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Processo n.º 428/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A. e a sociedade comercial denominada B., LDA. recorrem para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro) do acórdão
proferido em 18 de Janeiro de 2006 na Relação do Porto.
Dizem, em suma:
I- A decisão de páginas 54 do Acórdão ao interpretar a norma contida no n°1 do
artigo 358 do CPP de forma a não considerar que os factos infra descritos
constituem alteração substancial dos factos violou as garantias de defesa do
arguido consagradas no artigo 32 da Constituição da República, designadamente os
princípios do contraditório e do acusatório.
O acórdão a pág. 52 a 55 apreciou um dos recursos interlocutórios interposto do
Despacho proferido em primeira instância em 24 de Setembro de 2002, na última
sessão do Julgamento que já levara 34 sessões e que é do seguinte teor:
“De entre alguns depoimentos prestados até ao momento nesta audiência de
julgamento, nomeadamente por parte da C., seus filhos e sua irmã, resulta
matéria de facto nova não constante da pronúncia que, a ser considerada provada,
poderá ter relevância para a boa decisão da causa.
“Assim, nos termos do artigo 358, n°1 do Código de Processo Penal o Tribunal
comunica, nomeadamente aos arguidos que levará tal alegação em conta para
efeitos de prova, para o que se deverão passar a considerar os seguintes factos
novos:
“Os arguidos sabiam que a C. e sua família pretendiam adquirir peças de grande
qualidade e de valor, designadamente antiguidades e que, em qualquer caso, tais
aquisições constituíssem um bom investimento”
Este facto veio a revelar-se essencial e determinante no preenchimento do tipo
do ilícito que levou à condenação sendo que, nem a Acusação nem a Pronúncia lhe
haviam feito qualquer referência.
Tal facto encerra a premissa que permitiu o juízo conclusivo da existência de
“astúcia”.
Sem a ocorrência desse facto os arguidos não poderiam ter representado o
desvalor da sua acção pois não conheciam o sentido, conteúdo e alcance da
vontade negocial dos ofendidos.
E não tendo até àquela sessão da audiência sido imputado aos arguidos qualquer
conduta susceptível de sustentar um comportamento astucioso não podiam estes,
até então, defender-se de um “não-facto” o qual, a ter-se por provado, conjugado
com os demais levaria a uma imputação jurídico-penal impossível de ocorrer até
àquele momento.
O aditamento deste facto alterava como alterou de tal forma a substância da
acusação em termos de imputação fáctica que teria implicado necessariamente, a
construção de uma nova e completamente diferente estratégia de defesa que
passava, desde logo, por impor uma contestação diversa com diferentes meios
probatórios sendo que o exercício do contraditório teria necessariamente uma
abrangência mais ampla. Tão ampla quanto a distensão do novo figurino factual
perante a previsão de um outro conspecto jurídico que os novos factos podiam
deixar antever.
A defesa não ignorava que os factos constantes da acusação e da pronúncia eram
insuficientes ao preenchimento do tipo, imprestáveis, assim, para sustentar uma
acção penal
Sendo que a introdução de novos factos que permitem, ex-novo, a imputação de um
crime, constitui indubitavelmente uma alteração substancial dos factos.
A conduta em que se louvou a decisão recorrida mais não fez do que permitir que
o Tribunal, com esta imputação de novos factos evitasse o falecimento que se
adivinhava da pronúncia.
Mesmo que assim se não entenda, e sem prescindir, é no mínimo lícita a dúvida se
ao factos constantes da pronúncia por si só e sem mais, podiam ou não sustentar
uma decisão condenatória.
Porque o Tribunal receou que assim pudesse acontecer, e até porque lhe está
vedada a prática de actos inúteis, este decidiu aditá-los e deles se serviu para
a condenação.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso interlocutório interposto do
Despacho da sessão da audiência de 24 de Setembro de 2002 e, de resto, consta do
acórdão do TRP no ponto 15 a páginas 8.
II - A Decisão a páginas 56 a 58 do acórdão ao interpretar a norma contida no
n°1 do artigo 358 do CPP de forma a não considerar que os factos infra descritos
constituem alteração substancial dos factos, violou as garantias de defesa do
arguido consagradas no artigo 32 da Constituição da República, designadamente os
princípios do contraditório e do acusatório.
O acórdão a pág. 56 a 58 apreciou um dos recursos interlocutórios interposto do
Despacho proferido em primeira instância em 24 de Outubro de 2002, numa sessão
do Julgamento, do seguinte teor:
“Como resulta dos autos e, em especial das actas de audiência de julgamento,
sobre a natureza, qualidades e características, o valor e outros elementos a que
se reporta o relatório pericial subscrito por D., referiram-se também os
consultores técnicos do assistente e das defesas e, bem assim, a pedido dos
sujeitos processuais, algumas testemunhas oferecidas pelas acusações e pelas
defesas em função dos seus especiais conhecimentos na identificação e
caracterização de peças antiga, ou réplicas ou cópias novas das mesmas.
“A apreciação crítica e contraditada acerca de cada uma das peças pelos ditos
intervenientes, perito, consultores técnicos e algumas testemunhas, e da
discussão que a mesma proporcionou, caso a caso, resultou da indispensável
necessidade de obter um juízo total ou parcialmente seguro sobre cada uma
delas(identificação, características e valor), que não obteríamos de outro modo
face às contradições manifestas encontradas entre o relatório pericial e os
comentários escritos dos consultores.
“Por conseguinte, dado o relevo que esta matéria tem para a boa decisão da
causa, nos termos do artigo 358, n°1 do Código do Processo Penal, o Tribunal
comunica aos arguidos que, como é de esperar, levará, fundamentalmente em
consideração, as referências probatórias efectuadas - conhecidas de todos os
intervenientes e essencialmente descritas nos comentários escritos e juntos aos
autos pelos consultores técnicos - que o colectivo julgar credíveis quanto a
cada uma das peças em causa, designadamente quanto ao seu valor real (no que o
Sr. perito foi omisso) ainda que isso implique alteração da descrição escrita
efectuada pelo perito nomeado, sendo certo que ele próprio corrigiu em audiência
algumas descrições feitas no relatório. (sublinhado nosso)
O teor deste Despacho foi imprescindível para, já na decisão final, o Tribunal
da primeira instância ter dado como provados factos caracterizadores das peças e
valores de preços que não tinham nem têm qualquer suporte na perícia e,
sobretudo, imputarem defeitos às peças não alegados na pronúncia, e baixarem
consideravelmente os respectivos valores, assim lhe permitindo alterar de forma
substancial a acusação e a pronúncia por forma a poder, pela primeira vez,
preencher alguns dos elementos do tipo como o erro, a astúcia e o prejuízo
patrimonial.
Este Despacho parece inócuo e, se o fora, até irrecorrível. Porém não foi nem é
ingénuo, nem como tal se veio a demonstrar. Este Despacho foi a alavanca
jurídica que se pretendeu ser suporte ao aditamento de novos factos à pronúncia,
feito na decisão final, e imprescindíveis à condenação do arguido. A decisão
contida neste despacho foi o suporte do aditamento de novos factos à decisão
final que consubstanciou uma alteração substancial dos factos descritos na
pronúncia ou mesmo na acusação.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso interlocutório interposto do
Despacho da sessão da audiência de 24 de Outubro de 2002 e, consta quer da
motivação quer das conclusões do recurso interposto da decisão final de primeira
instância sob as alíneas h) e i).
III - Decisão de páginas 59 e 60 do acórdão:
A decisão contida no acórdão a páginas 59 e 60 ao interpretar as normas contidas
nos artigos 127, 157 e 163 de forma a considerar que” O Juiz é o “perito dos
peritos”. Apenas se lhe impõe o dever de fundamentar a divergência, sempre que
não acolha o juízo pericial. Ora, não estando fundamentado o juízo pericial,
basta ao juiz fundamentar a sua própria convicção mesmo que esta seja divergente
da pericial” sem reconhecer que ao Juiz incumbe o dever de fundamentar a razão
técnica da divergência face à perícia, violou a norma constitucional contida no
artigo 205 da Constituição da República conjugada com o artigo 32 da mesma Lei
Fundamental e também com a disposição do artigo 163 e 374 ambos do CPP.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso da decisão Final e nas
conclusões.
IV -Decisão de páginas 61 e 77 do acórdão que recaiu sobre o fundamento do
recurso vertido na alínea f) das alegações com referência às conclusões 11ª a
47ª
A decisão de páginas 61 e 77 do acórdão ao interpretar a norma contida no artigo
127 do CPP desacompanhada da disposição do artigo 163 do mesmo diploma legal sem
reconhecer que ao Juiz incumbe o dever de fundamentar a razão técnica da
divergência face à perícia, violou a norma constitucional contida no artigo 205
da Constituição da República conjugada com o artigo 32 da mesma Lei Fundamental
e também com as disposições do artigo 163 e 374 ambos do CPP.
Mas ao interpretar deste modo a norma do artigo 127 do CPP desacompanhada da
contida no artigo 163 do mesmo Diploma esta decisão contida no acórdão viola
aqueles preceitos legais e as supracitadas normas constitucionais, visto que
aqui está exclusivamente em causa a apreciação técnica ou artística das peças -
conclusões 11ª a 47ª referentes aos pontos 10 a 22 dos Factos provados e 1 a 9 e
23 a 26 dos Factos Provados do acórdão de 1ª instância - e, por isso, só poderia
ter sido tomada em conta a perícia, uma vez que o juízo técnico, científico ou
artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do
julgador. O Tribunal, em caso de divergência, há-de fundamentar a razão técnica
da divergência face à perícia.
Com efeito, o Acórdão do TRP decidiu:
- a páginas 61 “O arguido desconsiderou a prova testemunhal, considerando que a
mesma não podia ser valorada, ou seja, não podia relevar como meio de prova. E,
com este argumento, considerou a matéria de facto incorrectamente julgada. Mas
neste aspecto reside, afinal, o seu erro. E que, nos termos do artigo 127 do CPP
vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo admissível qualquer meio
não proibido. A prova testemunhal não era, no caso, proibida. O Tribunal
colectivo atendeu não só aos documentos juntos, mas também à prova testemunhal,
ate para completo esclarecimento da documentação analisada.
E, prossegue o Acórdão a páginas 77 decidindo: “ A tese do arguido, segundo a
qual a prova testemunhal não pode relevar não tem sentido nem apoio legal. O
Tribunal apreciou criticamente todos os meios de prova que foram produzidos em
audiência e julgou com base nos mesmo e segundo a sua livre convicção”
“Daí que se considere improcedente toda a critica feita ao julgamento da matéria
de facto, uma vez que a mesma radicava, no essencial, num pressuposto errado: o
da irrelevância da prova testemunhal”
Porém aqui verifica-se a inadmissibilidade da livre apreciação da prova.
Quando diverge da prova pericial o Julgador tem de fundamentar os contornos da
divergência.
A Decisão proferida divergiu da perícia. O Tribunal ouviu outras pessoas com
conhecimentos técnicos e artísticos e decidiu com estes e ao arrepio da prova
pericial.
Tal possibilidade assistia-lhe e assiste-lhe mas está condicionada à
fundamentação da respectiva divergência devendo tal fundamentação conter as
razões técnicas pelas quais, em cada caso, adere a uma tese científica ou
técnica em detrimento de outra, a pericial, sob pena, não só de o destinatário
ficar incapaz de alcançar a opção realizada mas também blindar-se a mesma,
impedindo-se a uma instância de recurso o conhecimento em concreto das razões da
escolha.
Continua a não vigorar aqui o princípio da livre apreciação da prova.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso da Decisão final proferida em
primeira instância e nas conclusões sob a alínea i)
V - Decisão de fls. 77 e início da página 78 do acórdão que recaiu sobre o
fundamento do recurso vertido na alínea g) das alegações ainda com referência às
conclusões 11ª a 47ª
Esta decisão contida no acórdão do TRP encerra uma alteração substancial dos
factos porquanto, factos há que não constando nem da Acusação nem da Pronúncia,
foram levados no acórdão de primeira instância - agora confirmado naquela
decisão - aos Factos Provados - pontos 10 a 22 e 1 a 9 e 23 a 26 - e, com estes
factos novos pretendeu-se alcançar o preenchimento do tipo legal do crime de
burla, consubstanciando tal prática a violação das garantias de defesa do
arguido, consagradas no artigo 32 da Constituição da Republica, designadamente
os princípios do contraditório e do acusatório.
Ao decidir que os mesmos pontos de facto indicados nas conclusões 11ª a 47ª não
alteram a pronúncia nem violam o disposto nos artigos 358 e 359 do CPP, por
considerar, como já o havia feito a propósito do recurso interlocutório,
Na apreciação do recurso interlocutório do Despacho de fls. 2583, relativo ao
facto aditado ao “Tema do Processo”, de que
já vimos que o mesmo devia ser qualificado como uma “alteração não substancial
dos factos descritos na acusação ou na pronúncia” (artigo 358 do CPP) e não
tinha havido, relativamente a tal alteração qualquer nulidade.
“Nenhum outro facto concreto foi invocado pelos recorrentes como tendo sido
alterado e, do confronto genérico da matéria dada como provada, com a pronúncia
(para além da acima referida), julgamos não ter havido qualquer alteração
susceptível de invalidar a decisão”.
Esta decisão contida no acórdão do TRP, ao interpretar a norma contida no n°1 do
artigo 358 do CPP de forma a não considerar que factos descritos nos pontos 10 a
22 e 1 a 9 e 23 a 26 dos Factos Provados da decisão de 1ª instância, constituem
alteração substancial dos factos da Pronúncia, violou as garantias de defesa do
arguido consagradas no artigo 32 da Constituição da República, designadamente os
princípios do contraditório e do acusatório
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso da Decisão final proferida em
primeira instância e nas conclusões sob a alínea i)
VI- A decisão contida no acórdão do TRP ao julgar a páginas 89 que “a subsunção
dos factos dados como provados, no tipo legal de crime da burla, não merece
censura” e sobretudo ao interpretar os factos, designadamente os que constam dos
pontos 29, 44, 52, 70 a 77 dos Factos Provados no acórdão da primeira instância,
bem como os pontos o), p) e q) dos Factos não Provados, como passíveis de
integrar o elemento “astúcia” constitutivo daquele tipo legal, sem sequer
analisar a possibilidade de tais factos, pelo contrário, e até por sua natureza,
serem mais adequados a integrar, como integram, a boa fé contratual do arguido,
fez errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 217 do CPP com o que
violou o princípio in dubio pro reo ou mesmo a manifestação deste no plano
substantivo o princípio in dubio pro libertatem, ambos corolários do princípio
da presunção de inocência consagrado no n°2 do artigo 32 da Constituição da
República.
“Na verdade, permitiu [o antiquário, aqui arguido] que os futuros compradores,
em ordem a decidir a aquisição das peças, aferissem e controlassem, com toda a
liberdade, a valia intrínseca e económica da peça em causa. Parece, também deste
ponto de vista, que as particularidades do caso mostram que não subsiste aqui o
tal “domínio-de-sujeição” exercido pelo antiquário. Porquanto, a factualidade
provada documenta que o arguido permitiu que os compradores, de uma forma
autónoma, obtivessem outras opiniões, outras valorações. A factualidade provada
mostra que o arguido não teve o controlo exclusivo e limitado da situação,
característico do domínio-de-sujeição. Deste modo, a exibição e permanência das
peças em casa dos compradores por períodos que vão desde dias até uma semana,
afasta a má-fé do arguido, é idêntico a uma conduta de não astúcia e, além
disso, cumpre o dever de informação. Pensar que a astúcia está precisamente
nesse acto é enveredar por um tipo de análise que não tem a sustentá-la qualquer
laivo de razoabilidade. Admitamos mesmo, por mera hipótese académica, que
naquele acto podemos descortinar a astúcia mas também a não-astúcia, a
manifestação de boa fé. Ora, nesta circunstância, outra coisa não poderia fazer
o Tribunal: decidir-se pela não-astúcia, honrando, assim, o princípio in dubio
pro reo”. Parecer junto aos autos aos 6 de Fevereiro de 2003 proferido por Prof.
Doutor José de Faria Costa a páginas 56 e 57.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso da Decisão final proferida em
primeira instância e nas conclusões sob as alíneas i) e j)
VII- A Decisão de páginas 90 que apreciou a suspensão da pena sob condição
Ao decidir manter a decisão contida no acórdão proferido em primeira instância
que a fls. 2777 considerou:
“Destarte e nos termos dos artigos 50 e 51 n°1, alínea a) do CPenal, delibera-se
suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, desde que, em 30
dias (prazo manifestamente suficiente em face da sua solvabilidade e da
sociedade de que é sócio gerente), indemnize requerente - assistente e esposa
nos precisos termos fixados na condenação em matéria cível, a contar do trânsito
em julgado da presente decisão na parte liquida e respectivos juros, e a partir
do trânsito em julgado da decisão que liquida o restante da indemnização, no que
a esta parte diz respeito.” (sublinhado nosso),
o acórdão do TRP fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51
do CPenal com o que violou o princípio da igualdade consagrado no n°2 do artigo
13 da Constituição da República.
Tal decisão desrespeitou ainda o princípio da proporcionalidade consagrado no
n°2 do artigo 52 do CPenal e no n°2 do artigo 18 da CRP e, bem assim, o
princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1° da Lei
Fundamental.
A condição fixada de que depende a suspensão da execução da pena de prisão, a
uma pessoa com quase sessenta e seis anos de idade, mostra-se desrazoável e
impossível quer pelo seu montante quer pelo curto período que foi fixado,
tornando-a uma condição de cumprimento objectivamente impossível.
Esta questão foi suscitada na motivação do recurso da Decisão final proferida em
primeira instância e nas conclusões sob a alínea l)
Nestes termos e nos melhores que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o
presente recurso ser recebido com subida imediata e nos próprios autos para o
Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo
78 da Lei do Tribunal Constitucional conjugado com o disposto no n°1 do artigo
406, na alínea a) do n°1 do artigo 407 e alínea a) do n°1 do artigo 408 todos do
CPP.
Por decisão sumária proferida a fls. 3889 decidiu o relator não conhecer do
recurso com o seguinte fundamento:
O presente recurso tem uma configuração própria, pois, por força do disposto no
artigo 280º n.º 1 alínea b) e n.º 4 da Constituição, ao Tribunal Constitucional
é apenas permitido conhecer da conformidade constitucional de norma jurídica
aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi, apesar de o recorrente
haver anteriormente invocado, perante o Tribunal que emitiu a decisão impugnada,
a inconstitucionalidade dessa norma. Consequentemente, os recorrentes não podem
impugnar a solução jurídica contida nas decisões jurisdicionais dos outros
Tribunais, por tal ser proibido pela Constituição.
Deve reconhecer-se, em primeiro lugar, que os recorrentes não suscitaram perante
o Tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, uma
vez que se limitaram a apelar a normas constitucionais para efeito de sindicar a
decisão jurisdicional então recorrida quanto à aquisição processual de
determinados factos e sua qualificação como elementos constitutivos do direito
invocado, e ainda quanto ao seu fundamento jurídico.
Depois, verifica-se que o recurso visa sindicar directamente o aresto recorrido
e não qualquer norma nela aplicada.
Em suma, não se verificam os requisitos essenciais de admissibilidade. Em
consequência, decide-se não conhecer dos recursos interpostos.
Contra esta decisão reclamam os interessados, dizendo:
1 - Não é certo que os aqui Recorrentes visem, ou tenham visado, com o presente
recurso, impugnar a solução jurídica contida nas decisões jurisdicionais dos
outros Tribunais,
2 - Como não é certo que tenham apelado a normas constitucionais para efeito de
sindicar a decisão jurisdicional!,
3 - E muito menos visaram ou visam sindicar directamente o aresto recorrido.
O que se pretende que este Tribunal aprecie é o seguinte:
A)
Conforme foi suscitado nos pontos I e II do requerimento de interposição de
recurso,
a) se o âmbito da norma contida no artigo 358 do CPP, à luz do princípio do
contraditório e do acusatório, consente a adição dos factos acrescentados nas
sessões de 24 de Setembro e 24 de Outubro (proferidos, a fls. 2583 com recurso
motivado a fls. 2632 e, a fls. 2687 com recurso motivado a fls. 2792);
b) se aquela norma pode ser interpretada com tal amplitude que, sem violação
daqueles princípios, permita que, esgotada que foi a produção de prova em
audiência que durou mais de um ano e que decorreu ao longo de 34 sessões, sejam
aditados os factos constantes dos Despachos proferidos naqueles dias;
O que os recorrentes entendem e sempre entenderam e defenderam é que aqueles
aditamentos, ainda que de mera alteração não substancial de factos se tratasse,
feita como foi naquele momento e no fim de longa produção de prova tão
específica, tão técnica e de natureza eminentemente artística, não podiam já ser
feitos por o não consentir a norma do artigo 358 uma vez que, aparecendo naquele
momento, impossibilita o exercício do contraditório e acusatório.
O Tribunal acrescentou factos:
- que além de não serem novos (porque constavam da participação inicial mas não
já da pronúncia - sendo esta que delimita o objecto do processo);
- que, segundo fundamenta, decorreram de depoimentos da c. e seus filhos, quando
é certo que tais depoimentos foram prestados logo no início da audiência, em
Maio e Junho do ano anterior.
O que os recorrentes disseram logo na motivação apresentada em 11 de Outubro -
no recurso interposto do Despacho de 24 de Setembro - foi que:
“O aditamento feito naquele momento, ainda que de mera alteração não substancial
se tratasse ... sempre resultaria em violação flagrante das garantias de defesa
do arguido constitucionalmente consagradas no artigo 32 da Lei Fundamental.”
Naquele momento da audiência nunca haveria condições de facto para dar
cumprimento ao princípio do contraditório consagrado no artigo 358 do CPP, que,
por isso, foi violado.
Interpretar esta norma no sentido de que ela consente tal alteração naquele
momento, no fim de audiência tão longa e de prova tão complexa e de natureza
quase exclusivam ente artística é violar aqueles princípios constitucionais.
E, no caso concreto, visou compor, com novos factos, a pronúncia, por forma a
completá-la, tornando-a, ao menos teoricamente, viável.
O arguido não pode “2 - ser surpreendido por um imprevisto desenlace punitivo
mais grave do que contava, sem ter tido, visível e inequivocamente,
possibilidade e oportunidade de preparar ou adequar a sua defesa em ordem a
prevenir ou evitar esse desenlace” Ac. do STJ de 98/01/27, in CPP anotado de
Leal Henriques — II vol., 2ªedição, 2000, pág. 442.
E ainda,
“1 - O Tribunal de julgamento não pode condenar o arguido por um ilícito que
constava da acusação com base em factos aí mencionados, quando na pronúncia os
factos do mesmo são retirados, ainda que se faça referência ao crime na
qualificação jurídica, pois o Tribunal de Julgamento decide com “base nos factos
constantes da pronúncia e não da qualificação jurídica.”, in Ac. do STJ de
98/3/26, ob. citada pág. 443.
Com os factos aditados por aqueles despachos integrou-se um elemento essencial
do tipo do crime por que o arguido vinha acusado.
Mas isto, feito naquele momento e nas circunstâncias deste processo concreto,
viola aqueles princípios constitucionais.
B)
As questões suscitadas nos pontos III, IV e V do requerimento da interposição do
recurso reconduzem-se à apreciação que vier a ser feita sobre a admissibilidade
ou não do aditamento realizado por Despacho de 24 de Outubro e já acima
desenvolvido.
1 — Pontos III e IV
Com efeito,
o Tribunal serviu-se de tal Despacho para justificar a sua divergência face ao
Relatório pericial, pese embora, a decisão de pág. 59 e 60, 61 e 77 não contenha
quaisquer razões objectivas ou subjectivas que fundamentem tal divergência.
O Despacho de 24 de Outubro não reproduz qualquer juízo científico ou técnico ou
artístico, limitando-se a fazer menção de que estes existem, não revelando
sequer o seu conteúdo, termos e âmbito.
À custa de tal Despacho o Tribunal encontrou maneira de decidir de costas
voltadas para a perícia sem dizer, no mesmo plano desta, a razão por que o
fazia.
Isto traduz-se numa ausência de fundamentação da divergência perante um meio de
prova - a perícia - subtraída à livre apreciação do Julgador.
2 - Ponto V
Neste contexto e ainda no âmbito daquele mesmo Despacho o Tribunal permitiu-se
aditar os factos a que se reporta o ponto V do requerimento da interposição de
recurso.
E como já se defendeu, aquele despacho, ao ser proferido, no fim de toda uma
extensa, prolongada e complexa produção de prova, em questões tão técnicas e
artísticas, deu à norma do artigo 389 do CPP uma interpretação que a faz colidir
com o princípio do acusatório e do contraditório.
C)
O princípio da dignidade da pessoa humana consignado no artigo 1º da Lei
Fundamental foi violado pelas Decisões em primeira e segunda instância, ao
fixarem as condições da suspensão da pena - a fls. 84 e seguinte da decisão em
primeira instância e a fls. 90 do acórdão do Tribunal da Relação.
Esta questão foi suscitada pelos aqui recorrentes logo nas suas alegações de
recurso para o Tribunal da Relação - pontos C); Direito - 4 - da suspensão
condicional da execução da pena - onde, no 4º parágrafo, se diz
“Com isto, está-se a violar o disposto no artigo 51, n°2 do CP, porque, se
impõem obrigações ao arguido cujo cumprimento não se lhe pode exigir com
razoabilidade.
Primeiro porque, como se demonstrou, viola o princípio da boa fé concluir-se da
solvabilidade de um cidadão comum, nos termos em que o foi e, sobretudo, pela
sua capacidade de pagar tal quantia em tão curto espaço de tempo. Segundo porque
aquela condição é adequada a ofender a dignidade do arguido na medida em que se
lhe acena com uma mão com a liberdade, e com a outra, logo esta lhe é cerceada:”
Estas alegações foram elaboradas para serem apreciadas pelo Tribunal da Relação
e não perante o Tribunal Constitucional.
Apesar disso,
o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana está ali perfeitamente
indicado e, com todo o respeito, o Tribunal não carece que lhe sejam indicados
os preceitos mas os princípios.
Termos em que deve a presente reclamação ser submetida à Conferência e atendida
e, em consequência, deve ser admitido o recurso interposto para este Tribunal.
Em resposta, o representante do Ministério Público neste Tribunal sustenta que a
reclamação deverá ser indeferida por ser manifestamente improcedente.
Também o recorrido E. é de opinião que a reclamação é totalmente improcedente.
2. Vejamos: o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei do Tribunal Constitucional só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade perante o Tribunal que proferiu a
decisão (n.º 2 do artigo 72º da LTC). A questão deve reportar-se a norma
jurídica aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi, apesar de o
recorrente haver anteriormente suscitado a sua desconformidade constitucional.
Acontece que, no caso presente, os recorrente nunca suscitaram, perante o
Tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, é directamente às decisões impugnadas que os recorrentes imputam um
resultado constitucionalmente desconforme, pois nunca delinearam uma verdadeira
acusação de inconstitucionalidade a qualquer norma nelas aplicada.
Esta errada perspectiva do recurso de constitucionalidade conduz os recorrentes
a colocarem ao Tribunal Constitucional questões que se reportam ao acerto da
decisão ora recorrida como são as que implicam o confronto da decisão em si
mesmo considerada com princípios ou normas constitucionais.
Deve, assim, concluir-se que se não mostram verificados os pressupostos do
recurso, o que determina o seu não conhecimento, tal como consta da decisão
reclamada.
3. Nestes termos, é de indeferir a presente reclamação, mantendo a
decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Julho de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos