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Processo nº 1/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A... interpôs o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Maio de 1998, cuja aclaração e reforma foram recusadas pelo acórdão do mesmo Tribunal de 4 de Novembro de 1998.
Pretende o recorrente que se aprecie a constitucionalidade das normas constantes do artigo 97º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações e do artigo 155º do Código de Processo Tributário, interpretadas 'no sentido de não permitirem o recurso contencioso do acto que autoriza a avaliação ao abrigo do §
único do artigo 57º' do Código primeiramente citado.
O relator, com fundamento em que se não verificavam os pressupostos do recurso interposto, proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Tendo o recorrente reclamado da decisão sumária, foi proferido o acórdão nº
153/99, que deferiu, em parte, essa reclamação, a fim de se conhecer do recurso, quanto ao artigo 155º do Código de Processo Tributário.
O recorrente apresentou alegações, que concluiu como segue:
1. Nos termos do nº 4 do artº 268º da Constituição da República Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas;
2. Ora, tendo o ora recorrente comprado por escritura de 27 de Fevereiro de
1989, a fracção autónoma designada pela letra 'S', que constitui o 4º andar esquerdo com entrada pelo nº 150 do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Av. António Augusto de Aguiar, em Lisboa, pelo preço declarado de
7.000.000$00, o Sr. Director Distrital de Finanças de Lisboa, precedendo informações prestadas pela Repartição de Finanças do 10º Bairro Fiscal, por despacho de 29 de Junho de 1989, autorizou a avaliação da fracção, ao abrigo do artº 57º do Cód da Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações e invocando uma delegação do Sr. Director Geral das Contribuições e Impostos, com o fundamento de haver suspeita de que o preço praticado seria de Esc. 12.000.000$00 e não de Esc. 7.000.000$00 como tinha sido declarado;
3. Não se conformando com tal decisão, o ora recorrente interpôs dela, em 29 de Setembro de 1989, recurso contencioso para o Tribunal Tributário da 2ª Instância, com fundamento em incompetência (não havia lei que autorizasse a delegação invocada) e violação da lei, nos termos que constam da respectiva petição, que aqui se dá como integralmente reproduzida;
4. No Tribunal Tributário da 2ª Instância, pelo douto acórdão de fls. 239, foi negado provimento ao recurso, com fundamento na ilegalidade da sua interposição ou seja com o fundamento de que do despacho recorrido não era admissível o recurso interposto;
5. Interposto o recurso desse douto acórdão para o Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário), veio a ser negado provimento ao recurso, pelo douto acórdão de 6/5/98, com o fundamento de que do despacho do Sr. Director Distrital de Finanças não era admissível recurso autónomo nos termos em que o recorrente o fez;
6. Para o douto acórdão recorrido, o artº l55º do Cód. Proc. Tributário, nomeadamente os seus nºs 2 e 6, não permitiam a interposição desse recurso, uma vez que das citadas disposições resulta que só se poderia interpor recurso da decisão que fixasse definitivamente o valor da transmissão ou seja da 2ª avaliação;
7. Ainda segundo o mesmo douto acórdão, o despacho do Sr. Director Distrital de Finanças de Lisboa é um acto meramente preparatório da avaliação e não lesa direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente;
8. Sucede, porém, que o despacho do Sr. Director Distrital de Finanças preenche todos os requisitos referidos no nº 4 do artº 268º, nº 4 da Constituição da República e, por isso, está coberto pela garantia a que a norma se refere;
9. Na verdade, trata-se de um acto administrativo definitivo e executório, uma vez que constitui a resolução final de um processo e pode ser executado pela própria Administração e imposto ao recorrente, como efectivamente foi no caso concreto;
10. E nunca se pode dizer que ele é um acto preparatório da decisão final sobre o valor da fracção, uma vez que, após o despacho em referência, não só a entidade que o proferiu não teve qualquer intervenção no processo de fixação do valor como nenhuma outra entidade proferiu qualquer acto administrativo sobre a fixação do valor da fracção;
11. Por outro lado, é manifesto que o despacho lesa os interesses legalmente protegidos, nomeadamente quando acusa desde logo o recorrente de ser um simulador do preço para fugir à sisa devida, dado que aceita que o valor da transmissão terá sido de 12.000.000$00e não dos 7.000.000$00 declarados, e lesa os interesses que a lei protege de o recorrente pagar de conformidade com o declarado e não de conformidade com um valor necessariamente superior;
12. Tendo em consideração o disposto no nº 4 do artº 268º da Constituição da República, é garantido ao ora recorrente a interposição de recurso contencioso do despacho em causa do Sr. Director Distrital de Finanças de Lisboa;
13. Deste modo, toda a norma do legislador ordinário que seja interpretada (e, por isso, aplicada) como não permitindo a interposição de recurso de tal despacho ofende o princípio consagrado na citada norma constitucional;
14. Ora, nos termos do artº 24º da Constituição, nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados;
15. Tendo sido o artº 155º, nomeadamente os seus nºs 1, 2 e 6, do Cód. Proc. Tributário, interpretado e aplicado com o sentido de que não permite o recurso interposto pelo recorrente do despacho do Sr. Director Distrital de Finanças de Lisboa já referido, deve ser declarado que essa norma, com tal sentido, é inconstitucional, com todas as consequências legais, nomeadamente com a de a decisão ter força obrigatória no processo e conduzir a que, a final, o Tribunal Tributário da 2ª Instância conheça do recurso interposto pelo recorrente com os fundamentos invocados na respectiva petição. Pelo exposto e pelo mais que será doutamente suprido, deve conceder-se provimento ao recurso e, por isso, declarar-se a inconstitucionalidade do disposto no artº 155º, nomeadamente nos seus nºs 1, 2, e 6, entendido, como foi, como não permitindo a interposição do recurso do despacho do Sr. Director de Finanças de Lisboa, com todas as consequências legais, nomeadamente com a de o processo voltar ao Tribunal Tributário da 2ª Instância para conhecimento do recurso.
O DIRECTOR DISTRITAL DE FINANÇAS DE LISBOA, recorrido, não alegou.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A norma sub iudicio: O artigo 155º do Código de Processo Tributário preceitua como segue: Artigo 155º (Objecto da impugnação)
1. Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
2. Constitui motivo de ilegalidade, além da preterição de formalidades legais, o erro de facto ou de direito na fixação.
3. As incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais podem ser objecto de impugnação judicial no prazo de 30 dias, desde que o contribuinte tenha solicitado previamente a correcção da inscrição junto da entidade competente e esta a recuse ou não se pronuncie no prazo de 90 dias a partir do pedido.
4. O pedido de correcção da inscrição nos termos do número anterior pode ser apresentado a todo o tempo.
5. O prazo da impugnação referida no nº 3 conta-se a partir da notificação da recusa ou do termo do prazo para apreciação do pedido.
6. A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no processo de avaliações. Para o acórdão recorrido, para se poder impugnar contenciosamente o resultado da avaliação, é 'necessário esgotar os meios processuais previstos no processo de avaliações'. E, por isso, 'no caso concreto, tornava-se necessário requerer uma segunda avaliação, com previsão no artigo 96º do C.I.M.S.I.S.D.', pois 'só o resultado da segunda avaliação era susceptível de impugnação'. Daí que – acrescentou – 'só então era lícito ao recorrente discutir quer o despacho que autorizou a avaliação do prédio, nos termos do artigo 57º, § único, do C.I.M.S.I.S.D., quer a avaliação propriamente dita, através do pertinente recurso do resultado da avaliação'.
Idêntico é o pensamento de ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO (Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4ª edição, Coimbra, 1998, páginas
359), que escrevem: De acordo com o artigo 96º do C.I.M.S.I.S.D., quando o contribuinte não concordar com o resultado da avaliação efectuada nos termos do artigo 93º do mesmo diploma, deverá requerer uma segunda avaliação. O que não pode é impugnar, desde logo, o resultado daquela primeira avaliação. Assim, se ele discorda do valor encontrado na primeira avaliação, tem de requerer, necessariamente, uma segunda, ao abrigo do referido artigo 96º. E só o resultado desta última é que pode ser impugnado.
O nº 6 do transcrito artigo 155º não deixa margem para dúvidas: a impugnação contenciosa só pode ter lugar 'depois de esgotados os meios graciosos previstos no processo de avaliações'.
O que, então, importa decidir é se o mencionado artigo 155º - recte, o seu nº 6 conjugado com os seus nºs 1 e 2 -, interpretado no sentido de que o resultado da primeira avaliação de propriedades urbanas não é recorrível, enquanto não estiverem esgotados os procedimentos graciosos necessários, viola (ou não) o artigo 268º, nº 4, da Constituição, que hoje dispõe que 'é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.'
4. A questão de constitucionalidade:
4.1. Começa por registar-se que, ao dar-se nova redacção ao artigo 268º, nº 4, da Constituição, não houve o propósito de introduzir mudanças no modo como o direito ordinário regula a garantia do recurso contencioso. Escreveu-se, embora a outro propósito, no acórdão nº 105/99 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Maio de 1999): De facto, o que o preceito constitucional acabado de transcrever fez foi deixar claro que o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente, das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) - obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos
(acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas.
É que tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos 'seus direitos e interesses legalmente protegidos', como dispõe o n.º 1 do artigo 20º da Constituição.
Este Tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre a questão de saber se a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos – recte, a garantia do direito ao recurso contencioso – é violada pela exigência de prévia interposição de recurso hierárquico, e sempre lhe deu resposta negativa. Fê-lo a propósito do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, primeiro, no acórdão nº 9/95 (publicado no Diário da República, II série, de 23 de Março de 1995) e, depois, nos acórdãos nºs 24/96 (por publicar), 603/95 e
115/96 (publicados no Diário da República, II série, de 14 de Março de 1996 e de
6 de Maio de 1996). Fê-lo também no acórdão nº 499/96 (publicado no Diário da República, II série, de 3 de Julho de 1996) e no acórdão nº 1143/96 (publicado no Diário da República, II série, de 11 de Fevereiro de 1997), que incidiu sobre o artigo 108º-A do Estatuto da Aposentação. E fê-lo igualmente no acórdão nº
159/96 (por publicar), que incidiu, justamente, sobre o artigo 155º ora sub iudicio.
Este entendimento do Tribunal arranca da ideia de que, ao fazer tal exigência – ou, dizendo de outro modo, ao estabelecer um tal pressuposto processual – o legislador não torna impossível, nem particularmente onerosa, a defesa contenciosa dos direitos ou interesses legalmente protegidos pelos particulares. O pressuposto processual funciona assim, como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária [cf. o acórdão nº 105/99 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Maio de 1999)]
4.2. Vale a pena transcrever alguns troços do citado acórdão nº 9/95. Escreveu-se aí: Comparando este preceito com o do nº 3 do mesmo artigo 268º, na versão de 1982
(a que ele corresponde), verifica-se que, nele, se eliminou o inciso
'definitivos e executórios' que constava da redacção de 1982. Ou seja: a
'definitividade' e a'executoriedade' do acto administrativo deixaram de ser pressupostos da sua impugnação contenciosa. A propósito dessa eliminação, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES - depois de referir que houve quem visse aí a intenção de alargar o recurso contencioso a todos os actos administrativos, mesmo que não 'definitivos e executórios' - pondera: 'Ora, parece-me bem que não há motivo para alarmes, porque do que se tratou foi de dar uma formulação mais correcta e consequente ao texto constitucional. Primeiro, conseguindo uma expressão mais perfeita do princípio da accionabilidade. Segundo, expurgando do texto expressões que nos textos anteriores seriam menos felizes, ou porque eram pleonásticas, ou porque porventura aparecessem como injustificadamente limitativas do sentido que sempre se quis impor à garantia constitucional da accionabilidade. (Cf. 'O Acto Administrativo', Scientia Juridica, tomo XXXIX, 1990, páginas 25 e seguintes).' De sua parte, J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 939) escrevem, a propósito:
'Diferentemente do que acontecia com a anterior redacção do nº 4, o acto administrativo susceptível de recurso não carece de ser 'definitivo' e
'executório'. Interessa, porém, esclarecer o alcance jurídico-constitucional da eliminação da definitividade e executoriedade do acto como pressuposto do recurso jurisdicional. Em primeiro lugar, poder-se-ia dizer que a Constituição não fez mais do que purificar o conceito de acto administrativo susceptível de recurso, pois as dimensões de definitividade e executoriedade já há algum tempo tinham deixado de ser consideradas dimensões imprescindíveis do acto contenciosamente impugnável. O que se exige, porém, é que se trate de um verdadeiro acto administrativo, ou seja, de decisão de autoridade tomada no uso de poderes jurídico-administrativos com vista à produção de efeitos jurídicos externos sobre determinado caso concreto'. Também ANTÓNIO VITORINO - que interveio na 2ª Revisão Constitucional - se pronunciou sobre o abandono da referência a 'actos administrativos definitivos e executórios. Escreveu ele:
'No novo nº 4 abandonou-se a referência a 'actos administrativos definitivos e executórios' passando a estabelecer-se mais genericamente que o recurso contencioso cabe de quaisquer actos administrativos, desde que eles lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. A solução encontrada pretende ultrapassar algumas dificuldades geradas pelas diferentes interpretações das características de executoriedade e definitividade do acto administrativo expressas abundantemente quer na doutrina quer na jurisprudência, pretendendo assim não excluir do contencioso administrativo actos que, embora de qualificação duvidosa, efectivamente produzam o resultado que se pretende dirimir: afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. E também nesta inovação se pode reconhecer uma assinalável preocupação de comprometer de forma mais decisiva o contencioso administrativo numa via de ductilização das suas formas processuais, tendo em vista a preocupação de garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados contra os actos administrativos que, independentemente da forma, os lesem ou afectem'. (cf. o Prefácio à Constituição da República Portuguesa, AAFDL, Lisboa, 1989, páginas XCIV a XCV).
[...] A garantia do recurso contencioso - disse este Tribunal no seu acórdão nº 39/88
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, página 233; Boletim do Ministério da Justiça, nº 374, página 114; O Direito, ano 121º, 1989, IV, página
791; Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXIX,
1988, página 459; e Anuário da Administração Pública, ano VI, tomo I, 1988, página 291), retomando o que já antes havia afirmado, entre outros, no acórdão nº 86/84 - 'tem por conteúdo a possibilidade de acesso aos tribunais para defesa dos direitos. O que se quer é 'fazer valer de forma expressa para os actos administrativos definitivos e executórios [...] a doutrina geral consignada pela primeira parte do artigo 20º, quando dispõe que a todos é assegurado o acesso
[...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos [...]'. Garante-se aí aos interessados a possibilidade de impugnação dos actos administrativos viciados. A garantia do recurso contencioso visa, pois, a invalidação dos actos administrativos ilegais que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos do interessado. O recurso contencioso pressupõe assim um verdadeiro acto administrativo. E este
é - nas palavras de ROGÉRIO E. SOARES (loc. cit.) - 'um acto de autoridade que produz efeitos externos', 'um acto da Administração [que] define a situação jurídica de terceiros' (cf. também, do Autor citado, Direito Administrativo, lições policopiadas, Coimbra, 1978, página 76).
É justamente porque o acto administrativo é uma decisão de autoridade com efeitos externos sobre determinado caso concreto que os actos internos (por exemplo, os pareceres) e os actos preparatórios não são contenciosamente recorríveis. Como acentuam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 939), nos actos internos e nos actos preparatórios, 'não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodómicos de um acto procedimental que só se torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento'. Só assim não será - dizem os mesmos Autores -, quando tais actos sejam, de per si, 'idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos (e, por conseguinte, efeitos externos)': neste caso, com efeito, eles
'têm já efeitos próprios de um acto administrativo', e, por isso, são contenciosamente impugnáveis. Para poder recorrer-se contenciosamente - a mais do que tratar-se de um acto administrativo (no sentido que se deixou apontado) - necessário é ainda, como se viu já, que esse acto seja lesivo de 'direitos ou interesses legalmente protegidos' do interessado, ou seja, que produza uma ofensa de uma sua situação
(ou posição) jurídica subjectiva de natureza substantiva.
'Não basta assim - diz ROGÉRIO E. SOARES, loc. cit., página 34 - que o acto seja um daqueles que pela sua natureza concretiza um comando perturbador da ordem jurídica, é preciso que o seu estado de virulência seja actual, não apenas potencial'. O recurso contencioso é, com efeito - como também sublinham J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, página
941) - 'um meio de defesa de posições jurídicas subjectivas', 'substantivamente caracterizadas'. Do que vem de dizer-se decorre que, quer a eliminação do inciso 'definitivos e executórios', que constava do nº 3 do artigo 268º da Constituição, na versão de
1982, tenha significado apenas uma purificação do conceito de acto administrativo susceptível de ser contenciosamente impugnado ('uma [sua] formulação mais correcta e consequente'), quer tenha um alcance diverso, uma coisa é certa. E é esta: o que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produza ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos). Mas, do domínio do contencioso de anulação, há-de, no entanto, 'excluir-se todo e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza' (ROGÉRIO E. SOARES, loc. cit., página 32)'.
4.3. O citado acórdão nº 159/96, que incidiu sobre a norma aqui sub iudicio, depois de transcrever as passagens do acórdão nº 9/95 também aqui transcritas, sublinhou que 'o acto recorrido, que determinou, em primeira avaliação, o valor dos prédios – lotes de terreno – da recorrente, não representa a última palavra da Administração'. E acrescentou: Com efeito, o valor resultante daquela primeira avaliação pode vir a ser revisto, alterado, reformulado, enfim, não é um acto definitivo, de 'primeira grandeza', susceptível de causar lesões a 'direitos ou interesses' legalmente protegidos do interessado, pois que este tem perante si, desde logo, o recurso a meios graciosos, ou seja, no caso, à segunda avaliação, para fixar, aí sim, por forma 'definitiva', aquele valor, e então definir a situação substantiva, produzindo efeitos externos; aquela primeira 'lesão' que se pretende ver como decorrente da primeira avaliação, e a existir, será meramente potencial, apenas se tornando efectiva aquando da segunda avaliação, ou seja, após esgotados os meios graciosos ao dispor do interessado. Assim, esta irrecorribilidade não viola a garantia constitucional de accionabilidade, já que ainda é possível obter uma tutela do direito ao nível da Administração, pois que, não estando esgotados os meios graciosos, não deixa o administrado de poder obter a reformulação de tal decisão, que, assim, ainda lhe não causou uma verdadeira lesão efectiva. Aquela garantia constitucional, não impede, pois, que a lei imponha como requisito ou condicionamento ao exercício de tal direito de recurso contencioso a obrigação de impugnação graciosa prévia, ou seja, o recurso hierárquico necessário.
4.4. Conclusão: Nada havendo a acrescentar a quanto se disse, conclui-se que a norma aqui sub iudicio não é inconstitucional; ela não viola, designadamente, o artigo 268º, nº
4, da Constituição.
III. Decisão: Isto posto, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 14 de Junho de 1999 Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida