Imprimir acórdão
Processo n.º 585/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. deduziu reclamação do despacho do Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso que pretendia interpor
para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. No Tribunal da Comarca de Santa Maria da Feira, foi o arguido A.
condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio
simples, previsto e punível pelos artigos 131º, 72º, n.º 1, e 73º, n.º 1,
alíneas a) e b), do Código Penal, e de uma contra-ordenação prevista e punível
pelos artigos 66º do Regulamento Geral de Armas e 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
399/93, de 5 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 22/97, de 27 de Junho,
na pena de 4 anos de prisão e na coima de € 375.
2.2. Confirmada a sentença pelo Tribunal da Relação do Porto, o arguido
recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, entre outras, as
seguintes conclusões na motivação do recurso que então apresentou (fls. 504 e
seguintes):
“[…]
6º - A conduta do arguido enquadra-se no artigo 133° do C.Penal, a que
corresponde a pena máxima de 5 anos de prisão, devendo ao arguido ser aplicada
pena não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, considerando o
circunstancialismo supra descrito que envolveu e motivou a conduta do arguido;
7° - Finalmente, as verificadas circunstâncias atenuantes, elencadas na
sentença, a idade do arguido, o facto de ter prestado declarações confessando os
factos, terem já decorrido cerca de 7 anos, mantendo o arguido bom
comportamento, mostrando-se perfeitamente inserido na comunidade local, onde
goza de enorme reputação, respeito e estima, ou seja, revela uma personalidade
adaptada ao dever-ser ético-jurídico, ter aguardado sempre o julgamento em
liberdade provisória, cumprindo sempre as obrigações que lhe foram impostas,
determinavam a atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto no artigo 72°
do C.Penal, entendendo-se como excessiva a pena aplicada que deve fixar-se em 3
anos de prisão;
8° - Esta pena, tendo em conta as circunstâncias enumeradas que depõe a favor do
arguido e que permitem formar um juízo de prognose favorável à sua adequação à
licitude jurídico-criminal, fazendo a ameaça da execução da pena aliada à
simples censura do facto uma adequada e suficiente cautela das finalidades da
punição, deve ser suspensa na sua execução;
9° - O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos artigos 40°,
48°, 72°, 73°, 131° e 133° do C.Penal.
[...].”.
2.3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Março de 2006
(fls. 556 e seguintes), negou provimento ao recurso. Disse o Supremo Tribunal de
Justiça, para o que agora importa considerar:
“[…]
Determinação da pena
[…]
Observação prévia a fazer é a de que a competência deste Supremo Tribunal em
matéria de controlo e de fiscalização da pena não é ilimitada.
Com efeito, no recurso de revista pode sindicar-se a decisão proferida sobre a
determinação da sanção, quer quanto à correcção das operações de determinação ou
do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo
tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer
quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos
fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro
daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das
regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada […].
Certo é que a determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao
critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as
finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a
protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo
40°, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui
um limite inultrapassável da medida da pena – artigo 40°, n.º 2.
Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena
passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo
a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a
pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a
pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo
limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e
cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do
ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial,
pelo que, dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é
encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou
de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança
individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18°, n.º 2 – e foi assumido pelo
legislador penal de 1995 […].
Como refere Anabela Rodrigues […], o artigo 40°, do Código Penal, após a revisão
de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal
– a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a
culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização
é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da
tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva
(moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da
pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de
socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de
intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida
da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser
ultrapassado em nome de exigências preventivas» […].
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite
máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada
caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das
penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso
concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo,
face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente
traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da
comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma
razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o
restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que,
deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de
prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da
necessidade da pena a que o artigo 18°, n.º 2, da CRP, consagra […].
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada
– máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do
crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se
consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica
perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.
Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é «merecido» não é algo preciso,
resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de
um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que
não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade
empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena
adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao
serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que
seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização
da consciência jurídica geral […].
No caso vertente estamos perante um crime de homicídio – artigo 131°, do Código
Penal –, facto típico que tutela a vida humana, bem jurídico inviolável – artigo
24°, da Constituição da República Portuguesa.
Ao crime, atenta a aplicação pela 1ª instância do instituto da atenuação
especial, cabe a pena de prisão de 1 ano e 8 meses a 10 anos e 8 meses.
Como atrás ficou consignado, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é
interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de
integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura
penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das
expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do
agente consente; entre estes limites, satisfazem-se, quando possível, as
necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
A esta luz, tendo em vista todas as circunstâncias ocorrentes e atendendo aos
poderes de cognição deste Supremo Tribunal, há que concluir que a pena de 4 anos
de prisão fixada pelas instâncias se situa dentro das sub-molduras referidas,
não merecendo, por isso, qualquer reparo.
[...].”.
2.4. Através do requerimento de fls. 568 e seguintes (574 e seguintes),
A. arguiu a nulidade e pediu a reforma do acórdão. Subsidiariamente, interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da inconstitucionalidade
das normas dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal.
É o seguinte, em síntese, o teor desse requerimento:
“[…]
É verdade que este Venerando Tribunal na determinação da pena acaba por dizer
que «a competência deste Supremo Tribunal em matéria de controlo e de
fiscalização da pena não é ilimitada». Depois refere ainda que […]. Tece ainda,
considerações brilhantes sobre a medida da pena e sobre a culpa, sobre a
prevenção geral e sobre a prevenção especial. Mas fá-lo no entender do ora
arguido, e com o devido respeito por melhor opinião, de forma geral e abstracta,
ou seja, sem atender aos factos concretos supra enunciados.
Ora, a necessidade da pena e do seu «quantum» deve ser aferida em concreto, caso
a caso, situação a situação.
Aliás, tal princípio para além de estar consagrado no artº 71º do Código Penal,
encontra-se plasmado no artº 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
O objectivo da política criminal é o da defesa de bens jurídicos, proclamada
como primeira finalidade das sanções penais definidas no Código Penal e
legitimada pelo princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança.
Ora, no caso concreto o arguido tem 72 anos de idade, encontra-se integrado
socialmente na sociedade, não tem antecedentes criminais, pergunta-se, pois, e
porque a pergunta parece legítima para o mesmo, atento o fim ressocializador da
pena, qual é a necessidade de o mesmo ir cumprir prisão efectiva de 4 anos? Será
para sair da prisão em «quatro tábuas»?
Estas questões ganham especial acuidade quando na actualidade se fala em
alterações significativas no âmbito (das medidas das penas, das medidas de
coacção, etc.) do Código Penal e do Código de Processo Penal, nomeadamente, a
possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não
superior a 5 anos! Ou seja, a aplicação de novas políticas criminais que muitas
vezes é feita avançar pela jurisprudência, no caso concreto, tal não aconteceu e
os «novos ventos» que sopram da política criminal foram postos ao esquecimento,
e atento os factos dados como provados.
Pelo que a pena de prisão de 4 anos aplicada ao arguido, por uma questão de
justiça e de necessidade da pena, deveria e poderia ter sido reduzida para 3
anos. E a esta redução não se opõe razões de prevenção geral, nem especial, como
supra se referiu.
Pelo exposto supra, o ora arguido entende que no caso «sub iudice» este
Venerando Tribunal não teve em atenção todas as particularidades e os factos do
mesmo, razão por que entende que o Tribunal não se pronunciou sobre questões que
deveria apreciar e que lhe foram colocadas oportunamente, e tal não pronúncia
reflectiu-se de modo gravoso e negativo para o arguido atenta a pena que lhe foi
aplicada e o facto de o seu pedido de redução da pena não ter sido atendido.
III - Nestes termos, e salvo melhor e mais douta opinião, o douto acórdão em
apreço deve ser reformado ou declarado nulo pois do processo constam elementos
de facto dado como provados que só por si implicam decisão diversa, para além de
não se ter pronunciado, em concreto, sobre questões que devesse apreciar, nos
termos dos art°s 669º, 716º e artº 668º, n.º 1 , alínea d ), todos do Código de
Processo Civil.
Deve, pois, ser alterado o douto acórdão deste Venerando Tribunal no sentido ora
propugnado.
Nestes termos, […], deverá ser atendida a presente arguição de nulidade e
reforma do douto acórdão, após audição da parte contrária, proferindo-se decisão
em conformidade.
B - No caso de se entender que o douto acórdão não merece qualquer reparo como
se propugna supra, o ora arguido, por não concordar com o teor do mesmo interpõe
recurso para o Tribunal Constitucional tendo como objecto a questão da
inconstitucionalidade (questão esta levantada nas alegações de recurso para o
Tribunal da Relação do Porto) das normas dos art°s 358 e 359, ambos do CPP.
[...].”.
2.5. O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 3 de Maio de 2006 (fls.
584 e seguinte), indeferiu a arguição de nulidade e o pedido de reforma do
acórdão anterior.
2.6. Por despacho de 30 de Maio de 2006 (fls. 588 e verso), o Conselheiro
Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, decidiu não admitir o recurso para o
Tribunal Constitucional, nestes termos:
“O arguido A., na parte final do articulado de fls. 574/579, declarou pretender
interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão deste Supremo
Tribunal de Justiça de fls. 556/564, para o caso de a arguição de nulidade que
[…] sobre o mesmo apresentou ser desatendida, o que veio a ocorrer.
Acontece que a questão de inconstitucionalidade indicada pelo arguido sobre a
qual o mesmo pretende o Tribunal Constitucional se pronuncie, não foi conhecida
por este Supremo Tribunal, tendo sido objecto de decisão, apenas, pelo Tribunal
da Relação do Porto, visto que o arguido a não impugnou no recurso que para este
Supremo Tribunal interpôs do acórdão proferido naquela Relação.
Deste modo, não tendo o acórdão deste Supremo Tribunal apreciado aquela concreta
questão, ou seja, não tendo proferido decisão sobre a mesma, é inadmissível o
recurso que o arguido ora pretende interpor para o Tribunal Constitucional.
Com efeito, os recursos visam modificar as decisões recorridas e não a obtenção
de decisões sobre matérias não apreciadas e não conhecidas nas decisões
impugnadas.
Aliás, ao não impugnar aquela concreta questão no recurso que interpôs para este
Supremo Tribunal, sendo certo que o podia ter feito, o arguido deixou transitar
em julgado a decisão que o Tribunal da Relação do Porto sobre a mesma proferiu.
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 76°, n.ºs 1 e 2, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, não se admite
o recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional.
[...].”.
2.7. A., invocando o artigo 405º do Código de Processo Penal, deduziu
reclamação do despacho de não admissão do recurso, através do requerimento de
fls. 2 e seguinte, dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em que
se lê:
“[…]
– dispõe o art° 70º n.º 1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional que «cabe
recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais
que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo».
Ora, o arguido durante as suas alegações para o Tribunal da Relação do Porto
suscita a questão da inconstitucionalidade das normas dos art°s 358º e 359º do
Código de Processo Penal tal como as mesmas foram interpretadas e aplicadas ao
caso concreto pelo Tribunal Judicial da Comarca de S.M. Feira. O Tribunal da
Relação do Porto pronunciou-se sobre tal questão no sentido de que a
interpretação efectuada pelo Tribunal Judicial da Comarca de S.M. da Feira das
normas dos art°s 358º e 359º do CPP, estava em conformidade com a Lei
Fundamental. No entanto, o ora arguido entende ao contrário do referido no douto
despacho de fls. 588 dos autos que tal questão ainda pode ser apreciada pelo
Tribunal Constitucional atento o disposto no art° 70º alínea b) da Lei 28/82, de
15 de Novembro – «norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo». A decisão dos autos ainda não transitou em julgado, razão por que
entende o ora arguido que a questão da inconstitucionalidade suscitada pode e
deve ser apreciada em último grau pelo Tribunal Constitucional.
Requer, pois, a V. Exª. se digne admitir o recurso interposto pelo ora arguido
para o Tribunal Constitucional, seguindo-se, após isso, os demais trâmites
previstos na lei.
[...].”.
2.8. O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o
seguinte despacho (fls. 4 e verso):
“Da decisão de não admissão de recurso por nós proferida a fls. 588 do processo
principal cabe reclamação para o Tribunal Constitucional e não para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça – artigo 76º, n.º 4, da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Deste modo, para conhecimento da reclamação que tem efeito suspensivo e sobe nos
próprios autos, remetam-se os autos ao Tribunal Constitucional – artigo 77º, n.º
1, e 78º, nº 4, do referido diploma legal.”
3. Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, o representante do
Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer (fls. 7 v.º e
8):
“É duvidosa a aplicabilidade da regra estabelecida, nomeadamente, no n.º 5 do
art. 688º do CPC – como decorrência do princípio geral estabelecido no n.º 2 do
art. 265º do mesmo Código – quando estiverem em causa meios processuais
referentes a tribunais inseridos em diferentes ordens jurisdicionais permitindo
ao juiz «a quo» suprir oficiosamente um erro notório da parte, que endereça
certa reclamação ao Presidente do STJ, em vez de o fazer ao Tribunal
Constitucional, competente para o apreciar.
De qualquer modo – e mesmo que se entenda que tal suprimento oficioso é
possível, conduzindo à apreciação da reclamação apesar da ausência de
manifestação de vontade da parte no sentido de ver tal reclamação apreciada pelo
Tribunal Constitucional – é manifesta a improcedência da reclamação deduzida.
Na verdade, ao apresentar o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade conjuntamente com a peça processual em que se arguíam
pretensas «nulidades» do acórdão proferido pelo Supremo – endereçando-a aos
Venerandos Juízes Conselheiros – é evidente que não pode o recorrente sustentar
que, afinal, pretendia impugnar o acórdão anteriormente proferido pela Relação:
a ser esta a decisão que se pretendia impugnar, teria tal requerimento de ser
endereçado ao desembargador relator, a fim de que o autor da decisão impugnada
pudesse apreciar tal requerimento, admitindo-o ou rejeitando-o.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal
Constitucional tendo em vista a apreciação da conformidade constitucional dos
artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal. Formulou tal pedido, a título
subsidiário, no requerimento através do qual arguiu a nulidade e pediu a reforma
do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 1 de Março de 2006
(supra, 2.4.).
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, não
admitiu o recurso por entender que “a questão de inconstitucionalidade indicada
pelo arguido sobre a qual o mesmo pretende o Tribunal Constitucional se
pronuncie, não foi conhecida por este Supremo Tribunal, tendo sido objecto de
decisão, apenas, pelo Tribunal da Relação do Porto, visto que o arguido a não
impugnou no recurso que para este Supremo Tribunal interpôs do acórdão proferido
naquela Relação” (supra, 2.6.).
Na reclamação deduzida – que dirigiu ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, invocando o disposto no artigo 405º do Código de Processo
Penal –, vem o reclamante sustentar, em síntese, que “durante as suas alegações
para o Tribunal da Relação do Porto suscita a questão da inconstitucionalidade
das normas dos art°s 358º e 359º do Código de Processo Penal tal como as mesmas
foram interpretadas e aplicadas ao caso concreto pelo Tribunal Judicial da
Comarca de S.M. Feira” e que “a decisão dos autos ainda não transitou em
julgado, razão por que entende o ora arguido que a questão da
inconstitucionalidade suscitada pode e deve ser apreciada em último grau pelo
Tribunal Constitucional” (supra, 2.7.).
5. Como sublinha o Ministério Público no seu parecer, é desde logo
duvidosa a possibilidade de aplicar ao caso dos autos a regra do n.º 5 do art.
688º do Código de Processo Civil, de modo a permitir “ao juiz «a quo» suprir
oficiosamente um erro notório da parte, que endereça certa reclamação ao
Presidente do STJ, em vez de o fazer ao Tribunal Constitucional, competente para
o apreciar”.
De todo o modo, é manifesto que a reclamação deduzida não pode
proceder. Com efeito, nas circunstâncias do processo, e face ao disposto no
artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, só a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal de Justiça em 1 de Março de 2006 (supra, 2.3.) poderia
porventura ser recorrível para o Tribunal Constitucional. Ora, tal decisão não
aplicou as normas que o reclamante pretende ver apreciadas, sob o ponto de vista
da sua constitucionalidade, por este Tribunal. Na verdade, não tendo o ora
reclamante colocado ao Supremo Tribunal de Justiça qualquer questão susceptível
de ser resolvida pelos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal, não teve
aquele tribunal de fazer apelo a esses preceitos legais.
Ora, como é sabido, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a disposição invocada pelo ora
reclamante – apenas pode ser interposto das decisões dos tribunais que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido
e que a presente reclamação tem de ser indeferida.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos