpuseram no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho proferido em 22 de Dezembro de 1997 pelo General Comandante da Logística no uso de competência que lhe foi delegada pelo General Chefe do Estado Maior do Exército, despacho esse que indeferiu o pedido, formulado pelos recorrentes, para que ‘lhes fosse reconhecido «...o direito de não auferirem remuneração inferior à de sargento com igual ou menor antiguidade ou posto da Marinha...» com efeitos ao nível do «...pagamento ... dos retroactivos correspondentes à diferença entre as remunerações efectivamente percebidas no posto de primeiro-sargento, desde a publicação do Decreto-Lei 80/95 de 22 de Abril de
1995 até 01 de Julho de 1997, data de início da produção de efeitos do DL 299/97 de 31 de Outubro»’. Por sentença de 8 de Fevereiro de 1999, o juiz daquele Tribunal anulou o impugnado acto, para tanto se estribando na seguinte fundamentação, que se transcreve na sua integralidade:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ Dada a hierarquia entre as normas invocadas, importa começar por apreciar a questão da violação do princípio da igualdade que consta da Constituição. Efectivamente, não se descortinam quaisquer razões para haver diferenças de remuneração entre categorias profissionais idênticas nos vários ramos das Forças Armadas. Não se concorda com o parecer do M.P. na parte em que diz que os recorrentes deveriam demonstrar que não há qualquer razão válida para a inexistência de diferenciação salarial. Especialmente, quando a igualdade salarial existiu durante anos e só num curto período o legislador admitiu um tratamento salarial diferenciado e a designação da categoria é idêntica. Posto isto, conclui-se que o Decreto-Lei n.º 80/95 de 22/5, ao estabelecer um regime retributivo diferenciado para a categoria de Primeiro-Sargento entre a Marinha e os demais ramos das Forças Armadas viola o princípio da igualdade que tem consagração Constitucional, designadamente nos art.ºs 13º, 18, 266º e 268º, n.º 3, o que determina a anulabilidade do despacho impugnado por vício de violação de lei.
............................................................................................................................................................................................................................................’
É desta sentença que, pelo Ministério Público, vem interposto o vertente recurso, sendo que a entidade impugnante formulou o requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:-
‘O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal vem, nos termos das disposições combinadas dos artigos 69º, 70º nº 1 al. a), 72º nº 1 al. a) e nº 3,
75º nº 1, 75º-A nº 1 e 78º nº 4 da Lei nº 28/82 de 15.11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados. Com ele se pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º do DL nº 299/97 de 31.10.’ O recurso foi admitido por despacho de 11 de Março de 1999, prolatado pelo aludido Juiz.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº
3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do disposto no nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento da impugnação sub specie. Na verdade, é indubitável que nos situamos perante um recurso estribado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pelo que o respectivo objecto se haveria de cingir à norma cuja recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, foi operada na decisão intentada censurar. Acontece que, como deflui da transcrição acima efectuada, o que, com fundamento em contraditoriedade com a Lei Fundamental, foi recusado aplicar na sentença lavrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra foi a norma (ou foram as normas) que, contida (ou contidas) no Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Maio, prescreveu (ou prescreveram) um regime remuneratório de onde resultou uma diferenciação remuneratória positiva para os sargentos da Marinha comparativamente aos demais sargentos dos outros Ramos das Forças Armadas. O juízo de recusa não incidiu, assim, sobre qualquer norma ínsita no Decreto--Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, que, afinal, veio a estatuir o fim da diferenciação estabelecida pelo Decreto-Lei nº 80/95. Por isso, não se pode considerar que, in casu, se congreguem os requisitos pressupositores do recurso a que alude a alínea a) do nº 1 do já referenciado artº 70º da Lei nº 28/82. E nem se diga que a referência, no requerimento de interposição de recurso, ao Decreto-Lei nº 299/97 foi devida a um mero lapso de escrita. É que, aí, é expressamente referida uma norma - o artº 8º - de um concreto diploma, a uma e a outro não sendo, como transparece inequivocamente da transcrição supra efectuada da sentença desejada pôr em crise, feita qualquer alusão ou menção quando, na mesma, se alinhou um juízo de inconstitucionalidade que fundou a recusa de aplicação normativa. Ora, um manifesto lapso de escrita é, justamente, aquilo que é perfeitamente perceptível pelo contexto do que demais se encontra escrito, o que, como se verifica, não acontece na presente situação. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso'.
Da transcrita decisão reclamou para a conferência o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal. Sustentou a sua reclamação com base nas seguintes considerações:-
- que a decisão sob recurso, efectivamente, julgou desconforme à Constituição o Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Maio, sem que, todavia, tenha indicado quais as norma daquele diploma que enfermariam de tal vício;
- que de tal decisão parece resultar que a inconstitucionalidade derivaria da conjugação das normas do indicado diploma e a data fixada pelo artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro;
- que, não obstante no requerimento de interposição de recurso apenas se fazer referência à norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97, o que se supõe ter ocorrido 'por lapso manifesto', isso não fará 'precludir irremediavelmente' o conhecimento do recurso, visto que, em face do teor literal da decisão recorrida, aquele lapso seria patente, sendo certo que o recurso estribado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'só pode reportar-se à recusa de aplicação normativa'. Requereu o reclamante, por último, que fosse suprido ou corrigido o lapso material que, no seu entender, ocorreu no requerimento de interposição do recurso, por forma a o objecto do recurso se reportar 'à recusa de aplicação das normas constantes do Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Maio que preveêm um regime retributivo diferenciado para a categoria de 1º Sargento da MArinha e para idêntico posto dos demais ramos das Forças Armadas, o qual não foi removido em consequência do limite temporal à vigência do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, resultante do artigo 8º deste diploma legal'. Por seu turno, os recorridos C..., V..., P..., VR..., J..., JP..., JA... e A... defenderam a improcedência da reclamação. Cumpre decidir.
2. Consoante se assinalou na decisão sumária ora reclamada, o juízo de recusa
ínsito na decisão que se pretendia impugnar perante este Tribunal fundou-se, e só, numa descortinada diferenciação remuneratória entre os primeiros-sargentos da Marinha e os seus congéneres dos demais Ramos das Forças Armadas, diferenciação essa que foi operada pelo Decreto-Lei 80/95. Por outro lado, nenhuma asserção se encontra na sentença que se desejou recorrer e da qual resulte, ainda que remotamente, que aquela diferenciação só se surpreendeu como sendo constitucionalmente censurável se e enquanto não houvesse diploma posterior que determinasse a aplicação aos primeiros-sargentos da Força Aérea e do Exército da mesma remuneração com efeitos a partir da data da entrada em vigor do aludido Decreto-Lei nº 80/95. Aliás, na sentença pretendida recorrer não é feita a menor menção ao Decreto-Lei nº 299/98, não obstante ao mesmo ter sido feita alusão no «parecer» do Ministério Público proferido no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, pelo que bem se poderá sustentar que o Juiz autor daquela sentença se alheou das prescrições desse diploma, por isso que, no seu entendimento, só relevou a diferenciação estatuída pelo Decreto-Lei nº 80/95, o que é patente se se atentar que o mesmo sublinhou que '[e]fectivamente, não se descortinam quaisquer razões para haver diferenças de remuneração entre categorias profissionais idênticas nos vários ramos das Forças Armadas', razão pela qual, na sua óptica, 'o Decreto--Lei n.º 80/95 de 22/5, ao estabelecer um regime retributivo diferenciado para a categoria de Primeiro-Sargento entre a Marinha e os demais ramos das Forças Armadas viola o princípio da igualdade que tem consagração Constitucional'. De outro lado, e talqualmente se disse na decisão sumária sub specie, 'um manifesto lapso de escrita é, justamente, aquilo que é perfeitamente perceptível pelo contexto do que demais se encontra escrito, o que, como se verifica, não acontece na presente situação'. E que não pode haver um manifesto lapso de escrita quando se pretende que, em vez de se ter escrito que se desejava apreciar a 'recusa de aplicação das normas constantes do Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Maio que preveêm um regime retributivo diferenciado para a categoria de 1º Sargento da MArinha e para idêntico posto dos demais ramos das Forças Armadas, o qual não foi removido em consequência do limite temporal à vigência do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, resultante do artigo 8º deste diploma legal' (que é o que agora quer o Representante do Ministério Público), se escreveu 'se pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º do DL nº 299/97 de 31.10' (que foi o que se escreveu no requerimento de interposição do recurso), é algo tão nítido que dispensa quaisquer outras considerações. Refira-se, por último, que não parece resultar qualquer coerência lógica quando o Magistrado reclamante, de uma banda, defende que o recurso fundado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 só se pode cingir à recusa de aplicação normativa e, de outra, faz notar que a decisão querida recorrer nem sequer curou de especificar qual a concreta norma que entendeu padecer de inconstitucionalidade. Não existe, desta arte, qualquer possibilidade de perspectivar o que foi escrito no requerimento de interposição do recurso como tendo sido devido a manifesto lapso, passível agora de correcção ou suprimento. Termos em que se indefere a vertente reclamação. Sem custas por não serem elas devidas pela entidade reclamante. Lisboa, 14 de Julho de 1999- Bravo Serra Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida