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Proc. nº 218/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. M... instaurou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção para o reconhecimento do direito contra o Conselho Directivo do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, o Ministro da Industria e Energia e o Ministro das Finanças, pedindo o seu reposicionamento nos escalões da categoria de investigador principal.
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença de 28 de Novembro de 1997, julgou a acção procedente, recusando a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, das normas contidas nos artigos 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 204/91, de 7 de Junho, e 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 61/92, de
15 de Abril.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade obrigatório da decisão de 28 de Novembro de 1997, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando, porém, a inconstitucionalidade das normas desaplicadas. A recorrida contra-alegou, sustentando igualmente a inconstitucionalidade das normas impugnadas.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 180/99, de 10 de Março, decidiu julgar inconstitucionais as normas em apreciação, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
2. O Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial arguiu a nulidade do Acórdão nº 180/99.
Afirmou, em síntese, o seguinte: tendo o Ministério Público sustentado a inconstitucionalidade das normas em apreciação, o Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial devia ter sido ouvido, em cumprimento do princípio do contraditório, o que não aconteceu. Nessa medida, ter-se-á violado o disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, cometendo-se assim 'a nulidade do artigo 201º' do mesmo Código.
O Ministério Público pronunciou-se sobre a nulidade arguida, afirmando não se poder qualificar 'como ‘recorrido’, para efeitos de exercer o direito de produzir alegações, a parte vencida que optou por não interpor o recurso para que estava legitimado, inferindo-se claramente do estatuído nos artigos 682º, nº 1 e 684º, nº 4, que a parte vencida tem o ónus de interpor recurso, se quiser obter o reparo da decisão que lhe foi desfavorável, exercitando os consequentes direitos e faculdades processuais'.
A não interposição de recurso por parte do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial terá correspondido, na opinião do Ministério Público, à renúncia a fazer valer no âmbito do recurso as razões que na sua
óptica seria pertinente deduzir contra o entendimento constante da decisão recorrida.
Em consequência, o Ministério Público concluiu pela improcedência da arguição de nulidade.
M... pronunciou-se igualmente no sentido da improcedência da nulidade arguida. Porém, invocou preliminarmente a ilegitimidade do requerente para arguir a nulidade do Acórdão nº 180/99. Em conclusão, propugnou o não conhecimento da arguição ou, para o caso de assim não se entender, o seu indeferimento
3. A recorrida sustenta a ilegitimidade do requerente, concluindo pelo não conhecimento da arguição de nulidade.
A decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 28 de Novembro de 1997, recusando, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma posteriormente apreciada pelo Tribunal Constitucional, reconheceu à então autora (ora recorrida) o direito invocado, sendo nessa medida desfavorável ao então réu (ora reclamante).
O Ministério Público interpôs o presente recurso obrigatório de constitucionalidade (cf. artigo 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional). Não obstante ter sustentado a inconstitucionalidade da norma desaplicada, o recurso interposto consubstancia um meio de impugnação da sentença do tribunal a quo. Nessa medida, recorrida nos presentes autos só podia ser a parte para a qual a decisão foi favorável (a ora recorrida), pois só essa tinha interesse em contraditar a impugnação da sentença. O Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, na qualidade de parte vencida na acção para reconhecimento de direito, tinha também legitimidade para interpor recurso de constitucionalidade da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, ao abrigo dos artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, e 104º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos. Não podia, por conseguinte, ser considerado recorrido no presente recurso, uma vez que a sua posição é, necessariamente, paralela à do Ministério Público, ora recorrente (cf. a situação paralela versada no Acórdão nº 1190/96, de 20 de Novembro - D.R., II Série, de 13 de Fevereiro de 1997). Sublinhe-se, contudo, que tal conclusão não implica a violação do princípio do contraditório e do direito de acesso à justiça. Com efeito, o reconhecimento da possibilidade de impugnar a decisão desfavorável através da interposição do recurso de constitucionalidade consubstancia uma concretização do direito de acesso à justiça, permitindo, naturalmente, a apreciação pelo Tribunal Constitucional da argumentação a apresentar pelo (nessa situação hipotética) recorrente. Desse modo, o princípio e o direito invocados foram suficientemente assegurados. O Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial só poderia portanto intervir no processo de fiscalização concreta da constitucionalidade assumindo a posição de recorrente num recurso a interpor por si, no qual figuraria então como recorrida M... Tal recurso não foi, porém, interposto, pelo que a impossibilidade de submeter à apreciação do Tribunal Constitucional os argumentos a favor da conformidade à Constituição da norma desaplicada resulta unicamente da estratégia processual por si adoptada.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente arguição de nulidade, confirmando, consequentemente, o Acórdão nº
180/99, de 10 de Março. Lisboa, 16 de Junho de 1999. Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida