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Proc. nº 31/99 TC - 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
(Consª. Maria Helena Brito)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A sociedade comercial T..., S.A. interpôs recurso de agravo do despacho do Juiz do 17º Juízo Cível da Comarca de Lisboa que, nos termos do artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (com a redacção dada pela Lei nº
46/96, de 3 de Setembro), lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário (nomeação de patrono e dispensa dos respectivos serviços).
O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, na redacção actualmente em vigor, ao impedir as sociedades comerciais, 'por razões económicas, de assegurarem a defesa dos seus direitos em tribunal é, nesta parte, materialmente inconstitucional', por violação do artigo 20º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Nessa conformidade, recusou a aplicação de tal norma e entendeu que 'continua a ser admissível a concessão às sociedades do apoio judiciário na modalidade de pagamento dos serviços de advogado ou solicitador, por aplicação do nº 4 do artº
7º do Dec.-Lei nº 387-B/87, na sua anterior redacção, desde que se prove que tal sociedade não dispõe de meios económicos bastantes para suportar esse pagamento'
– concluindo ser o caso da agravante.
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº 1, a), da Lei nº 28/82, para 'apreciação da invocada inconstitucionalidade material do nº 5 do artº 7º do DL 387-B/87, de 29/12 [por lapso, escreveu-se, no requerimento de interposição de recurso, DL 387-B/82, de
29/2], na redacção introduzida pela Lei 46/96, de 3 de Setembro, por violação do artº 20º da CRP'.
Neste Tribunal, o Ministério Público concluiu assim as suas alegações:
'1ª. Não constitui restrição excessiva ou desproporcionada relativamente ao direito de acesso à justiça, na modalidade da protecção jurídica, a que se traduz em limitar - quanto às sociedades, aos comerciantes em nome individual nas causas ligadas ao exercício do seu comércio e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada - o referido direito (de que gozem integralmente as pessoas singulares e colectivas sem fins lucrativos), de modo a não permitir que empresas que prosseguem uma actividade económica com fins lucrativos ponham a cargo da generalidade dos contribuintes o pagamento de custos que, embora ligados à administração da justiça, são inerentes ao normal
'giro comercial' dos requerentes e cujo montante se não mostra manifestamente desproporcionado relativamente à dimensão económica da empresa.
2ª. Na verdade, tal limitação ou restrição traduz mera decorrência das finalidades constitucionalmente atribuídas ao sistema fiscal e do princípio da igualdade na repartição de encargos públicos, bem como da regra de que devem ser prioritariamente os beneficiários de uma actividade económica, exercida com fins lucrativos, a fornecer os meios financeiros indispensáveis ao prosseguimento de tal actividade.
3ª. Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso.'
Contra-alegou a sociedade recorrida, juntando cópia de treze acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a mesma matéria – em que foi interessada e em que obteve ganho de causa –, e formulando a seguinte conclusão:
'Não obstante o brilho e erudição da douta alegação do Ministério Público – elogio sincero que se deixa reiterado – a verdade é que lhe não assiste razão, tal como não assiste razão aos doutos Acórdãos referidos. Por muito que custe admitir, a verdade é que não é possível em abstracto suprimir as condições de exercício de um direito fundamental, como é o de acesso aos Tribunais, fundando o juízo abstracto do legislador em considerações de normalidade, de comerciante médio, de despesas de custas e de honorários como custos de produção, do montante módico dos honorários de advogados, a quem está vedado o sistema de quota litis, etc. Toda a argumentação carreada só contribui, na opinião da recorrida, para fortalecer o juízo de inconstitucionalidade do douto acórdão da Relação (onde, aliás, há opinião maioritária, que permite à recorrida juntar vários acórdãos que lhe dão razão), quanto à solução do legislador de 1996 de matar o mal pela raiz. A solução encontrada pode valer no Reino Unido ou ser aconselhada por uma prática exigente na Escandinávia, mas não resiste face ao 'rochedo constitucional' que resulta dos artºs 13º, 18º, nºs 2 e 3, e 20º, nºs 1 e 2, CRP. Esse Alto Tribunal terá certamente ocasião de, confirmando a decisão recorrida, censurar a solução legislativa de restrição de um direito fundamental através da supressão da mesma quanto a uma classe de pessoas que é suposta ter à força do sucesso, por estar vocacionada ex lege para o lucro... ainda quando tenha prejuízos que a tornem insolvente (antes de declarada a falência...). Termos em que se conclui pela improcedência do recurso.' A questão a decidir no presente recurso foi recentemente resolvida por este Tribunal, em diversos acórdãos, com solução uniforme no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 7º nº. 5 do DL nº. 387-B/87
(cfr. Acórdãos nºs. 97/99, 98/99 e 167/99, o primeiro publicado in DR, II Série, de 10/4/99 e os restantes inéditos).
No primeiro dos citados acórdãos escreveu-se:
'7. Tendo em conta a delimitação do objecto do recurso precedentemente efectuada, será uma violação do direito de igual acesso aos tribunais, consagrado pelo artigo 20º da Constituição, a já mencionada restrição do apoio judiciário?
A esta pergunta responde o Tribunal Constitucional negativamente, em virtude das seguintes considerações: a) Em primeiro lugar, não decorre da Constituição que as entidades com fins lucrativos sejam equiparáveis às pessoas singulares e pessoas colectivas de fim não lucrativo para efeitos de promoção pelo Estado de acesso à justiça; b) Em segundo lugar, as normas sub judicio não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância, ao não concederem patrocínio judiciário em caso algum
às pessoas colectivas de fim lucrativo; c) Por último, as normas sub judicio não constituem uma restrição desproporcional e injustificada do direito à efectivação do acesso à Justiça.
8. Assim, desde logo, não decorre dos artigos 20º, nºs 1 e 2, e 13º da Constituição que as pessoas colectivas de fins lucrativos devam ser equiparadas às pessoas singulares quanto ao conteúdo do direito ao patrocínio judiciário. Aliás, é na consagração do próprio princípio da universalidade que o legislador constitucional introduz, desde logo, uma ressalva quanto às pessoas colectivas em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres 'compatíveis com a sua natureza' (artigo 12º, nº 2).
Sendo o patrocínio judiciário um instrumento de acesso à justiça, a sua gratuitidade, como forma de protecção jurídica do efectivo exercício daquele direito, corresponde à promoção das condições necessárias para o acesso à Justiça. Ora, a promoção destas condições positivas nos casos de insuficiência económica não tem, necessariamente, a mesma expressão nas pessoas jurídicas com e sem fim lucrativo. Estas últimas, pela sua natureza lucrativa, têm condições para integrar na sua normal actividade económica os custos com profissionais do foro próprios da litigância que nelas é frequente. Assim, tal integração é própria do exercício normal da respectiva actividade económica.
Não há, deste modo, uma necessidade lógica e valorativa de equiparar as pessoas singulares, e até mesmo as pessoas colectivas sem fim lucrativo, às pessoas colectivas com fim lucrativo, no que se refere ao direito de que sejam criadas ou promovidas condições de acesso à Justiça através da gratuitidade do patrocínio judiciário, em casos de insuficiência económica. As pessoas colectivas com fim lucrativo integram, pela sua natureza, na estruturação da sua actividade económica esses custos, dispondo, por isso mesmo, de condições para a compensação dos mesmos.
E a possibilidade de integração daqueles custos na actividade económica das pessoas colectivas de fim lucrativo não é só uma normalidade, mas
é mesmo um pressuposto normativo da própria existência jurídica de tais entidades. A impossibilidade de suportar os custos normais do exercício da actividade económica retira viabilidade a pessoas jurídicas, cuja constituição se justifica apenas para o exercício dessa mesma actividade económica, determinando, porventura, situações de falência e o congelamento da própria actividade económica de tais entidades, como forma de protecção dos interesses patrimoniais de outros e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia. Por outro lado, a protecção jurídica pelo Estado das pessoas colectivas com fim lucrativo através do patrocínio judiciário gratuito corresponderia a uma opção de proteger a litigância de sociedades comerciais e empresas sem condições para assegurar a sua actividade económica, o que não é certamente uma imposição constitucional nem uma prática indiscutível à luz da livre concorrência e do interesse público na protecção da economia.
9. Sendo claro que há uma diferença de posicionamento das pessoas colectivas com fim lucrativo e das outras pessoas jurídicas quanto à necessidade de protecção jurídica condicionante do acesso à Justiça, resta saber se esse diferente posicionamento deixa de existir, em caso de insuficiência económica, quando as pessoas colectivas de fim lucrativo devam litigar em acções não relacionadas com a sua actividade económica normal, como poderia acontecer em casos de danos provocados por acidentes e outras situações inusitadas. Mas também quanto a estas situações há mecanismos de seguro e prevenção que não podem deixar de ser integrados nos custos das sociedades comerciais e na gestão do seu risco, não estando estas, mesmo em tais casos, nas mesmas condições das pessoas singulares ou das pessoas colectivas com fim não lucrativo. Não se pode dizer, por conseguinte, que dos artigos 20º, nºs 1 e 2, e 13º da Constituição resulte a necessidade de equiparação, quanto à protecção jurídica por patrocínio judiciário gratuito, das pessoas colectivas de fim lucrativo ou a estas equiparadas às restantes pessoas jurídicas.
10. Por outro lado, as normas sub judicio também não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância ao não concederem patrocínio judiciário gratuito, em caso algum, às pessoas colectivas com fim lucrativo. Com efeito, tais normas prevêem a dispensa das custas e preparos em casos em que o respectivo montante seja comprovada e consideravelmente superior às possibilidades económicas daquelas entidades, 'aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço'. Assim, nos casos em que o 'preço da justiça' seja insuportável para aquelas entidades, impede-se que o acesso à justiça seja impossibilitado por insuficiência económica. Os custos com o patrocínio judiciário são, por outro lado, custos negociáveis e mais previsíveis e controláveis para as sociedades comerciais. Deste modo, e independentemente de saber se é por exigência constitucional que o direito de acesso à justiça implica a dispensa das custas e preparos nos casos previstos no artigo 7º, nº 5, da Lei nº 46/96, através dos modos nele previstos, o certo é que, mesmo na perspectiva de um critério exigente de promoção pelo Estado do acesso à Justiça, existe uma resposta suficiente naquela norma.
11. Em face das considerações anteriores, conclui-se que a igualdade de tratamento entre pessoas colectivas de fim lucrativo e as outras pessoas jurídicas e entidades não lucrativas, em matéria de patrocínio judiciário gratuito, não é imposta pela Constituição. Mas mesmo que se entenda que a diferenciação não pode ser total ou que será necessário respeitar, nas restrições previstas pelas normas sub judicio, uma certa proporcionalidade relativamente às demais situações, dever-se-á, ainda assim, reconhecer que tal diferenciação não só é justificada pela diversidade de condições referida - não sendo, por isso, uma restrição excessiva nem uma diferenciação desproporcionada - como também está sustentada por razões de interesse público. Com efeito, tal restrição do direito ao patrocínio judiciário
é justificável por critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de repartição dos encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no acesso à Justiça às pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as entidades com fim lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados - os custos da actividade económica de que são beneficiários.'
Ora, não se vê qualquer razão para abandonar a jurisprudência firmada por este Tribunal que aqui uma vez mais se reitera.
3. Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se:
Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 7º nº. 5 do DL nº.
387-B/87, de 29 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº.
46/96, de 3 de Setembro, na parte em que abrange as pessoas colectivas com
fins lucrativos;
Conceder provimento ao recurso;
Determinar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o presente juízo
de inconstitucionalidade. Lisboa, 16 de Junho de 1999 Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida Helena de Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Votei vencida e, no memorando que apresentei como relatora, sustentei a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro), pelos fundamentos que, em síntese, a seguir se enunciam:
1. A Constituição da República Portuguesa garante, no artigo 20º, o
'acesso ao direito e aos tribunais'.
A garantia constitucional de 'acesso ao direito e aos tribunais' caracteriza-se pela proibição da denegação de justiça por insuficiência de meios económicos (artigo 20º, nº 1) e abrange, no seu núcleo essencial, o 'direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade' (artigo 20º, nº
2)
Observando, nas suas linhas gerais, o sistema legal em vigor de acesso ao direito e aos tribunais (constante do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, artigos 1º e seguintes), encontram-se nele dois aspectos: a informação jurídica (capítulo II, artigos 4º e 5º) e a protecção jurídica
(capítulo III, artigos 6º e seguintes), nas suas duas modalidades: consulta jurídica e apoio judiciário, que, por sua vez, abrange a dispensa de pagamento de despesas judiciais e o pagamento dos serviços do advogado ou solicitador
(citado Decreto-Lei nº 387-B/87, artigo 15º)
O patrocínio judiciário é elemento essencial da garantia constitucional de 'acesso ao direito e aos tribunais'. De outro modo, o direito de acesso aos tribunais pode tornar-se, para os economicamente mais carenciados, numa garantia vazia de sentido, tendo em conta que, em muitos casos, é obrigatória a constituição de advogado (artigo 32º do Código de Processo Civil) e que o mandato exercido por advogado se presume oneroso (artigo 1158º, nº 1, do Código Civil).
Como reconheceu o Tribunal Constitucional no acórdão nº 316/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., p. 491 ss),
'Torna-se claro que o assinalado asseguramento de acesso aos tribunais, a par da proibição da denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, sabido que é que, em muitos casos, para naqueles se pleitear se torna necessária a constituição de advogado, há-de implicar, nas hipóteses daquela insuficiência, que se confira o direito ao «patrocínio judiciário».'
2. A Constituição admite a conformação pela lei da garantia de 'acesso ao direito e aos tribunais' (artigo 20º, nº 2).
A lei pode portanto limitar – e tem de limitar, designadamente por necessidade de 'racionalização dos recursos financeiros disponíveis' – o direito de protecção jurídica (e concretamente o direito de apoio judiciário). Não pode todavia a lei estabelecer limites que atinjam o princípio fundamental segundo o qual a ninguém pode ser denegada justiça por insuficiência de meios económicos.
Como este Tribunal afirmou no citado acórdão nº 316/95,
'[...] muito embora o exercício e as formalidades do «direito ao patrocínio judiciário» seja, pelo nº 2 do artigo 20º da Constituição, relegado para a lei, o que é certo é que, dada a implicação a que acima se fez referência
[a implicação do direito ao «patrocínio judiciário» na garantia de acesso aos tribunais], a lei ordinária não poderá estabelecer condicionantes ou requisitos tais que dificultem ou tornem difícil o exercício daquele direito ou, ainda acentuadamente, restrinjam o respectivo conteúdo, sob pena de aquele outro direito de acesso aos tribunais não passar de um «direito fundamental formal»'.
3. A utilização no texto constitucional das expressões 'a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais [...]' (artigo 20º, nº 1) e
'todos têm direito [...] à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário [...]' (artigo 20º, nº 2) revela a universalidade do reconhecimento deste direito fundamental. O carácter de universalidade do direito de acesso aos tribunais foi sublinhado, por exemplo, no acórdão do Tribunal Constitucional nº
339/95 (Diário da República, II Série, nº 176, de 1 de Agosto de 1995, p. 8946 ss).
Todos são beneficiários da garantia de 'acesso ao direito e aos tribunais. Não se estabelece na Constituição qualquer distinção entre pessoas singulares e colectivas, nem entre pessoas que desenvolvem uma actividade com fins lucrativos e outras pessoas.
4. Em meu entender, a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º da Constituição, resulta violada pela norma do artigo
7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (na redacção dada pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro).
Na sua redacção inicial, determinava o artigo 7º , nº 4, do Decreto-Lei nº 387-B/87, na parte que aqui interessa considerar:
'1. Têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, as pessoas singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial.
[...]
4. As pessoas colectivas e sociedades têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº 1.'
Após a alteração introduzida pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, o referido artigo 7º passou a dispor:
'[...]
4. As pessoas colectivas de fins não lucrativos têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº 1.
5. As sociedades, os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às possibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço.'
Na sua nova redacção, a norma exclui genericamente o direito ao patrocínio judiciário gratuito para as entidades que exploram empresas com intuitos lucrativos (no presente processo, trata-se de uma sociedade comercial), ainda que demonstrem que não têm meios económicos para suportar os encargos de uma causa judicial ou que o pleito é totalmente alheio à sua actividade económica normal. Isto é, a norma em questão exclui genericamente um elemento do núcleo essencial da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, sem tomar em conta a situação de insuficiência económica das entidades abrangidas e sem considerar o objecto do litígio.
Da norma do artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87 pode portanto resultar denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, em violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa
5. Por outro lado, a norma em apreciação estabelece uma distinção injustificada entre entidades que desenvolvem uma actividade com fins lucrativos e outras entidades – o que normalmente significará distinção entre comerciantes e não comerciantes. A distinção, neste domínio, entre comerciantes e não comerciantes é arbitrária, não tem um fundamento material razoável:
– não se justifica que se distinga entre comerciantes individuais (incluindo aqueles que são titulares de estabelecimento individual de responsabilidade limitada) e outras pessoas singulares, tendo em conta designadamente a comunicabilidade das despesas profissionais com as despesas pessoais e familiares;
– não se justifica que se distinga entre comerciantes e pessoas que exercem outras actividades profissionais (como, por exemplo, artesãos, agricultores autónomos e profissionais liberais), que continuam a poder beneficiar de patrocínio judiciário gratuito;
– não se justifica que se distinga entre pessoas singulares e sociedades (civis ou comerciais), tendo em conta a existência de incentivos à constituição de sociedades (de que é exemplo a recente admissibilidade de constituição de sociedades unipessoais por quotas), e atento o princípio de equiparação constante do artigo 12º, nº 2, da Constituição, não podendo seguramente o direito de acesso aos tribunais ser considerado 'incompatível' com a natureza das pessoas colectivas.
A norma questionada contraria assim o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
6. Por último, a norma estabelece uma restrição desadequada, desproporcionada e injustificada da garantia de acesso ao direito.
Se o objectivo foi, como se disse na discussão parlamentar,
'constituir um forte travão aos manifestos abusos que, em nome de uma crise económica de «chapéu largo», eram cometidos' (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 94, de 11 de Julho de 1996, p. 3223), então a solução a adoptar teria de consistir na fixação de critérios e de meios de controlo rigoroso e efectivo aplicáveis à concessão do benefício do apoio judiciário e não na exclusão ipso iure do beneficio (ou de um aspecto essencial desse benefício) em relação às entidades abrangidas nas categorias abstractas referidas.
Se as entidades em causa provarem 'não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial' (cfr. o artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87 – o preceito que estabelece os requisitos gerais para a concessão da protecção judiciária), não se vê justificação para que seja concedido o benefício da dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas e seja recusado o benefício do patrocínio judiciário gratuito. A exclusão deste
último benefício terá então como efeito limitar o acesso à justiça a quem demonstre que os custos da acção são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas, mesmo quando avaliadas em função de factores objectivos (desde logo, os factores mencionados no nº 5 do mesmo artigo 7º). Tal consequência excede de modo desproporcionado e excessivo o que seria necessário para obviar aos inconvenientes que se entendeu resultarem da legislação anterior.
Daí que se considere existir também violação do artigo 18º, nºs 2 e
3, da Constituição.
7. Tendo em conta o exposto, pronunciei-me no sentido de julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, nº 1, 13º e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº
46/96, de 3 de Setembro), na interpretação segundo a qual as sociedades, os comerciantes em nome individual e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a patrocínio judiciário gratuito, ainda que provem que os custos da acção são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas (aferidas, designadamente, em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço) e que o objecto do litígio não se relaciona com a sua actividade económica. Consequentemente, teria negado provimento ao recurso, confirmando o julgamento de inconstitucionalidade. José Manuel Cardoso da Costa