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Processo n.º 126/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. Relatório
 
                                  A Companhia de Seguros A., SA, requereu, em 26 
 de Outubro de 2005, ao Tribunal do Trabalho de Bragança, a remição da pensão de  
 
           que é titular a beneficiária B., viúva do sinistrado C., alegando 
 que a pensão, com início em 6 de Setembro de 1986, cujo valor foi actualizado 
 para € 1386,80 em 1 de Dezembro de 2004, se tornou obrigatoriamente remível a 
 partir de 1 de Janeiro de 2003, com base nas disposições conjugadas dos artigos 
 
 41.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 56.º e 74.º do Decreto‑Lei 
 n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção do artigo 3.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 382‑A/99, de 23 de Setembro.
 
                                  O representante do Ministério Público junto do 
 referido Tribunal pronunciou‑se, em 16 de Novembro de 2005, no sentido do 
 deferimento do pedido.
 
                                  Por despacho judicial de 18 de Novembro de 2005 
 foi determinado a notificação da beneficiária para, no prazo de 10 dias, vir 
 aos autos declarar se se opunha à remição da sua pensão, com a expressa 
 advertência de que, nada dizendo, seria o seu silêncio havido como oposição.
 
                                  A beneficiária nada disse.
 
                                  Por despacho do Juiz do Tribunal do Trabalho de 
 Bragança, de 21 de Dezembro de 2005, a remição da pensão foi indeferida, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “2. Nos termos dos artigos 33.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 
 
 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 aplicável às pensões resultantes de acidentes ocorridos antes da sua entrada em 
 vigor, por força do disposto no artigos 41.º, n.º 2, alínea a), da Lei, passaram 
 a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais devidas a sinistrados e a 
 beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da 
 pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, 
 por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
 Alinhamos com a posição expressa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 13 de Julho de 2004 (n.º convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no 
 sentido de que a data da fixação da pensão não pode ser entendida como a data da 
 decisão judicial que a fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é 
 devida. Esta tese não colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de 
 jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão n.° 
 
 4/2005, publicado no Diário da República, I Série‑A, de 2 de Maio de 2005.
 Ora, a pensão em causa é devida à beneficiária desde 6 de Setembro de 1986. Por 
 sua vez, o seu valor inicial era de 81 720$00 (€ 407,62), ou seja, era inferior 
 a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida 
 pelo Decreto‑Lei n.º 10/86, de 17 de Janeiro, que era de 22 500$00 (€ 112,23).
 Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição 
 obrigatória da pensão.
 
 3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional 
 relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%, também no caso de pensões vitalícias por morte devidas aos 
 beneficiários legais, as normas dos artigos 56.º, n.º 1, alínea a), e 74.º do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, estão feridas de inconstitucionalidade 
 por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional, consagrado no artigo 59.°, n.° 1, alínea f), da Constituição, 
 quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória total dessas 
 pensões vitalícias, independentemente da vontade do pensionista.
 Transcreve‑se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n.° 56/2005 do 
 Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, n.° 44, de 
 
 3 de Maio de 2005, doutamente relatado pelo Ex.mo Conselheiro Paulo Mota Pinto, 
 no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado artigo 74.º do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito 
 de pensões de reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, 
 incluindo nelas as situações de total ou elevada incapacidade permanente:
 
  
 
 «5. No Acórdão n.° 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 54.º, págs. 313‑321) escreveu‑se, a propósito, então, do artigo 56.° do 
 Decreto‑Lei n.° 143/99, que a ‘filosofia subjacente’ à remição obrigatória de 
 pensões prevista no seu n.º 1, segundo dois diferentes critérios – o do montante 
 diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de incapacidade laboral, 
 nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de pensões, prevista no seu 
 n.º 2, era:
 
  
 
 ‘[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao 
 trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não 
 impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter‑se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma incapacidade diminuta, 
 a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o será em casos de maior 
 gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada a álea inerente, a 
 aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de incapacidade de 
 trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no montante da 
 pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir ou não a 
 remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.’
 
  
 Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela salvaguarda, no 
 n.° 2 do artigo 33.° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, de um limite máximo à 
 remição parcial em situações de ‘incapacidade igual ou superior a 30%’ (‘desde 
 que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração 
 mínima mensal garantida mais elevada’), e pela inexistência de previsão de ‘um 
 capital de remição’, no artigo 17.° da Lei n.º 100/97, para situações em que a 
 incapacidade fosse superior a 30%. (...).
 Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida 
 contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74.° do Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2.° do Decreto‑Lei n.º 382-A/99, e na 
 interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal 
 Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente, 
 o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, 
 
 ‘só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra 
 o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição 
 obrigatória, em casos como o sub judice’.
 Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 43.º, págs. 597‑603), no qual se pode ler:
 
  
 
 ‘o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela 
 perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que 
 foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 E, por isso, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o 
 que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não 
 implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador 
 
 (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição 
 por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total 
 capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada – e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é 
 de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar 
 do tempo – possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção 
 de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência 
 digna a quem quer que seja.
 Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido.
 Outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou 
 doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade 
 de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria 
 desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência então 
 compreende‑se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador‑Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 Efectivamente, a aplicação de um capital – ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos. 
 E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em 
 maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, 
 para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize 
 a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao 
 poder do trabalhador de pedir ou não a remição.’
 
  
 Neste Acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou‑se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 ‘a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis’, e julgou‑as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.°, n.º 
 
 1, 59.°, n.º 1, alínea f), e 63.°, n.º 3, da Constituição.
 No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a 
 limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo 
 da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição (que redundava – 
 disse-se –, ‘verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente 
 infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social 
 proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação, 
 quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59.°, 
 n.° 1, alínea f), do diploma básico]’}, mas antes a limitação a continuar a 
 receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as 
 pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação 
 do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a 
 pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a receber –, a 
 qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e 
 limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou doença profissional.
 
 6. (…)
 Pode, assim, concluir‑se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.»
 
  
 
 4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora 
 se refiram ao artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, valem 
 igualmente para o artigo 56.º, n.° 1, alínea a), quando interpretado no sentido 
 de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do 
 titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%, na medida em que, ao impor uma limitação ao direito do 
 sinistrado poder optar, ou pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua 
 pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe em causa o princípio 
 constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional estabelecido no artigo 59.º, n.° 1, alínea f), da Constituição.
 E valem também, salvo melhor entendimento, nos casos em que o pensionista não é 
 o trabalhador sinistrado, mas antes um seu beneficiário legal.
 Com efeito, a lei estende o regime especial da reparação dos acidentes de 
 trabalho aos familiares dos trabalhadores, como decorre do disposto no artigo 
 
 1.º da Lei n.º 100/97, o que se justifica, na medida em que aqueles familiares 
 beneficiam, se não mesmo dependem, dos rendimentos do trabalho por estes 
 auferidos. Como decorre do disposto no artigo 20.º da referida lei, o direito 
 desses familiares é reconhecido, nuns casos, independentemente de estes terem ou 
 não rendimentos próprios (cônjuge ou pessoa em união de facto e filhos até aos 
 
 25 anos enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de 
 doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho) e, 
 noutros casos, porque o trabalhador contribuía regularmente para o seu sustento 
 
 (ascendentes ou quaisquer parentes sucessíveis à data da morte até aos 25 anos 
 enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de doença 
 física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho). Em todas as 
 situações, o pressuposto da atribuição ao beneficiário legal de uma pensão por 
 morte do trabalhador sinistrado é o da contribuição deste, presumida ou 
 efectiva, para o sustento daquele. Daí que a pensão por morte atribuída aos 
 beneficiários legais tenha a natureza de uma prestação de carácter alimentício, 
 que, se para uns funcionará como um complemento aos seus meios de subsistência, 
 para outros será o principal, se não mesmo o único meio de assegurar uma 
 subsistência condigna.
 Em qualquer caso, o direito constitucional à justa reparação dos danos 
 emergentes de acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede no 
 caso do pensionista ser o próprio trabalhador sinistrado, seja o beneficiário 
 legal, no seu livre arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe 
 convém, isto é, a optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o 
 recebimento de um capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua 
 aplicação.
 Em abono de tal entendimento, transcreve‑se uma passagem do douto Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 379/2002, proc. n.º 172/02, de 26 de Fevereiro de 
 
 2002., publicado no Diário da República, II Série, n.º 290, de 16 de Janeiro de 
 
 2002 (citado, aliás, no Acórdão n.º 56/2003 supra referido), que, embora se 
 tivesse pronunciado pela conformidade constitucional da remição de pensões por 
 morte de reduzido montante perspectivada sob o prisma do princípio da igualdade 
 quando comparadas com outras pensões por morte que não sejam consideradas de 
 reduzido montante, não deixou de adiantar a desconformidade constitucional da 
 remição das mesmas pensões à luz do principio da justa reparação dos acidentes 
 de trabalho:
 
  
 
 «5. (...).
 No caso sub judice o beneficiário da pensão não é o próprio sinistrado, uma vez 
 que este morreu, mas poder‑se‑á defender que, também aqui, haverá que proceder a 
 idêntica ponderação: se, face a um quadro em que as pensões tendem 
 inevitavelmente a degradar‑se, se consideraram inconstitucionais as normas que 
 estabelecem ‘uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição’, 
 justificar‑se‑ia também um juízo de inconstitucionalidade para uma 
 interpretação normativa que, por morte do trabalhador, impõe a remição 
 obrigatória das pensões, sujeitas a actualizações anuais e ajustes por idade dos 
 beneficiários, para assim se salvaguardar a liberdade de o beneficiário correr 
 os riscos do capital de remição (...).»
 
  
 A mesma ponderação é feita, num caso semelhante, no Acórdão n.º 21/2003, do 
 Tribunal Constitucional, de 15 de Janeiro de 2003, publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 42, de 19 de Fevereiro de 2003, no qual se refere, a 
 dado passo, que «tal como naquelas [Acórdãos n.ºs 302/99 e 482/99] anteriores 
 decisões (face a um quadro em que as pensões tendiam inevitavelmente a 
 degradar‑se) se consideraram inconstitucionais as normas que estabeleciam ‘uma 
 limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição’, dir‑se‑ia que 
 haveria que chegar agora a um juízo de inconstitucionalidade da interpretação da 
 norma (...) que impõe a remição obrigatória de pensões, por morte do 
 trabalhador, sujeitas a actualizações anuais e reajustes por idade dos 
 beneficiários, desde que tenham a oposição destes, para se salvaguardar a 
 liberdade de o beneficiário ‘correr os riscos de aplicação do capital de 
 remição’, como naquelas decisões.»
 Conclui‑se, pois, que a interpretação do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no sentido de impor a remição 
 obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões 
 vitalícias atribuídas por morte aos beneficiários legais do sinistrado 
 falecido, defendida pela seguradora responsável e pela Digna Procuradora da 
 República, põe em causa o princípio constitucional do direito à justa reparação 
 por acidente de trabalho ou doença profissional, estabelecido no artigo 59.º, 
 n.º 1, alínea f), da Constituição, na medida em que impõe uma limitação ao 
 direito do beneficiário‑pensionista poder optar, ou pela remição, ou, antes, 
 pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual. 
 
 5. Pelo exposto, considerando que a beneficiária nestes autos, pelo seu 
 silêncio, se opôs à remição da sua pensão, decide-se não aplicar, porque 
 inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição, a norma resultante do artigo 56.º,  n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no sentido de impor 
 a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, 
 de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% 
 ou por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória 
 da pensão fixada nestes autos à beneficiária Sofia Graça Silva Morais.”
 
  
 
                                  É desta decisão que vem obrigatoriamente 
 interposto, pelo Ministério Público, o presente recurso, nos termos do artigos 
 
 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 
 n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), visando a apreciação da 
 constitucionalidade da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei 
 n.º 143/99, de 30 de Abril, “quando interpretada por forma a impor a remição 
 obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões 
 atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por 
 morte”.
 
                                  O representante do Ministério Público no 
 Tribunal Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
                  “1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira 
 do decidido no Acórdão n.º 56/2005, não se conforma com o princípio 
 constitucional da justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, 
 estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República 
 Portuguesa o regime que se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso 
 de morte, ao familiar/beneficiário – contra a sua vontade expressa no processo 
 
 – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu 
 montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% – de 
 incapacidade laboral.
 
                  2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões 
 fixadas anteriormente à vigência do Decreto‑Lei n.º 143/99 (previstas no 
 artigo 74.°), como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar 
 este diploma legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 
 
 56.º
 
                  3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em 
 consequência da remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários 
 receberem um capital indemnizatório, que passam a administrar livremente, 
 enquanto os restantes continuam a receber uma indemnização expressa em pensão 
 ou renda vitalícia, não objecto de remição.
 
                  4 – Porém, a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei n.º 143/99, ao impor, independentemente da vontade do 
 trabalhador ou beneficiário, a remição obrigatória total de pensões atribuídas 
 por incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, ou por morte do 
 sinistrado, ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos 
 causados por acidentes laborais.
 
                  5 – Termos em que deverá confirmar‑se o juízo de 
 inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.”
 
  
 
                                  A recorrida não contra‑alegou.
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Fundamentação
 
                                  Conforme se refere nas alegações do Ministério 
 Público, era sustentável – face à situação de facto subjacente à decisão 
 recorrida, reportada a acidente de trabalho ocorrido em 1986 – que se 
 considerasse aplicável o disposto no artigo 74.º, e não directamente o 
 estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de 
 Abril.
 
                                  No entanto, foi esta última a norma cuja 
 aplicação foi expressamente recusada, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, pelo que é a questão da sua 
 conformidade constitucional que constitui objecto do presente recurso, embora 
 circunscrita à dimensão delimitada pela situação subjacente à decisão. Isto é: 
 constitui objecto do presente recurso a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de 
 impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, 
 ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja 
 resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, 
 opondo‑se o beneficiário à remição.
 
                                  São numerosas as decisões deste Tribunal sobre 
 a presente problemática, embora incidindo em casos em que beneficiário da pensão 
 
 é o próprio sinistrado e do acidente haja resultado incapacidade parcial 
 permanente superior a 30%.
 
                                  Pelo Acórdão n.º 34/2006, na sequência do 
 Acórdão n.º 56/2005 e das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, foi 
 declarada “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma 
 constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção 
 dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido 
 de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que 
 estas incapacidades excedam 30%, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição da República Portuguesa”. Esse juízo de inconstitucionalidade 
 foi reiterado no Acórdão n.º 73/2006 e da aludida declaração de 
 inconstitucionalidade foi feita aplicação nos Acórdãos n.ºs 82/2006 e 112/2006 e 
 nas Decisões Sumárias n.ºs 34/2006, 36/2006, 38/2006, 39/2006, 48/2006, 76/2006, 
 
 180/2006, 219/2006 e 234/2006.
 
                                  E, relativamente à norma, ora em causa, do 
 artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, cuja aplicação fora 
 recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, pelas decisões recorridas 
 
 (embora se tratasse de acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desse 
 diploma), o Tribunal Constitucional, considerando transponível a fundamentação 
 desenvolvida a propósito do artigo 74.º, julgou‑a inconstitucional nos Acórdãos 
 n.ºs 58/2006, 118/2006, 204/2006, 292/2006, 322/2006 e 323/2006. Este juízo de 
 inconstitucionalidade foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 87/2006, 
 
 102/2006, 110/2006, 111/2006, 128/2006, 129/2006, 131/2006, 144/2006, 145/2006, 
 
 148/2006, 159/2006, 160/2006, 195/2006, 207/2006, 261/2006 e 262/2006, na 
 generalidade das quais nenhuma alusão se faz à data do acidente. Constituiu 
 fundamento do juízo de inconstitucionalidade constante de todos os Acórdãos e 
 Decisões Sumárias acabados de citar a violação do artigo 59, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição da República Portuguesa, e, nos Acórdãos n.ºs 322/2006 e 
 
 323/2006 (embora com votos dissidentes quanto a este fundamento), ainda a 
 violação do princípio da confiança.
 
                                  Recentemente, pelo Acórdão n.º 438/2006, o 
 Tribunal Constitucional apreciou, pela primeira vez, embora reportada ao artigo 
 
 74.º do citado diploma, a mesma questão de inconstitucionalidade ora em causa, 
 em que beneficiário da pensão não era o sinistrado, já que do acidente resultou 
 a sua morte, mas sim a sua viúva, e decidiu “julgar inconstitucional, por 
 violação conjugada do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da 
 Constituição e do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de 
 Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, a norma constante do artigo 
 
 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção emergente do 
 Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro), interpretada no sentido de impor 
 a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, 
 opondo‑se o titular à remição, pretendida pela seguradora”.
 
                                  Como nesse Acórdão se reconhece, “pese embora a 
 circunstância de o titular (por direito próprio, não por sucessão) do direito à 
 pensão não ser, aqui, o trabalhador, não se afasta o critério da tutela 
 constitucional do direito à «assistência e justa reparação» por «acidentes de 
 trabalho» para aferir a validade constitucional da norma em apreciação, já que o 
 direito a pensão desempenha, no fundo, uma função de substituição da 
 contribuição que o vencimento do trabalhador significava para a subsistência do 
 beneficiário”.
 
                                  Na verdade, apesar da formulação literal do 
 preceito constitucional (“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, 
 sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou 
 ideológicas, têm direito: (…) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas 
 de acidente de trabalho ou de doença profissional.”), não parece sustentável que 
 o direito à justa reparação de acidente de trabalho fique circunscrito à pessoa 
 do trabalhador. Nenhuma razão material justificaria que, exactamente nos casos 
 em que o sinistro laboral teve mais graves consequências – a morte do 
 trabalhador –, se tornasse mais ténue a exigência constitucional da justiça da 
 reparação.
 
                                  É certo que para as situações em que o 
 beneficiário da pensão não é o trabalhador sinistrado não valem todos os 
 argumentos aduzidos na jurisprudência deste Tribunal atrás citada, em especial o 
 que apela à maior ou menor valia do salário que o trabalhador poderá continuar a 
 auferir de acordo com a sua capacidade residual de trabalho.
 
                                  No entanto, o cerne do juízo de 
 inconstitucionalidade radica em que a imposição da remição de pensões, que o 
 beneficiário já vinha auferindo e que não são de reduzido montante, apesar da 
 oposição desse beneficiário a essa remição (e, assim, com desrespeito da 
 autonomia da sua vontade), atenta a maior aleatoriedade dos proventos que se 
 poderão obter com a aplicação do capital face à percepção regular da pensão, não 
 assegura a “justa reparação” constitucionalmente imposta.
 
                                  Neste contexto, assume relevância a 
 consideração, exposta na passagem transcrita do Acórdão n.º 438/2006, da 
 função, que a pensão tem, de substituição da contribuição que o vencimento do 
 trabalhador significava para a subsistência do beneficiário.
 
                                  Consideração que é assim desenvolvida:
 
                  
 
                  “Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 
 
 20.º da Lei n.º 100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições 
 da sua atribuição.
 
                  Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o 
 sinistrado, em vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em 
 certos casos, os prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 
 
 2009.º, n.º 1, alínea a), e 2015.º do Código Civil), ex‑cônjuge ou cônjuge 
 judicialmente separado de pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 
 
 2009.º, n.º 1, alínea a), e 2016.º do Código Civil), filhos (cfr. artigos 
 
 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil), ascendentes (cfr. 
 artigo 2009.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil) e quaisquer parentes 
 sucessíveis, desde que o sinistrado «contribuísse com regularidade para o seu 
 sustento». No último caso, há um alargamento (subjectivo) em relação ao que 
 consta do artigo 2009.º, alíneas d) e e), do Código Civil, todavia 
 contrabalançado com a exigência acabada de referir.
 
                  Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há 
 que ter em conta que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como 
 condição de atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 
 
 2020.º do Código Civil, ou seja, para que o agora interessa, a titularidade do 
 
 «direito a exigir alimentos da herança do falecido».”
 
  
 
                                  Concluindo‑se, como se conclui, que a dimensão 
 normativa ora em apreço viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 CRP, torna‑se desnecessário apreciar se também ocorre violação do princípio da 
 confiança.
 
  
 
                                  3. Decisão
 
                                  Em face do exposto, acordam em:
 
                                  a) Julgar inconstitucional, por violação do 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma 
 do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por 
 acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse 
 diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores 
 a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da 
 fixação da pensão, opondo‑se o beneficiário à remição; e, consequentemente,
 
                                  b) Confirmar a decisão recorrida, na parte 
 impugnada.
 
                                  Sem custas.
 Lisboa, 18 de Julho de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos