Imprimir acórdão
Processo n.º 157/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Por intermédio do Acórdão n.º 300/99, tirado em 18 de Maio de 1999, o Tribunal Constitucional desatendeu a reclamação deduzida por A.... contra decisão sumária proferida pelo relator em 8 de Abril, no sentido da não admissão do recurso por si interposto para este Tribunal, tendo o reclamante sido em consequência condenado em custas processuais e fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Notificado da respectiva conta, da mesma veio reclamar o reclamante, dizendo na peça processual consubstanciadora dessa reclamação que 'não concorda com a conta porque a decisão constante do processo só transitou em julgado depois da publicação a Lei da Amnistia', cuja cópia juntou e que 'dever-se-ia ter aplicado ao processo tal lei e, como tal, não ser aplicada qualquer coima ou transgressão ao Reclamante, o que implica uma revisão da conta que nunca pode atingir o montante indicado'. O Ex.mo representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a reclamação em apreço ser manifestamente infundada. Cumpre decidir. II. Fundamentos
2. O reclamante insurge-se contra a condenação em custas, sustentando que se deveria ter aplicado a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio (Lei da Amnistia), implicando tal aplicação 'uma revisão da conta que nunca pode atingir o montante indicado.' Ora, como se sabe, e tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal,
'A reforma quanto a custas – sublinhou-se no Acórdão n.º 27/94 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Março de 1994, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 433, página 141) – representa uma abertura à modificação do julgado (e, assim, uma excepção à regra enunciada no n.º 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil). Tal reforma só pode ter lugar, quando tiver havido uma condenação ilegal em custas.' (Acórdão n.º 1173/96; ver ainda, além do citado Acórdão n.º 27/94, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 27/96, 1173/96 e
652/98, inéditos). A reclamação da conta de custas é, pois, um mecanismo por via do qual se reage contra o modo como a conta foi elaborada, quando se verifiquem erros técnicos, contabilísticos ou violação das disposições legais aplicáveis.
3. Ora, a condenação do reclamante nas custas do processo não foi ilegal, não procedendo a argumentação que faz derivar de uma eventual aplicação da Lei da Amnistia, uma imposição de 'revisão da conta'. Na realidade, só às instâncias incumbe ajuizar e decidir da aplicação da Lei da Amnistia (no caso, a Lei n.º
29/99, de 12 de Maio). Todavia, o que está em causa na presente reclamação não é já uma questão de constitucionalidade – nem nunca o chegou a ser, pois que se tomou uma mera decisão de forma, no sentido de não se poder tomar conhecimento do recurso por falta de verificação dos respectivos requisitos formais. Está apenas em causa o pedido de reforma do Acórdão n.º 299/99 no que respeita à condenação no pagamento da taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta – questão, esta, que importa resolver, independentemente de uma eventual aplicação nos autos da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Tem por isso razão o Ex.mo representante do Ministério Público junto deste Tribunal quando defende 'não se vislumbrar qualquer conexão relevante entre a eventual amnistia da contra-ordenação que motivou a condenação do arguido nas instâncias e a obrigação do pagamento de custas, no montante fixado pelo Tribunal, como consequência da actividade processual injustificadamente originada pelo recorrente no âmbito do recurso de fiscalização concreta que, sem fundamento bastante, tentou interpor'.
4. A condenação em custas objecto do presente pedido de reforma foi imposta na sequência de decisão sumária de rejeição do conhecimento do recurso por faltar um dos pressupostos necessários ao seu conhecimento – e logo o requisito formal, do respectivo requerimento, consistente na indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual interpõe o recurso de constitucionalidade –, a qual foi seguida de uma reclamação para a conferência. Para efeito de condenação em custas, este requerimento configura uma reclamação de decisão proferida pelo Tribunal, prevista no artigo 84º, n.º 4 da Lei do Tribunal Constitucional – o qual prescreve que tais reclamações, quando indeferidas, estão sujeitas a custas –, e, especificamente para efeito do montante de taxa de justiça a fixar, no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de
7 de Outubro, segundo o qual a taxa de justiça deve em tais reclamações ser fixada entre 5 e 50 unidades de conta. Significa isto que a condenação em custas não foi ilegal, tendo sido imposta ao abrigo do disposto nos referidas disposições. Daí que não deva atender-se o pedido de reforma do Acórdão apresentado pelo reclamante. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide desatender o pedido de reforma do Acórdão n.º 300/99 quanto a custas e condenar o reclamante em custas, fixando em 10 unidades de conta a respectiva taxa de justiça (artigos
84º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional e 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de
7 de Outubro). Lisboa, 14 de Julho de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida
Processo n.º 157/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Decisão nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro I. Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, A.... interpôs recurso da decisão proferida pela Delegação Distrital de Beja da Direcção Geral de Viação que lhe aplicou a coima de 15.000$00 pela prática da contra-ordenação p. e p. no artigo
14º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada. O recurso não foi admitido por não obedecer às exigências de forma que impõem ao recorrente a apresentação de conclusões quando alega, nas quais deverá resumir e delimitar as razões do pedido. A... recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, com fundamento em não lhe terem sido reconhecidos os direitos de audiência e de defesa e, 'não tendo sido concedidos tais direitos, tudo está nulo incluindo a decisão do Governo Civil e do tribunal de que se recorre'. A Relação de Évora, por Acórdão de 19 de Janeiro de 1999, negou provimento ao recurso. Desta decisão pretendeu A... interpor recurso de constitucionalidade, tendo concluído as 'motivações' de recurso da seguinte forma:
'1º O Douto Acórdão está nulo pois que aplicou ao caso concreto normas legais art.ºs
50º do dec-lei 433/82; art.º 155 n.ºs 1 e 2 do C.E.; e art.ºs 59º n.ºs 3 e 63º n.º 1 do Dec-Lei 433/82 que violam art.ºs 2º, 3º, 8º, 12º, 13º, 16º, 18º, 20º,
26º, 32º n.ºs 1 e 10; da Constituição da República, ainda o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 16/12/66, art.ºs 14 n.º 3 alíneas d) e e); e ainda a Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4/11, art.º 6 n.ºs 1 e 2 e 3, pelo menos, e ainda foram violados os art.ºs 7º, 8º e
11º da declaração Universal dos Direitos do Homem o que são ainda violações Constitucionais.
2º A coima aplicada terá de ficar anulada e sem qualquer efeito, pois que na aplicação da mesma, foram violados art.ºs 2º, 3º, 8º, 12º, 13º, 16º, 18º, 20º,
26º, 32º n.ºs 1 e 10, da Constituição da República, ainda o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 16/12/66, art.ºs 14 n.º 3 alíneas d) e e); e ainda a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4/11, art.º 6 n.ºs 1 e 2 e 3, pelo menos, e ainda forma violados os art.ºs
7º, 8º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem o que são ainda violações Constitucionais e sobre as quais o Tribunal tinha de se pronunciar nos termos dos art.ºs 202º e 204º da Constituição da República.
3º Foram também ainda violados os princípios constitucionais da legalidade, e o princípio constitucional da defesa, da inquirição pelo Arguido dos acusantes e ainda do princípio constitucional do contraditório, previstos e estatuídos nos art.ºs 29º, 18º, 20º, 16º, 13º, 12º, 3º e 2º da Constituição da República Vigente e sobre cuja matéria o Tribunal tinha de se pronunciar nos termos dos art.ºs 202 e 204 da Constituição da República.
4º Assim decidindo, julgando inconstitucional as normas e o procedimento tido na aplicação das coimas por infracção-violação dos art.ºs 2º, 3º, 8º, 12º, 13º,
16º, 18º, 20º, 26º, 32º n.º 10, da Constituição da República, ainda o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 16/12/66, art.ºs 14 n.º 3 alíneas d) e e); e ainda a Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 4/11, art.º 6 n.ºs 1 e 2 e 3, pelo menos, e ainda foram violados os art.ºs 7º, 8º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art.ºs
202º e 204º da Constituição da República, e, por isso julgando procedente o presente recurso e Anulando o Douto Acórdão Recorrido por violação das leis e princípios constitucionais, tudo supra referido'. Por não ter o recorrente indicado os elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), o relator no Tribunal Constitucional proferiu o seguinte despacho:
'Nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, convido o recorrente a indicar, no prazo de 10 (dez) dias, os elementos exigidos no n.º 1 (e, se for o caso, no n.º 2) do referido artigo 75º-A'. O recorrente respondeu a este convite de aperfeiçoamento dizendo simplesmente que 'suscitou a violação dos preceitos constitucionais, no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora (proc. n.º 101/98) da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique com o n.º de processo 1786/98', e acrescentando que 'os preceitos constitucionais violados e enunciados pelo recorrente são: art.º 32 n.º 1 n.º 2 e n.º 3 e n.º 10 da CRP; art.º 202 da CRP'. II. Fundamentos
2. Da análise dos autos resulta a falta de, pelo menos, um dos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – o da suscitação da inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma durante o processo –, pelo que
é de proferir decisão nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Como se sabe – e logo resulta do texto constitucional e da Lei do Tribunal Constitucional (art.ºs 280º e 70º, respectivamente, para a fiscalização concreta) – 'no direito constitucional português vigente, objecto de fiscalização judicial são apenas as normas' (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 821; cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996). Ora, tanto no requerimento de recurso como na resposta ao convite para seu aperfeiçoamento, o recorrente limita-se a imputar a inconstitucionalidade à decisão recorrida, e não a quaisquer normas. Esta circunstância, só por si, seria suficiente para o Tribunal não poder conhecer do presente recurso. Acresce, aliás, que o recorrente nem depois de convidado a fazê-lo indica qual a alínea do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual interpõe o recurso. O que, desde logo (para além, portanto, da imputação da inconstitucionalidade à decisão), impede este Tribunal de apreciar outros requisitos específicos do recurso em questão e de dele tomar conhecimento.
3. Acrescente-se, aliás, que, ainda que o presente recurso tivesse sido expressamente interposto com indicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (como a lei exige para o recurso de decisões dos tribunais que hajam aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo), não se poderia tomar dele conhecimento. Na verdade, são requisitos específicos deste tipo de recurso de constitucionalidade, além da aplicação pelo tribunal recorrido da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo. Este último requisito, como se decidiu no Acórdão n.º 352/94
(publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), deve, porém, ser entendido, 'não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas
'num sentido funcional', de tal modo 'que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão',
'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita'. O requerimento do recurso de constitucionalidade não é já, pois, como este Tribunal repetidamente tem afirmado, momento idóneo para pela primeira vez suscitar uma questão de constitucionalidade (v. também, além dos Acórdãos citados, por exemplo o Acórdão n.º 166/92, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992). E, nos presentes autos, durante o processo nunca foi uma pretensa inconstitucionalidade imputada a qualquer norma, antes se tiveram estas por violadas pela decisão recorrida (assim, a fls. 45 e 46 e nas conclusões do recurso para o Tribunal da Relação). Não se suscitou, portanto, qualquer inconstitucionalidade normativa, mas antes, e apenas, se pôs em causa a conformidade constitucional da decisão recorrida, tendo perfeita aplicação, se o recurso tivesse sido interposto com indicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, as considerações expendidas, por exemplo, no Acórdão deste Tribunal n.º 181/93
(publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Julho de 1993):
' [...] Este Tribunal só poderia conhecer do recurso, enquanto fundado na alínea b) citada, se o recorrente houvesse suscitado perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica durante o processo e se o acórdão sob recurso, não obstante, a houvesse aplicado. Objecto do recurso de constitucionalidade só podem, na verdade, ser as normas jurídicas aplicadas que o recorrente tenha arguido de inconstitucionais, e não os actos jurídicos de outra natureza, como sejam os actos administrativos contenciosamente impugnados. Ora, o recorrente [...] não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, antes assacou a violação de direitos fundamentais aos próprios actos recorridos[...].' Não se pode, pois, conhecer do presente recurso. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decido, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 6 UC. Lisboa, 8 de Abril de 1999