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Processo n.º 92/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
 
  
 
 “1. A. deduziu acusação particular contra B. (advogado), imputando-lhe a prática 
 de diversos crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, com a 
 agravação prevista no artigo 183.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, 
 alegadamente cometidos em peças processuais.
 Foi proferida decisão de não pronúncia pelo Tribunal Judicial da Comarca de 
 Loures.
 O assistente interpôs recurso dessa decisão, tendo afirmado na conclusão 8.ª o 
 seguinte:
 
  
 
 “8ª A interpretação conferida na decisão instrutória recorrida às normas dos 
 artºs. 180.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 183.º n.º 1, em ambas as alíneas, e do artº 308º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal, violam os imperativos dos artº 20º, nº 1, 4 
 e 5, 26º, nº 1, 32º, nºs 1 e 7, 202º, nº 2 e 203º da Constituição da República 
 Portuguesa, o que expressamente aqui se deixa arguido para todos os efeitos 
 legais, considerando-se correcta a interpretação que subjaz nas presentes 
 conclusões, enquanto corolário de toda a motivação que antecede e se considera 
 fazer parte integrante desta conclusão, para estes específicos efeitos, e da 
 invocada e transcrita doutrina e jurisprudência sobre a matéria, para além do 
 mais.”
 
  
 Por acórdão de 18 de Dezembro de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa negou 
 provimento ao recurso.
 
  
 
 2. O assistente interpôs recurso desta decisão, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC, mediante requerimento do seguinte teor:
 
 “Vem o presente recurso apresentado para apreciação da inconstitucionalidade 
 interpretativa das normas contidas nos artigos 180º, nºs 1, 2 e 4, e 183.º n.º 
 
 1, este em ambas as alíneas, e, correlativamente, no artigo 308.º, n.º 1, todos 
 do Código de Processo Penal, na interpretação que ambas as instâncias recorridas 
 delas fazem nos seus arestos - a Relação por simples e absoluta adesão à decisão 
 de lª instância - e que, resumidamente, se encerra em que a um arguido, mesmo se 
 advogado, é lícito imputar ao seu acusador penal atributos de, em súmula, pessoa 
 sem ocupação, ou pelo menos sem trabalho ou emprego conhecido, com 
 personalidade, no mínimo, complexa, excêntrica e/ou desviada, que se revela 
 exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe permitam 
 dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa, com sentimentos e 
 atitudes de revolta, de desespero, de retaliação, de vingança e que faz dos 
 processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão desmedida, usando de 
 mentira, ousadia e contradição, se contém no direito de “(..)reafirmar, 
 articular, alegar, convencer.”, sem intenção de injuriar e por isso, tais 
 imputações e juízos não comportam virtualidades indiciárias suficientes da 
 prática do crime de difamação, logo incapazes de conduzir à legal pronúncia para 
 submissão a julgamento. 
 Esta interpretação das sobreditas normas legais, assim sumariada, viola 
 capitalmente os princípios imperativos plasmados nos artigos 20.º, n.º 1, 4 e 5, 
 
 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º 2 e 203.º da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 Tendo a questão de inconstitucionalidade interpretativa sido expressa, 
 cautelarmente, na conclusão 8ª do recurso apresentado ao julgamento do Tribunal 
 a quo onde se deixou aduzido que a solução jurídica tida por correcta será, na 
 
 óptica do Recorrente, a sucintamente explanada nas conclusões 1ª a 7ª desse 
 mesmo recurso, razões que se deixam aqui reiteradas e tidas por reproduzidas 
 para estes efeitos mas que se resumem a que a todas as expressões e juízos de 
 valor formulados pelo arguido, mesmo se advogando em causa própria, são 
 excessivas para a utilidade da defesa criminal pretendida e são, objectiva e 
 subjectivamente, ofensivas da honra, bom nome, reputação e consideração de um 
 qualquer abstracto cidadão, maxime o aqui Recorrente, constituindo matéria 
 bastante para consubstanciar crimes de difamação, agravada pelo meio de produção 
 e conhecimento da sua falsidade, sustentados que estão em prova material 
 inequívoca de escrito autêntico com força indiciária suficiente para a submissão 
 a julgamento com muito provável possibilidade de condenação, donde a 
 imperatividade da pronúncia.” 
 
 3. Não estando este Tribunal vinculado pelo despacho que o admitiu (n.º 3 do 
 artigo 76.º da LTC), entende-se que o recurso não deve prosseguir pelas 
 seguintes razões:
 
  
 A) Não suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente 
 adequado
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem como 
 pressuposto que o recorrente tenha suscitado a questão de constitucionalidade 
 que quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, de modo processualmente 
 adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 obrigado a dela conhecer (artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e artigo 72.º, n.º 2, da 
 LTC). 
 
  Ora, não é modo processualmente adequado de colocar o tribunal da causa perante 
 uma questão de constitucionalidade normativa a mera afirmação de que a 
 interpretação conferida pela decisão que então se impugnava a um conjunto de 
 normas – umas que respeitam à pretendida qualificação penal dos factos e outra 
 que versa sobre a apreciação dos indícios para efeito de pronúncia ou não 
 pronúncia – viola imperativos constitucionais. É sempre necessário um mínimo de 
 argumentação que autonomize a questão de constitucionalidade das questões de 
 interpretação e aplicação do direito ordinário de que também se discorda. Só 
 assim, exposta com um mínimo de substanciação a pretensão de recusa de um 
 determinado sentido por violação da Constituição, fica o tribunal da causa 
 constituído no dever de conhecer dessa questão, desse modo abrindo a via do 
 recurso. 
 
 É certo que o recorrente concluiu que a interpretação adoptada na decisão de não 
 pronúncia viola um conjunto de preceitos constitucionais e afirmou que deixava 
 arguida a inconstitucionalidade “para todos os efeitos legais”. Isso denota um 
 propósito de prosseguir com a questão, mas não constitui o tribunal no dever de 
 pronúncia que abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional, porque não 
 são inteligíveis as razões pelas quais uma interpretação do direito ordinário 
 diversa daquela que o assistente sustentava infringia tantos e tão diversos 
 parâmetros constitucionais como os constantes dos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 
 
 26.º, n.º1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º2 e 203.º da Constituição e os tribunais 
 não tem o dever de se ocupar de questionamentos imotivados da validade do 
 direito infraconstitucional.
 
  
 B) O recurso não tem objecto idóneo
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, à apreciação das questões de 
 desconformidade com regras ou princípios constitucionais imputada a normas 
 jurídicas ou a interpretações normativas de que a decisão recorrida, como ratio 
 decidendi, tenha feito aplicação ou a que tenha recusada aplicação com 
 fundamento em inconstitucionalidade.
 Não lhe cabe apreciar eventuais violações da Constituição imputadas directamente 
 a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou que nisso, afinal, se 
 resolvam. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a 
 uma interpretação normativa e aqueles em que não pode deixar de considerar-se 
 que o que está em causa, ainda que por desconformidade à Constituição, é a 
 decisão judicial em si mesmo, radica em que na primeira hipótese é discernível 
 na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se 
 subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, 
 susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está 
 em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às 
 particularidades do caso concreto.
 Ora, saber se imputações e juízos efectuados no processo, pelo arguido, de que o 
 assistente “é pessoa sem ocupação, ou pelo menos sem trabalho ou emprego 
 conhecido, com personalidade, no mínimo, complexa, excêntrica e/ou desviada, que 
 se revela exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe 
 permitam dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa, com 
 sentimentos e atitudes de revolta, de desespero, de retaliação, de vingança e 
 que faz dos processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão desmedida, 
 usando de mentira, ousadia e contradição” se contém no direito de reafirmar, 
 articular, alegar e convencer, sem intenção de injuriar e, por isso, não tem 
 virtualidade suficiente para a submissão a julgamento pela prática do crime de 
 difamação, é matéria de aplicação da lei infra-constitucional. 
 
  
 C)O recurso é manifestamente infundado
 Embora o que antecede conduza ao não conhecimento do recurso e prejudique o 
 mais, sempre se dirá que o recurso seria julgado manifestamente infundado se 
 houvesse de conhecer-se dele.
 Com efeito, suposto que o objecto de censura fosse uma norma, a pretensão do 
 recorrente é a de que tal norma enfermaria de um deficit de tutela criminal da 
 honra. 
 Ora, como o Tribunal tem afirmado, o legislador não é necessariamente obrigado a 
 criminalizar uma conduta, sempre que se entender haver um bem jurídico digno de 
 tutela jurídica. No cumprimento dos deveres de protecção de bens jurídicos que a 
 Constituição estabelece ao consagrar um direito fundamental, o legislador tem 
 sempre alguma margem de livre apreciação no que respeita à escolha dos meios 
 mais adequados para garantir esse bem, respeitando os outros valores e 
 interesses constitucionalmente protegidos à luz do princípio matricial da 
 dignidade da pessoa humana.
 Como explica Figueiredo Dias «não existem imposições jurídico constitucionais 
 implícitas de criminalização», admitindo-se apenas que o critério do legislador 
 possa «em casos gritantes ser jurídico-constitucionalmente sindicado»” (Direito 
 Penal: Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2007, pág 129; neste sentido, 
 também, Sousa e Brito, A lei penal na Constituição, in «Estudos sobre a 
 Constituição», 2º vol., 1978, Lisboa, pág. 218).
 A este propósito, o Tribunal tem sublinhado que «[…] o direito penal, enquanto 
 direito de protecção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por 
 isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o 
 recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos 
 violentas do que as sanções criminais» (acórdão n.º 108/99). E, assim, como se 
 ponderou também no acórdão 99/02, «[…] as medidas penais só são 
 constitucionalmente admissíveis quando sejam necessárias, adequadas e 
 proporcionadas à protecção de determinado direito ou interesse 
 constitucionalmente protegido, e só serão constitucionalmente exigíveis quando 
 se trate de proteger um direito ou bem constitucional de primeira importância e 
 essa protecção não possa ser suficiente e adequadamente garantida de outro 
 modo».
 Não pode perder-se de vista, por outro lado, como também se afirmou nesse 
 aresto, que «o juízo de constitucionalidade se não pode confundir com um juízo 
 sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao Tribunal Constitucional 
 substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a 
 necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos».
 Em suma, aceitando-se que, «também em matéria de criminalização, o legislador 
 não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo 
 manter-se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição», o certo é 
 que, «no controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de 
 conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o 
 Tribunal Constitucional só deve proceder à censura das opções legislativas 
 manifestamente arbitrárias ou excessivas» (assim, o citado acórdão n.º 99/02, na 
 linha de uma firme orientação jurisprudencial).”
 Nesta linha de entendimento, é manifesto que a suposta norma cuja 
 constitucionalidade o recorrente quer ver fiscalizada jamais poderá violar 
 qualquer das disposições constitucionais referidas no requerimento de 
 interposição de recurso.
 
 4. Decisão 
 Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer 
 do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de 
 justiça em 7 (sete) UCS, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.”
 
  
 
  
 
 2. O recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 4 do citado artigo 
 
 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos: 
 
  
 
 “O primeiro dos fundamentos invocados na decisão sumária prende-se com a 
 necessidade de um mínimo de argumentação que autonomize da inconstitucionalidade 
 das questões de interpretação e aplicação do direito ordinário de que também se 
 discorda. 
 Ora, data venia, afigura-se ao Recorrente que cumpriu todos os requisitos 
 argumentativos que, sucintamente, determinam a autonomia das questões geradoras 
 de graves violações dos imperativos constitucionais invocados ao fazer constar 
 no seu requerimento recursivo uma súmula das razões da não submissão 
 constitucional das decisões recorridas as quais explanou nas conclusões 1ª a 7ª 
 do recurso apresentado ao juízo da Relação de Lisboa, como ora se transcreve 
 para facilidade de apreciação: 
 
 “(...)a todas as expressões e juízos de valor formulados pelo arguido, mesmo se 
 advogando em causa própria, são excessivas para a utilidade da defesa criminal 
 pretendida e são, objectiva e subjectivamente, ofensivas da honra, bom nome, 
 reputação e consideração de um qualquer abstracto cidadão, maxime o aqui 
 Recorrente, constituindo matéria bastante para consubstanciar crimes de 
 difamação, agravada pelo meio de produção e conhecimento da sua falsidade, 
 sustentados que estão em prova material inequívoca de escrito autêntico com 
 força indiciária suficiente para a submissão a julgamento com muito provável 
 possibilidade de condenação, donde a imperatividade da pronúncia.” 
 Na verdade o melhor detalhe que ora se exige no texto da decisão sumária 
 reclamada está vertido nessas conclusões que foram avocadas expressamente na 
 parte que antecedia o resumo acima transcrito, conforme agora se verificará: 
 
 1.ª Todas as expressões utilizadas pelo arguido Dr. B. no requerimento de 
 abertura de instrução que, na qualidade de arguido, e só nela que outra se não 
 pode arvorar, fez constar e subscreveu livre, voluntária e conscientemente, são 
 lesivas do bom nome, honra e consideração do recorrente, mesmo que considerado 
 um condenado criminalmente, porquanto atentam contra os naturais direitos da 
 dignidade humana. 
 
 2.ª Por cada uma delas e, em especial, no seu conjunto, concertação e 
 concomitância, desrespeitam amplamente valores fundamentais, mesmo que até só na 
 forma de simples suspeita, ou seja todos os direitos de personalidade do 
 recorrente enquanto cidadão, mesmo que condenado, e a dignidade humana 
 consagrada legal, constitucional e nas convenções internacionais ratificadas 
 pelo Estado Português. 
 
 3.ª Pois que não é razoável, tampouco admissível, que se possa apodar de 
 conflituoso, carácter complexo e excêntrico, vingativo, retaliador, todo o ser 
 que de nós discorda, tem atitude diferente, ainda mesmo que condenado em por 
 julgamento penal. 
 
 4.ª Não faz parte do texto, tampouco do espírito da douta sentença que condenou 
 o ora recorrente, a publicitação da sentença, nem o direito ao achincalhamento 
 pessoal, a propósito ou despropositado, têm esses direitos pessoais de dignidade 
 acolhimento nas leis portuguesas ou na Declaração dos Direitos Humanos. 
 
 5ª As expressões desmedidas e desbragadas do arguido B., insultando e formulando 
 juízos de valor sobre atitudes passadas, presentes e, até, futuras sobre o 
 recorrente, são, também na forma de simples suspeita, consubstanciadoras de 
 ofender a sua honra, bom nome e consideração, segundo os critérios legais e a 
 lógica jurídica inerente às motivações que antecedem e que, com este particular 
 efeito, se dão aqui por integralmente reproduzidas, fazendo parte integrante da 
 presente conclusão. 
 
 6ª Subtraindo-se da douta decisão instrutória um notório e grosseiro erro na 
 apreciação da matéria factual indiciária e sua configuração ao direito 
 aplicável, numa visão amplamente bonómica e excepcionalmente permissiva que, em 
 nada, se conforma à lei, à Constituição da República e ao direito internacional 
 regulador dos direitos de personalidade e da dignidade humana de qualquer 
 humana, qualquer que seja a sua condição jurídica. 
 
 7.ª Pois que, em qualquer parte do mundo, a linguagem e juízos formulados pelo 
 arguido são ofensivos da honra de qualquer ser humano e, nem sequer, a sua 
 qualidade de advogado, que não era a condição em que agia in casu, lograriam 
 justificar ou ratificar um eventual direito à liberdade de expressão que pudesse 
 colidir frontalmente com os supra invocados direitos do recorrente e são 
 clarividentemente excessivos e ilicitamente ofensivos, constituindo indícios 
 bastante senão mesmo à condenação severa, à simples submissão a julgamento onde, 
 sem prejuízo dos intrínsecos direitos de defesa, responda criminalmente. 
 De forma clarividente se retira daqui a motivação que é exigida para a 
 apreciação do recurso de inconstitucionalidade interpretativa das normas legais 
 como se alcança da conclusão 8a quais as normas que o Recorrente considera 
 violadas em reporte à bonómica tese dos tribunais recorridos: 
 
 8.ª A interpretação conferida na decisão instrutória recorrida às normas dos 
 artºs 180.º, n.ºs. 1, 2 e 4, e 183.º n.º 1, em ambas as alíneas, e do art.º 
 
 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, violam os imperativos dos art.º 20.º, 
 n.º 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º 2 e 203.º da 
 Constituição da República Portuguesa, o que expressamente aqui se deixa arguido 
 para todos os efeitos legais, considerando-se correcta a interpretação que 
 subjaz nas presentes conclusões, enquanto corolário de toda a motivação que 
 antecede e se considera fazendo parte integrante desta conclusão, para estes 
 específicos efeitos, e da invocada e transcrita doutrina e jurisprudência sobre 
 a matéria, para além da mais. 
 Salvo melhor e mais douta opinião, colocou o Recorrente todo o seu cuidado em 
 distinguir com algum rigor aquilo que fazia a distinção entre o poder 
 discricionário dos tribunais ordinários na aplicação de uma determinada 
 concepção dos direitos de personalidade e a violação dos imperativos 
 constitucionais emanente nessa concepção, ainda que também explicitando quais as 
 concretas expressões linguísticas que considerava ofensivas, concretização 
 indispensável ao entendimento perfeito da abrangência da norma e errada 
 interpretação dos imperativos constitucionais. 
 E tanto basta nesta fase preliminar do recurso, ficando para sede de alegações o 
 estudo atento das particularidades da vexata quaestio. 
 E, na realidade, esta explicitação do âmbito do recurso constitucional coloca 
 sem razão, ressalvado o maior respeito, a segunda das razões em que se ancora a 
 decisão sumária submetida à conferência deste soberano Tribunal. 
 Pois que patente fica que o ponto da discórdia jurídica assenta na concepção 
 normativa que funda as decisões recorridas – a do tribunal superior por mera 
 adesão à anterior – quanto à adequação destas aos peremptórios preceitos 
 constitucionais, qual seja afinal que determinados apodos depreciativos usados 
 por um qualquer arguido, mesmo se também advogado em causa própria, para 
 invectivar o seu acusador são passíveis ou não de violar o direito ao bom nome e 
 reputação desse cidadão, e se compete ou não aos tribunais tutelar, em igualdade 
 de direitos de cidadania, a defesa intransigente desses direitos de 
 personalidade tão intrínsecos da dignidade humana. 
 E, convenhamos, os epítetos em causa são objectiva e subjectivamente ofensivos 
 da honra e reputação de qualquer cidadão, como se exemplifica, rememorando: 
 
 “(...)daquilo que sucede quando pessoas, sem ocupação, ou pelo menos sem 
 trabalho ou emprego conhecido, como o Assistente A., com personalidades, no 
 mínimo, complexas, resolvem tornar desgastante a vida de um cidadão 
 normal(...)”; 
 
  “(...)um exercício levado a cabo por uma pessoa que – como o Assistente – se 
 revela exímio em procurar e desencadear problemas, criando situações que lhe 
 permitam dar largas à sua intrínseca e conhecida natureza conflituosa(...)”; 
 
 “(…)só uma personalidade excêntrica e/ou desviada, no sentido de 
 retaliação/vingança, poderá explicar as condutas do Assistente A. que tem vindo 
 a mover uma perseguição pessoal e completamente desprovida de sentido ao 
 Arguido/Requerente e seus constituintes(...)”; 
 
 “(...)a exemplo do Pº Nº 2318/00.3 TALRS de denúncia caluniosa “já 
 arquivado”(...)”; 
 
 “(...)emergente do Processo mãe Nº 891/00.5TALRS da 2ª Vara Mista, em que o 
 Assistente A., então Arguido, foi condenado, pelo crime de Burla Qualificada, 
 por sentença já transitada a 16/06/2004(...)”; 
 
 “(...)faltam apenas 15 (quinze) dias para que termine o prazo de 1 (um) ano 
 concedido ao ora Assistente e ali Arguido A., para pagar(...)”; 
 
 “Daí a revolta, a retaliação, a vingança do SR. A.(...)”; 
 
 “(...)quando faltam 15 (quinze) dias para o ora Assistente A. pagar (pagará...?) 
 aos lesados(...)”; 
 
 “Daí, como se deixou expresso, seu desespero, e vontade de vingança no 
 arguido/requerente, ali advogado de Acusação(...)”; 
 
 “(...)a avaliar por comportamentos e impulsos similares do, ora, Assistente A., 
 que faz dos processos quase um modus vivendi, numa quase obsessão 
 desmedida(...)”; 
 
 “(...)não convenceu o Tribunal e muito menos o Assistente(. . .)que pasmaram em 
 ouvir tanta mentira, ousadia e contradição(...)”. 
 Não se trata, pois, de uma mera sindicância concreta de errada concepção no uso 
 do poder discricionáro ordinário mas de uma verdadeira interpretação incorrecta 
 do que são os direitos de personalidade tutelados pelos princípios da dignidade 
 humana, da Constituição da República Portuguesa e das Convenções Internacionais 
 sobre Direitos Humanos ratificadas pelo Estado Português e a elas sujeito. 
 E esta concepção conduz à terceira das questões em que se ancora a decisão pois 
 que, na realidade, manifesta-se à saciedade um manifesto abuso de linguagem com 
 o objectivo patente – que outro não se antolha – de denegrir e ofender o 
 contra-parte processual, logo carecido de exemplar censura que as decisões 
 recorridas não efectuaram, numa excessiva e bonómica permissividade, caindo na 
 alçada do acórdão referido na decisão sumária, o n.º 99/02, a cujos princípios 
 se adere totalmente. 
 
 É assim que se torna pacífico ao Recorrente que a ordem de grandeza das afrontas 
 sofridas e permitidas pelas instâncias judiciais vêm perfeita e adequadamente 
 expressas no seu requerimento apresentado ante este Tribunal Constitucional e 
 carecem de apreciação atenta, na defesa dos mais sãos princípios do direito e na 
 realização da melhor.” 
 
  
 
  
 
 3. O Ministério público responde que a reclamação é manifestamente infundada, em 
 nada sendo abalados os seus fundamentos pela argumentação do recorrente.
 
  
 O recorrido pugna pela confirmação da decisão sumária, argumentando no sentido 
 do acerto de qualquer dos seus fundamentos.
 
  
 
 4. A argumentação do reclamante é improcedente, não podendo conhecer-se do 
 objecto do recurso, quer por não se considerar a questão de constitucionalidade 
 suscitada de modo processualmente adequado, quer por não consistir numa questão 
 de constitucionalidade normativa, pelas razões da decisão reclamada que se 
 reiteram.
 Como a questão vem colocada, não é possível autonomizar o que respeita à questão 
 do errado juízo de subsunção da concreta conduta imputada ao arguido aos 
 preceitos do Código Penal que prevêem e punem os crimes contra a honra do que 
 respeita à desconformidade dessas mesmas normas com os preceitos constitucionais 
 invocados. Com efeito, saber se determinadas afirmações, nas concretas 
 circunstâncias em que foram produzidas, são ofensivas da honra ou consideração 
 da pessoa a propósito de quem foram ditas, é questão que só casuisticamente pode 
 ser analisada.
 
  
 Confirmam-se, assim, as razões determinantes do não conhecimento do objecto do 
 recurso vertidas nas alíneas A) e B) do n.º 3, da “decisão sumária” que é 
 objecto de reclamação, nada tendo o reclamante aduzido que justifique nova 
 ponderação.
 
  
 
 5. Decisão
 
  
 Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
 Lisboa, 5/05/2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão