Imprimir acórdão
Proc. nº 424/97
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por decisão do Tribunal de Comarca de Aveiro, de 7 de Janeiro de 1997, de fls. 127, foi a arguida M... condenada pela prática, como autora, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punível pela alínea a) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro e pelo nº 1 do artigo
313º do Código Penal de 1982 (versão originária). Recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença condenatória, bem como do despacho, proferido em audiência de julgamento, que implicitamente indeferiu a junção de um documento, que requerera . Por entre o mais, afirmou a arguida o seguinte, na motivação do respectivo recurso:
' 1. (...) afastada que estava a incriminação da arguida pelos factos por que vinha acusada, é evidente que a imputação a ela de factos novos, diversos dos descritos na acusação pública, implicaria sempre uma alteração substancial dos primitivos – pois se antes (na acusação primitiva) os factos não indicavam que a arguida houvesse cometido qualquer crime, qualquer imputação à arguida de novos factos, indiciadores de tipos legais de crime, tem forçosamente que reputar-se de ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL. Neste sentido, a definição legal do artigo 1º, alínea f), do Código do Processo Penal. Aliás, diferente e mais restritiva interpretação daquele normativo, implicaria sempre, no entender da recorrente, a sua inconstitucionalidade e, bem assim, a inconstitucionalidade das outras disposições do Código de Processo Penal que nele se fundamentam, como sejam as dos artigo 303º, nºs 1 e 3 e as dos artigos
358º e 359º, por violação do imperativo consagrado no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
(...)
4. No início da audiência de julgamento a arguida, ora recorrente, requereu a junção de documento que o Meritíssimo Juiz indeferiu com fundamento em determinada interpretação do artigo 165º do Código de Processo Penal que, a ser aceite, implicará forçosamente, sempre no modo de ver da recorrente, a sua ilegalidade (por oposição manifesta, nomeadamente, ao disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal) e a sua inconstitucionalidade (por violação do preceituado, nomeadamente, pelo artigo 32º da constituição da República Portuguesa – que assegura em processo penal as mais amplas garantias de defesa dos arguidos). Desta decisão, interpôs oportunamente a arguida recurso que pretende que seja julgado conjuntamente com este, exactamente porque, tal circunstância constitui igualmente fundamento do presente recurso, pois foi com base em tal entendimento e interpretação do citado artigo 165º do Código de Processo Penal, que a douta sentença desatendeu e desconsiderou um relevante meio de prova cuja produção havia sido pedida pela arguida, e que, a ter sido aceite, não deixaria, por certo, de implicar decisão absolutória.'
2. O Tribunal da Relação de Coimbra não deu provimento ao recurso da decisão condenatória, pronunciando-se, na parte que agora releva, nos seguintes termos: A. Alteração substancial dos factos: O que se passa é o seguinte:
O cheque em causa, emitido em 28-6-95, tem no seu verso dois carimbos de recusa de pagamento do banco sacado, por insuficiência de provisão, um com a data de 26-6-95, outro com a data de 30-6-95.
A acusação imputa à arguida o facto do o cheque ter sido devolvido por falta de provisão, verificada em 26 de Junho de 1995.
A arguida vem requerer a instrução apenas alegando não ter comprado materiais ao ofendido e o cheque não se destinar a pagar quaisquer serviços, mas sim ser um 'empréstimo'.
Junta o documento de folhas 35 e 41 (extracto de conta) onde consta que no dia 26 de Junho, quando havia um saldo de 600.956$50, se operaram três operações: estorno (crédito) do cheque dos autos (nº 74032895); dep. prazo no mesmo montante (débito); e débito da quantia do mesmo cheque.
Nas suas alegações de folhas 67 a 70, a arguida defende, como agora o faz, que no dia 26 de Junho, tinha um saldo suficiente para pagar o cheque e que o banco poderia ter pago o cheque. E que também em 30 de Junho tinha provisão.
Consta da acta da instrução – folhas 66 – do dia 27 de Novembro de
1995, que 'neste momento, o Mº Juiz comunicou à defesa para efeitos do disposto no artº 303º, nº 1 do C.P. Penal, que a falta de provisão, foi também verificada no dia 30-6-95, e que tal facto é relevante'.
‘O ilustre mandatário da arguida declarou então que não prescindia do prazo mínimo para estudo dessa alteração. De seguida, o Sr. Juiz designou para o debate instrutório o dia 14 de Dezembro de 1995 pelas 14 horas’. Foi, pois, em 5 de Dezembro que juntou as alegações finais referidas – folhas 62 a 70 – em consequência das quais foram feitas novas diligências. Na decisão instrutória escreveu-se: ‘Os depoimentos obtidos na Instrução afastam claramente a versão apresentada pela arguida nos arts. 8 a 11 do seu requerimento de abertura de daquela. As ‘segundas alegações’ da arguida (fols.
67 e ss.) vêm em sentido contrário das primeiras, sendo certo que foi ela quem retirou o dinheiro da conta à ordem para conta a prazo, deixando a primeira sem fundos para o pagamento do cheque. A alteração na pronúncia da data da verificação da falta de provisão não é substancial e dela se defendeu a arguida’. Na Pronúncia mantiveram-se os factos da acusação excepto quanto à data da devolução por falta de provisão que se diz ter sido em 30-6-95 e pronunciou-se a arguida pelo crime por que vinha acusada.
X Será esta alteração legalmente admissível?
É evidente que sim e mesmo que não o fosse, tal nulidade estava sanada. Na verdade, segundo o artº 1º, al. f) do C.P. Penal, alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ora, nada disto aconteceu. O crime pelo qual a arguida foi pronunciada foi precisamente o mesmo pelo qual estava acusada. Aliás, na acusação apenas faltou uma circunstância que também estava mais do que indiciada e resultava do verso do cheque: é que também o cheque fora recusado em
30-6-95. O despacho de pronúncia mais não fez do que esclarecer tal facto e preencher tal omissão da acusação. Ao verificar o facto referido, não constituindo alteração substancial, procedeu-se de acordo com o estatuído no artigo 303º, nº 1, do C.P. Penal. Nenhuma irregularidade se praticou nem qualquer violação se fez ao direito de defesa da arguida, como é evidente. Por outro lado, mesmo que de alteração substancial se tratasse, a sua inclusão na pronúncia constituiria nulidade, mas nulidade sanável, ficando sujeita à arguição no prazo de 5 dias, como resulta expresso do artigo 309º do mesmo C.P. Penal. E tal arguição não teve lugar senão agora em recurso da decisão final'. Pelo que toca ao recurso relativo à não junção do documento requerida pela arguida, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que o recurso do despacho que indeferiu tal junção fora interposto fora do prazo legal, pelo que dele não conheceu, por extemporâneo. Mas acrescentou:
'D – Não considerou documento cuja junção requereu: Já se decidiu que a recorrente, por não ter interposto recurso atempado, não pode ver discutida, autonomamente, a questão no que se refere à não junção do dito documento. O que pode é discutir-se tal fundamento como passível de influenciar a decisão. Diz o artº 165º, do C.P. Penal, que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência. Isto torna claro que o apresentante de documento em momento posterior ao inquérito ou instrução tem o ónus de alegar e provar que lhe não foi possível apresentá-lo dentro do prazo legal. Ora, a arguida, não contesta que o documento podia ter sido apresentado naquela fase processual e, por outro lado, não se preocupou em justificar a junção tardia. Poderia (e deveria) o tribunal admitir a junção do documento, nos termos do artº
340º, daquele diploma legal, se lhe afigurasse necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Ora, o tribunal não entendeu que tal documento fosse necessário ou interessasse
à boa decisão da causa. Nem a arguida se dá ao trabalho de demonstrar que o era. Sabemos apenas que se destinava, na versão da recorrente, à prova do incumprimento por parte do queixoso das obrigações assumidas no contrato celebrado com a arguida, expressas formalmente no orçamento junto ao requerimento da abertura da instrução. Não se deve deixar de dizer, tendo em conta, por um lado, toda a actuação da arguida nos autos e, por outro, as invocações que repetidamente faz dos direitos de defesa, que ‘dispor de todas as garantias de defesa, tal como se prevê no artº 32º, da Constituição, não é o mesmo que dar ao arguido direito a fazer no processo o que mais lhe convém com vista ser absolvido, nem o direito de requerer e praticar actos que compliquem desmesuradamente o itinerário processual’ '.
3. Inconformada, vem a arguida interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. A recorrente suscita duas questões de constitucionalidade. A primeira refere-se
à alínea f) do artigo 1º, aos nºs 1 e 3 do artigo 303º e aos artigos 358º e
359º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação que alegadamente lhes
é dada nos autos, segundo a qual 'a alteração dos factos que se deu em sede de instrução não foi substancial, consequentemente podendo ser considerada no presente processo, não tendo o M.P. que abrir novo inquérito. Inconstitucionalidade por violação do direito constitucional consagrado no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa'. A segunda das questões diz respeito ao artigo 165º do Código de Processo Penal,
'na interpretação que dele é feita no douto acórdão, pelo qual o apresentante de documento em momento posterior à instrução tem o ónus de alegar e provar que lhe não foi possível apresentá-lo dentro do prazo legal. Ilegalidade por manifesta oposição ao disposto no artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal e inconstitucionalidade por violação do direito constitucional consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa'. Notificada para apresentar as suas alegações, a recorrente afirmou, por entre o mais, o seguinte, quanto ao problema da alteração dos factos:
'Afastar ou deixar de fora da definição legal de ‘alteração substancial dos factos’ a alteração de factos que implica a penalização do comportamento de determinado arguido que perante os factos constantes da acusação não poderia ser, nem seria, considerado criminoso, implica, no entender da Recorrente, que tal definição legal e as normas que nela se baseiam é manifestamente inconstitucional. Com efeito, se a lei obriga à abertura de novo inquérito, a toda uma série de novas diligências instrutórias, subordinadas sempre ao princípio do contraditório, q uando os factos novos implicam a imputação ao arguido de crime diverso, por maioria de razão se haverá de ter tal consequência como obrigatória quando dos factos novos resulta a imputação ao arguido de um comportamento criminoso que face à acusação não consubstanciava a prática de crime nenhum'. Pelo que toca à junção do documento em momento posterior à instrução, afirmou o recorrente:
'Beneficiando o arguido da presunção de inocência até ao trânsito em julgado de decisão condenatória, é inadmissível que a ele próprio se negue a possibilidade de demonstrar a sua (presumida) inocência por razões meramente formais. Ademais, sendo certo que nada justifica a limitação temporal da produção da prova documental, quando é certo que só após final do julgamento a mesma é apreciada pelo tribunal'.
4. Por seu turno, o Ministério Público, veio nas suas contra-alegações suscitar a questão prévia da 'inutilidade do recurso de constitucionalidade, face ao teor da decisão recorrida', o que fez nos seguintes termos:
'Face ao inquestionável carácter instrumental dos recursos de fiscalização concreta, importa começar por apurar se – face ao teor do decidido pela Relação de Coimbra – conserva ainda alguma utilidade a apreciação das duas questões de constitucionalidade suscitadas: é que – como resulta claramente daquele acórdão
– o recurso interposto do despacho em que se visava questionar o disposto no artigo 165º do Código de Processo Penal, referentemente à junção de documentos, foi considerado intempestivo; e, quanto ao recurso interposto da sentença condenatória, na parte em que se questionava a possibilidade de o tribunal proceder à 'alteração dos factos', refere aquele acórdão, logo em primeira linha, que a nulidade que, por mera hipótese, se admitisse ter sido cometida estava já sanada. Concorrem, pois, de forma decisiva razões de índole estritamente procedimental – a extemporaneidade do primeiro recurso, por um lado, e a sanação da nulidade hipoteticamente cometida com a alteração dos factos constantes da acusação, por outro – que precludem inelutavelmente a utilidade da apreciação das questões suscitadas, já que a decisão recorrida não seria abalada ainda que - por mera hipótese - se admitisse a 'procedência' das apontadas 'inconstitucionalidades' normativas'.
Pelo que toca às questões de constitucionalidade suscitadas, sobre as quais se pronuncia para a hipótese de se entender deverem ser julgadas, pode ler-se o seguinte, nas conclusões das contra-alegações do Ministério Público:
'3º Não padece de inconstitucionalidade a interpretação dos poderes inquisitórios do tribunal, no que se refere à junção de documentos, traduzida em lhe ser facultado, nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal, o poder de rejeitar uma pretendida junção de documentos, considerados manifestamente irrelevantes para a boa decisão da causa.
4º Assegura integralmente o princípio do contraditório e as garantias de defesa da arguida a oportuna prevenção a esta de uma alteração da matéria de facto, constante da acusação, traduzida no facto de certo cheque haver sido recusado pelo banco a que foi apresentado na data que constava do seu verso – sem que tal circunstância de facto implique convolação para outro tipo legal de crime ou alteração dos limites legais da pena aplicável'.
Convidada a pronunciar-se sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, a recorrente nada disse.
5. Cabe, antes de mais, começar por esclarecer que não pode evidentemente o Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto, na parte em que a recorrente invoca a alínea f) do nº 1 da Lei nº 28/82 e pede o julgamento de ilegalidade do artigo 165º do Código de Processo Penal, 'por manifesta oposição ao disposto no artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal', uma vez que não se trata de nenhum dos casos previstos nas alíneas c), d) ou e) do nº 1 do citado artigo 70º.
6. O recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, reveste-se de uma natureza efectivamente instrumental, como bem sublinha o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal. Este recurso só pode admitir-se quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade possa, de algum modo, projectar-se no caso concreto, alterando ou modificando a solução jurídica – ou parte dela – que se obteve para a questão que esteve na origem do recurso.
É a esta luz que devem ser analisadas os fundamentos que levam o Ministério Público a entender não subsistir qualquer utilidade ao presente recurso.
Vai assim averiguar-se, sucessivamente, da possibilidade de repercussão no caso concreto do eventual juízo de inconstitucionalidade que recaia sobre a alínea f) do artigo 1º, os nºs 1 e 3 do artigo 303º e os artigos
368º e 359º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação que alegadamente lhes é dada nos autos, bem como sobre o artigo 165º, do Código de Processo Penal, 'na interpretação que dele é feita no douto acórdão, pelo qual o apresentante de documento em momento posterior à instrução tem o ónus de alegar e provar que lhe não foi possível apresentá-lo dentro do prazo legal'.
7. A primeira das normas em causa, que a recorrente extrai da alínea f) do artigo 1º, dos nºs 1 e 3 do artigo 303º e dos artigos 368º e 359º do Código de Processo Penal, permite considerar como uma alteração não substancial dos factos aquela alteração 'que implica a penalização de determinado comportamento de determinado arguido que perante os factos constantes da acusação não poderia ser, nem seria, considerado criminoso'.
A alegada inconstitucionalidade residiria assim na circunstância de o Tribunal da Relação de Coimbra ter interpretado aquelas disposições de modo a considerar como não substancial a alteração de factos ocorrida entre a acusação e a pronúncia.
Formulado um eventual juízo de inconstitucionalidade sobre esta norma, qual seria a respectiva consequência sobre o caso dos autos? Nos termos do artigo 309º do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade não é questionada pela recorrente, 'a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público (...)' (nº 1), devendo tal nulidade ser arguida no prazo de cinco dias contados da data da notificação (nº 2). Ora, tendo em conta que a referida nulidade se encontraria sanada, por não ter sido arguida em tempo, o Tribunal da Relação de Coimbra chamado a reformular a respectiva decisão nada poderia fazer, a não ser confirmar essa mesma sanação. De resto, no acórdão recorrido, pode ler-se justamente:
'Por outro lado, mesmo que de alteração substancial se tratasse, a sua inclusão na pronúncia constituiria nulidade, mas nulidade que é sanável, ficando sujeita
à arguição no prazo de 5 dias, como resulta expresso do artigo 309º do mesmo C. P. Penal. E tal arguição não teve lugar senão agora em recurso da decisão final'.
Assim, considerando a ora recorrente que a alteração ocorrida na factualidade que lhe foi imputada consubstanciava uma verdadeira alteração substancial dos factos, e que interpretação diversa das correspondentes disposições legais seria inconstitucional, deveria a mesma recorrente ter arguido, em tempo, a nulidade da decisão instrutória, nos termos do artigo 309º, e, eventualmente, recorrido do despacho que tivesse indeferido aquela arguição
(nº 2 do artigo 310º).
Não pode agora, pois, pedir-se ao Tribunal Constitucional que se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade que nenhum efeito poderia já vir a produzir no processo em causa.
Termos em que não pode conhecer-se do recurso, na parte relativa à alínea f) do artigo 1º, aos nºs 1 e 3 do artigo 303º e aos artigos 368º e 359º, todos do Código de Processo Penal.
8. Resta apurar se um hipotético julgamento de inconstitucionalidade do artigo 165º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido em que alegadamente foi interpretado no acórdão recorrido – e segundo o qual 'o apresentante de documento em momento posterior à instrução tem o ónus de alegar e provar que lhe não foi possível apresentá-lo dentro do prazo legal' –, poderia influenciar de algum modo a solução jurídica para o problema em análise.
O que aqui está em causa é a questão de saber se a Constituição proíbe a consagração, no regime processual de junção de documentos em fase posterior à instrução, de um ónus de alegar e provar a impossibilidade da sua apresentação anterior, por parte daquele que apresenta tais documentos.
Se o Tribunal Constitucional julgasse inconstitucional a referida norma, de acordo com a interpretação com que foi aplicada no acórdão recorrido, qual poderia ser a repercussão deste julgamento no caso sub judice? No plano da interpretação normativa, o Tribunal da Relação, confrontado com um eventual juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, deveria entender o artigo 165º no sentido de não exigir que quem apresenta um documento demonstre que não pôde fazê-lo antes de finda a instrução. Simplesmente, tal como foi julgado na decisão recorrida, a arguida não recorreu tempestivamente do despacho de não admissão do referido documento, o que levou o Tribunal da Relação de Coimbra a considerar extemporâneo o correspondente recurso. Deste modo, ainda que fosse julgada inconstitucional a norma impugnada, não poderia neste momento o Tribunal da Relação de Coimbra retirar desse julgamento quaisquer consequências práticas, na medida em que não foi aproveitada em devido tempo a via processual mediante a qual poderia a ora recorrente reagir: o recurso do despacho de indeferimento da junção do documento. Por outras palavras, o julgamento de inconstitucionalidade que porventura viesse a ser realizado neste Tribunal nenhuma utilidade viria a revelar para a situação do arguido, ou para a solução do caso em apreciação.
É manifesto que não pode, pois, também nesta parte – relativa à interpretação feita pelo acórdão recorrido do artigo 165º do Código de Processo Penal –, tomar-se conhecimento do presente recurso.
Assim, decide-se: a. Não conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 da Lei nº 28/82; b. Não conhecer, por manifesta inutilidade, do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 da Lei nº 28/82, na parte relativa à alínea f) do artigo
1º, aos nºs 1 e 3 do artigo 303º e aos artigos 358º e 359º, todos do Código de Processo Penal; c. Não conhecer, por manifesta inutilidade, do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 da Lei nº 28/82, na parte relativa ao artigo 165º do Código de Processo Penal; d. Condenar o recorrente em _6_ Ucs.. Lisboa, 14 de Julho de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida