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Proc. nº 91/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - M... e Outros, propuseram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção nos termos do artigo 69º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA), contra o Presidente da Junta de Freguesia de Pedroso, concelho de Gaia, pedindo que se lhes reconheça o direito de sepultarem a mãe no jazigo de sua propriedade sito no cemitério do Mosteiro de Pedroso, dado terem sido impedidos pelo demandado de o fazerem, momentos antes do funeral, sendo obrigados a enterrá-la provisoriamente em campa térrea do mesmo cemitério.
Alegaram, para o efeito, que os seus pais eram proprietários, por doação da avó materna, de 3 de Outubro de 1967, desse jazigo, o qual está registado a favor daqueles.
Por despacho do Senhor Juiz, de 26 de Junho de 1996, foi a petição liminarmente indeferida, por se entender não se verificar o pressuposto referido no nº 2 do artigo 69º da LPTA.
Interposto recurso jurisdicional desta decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 30 de Outubro de 1997, viria a negar provimento ao recurso, confirmando o anteriormente decidido.
Inconformado, M... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, esclarecendo - após oportuno cumprimento do disposto no artigo 75º-A, nºs. 1 e 5, deste diploma legal - ter sido o recurso interposto 'com base na violação do preceituado nos artigos 2º, 13º, 20º, 25º e nºs. 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa em face da aplicação do artigo 69º do Decreto-Lei nº 267/85'.
O recorrente alegou oportunamente, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º Vem o presente recurso, interposto para este Venerando Tribunal da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, a qual na sua interpretação dada às normas dos artºs. 2º, 13º, 20º, 25º e 268º nºs. 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, fê-lo restritamente, deixando as partes abandonadas ao livre arbítrio da administração, fechando-lhe as portas à possibilidade de obterem protecção jurisdicional.
2º Certa que é a existência de um contrato administrativo, ou seja, de um
‘acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo’ (art. 178º do Código de Procedimento Administrativo), daí há-de resultar a existência de uma concessão - autorização dada pela administração ao administrado para um determinado fim.
3º Tal concessão não dá lugar a um direito de propriedade civil, mas a um direito que mais não é do que um direito subjectivo, ‘uma faculdade de que dispõe uma pessoa, e que se destina, normalmente à realização de um interesse juridicamente relevante’ (Dicionário Jurídico, Ana Prata, p. 197).
4º Terá aquele uma protecção directa e imediata de tal modo que o particular tenha a faculdade de exigir à administração um comportamento que satisfaça plenamente o seu interesse privado. Assim, como defende o prof. Freitas do Amaral (in Direito Administrativo, vol. II, p. 97), ‘há portanto um verdadeiro direito à satisfação do interesse próprio’.
5º Poder-se-ão destacar entre outros mecanismos, para além do princípio da legalidade, os que mais interessam para o caso sub iudice; a. Abertura aos particulares de uma via contenciosa não fundada em ilegalidade, para obter o reconhecimento de um direito subjectivo; b. Imposição de dever de fundamentar em relação aos actos administrativos que afectem directamente os direitos subjectivos dos particulares.
6º A C.R.P., na sua nova redacção introduzida pela Lei Constitucional nº 1/97 de
20 de Setembro, veio garantir, expressamente, no nº 4 do art. 268º, ‘aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos (...), incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos (...), [para além] da impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem’, numa demonstração da intenção do legislador constitucional de ir mais além na protecção, nomeadamente, dos direitos subjectivos do administrado.
7º Redundou a decisão ora recorrida numa clara e flagrante violação ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no art. 20º da nossa Lei Fundamental, conquanto sonegou ao particular e administrado a possibilidade de uma real e efectiva tutela dos direitos em apreço, porque o Tribunal a quo furtou-se a conhecer da matéria do pretérito pleito alegando ter sido mais correcta a impugnação do acto administrativo então praticado.
8º Olvidou, contudo, outra regra importante, também ela expendida a nível constitucional: a obtenção de uma ‘tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos’ (nº 5 do supracitado artigo e diploma legal), já que o ora recorrente intentou acção de reconhecimento do direito uma vez que era aquele o meio mais expedito e abrangente de conseguir uma tutela efectiva do seu direito.
9º Isto porque, para além de poder obter a confirmação da existência e precisos termos do seu direito, igualmente alcançaria um precioso e inestimável instrumento que lhe permitiria obstar a novas investidas da Administração, porque, muito embora o recurso administrativo contencioso conduza à retirada de eficácia, logo de executoriedade, do acto administrativo, repondo, por conseguinte, a situação jurídica existente in illo tempore , não adviriam daí garantias para o administrado de que a posteriori voltasse a ser praticado acto de igual conteúdo.
10º Seria, assim, e em nossa modesta opinião, a solução por nós preconizada e aplicada a que melhor responderia às necessidades então existentes.
11º Importa, também, a questão da fundamentação do acto jurídico, conquanto, a falta desta afecta um dos direitos e garantias dos administrados, constitucionalmente previstos, mormente por via do nº 3 do art. 268º da Constituição da República Portuguesa.
12º Determinam os arts. 123º nº 1 al. d) e 124º nº 1 als. a) e e) do Código de Procedimento Administrativo a obrigatoriedade de fundamentação, conquanto constitui aquela elemento essencial do acto administrativo, e na medida em que foi negado e afectado um direito legalmente protegido, que por sua vez imbrincou na essencialidade de um acto administrativo anterior, qual seja a concessão administrativa.
13º Outrossim, e muito embora após a morte o cadáver deixe de ser havido como pessoa jurídica entende-se ‘dever ser atribuída ao cadáver um estatuto próprio, que o distinga de algum modo das coisas em geral [uma vez que] estas nunca foram senão coisas, mas o cadáver foi já pessoa, daí que (...) a sensibilidade dos juristas não possa ficar indiferente’ (prof. Penha Gonçalves in Teoria Geral do Direito Civil, 1991, p. 134).
14º De igual forma, também a Constituição da República Portuguesa, concede a esta matéria alguma importância, conquanto prevê, no seu art. 25º, que ‘a integridade moral e física das pessoas é inviolável’, a qual se prolongará, inquestionavelmente mesmo para além da morte.
15º Ora, inferimos da conduta do órgão da Administração em causa, um total e inqualificável desprezo por tais direitos, olvidando até da existência de uma
última vontade legítima do de cuius, impondo a sua vontade arbitrária à daquele.
16º Também o Tribunal a quo, indirectamente, o fez, na medida em que impossibilitou uma defesa intransigente do direito para o qual se buscava tutela jurisdicional.
17º Existiu, também, uma violação ao princípio da igualdade, consagrado inconstitucionalidade maxime no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, havia já sido anteriormente efectuada inumação de uma outra pessoa falecida naquele jazigo de família, que, por sinal, era marido da de cuius.
18º Não se compreende, assim, como se permite tal acto, vindo posteriormente a impossibilitar o enterro de quem, legalmente, detinha legitimidade para haver sucedido na posição do cessionário original.
19º Ora, este princípio constitucional não funciona por forma geral e abstracta, mas perante situações ou termos de comparação que devam reputar-se concretamente iguais (Parecer nº 32/82, de 16/09 de 82, in Pareceres, V, p. 73).
20º Com tal decisão, violou, ainda, aquele órgão administrativo o princípio da separação de poderes acolhido, actualmente, no art. 2º da Lei Fundamental.
21º Indubitavelmente, qualquer órgão administrativo que fundamente uma sua decisão num processo judicial pendente, ou seja, com decisão não transitada em julgado, estará a imiscuir-se no domínio das funções jurisdicionais, antecipando uma decisão, conquanto acaba por, ainda que indirectamente, por a proferir, podendo, ainda, vir a influenciar o Tribunal na tomada da mesma.
22º Também o Tribunal a quo, indirectamente, permitiu tal violação na medida em nada fez para fazer valer os direitos que se arrogavam.
23º Existe, pelo exposto, violação dos princípios constitucionais vertidos nos arts. 2º; 13º; 20º; 25º e 268º nºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, como resultado da aplicabilidade do art. 69º do D.L. 267/85.'
Contra-alegou a Junta de Freguesia de Pedroso, o que fez no sentido da confirmação do acórdão recorrido por nele não surpreender qualquer vício de constitucionalidade.
Cumpre apreciar e decidir.
II
1. - A norma impugnada é a do artigo 69º da LPTA que dispõe o seguinte:
'1.- As acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido podem ser propostos a todo o tempo, salvo o disposto em lei especial, por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.
2.- As acções só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo os relativos à execução da sentença, não assegurem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa.'
Delimitando o objecto do recurso, conclui-se estar apenas em causa a norma do nº 2 do artigo 69º, como, de resto, sublinha o acórdão recorrido ao considerar constituir o thema decidendum a questão da natureza e do alcance do meio processual previsto nesse nº 2, e, concretamente, da subsistência ou não, após a revisão constitucional de 1989, da regra nele contida.
2. - Entendeu o Supremo que o meio processual previsto no nº 2 do artigo 69º da LPTA não constitui meio alternativo, nem tão pouco residual, do recurso contencioso de acto administrativo que defina a situação jurídica do administrado, antes se configurando como meio complementar de defesa contenciosa, face a condutas consideradas lesivas de direitos ou interesses protegidos. Nesta tese, à acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo prevista naquela normação só será legítimo recorrer quando só por seu intermédio seja possível obter efeitos não susceptíveis de se alcançarem pelos restantes meios contenciosos.
A esta luz, o mencionado meio processual é, em si, portador de complementariedade, de modo tal que a sua utilização só adquire justificação quando os restantes meios contenciosos, nomeadamente o recurso contencioso de anulação, não constituam uma eficaz e efectiva tutela dos direitos ou interesses em causa.
A plenitude de garantia jurisdicional administrativa - destinada a evitar que o particular fique desprovido de um meio processual adequado perante uma qualquer lesão ou risco de lesão de direitos ou interesses legítimos, como se escreveu no aresto recorrido, com apoio da jurisprudência existente sobre a matéria - compatibilizando-se com o reforço do princípio da accionabilidade consagrado no nº 5 do artigo 268º da CR, nem por isso significa que se prescinda de averiguar se, no regime legal do contencioso de anulação, não está efectivamente assegurada a tutela jurisdicional do direito ou interesse em questão.
Ora, a este propósito, considerou-se no acórdão sob recurso:
'O que os AA, ora recorrentes, visavam com a instauração da acção era, segundo os seus próprios termos, o reconhecimento do direito a sepultarem a sua mãe no jazigo [...], sua propriedade, dado terem sido impedidos, por determinação autoritária do Réu, ora recorrido, momentos antes do [...] funeral, de a sepultarem no referido jazigo, sendo obrigados a sepultá-la provisoriamente numa campa térrea desse cemitério. Ora, é inequívoco que eles poderiam ter impugnado contenciosamente o acto de recusa do Presidente da Junta de Freguesia que, no exercício de poderes de autoridade administrativa, os impediu de sepultar a sua mãe no referido jazigo, acto cuja fundamentação foi posteriormente remetida aos recorrentes, a pedido destes, e que, através dessa impugnação, e da respectiva execução da sentença anulatória, teriam obtido a tutela efectiva do direito ou interesse que se arrogam. Nada releva, em contrário, o facto de se tratar de um acto oral, aliás confirmado e fundamentado a posteriori pelo seu autor, por escrito, e a pedido dos recorrentes, pois que tal categoria de acto administrativo (acto oral) é legalmente admissível (cfr. Ac. STA, de 18.01.73, Acs. Doutr. 138, p. 805). O CPA, prevendo, como regra, a forma escrita, e impondo-a como obrigatória para os actos dos órgãos colegiais, não exclui que o acto administrativo possa assumir 'outra forma', designadamente quando ela seja 'prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstância do acto' (art. 122º), dispondo o art. 126º sobre a fundamentação de actos orais. Não deixou pois o acto aqui em causa de se traduzir num acto administrativo, ou seja, 'acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração, no exercício do poder administrativo, e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto' (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, p. 66). Acto administrativo, pois, gerador de efeitos jurídicos externos, e directa e imediatamente lesivo dos direitos ou interesses dos recorrentes, enquanto portadores de um interesse pessoal, directo e relevante, por ele afectado e posto em causa. Acto administrativo aliás logo executado, pelo que nem sequer se coloca a questão da sua executoriedade. Os recorrentes, em suma, outra coisa não pretendem que não seja a anulação do acto de recusa imputado ao Presidente da Junta de Freguesia de Pedrosos, que reputam de ilegal, em ordem a poderem executar aquilo que tal acto de recusa lhes denegou - sepultarem a sua mãe no identificado jazigo. Acto que, nos termos das suas próprias alegações, é ilegal por ser 'estranho às atribuições e competências da Junta de Freguesia ou do seu Presidente', e por ter sido 'notificado oralmente', e 'carecendo totalmente de forma legal e fundamentação', vícios do acto, cuja apreciação caberia naturalmente em sede de recurso contensioso. Bem andou pois a decisão agravada, ao decidir que no caso sub judice, 'não pode o A vir utilizar o meio de acção de reconhecimento de direito, quando exista um acto administrativo, do qual podia ter recorrido e sendo que se o acto fosse anulado, obteria o que aqui pretende, em sede de execução de sentença daquele recurso.'
3. - Circunscrito o objecto do presente recurso de constitucionalidade à norma do artigo 69º da LPTA, dir-se-ia, ao menos numa primeira aproximação, estar colocada uma questão que exorbita da competência deste Tribunal, limitada que é esta ao julgamento de questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas, estando-lhe subtraída a apreciação de decisões judiciais, em si mesmas consideradas, em que se pretende reponderar eventuais erros de julgamento ou uma qualificação de matéria de facto alegadamente errada.
Na verdade, e de acordo com a jurisprudência sedimentada deste Tribunal, ao sistema de fiscalização de constitucionalidade escapam as decisões judiciais, os actos administrativos propriamente ditos e os 'actos de governo' em sentido estrito ou 'actos políticos' - como se exprimiu o acórdão nº
353/86, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Abril de 1987 - onde não se exerce o controlo normativo a que se reporta este tipo de recurso.
Neste sentido apontam, na verdade, várias das conclusões que pretendem 'condensar' as alegações oportunamente apresentadas pelo recorrente: a decisão recorrida terá violado, 'clara e flagrantemente', o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20º da CR, na medida em que se furtou a conhecer da matéria 'do pretérito pleito alegando ter sido mais correcta a impugnação do acto administrativo então praticado' (cfr. a conclusão 7ª); assim decidindo, impediu o administrado de utilizar o meio processual que melhor responderia às necessidades existentes.
Não é este o entendimento professado pelo recorrente, ouvido sobre este específico aspecto: como, na oportunidade enfatizou, 'o recurso visa a violação do preceituado nos artigos 2º, 13º, 20º, 25º, nºs. 3 e 4
[terá querido escrever, 25º e 268º, nºs. 3 e 4] da Constituição da República Portuguesa em face da aplicação do artigo 69º do Decreto-Lei nº 267/85'.
No fundo, e porque se está, indubitavelmente, perante mais um caso de fronteira, onde a linha de demarcação entre norma e decisão não se recorta com facilidade, admite-se estar em causa um controlo normativo, o de uma interpretação que bule com a propriedade ou a impropriedade do meio escolhido pelo recorrente, com indesmentível projecção no direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos, na vertente da acção para o reconhecimento desses direitos ou interesses, prevista no citado artigo 69º.
A esta luz, a interpretação dada pelo acórdão recorrido, fecharia caminho a um dos previstos meios de tutela positiva dos direitos dos administrados perante a Administração, prestando à correspondente valoração um conteúdo normativo constitucionalmente sindicável.
É como tal que se conhecerá do objecto do recurso.
4. - O Tribunal Constitucional, perante o texto constitucional do nº 5 do artigo 268º - na redacção oriunda da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho - ponderou não poder afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, escreve-se no acórdão nº 435/98 (publicado no Diário da República, II Série, de
10 de Dezembro de 1998), o que decorre do preceito é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente, nesta total abrangência da tutela jurisdicional traduzindo-se a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados. O que não significa garantia de duplicação ou de alternatividade de meios processuais de reacção a uma dada actuação da Administração.
Como então se adiantou, 'não decorre do nº 5 do artigo
268º da Constituição a exigência da admissibilidade da acção para o reconhecimento de um direito quando o particular possa interpor recurso de anulação, precisamente porque este mecanismo processual se mostra adequado à tutela do seu direito, pretensamente lesado pela actuação da Administração
(estará assim assegurada a plenitude da garantia jurisdicional dos administrados, por via do recurso de anulação)'.
Orientação semelhante foi, também, a professada pelo acórdão nº 452/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1995).
Adoptou-se, então, com o suporte teórico e argumentativo na ocasião desenvolvido, uma interpretação da norma sindicanda - a do nº 2 do artigo 69º da LPTA - correspondente à chamada teoria do alcance médio da acção para o reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo, nos termos do qual este meio processual assume um carácter complementar dos outros meios processuais, e não um carácter puramente residual, como entende a teoria do alcance mínimo, utilizável apenas quando não exista, em abstracto, no ordenamento processual, outro meio à disposição do particular para obter uma tutela eficaz da sua posição jurídica, nem um carácter funcional, como defende a teoria do alcance máximo, que admite a utilização do referido instrumento processual sempre que o contencioso de anulação ou os outros meios não fornecessem em concreto ao particular uma protecção mázima.
5. - Com a Revisão introduzida pela Lei Constitucional nº
1/97, de 20 de Setembro, o nº 4 do artigo 268º passou a ficar redigido de modo a garantir aos administrados 'tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas'.
No entanto, e como se frizou em recente acórdão deste Tribunal, nº 105/99, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio
último, não se vê que deva concluir-se hoje diferentemente ao decidido nos acórdãos nºs. 425/95 e 435/98, citados, no que diz respeito às acções para o reconhecimento de um direito ou interesses legalmente protegidos.
De facto, como aí se escreveu, o que o preceito constitucional, na sua actual versão, pretendeu deixar claro foi que 'o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos
(nomeadamente, das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) - obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas'.
'É que [acrescenta-se] tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos «seus direitos e interesses legalmente protegidos», como dispõe o nº 1 do artigo 20º da Constituição.'
Ora, à luz das considerações expostas - que o citado acórdão desenvolve - a norma sub judicio - a do nº 2 do artigo 69º da LPTA - estabelece um pressuposto processual, versando, assim, sobre processo administrativo. Por isso, conclui-se, 'ela só seria inconstitucional, se, com o estabelecimento desse pressuposto, tornasse impossível ou particularmente onerosa a defesa contenciosa dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Sê-lo-ia, porque, num tal caso, violaria a garantia de acesso
à via judiciária (recte à justiça administrativa)'.
O pressuposto funciona, assim, 'como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária e não impede, nem torna particularmente onerosa, a defesa jurisdicional dos direitos'.
6. - No caso vertente, a idêntica conclusão se chega.
Como se sublinhou em termos inequívocos no acórdão recorrido, nada impedia os recorrentes de impugnar contenciosamente o acto de recusa do Presidente da Junta de Freguesia e por essa via, obter a tutela efectiva do direito por eles arrogado, designadamente com a respectiva execução da sentença anulatória obtida.
A tutela jurisdicional efectiva, nas circunstâncias do caso concreto, sempre teria lugar se utilizado o meio adequado - e este, traduzido na impugnação contenciosa do acto de recusa, posteriormente fundamentado a solicitação dos próprios interessados, esteve ao alcance destes, uma vez que lhes bastava impugnar, em tempo, o referido acto e, se necessário, em seguida instaurar a respectiva execução da sentença anulatória.
A apreciação do concreto caso compatibiliza-se, por conseguinte, com as considerações expendidas no citado acórdão nº 105/99 que reconheceram, na norma do nº 2 do artigo 69º, um pressuposto processual que funciona como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária, não lhe surpreendendo, como tal, vício de inconstitucionalidade algum - nomeadamente face aos convocados preceitos da Lei Fundamental.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido no que à matéria de constitucionalidade respeita;
b) condenar os recorrentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 14 de Julho de 1999- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida