Imprimir acórdão
Procº nº 236/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 12 de Abril de 1999 lavrou o relator nos presentes autos (fls.
339 a 342) decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Tendo M... e MS deduzido embargos por apenso à execução que corria seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal de comarca de Santiago do Cacém e em que figurava como exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S..., foi, em 7 de Maio de 1997, proferida sentença que os julgou improcedentes.
Do assim decidido recorreram os embargantes para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 23 de Abril de 1998, negou provimento ao recurso.
De novo inconformados, pediram revista os embargantes, tendo, na alegação produzida, concluído:-
'1- A Caixa Embargada comportou-se no presente caso, aparentemente, como estando a cumprir a mellor da sua missão - que é de aconselhar um agricultor que a ele recorre, porque nela confia, no caso concreto os Embargantes, para fazer dos seus terrenos a melhor utilização para que os mesmos se achem vocacionados;
2- Para tanto colocou à disposição do Embargante um técnico - o Engº. J... - que desde o primeiro momento convenceu o Embargante M... de que o melhor aproveitamento dos terrenos era a cultura de pessegueiros e nogueiras, baseado na utilização de um conjunto de infraestruturas que eram do seu perfeito conhecimento;
3- Sucedeu porém que, desde o primeiro momento, com tal informação, cometeu mais do que um Erro Grosseiro, porque esse seu conselho estava viciado da intenção de obter do Embargante M... um cúmulo de garantias reais que tornavam segura a restituição dos empréstimos que para o efeito fossem concedidos pelo IFADAP ou pela Caixa;
4- Assim, a Caixa elaborou um projecto que submeteu à aprovação do IFADAP, que o aprovou;
5- Fez construir no local infraestruturas de valores de dezenas de milhares de contos;
6- Tudo porém se perdeu para o Embargante, porque os terrenos não tinham a mínima aptidão para aquelas culturas;
7- Resulta dos factos provados que houve um procedimento de má fé, ou mais concretamente de natureza dolosa, por parte da Caixa ao indicar um técnico que se prestou a fornecer aquele tipo de informações erradas, ao mesmo tempo que dava a aparencia de estar a fornecer os conselhos mais certos;
8- A Embargada, por si e por aquele seu técnico praticou os seguintes actos que conduzem à anulação dos mútuos garantidos:
A) Por ERRO VÍCIO, nos motivos determinantes da vontade negocial dos Embargantes, com referencia ao objecto dos negócios;
B) Por ERRO DOLO - a Caixa ataravés dos seus elementos executivos, designadamente o Engº Jorge de Freitas, incutiu e convenceu os Embargantes a constituirem garantias de empréstimos que lhes foram concedidos com o falso objectivo de procederem à cultura dos seus terrenos, desde logo, com perfeito conhecimento daquelas entidades que os mesmos não eram aproveitáveis para o que os estavam a conduzir. O plano de exploração constituiu o meio artificioso criado para formar o ERRO que víciou a vontade dos Recorrentes; Subjacente a todo este procedimento esteve sempre a omissão do dever de esclarecimento face ao Recorrente, pela Caixa, e a cujo exercício aquela, de Má Fé, conscientemente faltou por forma a obter face a estes o crédito, garantías e fundos que de outro modo sabía que não obtería nem lhe era permitido conceder o crédito, se o tivesse cumprido e esclarecido os Recorrentes; Estes igualmente não teríam com ela contratado se desde o íncio tivessem sido informados que o terreno não era adequado para os fins para que os estavam a conduzir;
9º- Deste modo, devem ser considerados nulos os mútuos concedidos e respectivas garantias, porque o foram nos termos dos Artºs. 251º, 252, 247,, e
253 nº 1 do C.Civil, e em violação do disposto nos Artºs. 1º, 27 e 30º da Lei
24/91, que precisamente proibem a prática daqueles actos na forma, circunstâncias e resultado que se verificaram;
10º- Pela interpretação e aplicação que é feita dos citados dispositivos legais, a decisão recorrida violou igualmente os princípios constitucionais constantes do Artº. 60º, nº 1 e nº 2 da C.R. Portuguesa, segundo o qual: ‘1 - Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação, à protecção ... da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos. 2 - A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa’'.
Tendo, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de Setembro de 1998, negado a revista, veio do mesmo o Embargante M... recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo que foram violados 'os principios constitucionais que dimanam dos nºs 1 e 2 do Artº 60º da C.R.P. e destes próprios preceitos', pois que, em sua tese, '[n]o caso em apreço, estas normas foram postergadas, de que resultou, na interpretação que lhes foi dada, de um mau uso dos Artºs 1º., 27º, 29º, 30º, 34º, 35º do DecLei 231/82, de 17/6 - R..J.C.A..M/82 - dos Artºs. 247º, 251º, 252º, 253º, 254º e 485º do C.Civil, com ofensa dos direitos fundamentais do Recorrente', consequenciando que 'o Acordão recorrido, pela indevida interpretação que é dada ao disposto no Artº. 60º (L.C.
1/92, anteriormente previsto no Artº. 110º, na redacção da L.C. 1/82) fez dela um mau uso do disposto nos Artºs. 247º, 251º, 252º, 253º, 254º, 485º do C. Civil e Artºs. 1º., 27º, 29º, 34º, 30º, 35º do R..J.C.A..M./82, cometendo assim uma inconstitucionalidade, por violação dos principios e preceitos contidos nos nºs
1 e 2 do Artº. 60º da Lei Fundamental'.
Por despacho de 16 de Março de 1999 foi o recurso admitido.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o mesmo não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A do mesmo diploma, a presente decisão sumária, de acordo com a qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Com efeito, tal como resulta do que se prescreve na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, é pressuposto do recurso a que se reportam tais disposições que a «parte» que dos mesmo deseje lançar mão tenha, antecedentemente à decisão judicial intentada impugnar perante o Tribunal Constitucional, suscitado a questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportadamente a uma (ou mais) norma(s) constante(s) do ordenamento jurídico infra- -constitucional.
Objecto de um tal tipo de recurso, tem-no dito e repetido inúmeras vezes este órgão de administração de justiça, são normas e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Neste contexto, e como inequivocamente deflui do relato acima efectuado, o ora recorrente, antes da prolação do acórdão de 24 de Setembro de
1998, não assacou a qualquer norma infra-constitucional o vício de contraditoriedade com normas ou princípios constantes do Diploma Básico. Uma tal contraditoriedade foi, sim, imputada à decisão recorrida (cfr. «conclusão» 10ª da alegação, acima transcrita).
Significa isto, pois, que, in casu, o impugnante não cumpriu o ónus consistente na suscitação da questão de inconstitucionalidade de uma (ou de várias) norma(s) antes do proferimento da decisão jurisdicional desejada colocar sob a censura deste Tribunal, razão pela qual falta um dos pressupostos condicionadores do recurso a que alude mencionada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se não conhece do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
2. Dessa decisão reclamou o recorrente para a conferência, nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, aduzindo, em síntese, a seguinte argumentação:-
- a suscitação da questão de constitucionalidade 'reporta-se sempre ao transito em julgado da decisão ... e não a qualquer outro iter processual anterior restritivo da questão excepcionatória da constitucionalidade', sendo que nada impõe 'a invocação da totalidade da extensão de inconstitucionalidade suscitada';
- haverá 'que saber distinguir quais os preceitos relativamente aos quais nas decisões recorridas se colocou a questão de inconstitucionalidade face
às normas e princípios constitucionais, e quais aqueles que na decisão proferida sobre alegações apresentadas, ao serem aplicadas na decisão, constituem pela sua primeira utilização, aplicação inovatória, nunca anteriormente utilizada';
- na alegação que produziu, designadamente tendo em atenção a sua
«conclusão» 9, foram identificados 'os preceitos substantivos de onde resultou a questão de inconstitucionalidade face ao preceito contido no Artº. 60º', pelo que se deve entender que se encontra 'suficientemente implicita aa inconstitucionalidade dessas normas na sua aplicação concreta';
- face ao recurso interposto e ao processado anterior, a suscitação da questão de inconstitucionalidade era perfeitamente inteligível;
- na decisão recorrida foram apreciados 'os preceitos referidos aos vícios da vontade negocial previstos nos Artºs. 251º, 252º 253º, 247º, dando-lhes uma orientação que assenta não sobre a formação da vontade na sua verdadeira aplicação constitucional, como também se aduz uma outra interpretação agora assente sobre a apreciação de uma nova questão, a de que também naquelas normas e principios não se incluem informações, pareceres ou recomendações previstos no Regime Juridico da C.C.A..M., os quais são enquadráveis no âmbito de aplicação concreta do Artº. 485º do C.Civil, e que face à aplicação constitucional daquele Regime neste não se prevê qualquer dever jurídico de dar conselho recomendação ou informação quanto à viabilidade de exploração dos projectos financiados', pelo que tal decisão, '[a]o fazer um tal enquadramento juridico, vem com base nele justificar a razão da aplicação concreta dos Artºs.
251º, 252º, 253º, 244º do C.Civil, no sentido de que face à interpretação que faz do Artº. 60º da C.R..Portuguesa, na essencialidade do erro referido aos motivos determinantes da vontade, bem como na sugestão ou artificio empregue, não incluem naqueles preceitos as informações e pareceres que anteriormente identifica como usuias no comércio juridico das C:C.A..M '.
3. Entende o Tribunal que a reclamação sub iudicio em nada abala o que consta da decisão sumária censurada pela peça processual consubstanciadora daquela reclamação.
Na verdade, aquando da impugnação do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Évora em 23 de Abril de 1998, e como resulta inequivocamente da leitura da alegação da revista pedida pelo ora recorrente, o mesmo não assacou à normas ínsitas nos artigos 251º, 252º, 247º e 253º, nº 1, do Código Civil, qualquer vício de desconformidade com normas ou princípios constantes da Constituição.
De outro lado, tomando em linha de conta o referido na «conclusão»
10 daquela alegação, é seguro que, como tem sido jurisprudência seguida, sem discrepância, por este Tribunal, quando se pretende impugnar, do ponto de vista da sua compatibilidade com a Lei Fundamental, uma determinada interpretação normativa, mister é que seja concretamente indicada a dimensão normativa que se reputa inconstitucional; assim, tem aquela jurisprudência seguido desde sempre o entendimento de que não constitui modo adequado de suscitação dessa questão de inconstitucionalidade referir-se, tão somente e sem mais, que certas normas, na interpretação e aplicação que lhes foi dada na decisão que se pretende impugnar, são contrárias ao Diploma Básico.
Ora, mesmo ponderando o que o ora reclamante escreveu na aludida
«conclusão» 10, é nítido que o mesmo, antecedentemente à prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999 (por manifesto lapso de escrita ocorrido na reclamada decisão sumária referiu-se '24 de Setembro de
1998'), e, ainda que, por mera hipótese de raciocínio, o que agora só se concede por benevolência, se interpretassem as asserções ali contidas como visando a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade reportada a uma interpretação normativa, sempre se haveria de concluir que, como aquele reclamante não enunciou a dimensão interpretativa que reputava feridente da Constituição, a mencionada suscitação nunca teria sido levada a efeito de modo adequado.
3.1. Refira-se, por último, que são despropositadas as menções que na reclamação são aduzidas quando se invoca que as normas, acima indicadas, do Código Civil, foram, no aresto lavrado no Supremo Tribunal de Justiça, interpretadas tomando em atenção que nas mesmas se não incluem as informações, pereceres ou recomendações previstos no Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola aprovado pelo Decreto-Lei nº
231/82, de 17 de Junho, então em vigor (hoje substituído pelo aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro), pelo que, na óptica do reclamante, se postaria aqui uma «questão nova», com a qual não contaria.
Efectivamente, não só isso não resulta de nenhum passo do aresto que se intentou impugnar, como ainda o que naquele acórdão se considerou foi que, em face da matéria provada, a então embargada 'não teve a mínima interferência da decisão do Embargante sobre a forma de proceder à exploração do terreno', que
'já tinha tomado a decisão de plantar nogueiras e pessegueiros quando se apresentou a negociar com a Embargada o financiamento do projecto de plantação do pomar de pessegueiros e nogueiras', e que 'a intervenção da Embargada respeitou apenas ao apoio na instrução técnica do projecto de financiamento a apresentar ao IFADAP, à apreciação financeira e das garantias prestadas e a colocar à disposição do Embargante a colaboração de um engenheiro para formalização de um processo a apresentar ao IFADAP'; ora, com base nesta matéria, concluiu que, no caso, não se reuniam os requisitos, previstos nas já faladas disposições do Código Civil, 'do erro simples ou qualificado por dolo'.
Isto mostra, indubitavelmente, que a interpretação referidos normativos constantes do diploma civil não foi influenciada por aqueloutros do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, ou que se procedeu a uma interpretação conexionada com estes últimos.
4. Em face do exposto, indefere-se a vertente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 16 de Junho de 1999- Bravo Serra Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida