Imprimir acórdão
Processo n.º 389-A/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos autos que correram os seus termos neste Tribunal sob o n.º 389/2006,
proferida que foi decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto por
A., veio este reclamar para a Conferência. Na reclamação introduziu o seguinte
ponto:
“QUESTÃO PRÉVIA
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sob censura, foi proferido sobre
recurso interposto pelo M.Público a fls. 8157.
Quando o processo deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa e antes de ser
concluso ao relator, o M. Público alterou a sua posição, a fls. 8279 a 8280 v.
considerando, então, que a decisão recorrida tinha decidido em conformidade com
a lei, não merecendo o recurso provimento.
E, nos termos do artg° 401 n° 2 do C.P.P. não pode recorrer quem não tiver
interesse em agir.
Ora o Ministério Público, ao aceitar, expressamente, o decidido em 1ª instância,
deixou, a partir dessa altura, de ter interesse em agir, pelo que não podia o
Tribunal da Relação conhecer do recurso.
Neste sentido, Ac. Rel. Porto de 14/4/99, publicado na Colectânea de
Jurisprudência, Tomo XXIV, pg. 231.
Por outro lado, a declaração de concordância com a decisão recorrida, após a
interposição de recurso dessa decisão, corresponde, implicitamente, a uma
desistência desse recurso.
Sendo certo que podendo tal desistência ser declarada mesmo após ter sido
lavrado acórdão, desde que a decisão não tenha transitado em julgado — Ac. STJ
de 47.96, C.J./STJ, 1996, 3°, pg. 7, como sucede no caso concreto, e não se
tendo, o Tribunal recorrido, pronunciado sobre a mesma, nada obsta a que o
Tribunal Constitucional dê sem efeito o recurso do Ministério Público ou julgue
válida a desistência desse recurso, determinando-se a baixa dos autos ao
Tribunal da Relação de Lisboa para reforma da decisão proferida em função do
decidido pelo Tribunal Constitucional.”
2. Pelo acórdão n.º 370/2006, foi desatendida a reclamação e confirmada a
decisão sumária de não conhecimento do recurso, afirmando-se o seguinte:
“Começa o ora reclamante por solicitar ao Tribunal Constitucional que “dê sem
efeito o recurso do Ministério Público [o que havia sido interposto da decisão
do Tribunal Central de Instrução Criminal para o Tribunal da Relação de Lisboa]
ou julgue válida a desistência desse recurso”. Mas, como é evidente, esta
solicitação não pode ser satisfeita por este Tribunal, a quem manifestamente não
cabe decidir da falta de interesse em agir ou da validade de uma alegada
desistência implícita do recurso que fora interposto para o tribunal a quo. Com
efeito, em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade, a
competência do Tribunal Constitucional circunscreve-se a averiguar se se
encontram reunidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso
para si interposto e, em caso afirmativo, a dirimir a específica questão de
constitucionalidade normativa que integra o seu objecto. Nada há, por isso, que
decidir no que se refere ao objecto da alegada “questão prévia” suscitada pelo
reclamante.”
3. Notificado deste acórdão, o ora reclamante apresentou, em 29 de Junho de
2006, o seguinte requerimento:
“[...], notificado do acórdão de 22/6/06, prolatado por este Tribunal, a
propósito da apreciação da questão de se dar sem efeito o recurso do M.Público
ou julgar válida a desistência do recurso, em relação à qual o Tribunal
Constitucional considerou não se poder pronunciar, por extravasar a sua
competência, requer que seja determinada a baixa dos autos ao Tribunal da
Relação de Lisboa para apreciação de tal questão, nos termos do artgº 78° B n.°
1 da lei 28/82 de 15/11.”
4. Proferiu, então o relator, em 7 de Julho de 2006, o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 8607:
Notificado do acórdão n.º 370/2006, que indeferiu a reclamação que apresentara,
para a conferência, da decisão sumária proferida pelo relator, veio o reclamante
[...] aos autos requerer ao relator que, por este, seja determinada a baixa dos
autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação de determinada questão.
Ora, tendo já sido proferida decisão final neste processo, estão os autos a
aguardar o trânsito em julgado da mesma, após o que, efectuada a conta, serão os
mesmos, oportunamente, remetidos ao tribunal a quo.
Assim sendo, nada há a determinar.”
5. Entretanto, verificado o trânsito em julgado do acórdão n.º 370/2006, foram
os autos remetidos à conta e, extraído o respectivo traslado, enviados ao
tribunal a quo.
6. Veio, então, o ora reclamante apresentar o seguinte requerimento:
“RECLAMANDO para a conferência, diz o reclamante [...]:
1° O douto acórdão do Tribunal Constitucional de 22/6/06 considerou, a propósito
da questão em que o recorrente peticionava fosse dado sem efeito o recurso do
M.Público ou julgada válida a desistência desse recurso, não caber ao Tribunal
Constitucional a apreciação dessa questão, por falta de competência do Tribunal
- ponto 12. 1 do acórdão.
2° Consequentemente, solicitou o reclamante, nos termos do artgº 78 - B, da lei
do Tribunal Constitucional, fosse determinada a baixa dos autos ao Tribunal da
Relação, para apreciação da questão.
3° Tal requerimento configura uma questão incidental que pode, a ser deferida,
resultar na inutilidade superveniente deste recurso.
4° Porém, a decisão reclamada considerou que já tendo sido proferido acórdão
final por este tribunal, aguardariam os autos o trânsito da mesma, após o que
baixariam ao tribunal' a quo'.
5° Salvo melhor opinião, só até ao trânsito em julgado da decisão proferida pelo
Tribunal Constitucional, tem o reclamante a instância para suscitar esta
questão, sob pena de, após o trânsito em julgado da decisão final do Tribunal
Constitucional, transitar também a decisão recorrida, artgº 80 n° 4 da Lei do
Tribunal Constitucional.
6° Afigurando-se que, neste circunstancialismo e tendo em conta o decidido no
ponto 12. 1 do acórdão de 22/6/06, dever-se-á ordenar, a título devolutivo, a
baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação da questão que
está em aberto, face à impossibilidade do Tribunal Constitucional exercer
pronúncia sobre a mesma.
7° O que a não acontecer impedirá o reclamante de a suscitar em tempo útil.
8° Termos em que requer a V.Excsª seja ordenada a baixa dos autos, a título
devolutivo, ao Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação da questão de ser
dado sem efeito o recurso do M.Público ou julgada válida a desistência desse
recurso.”
7. Determinada a junção deste requerimento, bem como de cópias do acórdão n.º
370/2006, do requerimento de 29 de Junho de 2006 e do despacho de 7 de Julho de
2006 aos autos de traslado existentes neste Tribunal, foi ouvido o Ministério
Público reclamado, que disse o seguinte:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, o reclamante tinha plena obrigação de saber que este Tribunal
Constitucional – cujos poderes cognitivos estão circunscritos à estrita
dirimição das questões de inconstitucionalidade normativa adequadamente
suscitadas – não tinha competência para apreciar as “questões incidentais” que
erroneamente lhe endereçou.
3 – Cabendo-lhe, consequentemente, o ónus de suscitar em tempo as questões que
tivesse por pertinentes ao órgão jurisdicional que bem sabia – ou devia saber –
que era competente para as apreciar.
4 – Não podendo naturalmente aceitar-se que a normal tramitação do processo
constitucional seja perturbada e interrompida com a descabida apresentação de
requerimentos anómalos, traduzindo intempestiva suscitação de questões,
estranhas aos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, e que as partes já
tinham tido plena oportunidade de colocar, em momento anterior, ao órgão
jurisdicional competente para as valorar.
5 – Termos em que deverá confirmar-se por inteiro a douta decisão reclamada.”
II – Fundamentação
8. Transitado o acórdão n.º 370/2006, cujo teor nunca foi questionado pelo ora
reclamante, está encerrado o procedimento referente ao recurso de
constitucionalidade que correu os seus termos neste Tribunal. Acresce que,
entretanto, já os autos foram remetidos ao Tribunal a quo.
Por outro lado, como se verifica do relatório supra, a questão “prévia” ou
“incidental” anómala e indevidamente colocada a este Tribunal pelo ora
reclamante não foi, nem podia ser, objecto de conhecimento. Além disso, não
constava dos autos, que já foram remetidos ao tribunal a quo, qualquer
requerimento sobre tal matéria oportunamente dirigido a tribunal competente.
Finalmente, há que considerar que, transitada a decisão final sobre o recurso de
constitucionalidade, é inteiramente irrelevante, do ponto de vista deste,
qualquer hipotética decisão que sobre tal questão pudesse vir a ser proferida
por tribunal para tal competente.
Assim sendo, nada mais resta do que, constatando que se encontra definitivamente
encerrado o procedimento jurisdicional neste Tribunal, concluir que a reclamação
é manifestamente improcedente e o despacho reclamado deve ser confirmado.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se o
despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Julho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício