Imprimir acórdão
Procº nº 748/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. P..., Ldª, deduziu oposição à execução fiscal contra a mesma instaurada na Repartição de Finanças de Vila Nova de Famalicão e com base no não pagamento de determinadas quantias em dívida ao Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas (IROMA) referentes a taxas de comercialização e peste suína, instituídas pelos Decretos-Lei números 44.158, de 17 de Janeiro de 1962, e 343/86, de 9 de Outubro.
Por sentença proferida em 14 de Maio de 1996 pelo Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, foi a oposição julgada procedente, para tanto aí se tendo desaplicado, por inconstitucionalidade, o Decreto-Lei n.º
235/88 de 5 de Julho.
O Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 605/97, não julgou inconstitucional a norma constante do n.º 1 do art.º 1º do dito diploma, concedendo, em consequência, provimento ao recurso.
Remetidos os autos ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, proferiu o respectivo Juiz, em 20 de Fevereiro de 1998, nova sentença, pela qual julgou parcialmente procedente a oposição no tocante ao 'valor da 'taxa' de peste suína'.
Nessa peça processual foi dito:-
'.........................................................................................................................................................................................................................................................................................
B – No que se refere á 'taxa de peste suína' (DL 44 158, de 17.1.62) importará ver se ela se poderá considerar em vigor, à luz do consignado no art.º
293ª. 1 da Constituição de 1976.
Ora, o sistema fiscal introduzido com este diploma caracteriza-se pela reserva de lei relativamente à incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes – vide art.º 106º.2.
Este tributo é consensualmente, um imposto, visto que – repete-se mais uma vez – em contrapartida do seu pagamento não é oferecida – nem é exigível – ao contribuinte qualquer contraprestação.
Ele foi criado à sombra da 1ª parte do n.º 2 do art.º 109º da Constituição de 1933 (na redacção da Lei 2009, de 17.9.45), ou seja, arrogando-se o Governo uma competência que não tinha (já então...) em face do estipulado pelo art.º 70º, §1º (dessa mesma Constituição), que não diferia substancialmente (salvo no que toca às garantias dos contribuintes) do citado art.º 106º.
Concluiu-se, pois, ser o citado diploma contrário à Constituição de
1976, devendo ter-se por revogado.
C – Os diplomas que alteraram aquele que criou a dita 'taxa' foram editados pelo Governo sem a necessária credencial da Assembleia da República – cfr. art.ºs 167º.o) e 168º. 1 da CRP de 1976, tendo sido decretados nos termos do art.º 201º,1,a) da CRP. São, pois, inconstitucionais.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
O Representante do Ministério Público junto do aludido Tribunal requereu a aclaração da sentença em causa, por forma a serem explicitadas as normas efectivamente desaplicadas por inconstitucionalidade.
Por despacho de 10 de Março de 1998, prolatado pelo referido Juiz, foi referido que as normas objecto de desaplicação, por violação 'da alínea o) e do n.º 1 dos art.ºs 167º e 16º, respectivamente', da Lei Fundamental, foram as dos artigo 1º dos 'DLs 547/77 e 19/77'.
2. Trouxe aquele Representante do Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º
2/82, de 15 de Novembro, concluindo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em exercício neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa a sua alegação dizendo:-
'1º
As normas, de conteúdo garantístico, que integram a ‘Constituição fiscal’, reservando à Assembleia da República a criação de impostos e a edição de legislação sobre o ‘sistema fiscal’, só funcionam e são intocáveis quando estejam em causa receitas da Administração Fiscal configuráveis como verdadeiros impostos, o que implica que a prestação pecuniária feita pelo contribuinte seja unilateral e definitiva, não dando origem a qualquer futura contraprestação, reembolso ou indemnização.
2º
A taxa da peste suína, criada pelo Decreto-Lei n.º 44158, de 17 de Janeiro de 1962 – e cujo montante foi sucessivamente actualizado pelas normas desaplicadas na decisão recorrida – tem como fim e função essencial a constituição de um fundo destinado ao pagamento de indemnizações aos suinicultores pelo abate e destruição dos animais infectados por aquela epizootia.
3º
Tal taxa reveste, deste modo, a natureza de um verdadeiro prémio de seguro de direito público, cuja específica contraprestação se traduz no pagamento de uma indemnização compensatória, sempre que o risco acautelado se tenha efectivado, integrando, deste modo, uma relação de natureza aleatória entre o contribuinte e a Administração – não revestindo, consequentemente, as características da definitividade e unilateralidade que caracterizam o imposto.
4º
As normas questionadas não padecem, deste modo, da apontada inconstitucionalidade orgânica, pelo que deverá ser julgado procedente o presente recurso.'
Cumpre decidir.
III
1. Antes de mais, não se pode deixar de referir que o constante do ponto B da sentença proferida no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga e que acima se encontra transcrito, apesar de não ser objecto do presente recurso
- mas que, perante o raciocínio levado a efeito naquela peça processual, de certo modo actuou como precedente lógico da desaplicação normativa nela efectuada - não pode colher o assentimento deste Tribunal.
Na verdade, este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa tem sempre sustentado que a recusa de aplicação de norma legal fundada na violação de preceitos ou princípios constantes de Constituições anteriores à de 1976 não constitui questão para cujo conhecimento o mesmo órgão esteja dotado de competência (cfr., por todos, o Acórdão n.º
266/92, publicado na 2ª série do Diário da República, de 23 de Novembro de
1992).
A isto acresce que, de acordo com o raciocínio que se extrai da sentença impugnada, o vício de que enfermaria o Decreto-Lei n.º 44158, de 17 de Janeiro de 1962, confrontadamente com o preceito constitucional vigente ao tempo da respectiva edição consubstanciaria o de uma inconstitucionalidade orgânica.
Ora, um tal vício, relativamente ao ordenamento jurídico-constitucional prévio a 1976, não é, seguramente, coberto pelo n.º 1 do artigo 293º da versão original da Constituição de 1976, correspondente ao nº 2 do artigo 290º da versão ora vigente.
Com efeito, a aludida norma constitucional, tem sido entendida pela jurisprudência deste Tribunal como visando tão só a inconstitucionalidade material (Acórdão n.º 234/97, publicado na 2ª série do Diário da República, de
25 de Junho de 1997), e isto pondo de remissa os casos que a doutrina tem assinalado como a inexistência jurídica de normas anteriores à Constituição de
1976, face à correspondente ordem constitucional (cfr., sobre o ponto, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 1072, os quais, aliás, manifestam dúvidas sobre se o nº 2 do artigo 290º da vigente versão da Lei Fundamental também abarca as 'normas que eram formal ou organicamente inconstitucionais à face da Constituição anterior e que também o seriam se emitidas sob a nova Constituição').
2. Seja como for, certo é que o objecto do presente recurso se há-de considerar como restrito, como consta do requerimento de interposição do Ministério Público elaborado em face do despacho de 10 de Março de 1988, às normas contidas no art.º 1º do Decreto-Lei n.º 547/77, de 31 de Dezembro, e no art.º 1º do Decreto-Lei n.º 19/79, de 10 de Fevereiro.
Qualquer uma das questionadas normas se limita a alterar o valor da
«taxa» criada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 44158 (passando tal valor, que foi, por este diploma, fixado em $30 por quilograma de carne de porco abatida e importada para consumo no território metropolitano, para 1$00 pelo Decreto-Lei nº 547/77 e para 2$00 pelo Decreto-Lei nº 19/79).
Aquele Decreto-Lei nº 44158, como ressalta do respectivo relatório preambular, intentou 'prosseguir por todos os meios na luta contra a grave epizootia conhecida por peste suína africana' e, por isso, para fazer face à cobertura dos encargos com a luta contra a peste suína atípica vírus L (peste suína africana), incluindo indemnizações pelo abate e destruição dos animais
(cfr. seu artº 5º), criou uma «taxa» (que, como se viu, foi fixada em $30 por quilograma de carne de porco abatida e importada para consumo no território metropolitano) destinada a tal fim.
São, pois, as «actualizações» do montante dessa «taxa», ocorridas pelas normas ora em análise, que, pela sentença sub iudicio, foram consideradas como desconformes com a Constituição, para tanto se argumentando que elas foram emitidas pelo Governo sem o mesmo estar munido da 'necessária credencial da Assembleia da República', e isto porque a «taxa» em causa foi entendida como sendo 'consensualmente, um imposto, visto que –... – em contrapartida do seu pagamento não é oferecida – nem é exigível – ao contribuinte qualquer contraprestação'.
Esta a questão a apreciar.
3. De acordo com o disposto na alínea o) do artigo 167º da versão originária da Constituição, incluía-se na exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre ... [c]riação de impostos e sistema fiscal', permitindo-se, porém (nº 1 do artigo 168º), que o Parlamento autorizasse o Governo a emitir legislação sobre essa matéria [as disposições em causa passaram a ficar integradas, com a Revisão Constitucional de 1982, no artigo 168º, n.º 1, alínea i), e, com a Revisão Constitucional de 1989, no artigo 167º, n.º 1, alínea i].
Após a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, tal matéria foi integrada no artigo 165º, n.º 1º, alínea i), que agora considera como sendo matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, legislar..., salvo autorização ao Governo, a [c]riação de imposto e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Importa, assim, para dilucidar a questão, em primeira linha, caracterizar a natureza do tributo consagrado no artº 1º do Decreto-Lei nº
44158, sendo certo que não será somente da circunstância de nesse normativo se mencionar a expressão «taxa» que, sem mais, se deverá concluir que nos postamos perante aquilo a que, conceptualmente, corresponde tal expressão.
3.1. Porque porventura se tornaria fastidioso e porque, em face da economia deste acórdão, seria quiçá dispensável efectuar aqui um enunciado exaustivo das posições doutrinárias sobre os conceitos de imposto e de taxa, não se deixa de realçar que, sobre a questão teve já este Tribunal, por várias vezes, ocasião de se debruçar.
É assim que, verbi gratia (e para se citarem as mais recentes decisões deste Tribunal sobre a matéria), no seu Acórdão n.º 558/98 (publicado na 2ª série do Diário da República, de 11 de Novembro de 1998) se escreveu que é
'sabido que a doutrina portuguesa – que, neste particular tem tido acolhimento na jurisprudência que, a propósito, é seguida por este Tribunal – tem realçado que a diferença específica entre ‘imposto’ e ‘taxa’ se situa na existência ou não de um vínculo sinalagmático que é apontado à segunda', representando 'o encargo a pagar como que o ‘preço’ do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará (e sem aqui se olvidar que esse ‘preço’ não tem, necessariamente, de corresponder à contrapartida financeira ou económica do serviço prestado).' (efectuando-se ali citação do Acórdão n.º 654/93, de 4 de Novembro de 1993, ainda inédito).
De outro lado, acentuou-se no Acórdão n.º 313/92 (in Diário da República, 2ª série, de 18 de Fevereiro de 1993) que o imposto 'constitui, por si , uma receita estadual – ou até da entidade legalmente habilitada a cobrá-lo
-, que não é directamente destinada à satisfação das utilidade do tributado como contrabalanço do usufruto dessa satisfação'.
E, como se disse no citado Acórdão n.º 558/98, 'assente uma relação sinalagmática característica da ‘taxa’, o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semipúblico ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares'.
À guisa de suporte da postura seguida por este Tribunal, e a título meramente exemplificativo, não se deixará de ponderar que a doutrina portuguesa tem entendido como imposto a 'prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos'
(usaram-se as palavras de Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1995, 5ª edição, ref. e actual., pág. 258).
Este mesmo autor considera que 'a taxa também é prestação pecuniária; também é prestação coactiva; mas já não é prestação unilateral, uma vez que ao seu pagamento corresponde a contraprestação de um serviço por parte do Estado.'.
Em idêntica senda navega Camilo Cimourdain de Oliveira ao ponderar que as 'taxas são, portanto, cobradas em contrapartida da prestação de serviços públicos' (Lições de Direito Fiscal, Porto, 1997, 6ª edição, pág. 107).
Todavia, podendo a concepção diferenciadora de «taxa» e «imposto», baseada unicamente nas ideias que se deixaram sumariadas, não bastar por si só para cobrir determinadas realidades, este Tribunal, no seu Acórdão n.º 354/98
(de 12 de Maio de 1998, proferido no processo n.º 32/97 e ainda inédito) não deixou de referir que 'um tributo só pode qualificar-se como taxa, se a exigência do seu pagamento, mesmo quando feita pela simples possibilidade de utilização de um bem semipúblico, e não pela sua utilização efectiva, continuar exclusivamente relacionada com essa utilização. O pagamento das taxas – recorda-se – é feito, em regra aquando da utilização, e só ‘conveniências da cobrança’ justificam que ele seja antecipado'.
A «taxa» de que ora se cura, recorda-se, foi instituída como uma forma de cobertura dos encargos com a luta contra a peste suína ...,incluindo indemnizações pelo abate e destruição dos animais (art.º 5º do Decreto-Lei n.º
44158).
Tudo leva a crer, desta arte, que a imposição pecuniária levada a cabo pelo artº 1º do falado Decreto-Lei nº 44158 teve por finalidade, de um lado, custear as despesas do Estado acarretados pelos meios de luta conta uma epizootia que, reconhecidamente, apresenta gravidade [cfr. alíneas a) e b) do artº 6º desse diploma] e, de outro, cobrir os encargos assumidos pelo Estado ao conferir indemnizações pelo abate e destruição de animais a quem produz e comercializa carne de porco.
Nesta segunda vertente, poderia defender-se que a imposição em causa se poderia perspectivar, como abarcando a existência, ainda que de certo jeito ténue –reconhece-se -, de uma relação sinalagmática entre essa imposição e a utilização de um serviço público por parte do tributado, sinalagma esse consubstanciado no aproveitamento da execução de medidas profilácticas e de polícia sanitária, investigação e a produção de meios de luta e prevenção, educação sanitária, incluindo a assistência técnica e a vulgarização e culminando no eventual recebimento de indemnizações pelo abate e destruição dos animais.
E, evidente é também, que, quanto a este última finalidade, inclusivamente, não seria de todo incurial defender-se que a «taxa» em apreço poderia visualizar-se como a instituição de um «prémio» de seguro, conquanto coactivo, se bem que isso dificilmente se possa considerar aplicável a quem comercialize carne de porco, não a produzindo (cfr., quanto aos destinatários das indemnizações, os Decretos-Leis números 39209, de 14 de Maio de 1953, e
41178, de 8 de Julho de 1957).
Todavia, um ponto se surpreende e que, à partida, não pode deixar de considerar-se como podendo servir de objecção de peso à perspectivação da imposição pecuniária como uma verdadeira «taxa».
É ele, justamente, o que consiste em uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que, directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal e material e investigação e produção dos meios de luta.
Com acrescidas dificuldades, quanto a este ponto, se descortinaria qualquer relação sinalagmática (a menos que se efectuasse uma mui remota ligação dos benefícios acarretados com aquelas despesas) inerente à conceptualização de
«taxa».
Por isso, e ainda que se não viesse a considerar a imposição em análise como um «imposto» no sentido técnico, poder-se-ia ser levado a considerá-la como um tributo que, dada a sua natureza, haveria de ter um tratamento do ponto de vista constitucional quanto à sua criação semelhante ao dos «impostos», à semelhança da postura que, em casos paralelos, tem sido seguida por significativa parte da doutrina e por este Tribunal (cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág. 15, Nuno de Sá Gomes, Curso de Direito Fiscal, pág. 97 e, por entre muitos outros, o Acórdão nº 313/92, in Diário da República, 2ª Série, de 18 de Fevereiro de 1993).
3.2. Mui recentemente, a questão aqui equacionada e sobre a qual nos temos de debruçar, foi, também ela, objecto de análise por banda da 1ª Secção deste Tribunal.
Assim, nos Acórdãos números 369/99 e 370/99 (ainda inéditos), disse-se, inter alia :-
'.............................................................................................................................................................................................................................................................................................. Assim, a taxa da peste suína africana reveste as características de um imposto ou de uma prestação que deva ter um tratamento constitucional similar ao dos impostos?
...............................................................................................................................................................................................................................................................................................
O imposto, do ponto de vista objectivo, é uma prestação pecuniária unilateral, pois não lhe corresponde nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, definitiva e coactiva (cfr. J. Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, 1998, Coimbra, p.224)
Este é um conceito oriundo da doutrina e jurisprudência nacionais que também acentuava como elemento diferenciador da taxa o seu carácter sinalagmático face ao carácter unilateral do imposto (...).
A taxa traduz-se em que à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, que pode ser uma actividade do Estado ou de outros entes públicos dirigida ao obrigado. Esta actividade pode realizar-se através da prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.
Pelo seu lado, o imposto constitui, por si, uma receita estadual ou da entidade pública habilitada a cobrá-lo, a qual não é especificamente destinada à satisfação de utilidade do tributado. Existem, porém, figuras tributárias cujo tratamento jurídico-constitucional se tem de aproximar do dos impostos: assim a taxa de radiodifusão (Acórdão nº 354/98, in Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1998); as quotas dos sócios contribuintes para as casa do Povo (Acórdãos nºs 82/84 e 372/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol.4, p.239 e ‘Diário da República’, II Série, de 1 de Setembro de 1989); contribuições de empregadores para a Segurança Social (Acórdão nº
363/92 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º Vol.,p. 497 e Acórdão nº1203/96, in Diário da República, I Série-A, de 24 de Janeiro de 1997).
Também o Tribunal já teve de apreciar a questão das ‘contribuições especiais’ (Acórdãos nºs 277/86 e 313/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º Vol.,p.383 e 23º Vol., p.309), considerando que no caso apreciado deviam ser tratadas como impostos.
Porém, as maiores dúvidas se levantam quando se trata das taxas devidas aos designados «organismos de coordenação económica» ou às entidades que públicas que resultaram da sua reorganização após o 25 de Abril de 1974.
A doutrina (cf. Alberto Xavier , Manual de Direito Fiscal, 1974, p.64 e ss) começou por enquadrar tais receitas no âmbito da parafiscalidade. Porém, como refere o Ministério Público nas suas alegações, ‘a evolução da doutrina e da jurisprudência, ao longo dos anos, tem sido claramente no sentido de limitar e restringir a relevância atribuída ao «equívoco conceito de parafiscalidade», citando o Acórdão 1203/96, acima referido: ‘a Constituição, depois da 2ª Revisão Constitucional, sendo explícita a referir no artigo 106º que o sistema fiscal visa, ao lado da satisfação das necessidades financeiras do Estado, as de ‘outras entidades públicas’, não dá guarida ao ‘equívoco conceito de parafiscalidade que comporta figuras que são verdadeiros impostos, que como tais devem ser tratados para todos os efeitos (reserva de lei parlamentar, autorização anual de cobrança, inscrição orçamental, etc.) mesmo que cobrados em benefício de outras entidades que não o Estado ou outras colectividades territoriais’.
6. – Importa, por isso, analisar a estrutura do regime jurídico e da finalidade da taxa da peste suína para concluir se ela está ou não integrada na
‘Constituição fiscal’, devendo ser tratada como verdadeiro imposto.
Logo com o Decreto-Lei n.º 44158 ali se estabeleceu - ao criar a receita - que a mesma se destinava à cobertura de encargos com a luta contra a peste suína africana, resultantes do pagamento de indemnizações aos proprietários dos animais afectados com tal doença e também para pagamento das despesas com o funcionamento dos serviços.
Depois, o Decreto-Lei n.º 250/88, de 16 de Julho, não só ampliou a finalidade inicialmente prevista visando agora a erradicação da epizootia e da peste suína clássica. De acordo com o artigo 12º, nº 3, as receitas apuradas com a cobrança da taxa destinavam-se ainda à cobertura dos encargos com a luta contra aquelas doenças, abrangendo além do pagamento das indemnizações devidas pela eliminação dos animais doentes ou suspeitos de estarem infectados, também as despesas com a liquidação e cobrança da taxa.
O legislador erigiu como finalidade da tributação criada o asseguramento da despesa ocasionada pelo pagamento das indemnizações compensatórias a satisfazer aos proprietários pelo abate e destruição dos animais afectados, para além de custear as despesas com os serviços.
Assim, o que há que perguntar no caso em apreço é se um 'tributo' com as características que ficam atrás definidas pode corresponder aos elementos definidores do conceito de taxa.
Haverá, assim, que responder à questão de saber se da satisfação de um 'tributo' como o dos autos resulta para o respectivo devedor uma vantagem ou benefício decorrente da correspondente actividade pública.
Caso a resposta a esta questão seja positiva, então, poderia ainda discutir-se, no caso, se a variação do montante do 'tributo' em questão pode conceber-se como mera decorrência de uma actualização devida à inflação ou tem outro significado.
A resposta à primeira destas questões é negativa, no caso em apreciação, pelo que se torna desnecessário apreciar a segunda questão, que apenas se deixará formulada.
Destinando-se o produto da taxa em causa à cobertura dos encargos com a peste suína, parece claro que o importador de carne de porco sobre quem recai, no caso, a obrigação de pagar a taxa, não vai retirar desse pagamento qualquer vantagem ou benefício, uma vez que a luta contra a peste suína ou a erradicação da mesma apenas beneficia os produtores de carne de porco e não os importadores. Beneficiados são também os consumidores bem como o interesse público, em geral, na medida em que têm a garantia de consumir carne de porco de boa qualidade.
Não pode, assim, afirmar-se a existência de uma vantagem para o devedor individualmente considerado, decorrente da correspondente actividade pública.
Por outro lado, o valor da taxa, que começou por ser de $30 (trinta centavos), foi fixada em $60 (sessenta centavos) por quilo de carne de porco importada pelo Decreto – Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto e agravada para 1$00, pelo Decreto-Lei n.º 547/77, de 31 de Dezembro; pelo Decreto – Lei n.º 17/79, de
10 de Fevereiro, a taxa foi fixada em 2$00 por quilo de carne abatida e importada, o que significa que, no período de um ano, o valor da taxa duplicou.
Ora, um tal aumento do valor do 'tributo' parece não permitir que se fale de uma ‘actualização’ do seu montante, por forma a poder defender-se que se está perante um mero agravamento decorrente da incidência da inflação.
Tem, pois, de se concluir que, no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o
'tributo' em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei fiscal.
Assim, não podia o Governo legislar sem solicitar autorização à Assembleia da República, pelo que as normas do artigo 1º do Decreto-Lei n.º
547/77, de 31 de Dezembro e do artigo 1º do Decreto – Lei n.º 19/79, de 10 de Fevereiro, tendo sido editadas apenas no uso da competência legislativa própria do Governo, são organicamente inconstitucionais, por violarem o artigo 167º, alínea o), conjugado com o artigo 168º, n.º2, ambos da Constituição da República Portuguesa (versão originária).
..............................................................................................................................................................................................................................................................................................'
4. As considerações acima transcritas retiradas dos dois citados Acórdãos são convincentes para esta Secção que, assim, in casu, também conclui pelo mesmo modo que nesses arestos se concluiu.
Adite-se ainda que, mesmo para quem sustentasse que não era constitucionalmente censurável 'a delegação legal na Administração da actualização (mormente anual), a realizar por via normativa (isto é, em termos genéricos), dos elementos quantitativos dos impostos [e, acrescentaremos, dos tributos que, dada a sua natureza, haveriam de ter tratamento, do ponto de vista constitucional, semelhante aos impostos,] de modo a manter estes actualizados face ao fenómeno inflacionário', dado que 'a actualização de tais elementos com base na taxa de inflação não configura qualquer alteração (real) dos mesmos, não constituindo por isso qualquer violação ao princípio da reserva de lei' (cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, 1994, 247) - e não atendendo agora à circunstância de que, como foi demonstrado nos Acórdãos a que acima se fez referência (os números 369/99 e 370/99), as alterações quantitativas operadas pelos diplomas sub iudicio se não contiveram nos limites decorrentes da inflação
- sempre se seria levado à mesma conclusão de inconstitucionalidade, justamente pelo facto de não ter existido qualquer delegação (na Administração ou no Governo, quanto a este último, com o fim de editar normação actualizadora por referência aos índices inflacionários).
III
Nos termos expostos, decide-se:-
a) Julgar inconstitucionais, por violação da alínea o) do artigo
167º, conjugada com o nº 2 do artigo 168º, ambos da versão originária da Constituição, as normas constantes do artº 1º do Decreto-Lei nº 547/77, de 31 de Dezembro, e do artº 1º do Decreto–Lei nº 19/79, de 10 de Fevereiro, e em consequência,
b) negar provimento ao recurso. Lisboa, 14 de Julho de 1999- Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida