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Processo nº 287/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M... recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 1999, de fls. 46, que confirmou o despacho de 9 de Dezembro de 1998 do Juiz de Instrução criminal de fls.28, que indeferiu a arguição de nulidade 'da busca e revista efectuadas alegando para tal que as mesmas não foram validadas judicialmente como exige o artº 174º nº 5 do C.P.P.', por terem sido efectuadas com o consentimento da ofendida e que negou o pedido de substituição de prisão preventiva por outra medida de coacção, por entender manterem-se os pressupostos que a haviam determinado. Fundamentalmente, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, 'tratando-se de revista e busca não domiciliária – cfr. nºs 1 e 2 do artº 174º do C.P.P. – tais diligências podiam validamente ser efectuadas por órgão de polícia criminal, como foram – i.e., sem prévia autorização da autoridade judiciária – porquanto efectuada, além do mais, nos termos da alª c) do nº 4 do citado artº 174º:
‘c) Aquando de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão’. Aliás, como resulta expressamente da lei, neste caso da al. c), tal como o da alª b), consentimento do visado, desse nº 4 não é necessária a imediata comunicação e validação pelo JIC – o nº 5 desse artº 174º só respeita à alínea a) do citado nº 4'. No requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, do qual não consta a indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da qual é interposto, como exige o nº 1 do arigo 75º-A do mesmo diploma, a recorrente 'vem arguir a inconstitucionalidade do artgº 256º nº
1 do C.P.P., por violação do disposto no artgº 32º da Constituição da República Portuguesa, se interpretada no sentido de ser aplicável o conceito de flagrante delito decorrente da mesma, em caso de crimes permanentes.' E esclarece que só invoca tal inconstitucionalidade neste momento porque foi surpreendida com a aplicação, pelo acórdão recorrido, do nº 1 do artigo 256º referido, 'tendo em atenção que nos crimes permanentes, o conceito de flagrante delito é-nos dado pelo artgº 256º nº 3 do C.P.P.'. O recurso não foi admitido (despacho de fls. 40) por não ter sido invocada a inconstitucionalidade 'durante o processo', como exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º, não podendo a recorrente alegar surpresa na aplicação da norma que pretende impugnar porque 'como consta até dos acórdãos desta Relação de Lisboa, de 4/11/98 (...) e de 3/3/99 (...), já nos autos fora decidida e tido como assente a existência de 'flagrante delito', validando-se assim as detenções desta arguida (...), no despacho do Mmo. JIC, do 5º TIC de Lisboa, de 18/09/98
(...)'. Reclamou então M... para o Tribunal Constitucional, sustentando a tempestividade da invocação da inconstitucionalidade, justificando que o mencionado despacho do Juiz de Instrução 'não refere (...) a existência de flagrante delito, mas apenas alude à norma, sendo certo que os actos decisórios nos termos do artgº 97 alínea B e nº 4 do C.P.P. devem ser fundamentados e especificados de facto e de direito' e 'por se ter aplicado o conceito de flagrante delito para crimes de execução continuada ou permanente, a que não é aplicável o disposto no artgº 256 nº 1 do C.P.P. por imposição do disposto no artgº 256 nº 3 do mesmo diploma'. Por estas razões, fora surpreendida com a aplicação da norma cuja inconstitucionalidade pretende seja julgada. Notificado para se pronunciar, o Ministério Público veio sustentar a manifesta improcedência da reclamação. Em primeiro lugar, por falta de invocação da inconstitucionalidade durante o processo, sendo certo que a reclamante dispusera de oportunidade processual para o efeito e, em segundo lugar, por ser 'a argumentação aduzida pela reclamante (...) perfeitamente incongruente'.
2. A verdade, porém, é que não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma durante o processo, conforme exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (admitindo que foi ao abrigo desta alínea que o recurso foi interposto, como reconhece a reclamante no requerimento de reclamação). O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo se traduz na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe desta forma a oportunidade de a apreciar. Só nos casos excepcionais e anómalos, que aqui manifestamente não ocorrem, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Ora a verdade é que a reclamante dispôs, efectivamente, de plena oportunidade para invocar a inconstitucionalidade em causa, de forma a permitir o seu julgamento pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Com efeito, desde o despacho do Juiz de Instrução, proferido após a sua detenção, que foi referida a existência de flagrante delito (cfr. fls. 25). E no despacho de fls. 28 escreve-se que 'as buscas e revistas efectuadas nos termos do artº 174º nº 4 al. b) e c) do C.P.P. como é o caso dos autos, não carecem de validação pelo juiz de instrução criminal'. Ora a alínea c) deste nº 4 prevê, justamente, a hipótese de 'detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão'. A citação do preceito é suficiente para que a reclamante não possa vir a dizer-se surpreendida nos termos em que afirma ter sucedido. Assim, e de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 76º, no nº 1 do artigo 77º e na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 15 de Junho de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida