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Processo n.º 259/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Sindicato dos Electricistas do Metropolitano (SINDEM), ora recorrente,
intentou contra o Governo, o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho
e o Ministério das Obra Públicas, Transportes e Comunicações, ora recorridos,
acção especial “visando quer a declaração de nulidade, ou anulação, seja do acto
administrativo consubstanciado na Resolução do Conselho de Ministros nº
82-A/2004, datada de 24.6.04, publicada no DR, I Série-B, nº 147 (Suplemento) de
24/6/04, que reconheceu a necessidade de se proceder à requisição civil dos
trabalhadores do Metropolitano de Lisboa, e do acto administrativo
consubstanciado na Portaria Conjunta dos Ministérios da Segurança Social e do
Trabalho e das Obras Públicas, Transportes e Habitação n.° 730-B/2004,
igualmente publicada naquele número e suplemento do DR, e a condenação das
autoridades demandadas ao ressarcimento dos danos sofridos pelo recorrente como
consequência directa e necessária dos actos supra-referenciados”. Contestaram as
três entidades demandadas, tendo o Ministério das Obras Públicas e o Governo,
para o que agora importa, alegado a inimpugnabilidade dos actos visados.
2. O relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo, admitindo a
hipótese de o processo não poder prosseguir naquele Tribunal, “quanto ao pedido
principal, por inimpugnabilidade dos actos impugnados – artigo 89º. N.º 1 c) do
CPTA”, mas poder prosseguir para apreciação da responsabilidade civil, em que
seria competente o tribunal administrativo do círculo de Lisboa, mandou
notificar as partes para se pronunciarem, querendo, sobre essa questão.
3. Notificadas as partes, apenas se pronunciou o Autor, tendo, para o que agora
importa, afirmado o seguinte:
“[...] 4° Arguindo-se de novo que se os artigos 51°, n.° 1 e 54°, n.° 1 (este a
contrario sensu), ambos do CPTA, pudessem ser interpretados e aplicados na
vertente normativa que, pelos vistos, este Supremo Tribunal Administrativo se
prepara para consagrar, padecerão de óbvia e inapelável inconstitucionalidade
material,
5° Em particular por violação do ano 268°, n.° 4 da CRP já que, como já
oportunamente arguido, estabeleceu que um acto que coloca a “espada de
“Dâmocles” do regime de requisição civil - com a aplicação de sanções, maxime a
do despedimento, aos sócios do aqui A. que a não respeitem - e assim força o
mesmo A. a não manter e a fazer parar um processo grevista já em curso não seria
afinal “lesivo” e, logo, seria inimpugnável consubstancia uma inutilização
prática e uma denegação da tutela jurisdicional plena dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos e suas associações contra os actos
administrativos que os lesem,
6° No que se insiste e se não concede, pelo que se levará o conhecimento dessa
inconstitucionalidade até às últimas consequências, não obstante se saber que a
tendência dominante é, não para densificar mas antes para fluidificar e
debilitar, a tutela constitucional dos direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos. [...]”.
4. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 14 de Dezembro de 2005,
decidiu considerar “inimpugnáveis os actos objecto da impugnação” e,
consequentemente, julgar-se “incompetente para o prosseguimento dos autos quanto
ao pedido de indemnização”.
5. Desta decisão foi interposto, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º
da LTC, recurso para este Tribunal, através de um requerimento que tem o
seguinte teor:
“[...], A. e recorrente nos autos à margem indicados, notificado do Acórdão
neles proferido, vem do mesmo interpor o competente recurso (na parte em que
julga inimpugnáveis os actos objecto da impugnação) para o Tribunal
Constitucional relativamente às questões de inconstitucionalidade.
O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do artº 70° da Lei n° 28/82
e as normas cuja inconstitucionalidade se pretende sejam apreciadas são as do
art.º 51º, n° 1 (esta a contrario sensu) ambas do CPTA.
O preceito e princípio constitucional que se entende ter sido violado com a
vertente normativa com que aqueles normativos foram interpretados e aplicados na
questão sub judice é o do artº 68º, nº 4 da CRP
E tal inconstitucionalidade material foi oportunamente arguida quer na resposta
às Entidades Rés, apresentada em Juízo em 22/11/04, quer na pronúncia
apresentada em 18/10/05, na sequência do despacho de fls. 122”.
6. Já neste Tribunal proferiu o relator do processo o seguinte despacho:
“Afirma o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, que “as normas
cuja inconstitucionalidade se pretende sejam apreciadas são as do art.º 51º, n.°
1 (esta a contrario sensu) ambas do CPTA”, por entender “ter sido violado com a
vertente normativa com que aqueles normativos foram interpretados e aplicados na
questão sub judice [] o [] artº 68º, nº 4 da CRP”. Por outro lado, acrescenta
que a inconstitucionalidade material foi “arguida quer na resposta às Entidades
Rés, apresentada em Juízo em 22/11/04, quer na pronúncia apresentada em
18/10/05, na sequência do despacho de fls. 122”
Ora, tendo em atenção o teor do requerimento e daquelas peças processuais, bem
como o facto de vir questionada uma determinada interpretação, convido o
recorrente, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, a dar integral cumprimento a este artigo e a esclarecer, em
termos concisos, claros e perceptíveis, qual (ou quais) a(s) exacta(s)
interpretação (interpretações) normativa(s) da(s) norma(s) questionada(s), cuja
constitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, de tal
modo que, se este Tribunal a(s) vier a julgar desconforme(s) com a Constituição,
a(s) possa enunciar claramente na decisão que proferir. Na verdade, incumbindo
ao recorrente a definição do objecto do recurso, deve o mesmo, quando pretenda
questionar determinada interpretação normativa de um certo preceito, explicitar
com precisão e clareza essa dimensão normativa, sob pena de, não o fazendo,
transferir para o Tribunal Constitucional, de forma inaceitável, o ónus que
sobre ele impende, não sendo suficiente, afirmar, como se faz no requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal, que “a vertente normativa com que
aqueles normativos foram interpretados e aplicados” viola a Constituição”.
7. Em resposta a esta solicitação o recorrente apresentou o seguinte
requerimento:
“[...] 1° A exacta interpretação normativa das normas questionadas - os artºs
51° n.° 1 e 54° n.° 1 (este a contrario sensu) do CPTA - que se crê
completamente violentadora da garantia constitucional da tutela jurisdicional
efectiva, concedida aos administrados pelo n° 4 do art.º 268° da CRP, na
vertente da impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem,
independentemente da sua forma - é a de que o acto administrativo da Resolução
do C.M n.° 82-A/2004 que reconheceu a necessidade de se proceder à requisição
civil dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa e o da Portaria Conjunta n.°
730-8/2004 que definiu o respectivo regime apesar de “preventivamente”
produzido, não seriam impugnáveis contenciosamente em virtude de, perante a
iminência da aplicação do referido regime de requisição civil aos respectivos
associados, o ora A. ter retirado o pré-aviso de greve.
2° Ou seja, e dito de outra forma, a vertente normativa da interpretação
daqueles preceitos no sentido de representar que um acto que coloca a espada de
Dâmocles daquele mesmo regime da requisição civil - com a possível aplicação de
sanções, maxime a do despedimento, aos sócios do aqui A. que a não respeitassem
- e assim força o mesmo A. a não manter e a fazer cessar um processo grevista já
em curso, não seria caracterizado por lesividade e logo, seria inimpugnável
revela-se em completa e insanável contradição com o já indicado preceito
constitucional (artº 268° n.° 4 da Lei Fundamental) ,
3° Consubstanciando assim completa, e constitucionalmente intolerável,
inutilização prática e denegação completa da tutela jurisdicional plena dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
4° Em suma: a interpretação dos artºs 51° n.° 1 e 54° n.° 1 do CPTA no sentido
da pretensa inefectividade ou não lesibilidade dos actos administrativos em
causa e, logo, da sua inimpugnabilidade, por virtude de o Sindicato Autor, como
representante dos trabalhadores destinatários de tais actos, e perante o início
da respectiva produção de efeitos, ter decidido, já após tal início, pôr termo
ao processo grevista em curso retirando o respectivo pré-aviso, consubstancia o
completo esvaziamento e total inutilização do já referido art.º 268º n.° 4 da
CRP .
5° É este, tão simplesmente, o objecto do presente recurso, competindo agora a
este Trabalho Constitucional declarar a manifesta inconstitucionalidade material
de semelhante vertente normativa, assim indicada, com toda a clareza e em termos
em absoluto concisos, claros e perceptíveis.”
8. Foi então proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula este Tribunal (cfr. art. 76º, nº 3,
da LTC).
Nos termos do artigo 75º-A, nº 1 da LTC, o recorrente deve, logo no requerimento
de interposição do recurso, indicar “a norma cuja inconstitucionalidade (…) se
pretende que o Tribunal aprecie”. Não o tendo feito, deve o juiz (no tribunal
recorrido) ou o relator do processo no Tribunal Constitucional, por força dos
nºs 5 e 6 do artigo 75º-A já mencionado, convidar o requerente, salvo o caso de
manifesta inutilidade do acto, a prestar a indicação em falta - o que, no caso
dos autos, foi feito já neste Tribunal através do despacho supra transcrito no
ponto 6. Vejamos, então.
Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada
apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito.
Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e
perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera
inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de
constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre
outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de
determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos
que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa
enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que
houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os
operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não
pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
Verifica-se, porém, no presente caso, que o recorrente nunca indicou, em termos
claros e perceptíveis, a exacta interpretação normativa dos artigos 51º, nº 1 e
54º, nº 1, (este a contrario sensu) do CPTA cuja inconstitucionalidade pretende
que o Tribunal aprecie. Na verdade, nem no requerimento de interposição do
recurso, em que o recorrente se limita a remeter para “a vertente normativa com
que aqueles preceitos foram interpretados e aplicados na questão sub judice”,
sem nunca explicitar qual seja essa vertente normativa, nem na resposta ao
convite para que aperfeiçoasse, nessa parte, o requerimento de interposição do
recurso, que supra já transcrevemos integralmente, o recorrente identifica, da
forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal, a exacta
dimensão normativa dos artigos 51º, nº 1 e 54º, nº 1, do CPTA, cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada.
Com efeito, no n. 1º da resposta, o recorrente apenas afirma que “a exacta
interpretação normativa das normas questionadas [...] é a de que o acto
administrativo da Resolução do CM nº 82-A/2004 que reconheceu a necessidade de
se proceder à requisição civil dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa e o
da Portaria Conjunta nº 730º-B/2004 que definiu o respectivo regime apesar de
«preventivamente» produzido, não seriam impugnáveis contenciosamente em virtude
de, perante a iminência da aplicação do referido regime de requisição civil aos
respectivos associados, o ora A. ter retirado o pré-aviso de greve”. Ora, ao
contrário do que sustenta, é evidente que não está aqui identificada qualquer
dimensão normativa dos artigos 51º, nº 1 e 54º, nº 1, do CPTA, susceptível de
ser objecto de um juízo de inconstitucionalidade mas, quando muito, enunciada a
conclusão - inimpugnabilidade dos actos - a que, no caso concreto, o tribunal
chegou, por força da aplicação de uma eventual interpretação daqueles preceitos
que o recorrente questiona mas não identifica.
E a mesma ausência de identificação, “em termos que, se este Tribunal o vier a
julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que
proferir”, do sentido normativo (da interpretação) que pretendia ver confrontada
com a Constituição manifesta-se nos demais artigos da resposta apresentada. É
que, como é evidente, nunca o Tribunal poderia, numa eventual decisão em que
concluísse pela inconstitucionalidade dos preceitos indicados pelo recorrente,
enunciar uma dimensão normativa que porventura tivesse sido julgada
inconstitucional nos termos em que aquele o faz, designadamente, nos artigos 2º
e 4º da resposta que apresentou.
Com efeito, afirmar que os artigos 51º nº 1 e 54º nº 1 do CPTA são
inconstitucionais se interpretados “no sentido de representar que um acto que
coloca a espada de Dâmocles daquele mesmo regime da requisição civil – com a
possível aplicação de sanções, maxime a do despedimento, aos sócios do aqui A.
que a não respeitassem – e assim força o mesmo A. a não manter e fazer cessar um
processo grevista já em curso, não seria caracterizado por lesividade e, logo,
seria inimpugnável” ou se interpretados “no sentido da pretensa inefectividade
ou não lesibilidade dos actos administrativos em causa e, logo, da sua
inimpugnabilidade, por virtude de o Sindicato Autor, como representante dos
trabalhadores destinatários de tais actos, e perante o início da respectiva
produção de efeitos, ter decidido, já após tal início, pôr termo ao processo
grevista em curso retirando o respectivo pré-aviso”, por alegada violação
(completo esvaziamento e total inutilização) do artigo 268º, nº 4, da CRP, além
de dificilmente se poder configurar como juízo de inconstitucionalidade
normativa, seria, no mínimo, ininteligível para os “operadores jurídicos em
geral”.
Acresce que a não indicação da exacta interpretação normativa dos preceitos cuja
inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o
Tribunal Constitucional numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar
se se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso
que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do
Tribunal Constitucional).
Por tudo quanto se deixa exposto, há que concluir não poder este Tribunal
conhecer do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por manifesta falta
dos seus pressupostos legais de admissibilidade.”
9. Notificado desta decisão, veio o recorrente reclamar para a conferência,
dizendo, nomeadamente, o seguinte:
“[...] 7° Ora é de tão fulminante decisão sumária que vem interposta a presente
reclamação, antes de mais importando reafirmar que o requerimento de
interposição do presente recurso e, sobretudo, o da resposta contêm, de facto,
todos os elementos a que se reporta o art.º 75°-A da LTC,
8° Deste não constando, aliás, nenhuma exigência como a da formulação constante
do despacho do convite no sentido de que o recorrente teria que deduzir a sua
intervenção processual naquilo que o Ilustre Relator no seu mui elevado critério
entendeu ser “termos concisos, claros e perceptíveis”.
9° Depois, deverá dizer-se que o que é “no mínimo ininteligível” é que se afirme
com ar peremptório, como enfaticamente se proclama no despacho reclamado, que
aquilo que se reproduziu nos antecedentes nos 5 e 6° seria - pasme-se ! -
ininteligível para os “operadores jurídicos” em geral!?
10° É aliás também absolutamente inverídico que o Tribunal Constitucional, e com
eles o Tribunal recorrido e outros destinatários, não possam alcançar qual o
sentido das normas em causa que não pode ser adoptado, visto que resulta
clarissimamente dos autos e desde logo das peças processuais atrás referenciadas
que tal sentido é precisamente o de que uma resolução do CM que reconhece a
necessidade e decreta a requisição civil dos trabalhadores associados do A. E
uma Portaria conjunta que define o respectivo regime, produzem de imediato
efectivos, reais e actuais efeitos lesivos, definindo a situação jurídica dos
trabalhadores seus destinatários e sujeitando-os à possibilidade de aplicação de
sanções disciplinares, despedimento inclusive, acaso não aceitassem aquela mesma
requisição civil, sendo portanto actos efectivos e gravemente lesivos dos
legítimos direitos e interesses daqueles e, logo, absolutamente recorríveis
contenciosamente, não perdendo tal natureza pela circunstância de o Sindicato
representativo daqueles trabalhadores (como o aqui A.), para não os sujeitar a
tais riscos, ter posto termo ao processo grevista já em curso, retirando o
pré-aviso de greve.
11° Em suma: Exmºs. Senhores Juízes Conselheiros, difícil seria encontrar forma
mais óbvia de pôr a claro a concreta dimensão normativa inconstitucional dos
preceitos invocados, interpretados e aplicados pelo Acórdão do STA recorrido !
12° Ou seja, se em abstracto faz pleno sentido exigir que o recorrente para este
Tribunal Constitucional deva explicitar qual a vertente normativa adoptada na
interpretação e aplicação do preceito legal consagradas no Acórdão recorrido, o
certo é que, na concreta questão sub judice, o recorrente cumpriu de forma
adequada e suficiente essa exigência
13° Não passando a invocação feita na decisão sumária reclamada de uma
argumentação genérica e abstracta que se na verdade permite 'arrumar” de forma
expedita os presentes autos, não tem todavia qualquer aplicação efectiva ao caso
concreto. [...]”
10. Dos reclamados, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações
respondeu manifestando concordância com o sentido da decisão do Relator e
sustentando que “a manifesta insuficiência da delimitação do exacto sentido
normativo do preceito que se pretende ver declarado inconstitucional está
subjacente a todo o processo[...]; o Ministério do Trabalho e da Solidariedade
Social ofereceu o “Mérito [da decisão sumária] para se concluir pela total
improcedência da reclamação apresentada.”
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
11. A decisão sumária reclamada considerou que se não podia conhecer do recurso
por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade, nomeadamente por não
ter o recorrente indicado a exacta interpretação normativa dos preceitos cuja
inconstitucionalidade pretendia ver apreciada. O recorrente vem reclamar desta
decisão, sustentando que do artigo 75°-A da LTC não consta nenhuma exigência de
que “teria que deduzir a sua intervenção processual naquilo que o Ilustre
Relator no seu mui elevado critério entendeu ser «termos concisos, claros e
perceptíveis»”; que é “no mínimo ininteligível” que se considere “ininteligível
para os «operadores jurídicos» em geral” a forma como o recorrente enunciou o
sentido normativo que pretendia ver apreciado; “que resulta clarissimamente dos
autos e desde logo das peças processuais atrás referenciadas que tal sentido é
precisamente o de que uma resolução do CM que reconhece a necessidade e decreta
a requisição civil dos trabalhadores associados do A. e uma Portaria conjunta
que define o respectivo regime, produzem de imediato efectivos, reais e actuais
efeitos lesivos, definindo a situação jurídica dos trabalhadores seus
destinatários e sujeitando-os à possibilidade de aplicação de sanções
disciplinares, despedimento inclusive, acaso não aceitassem aquela mesma
requisição civil, sendo portanto actos efectivos e gravemente lesivos dos
legítimos direitos e interesses daqueles e, logo, absolutamente recorríveis
contenciosamente, não perdendo tal natureza pela circunstância de o Sindicato
representativo daqueles trabalhadores (como o aqui A.), para não os sujeitar a
tais riscos, ter posto termo ao processo grevista já em curso, retirando o
pré-aviso de greve.” E, que, em consequência, na concreta questão sub judice, o
recorrente cumpriu de forma adequada e suficiente a exigência de explicitar qual
a vertente normativa adoptada na interpretação e aplicação do preceito legal.
Vejamos.
11.1. É, desde logo, improcedente a alegação de que do artigo 75°-A da LTC não
resulta a exigência de que, quando, como seria o caso dos presentes autos, o
recorrente pretenda questionar apenas uma determinada interpretação normativa de
certo preceito, o tenha de fazer em termos concisos, claros e perceptíveis, como
se concluiu na decisão recorrida. Como o Tribunal tem desde sempre afirmado, é a
teleologia própria daquele preceito que o impõe. Em primeiro lugar porque só uma
clara e rigorosa delimitação do objecto do recurso por parte do recorrente
permite ao Tribunal averiguar se os demais pressupostos de admissibilidade do
mesmo estão efectivamente reunidos; designadamente verificar se a decisão
recorrida efectivamente aplicou, como ratio decidendi, a exacta interpretação
normativa que o recorrente pretende ver confrontada com a Constituição. Em
segundo lugar porque só uma clara e rigorosa delimitação do objecto do recurso
garante que o Tribunal se pronuncia - rectius, só se pronuncia - sobre a exacta
questão de constitucionalidade normativa que o recorrente pretende ver
apreciada. Finalmente, porque só dessa forma se garante que - caso o Tribunal
venha a julgar inconstitucional a norma identificada pelo recorrente no
requerimento de interposição do recurso - o tribunal recorrido que houver de
reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores
jurídicos em geral ficam a saber qual o sentido da norma em causa que não pode
ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
11.2. Adquirida esta conclusão – a de que sobre o recorrente recai efectivamente
o ónus de, em termos claros, concisos e perceptíveis, identificar a exacta
interpretação normativa que pretende ver confrontada com a Constituição, o que
implica que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada
norma legal, se indique esse sentido em termos que, se este Tribunal o vier a
julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir,
por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os
outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o
sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a
Lei Fundamental - haverá apenas que averiguar se o ora reclamante formulou a
questão nestes termos no requerimento de interposição do recurso ou na resposta
ao convite para o seu aperfeiçoamento, ou se, como se concluiu na decisão
sumária reclamada, em nenhuma dessas peças processuais a questão de
constitucionalidade foi adequadamente formulada.
Ora, como se afirmou naquela decisão, em termos que merecem a nossa inteira
concordância, nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta ao
convite para o seu aperfeiçoamento o recorrente cumpriu adequadamente aquele
ónus. Não o fez no requerimento de interposição do recurso, em que se limitou a
remeter para “a vertente normativa com que aqueles preceitos foram interpretados
e aplicados na questão sub judice”, sem nunca explicitar qual fosse essa
vertente normativa. Mas, como então já se demonstrou, em termos que, não sendo
abalados por quanto se alega na presente reclamação, agora se reiteram, também
na resposta ao convite para o aperfeiçoamento daquele requerimento o recorrente
não formulou, ao menos nos termos que resultam da lei e vêm sendo exigidos por
este Tribunal, a exacta dimensão normativa dos artigos 51º nº 1 e 54º nº 1 do
CPTA que pretendia ver confrontada com a Constituição.
O ora reclamante pode, naturalmente, como aliás faz, discordar desta conclusão.
O que não se afigura correcto é que afirme que a decisão sumária reclamada
assenta numa “argumentação genérica e abstracta que […] não tem todavia qualquer
aplicação efectiva ao caso concreto”. Com efeito, ao contrário do que afirma o
reclamante, a decisão sumária reclamada teve o cuidado de, por referência
específica a cada um dos parágrafos da resposta ao convite do relator para o
aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, explicitar por que
motivo se considerava que a questão de constitucionalidade não estava aí
adequadamente formulada.
11.3. Consequentemente, reitera-se a conclusão, a que se chegou na decisão
sumária reclamada, no sentido de que o recorrente não cumpriu de forma adequada
e suficiente a exigência de explicitar qual a vertente normativa dos artigos 51º
nº 1 e 54º nº 1 do CPTA, pretendia ver apreciada confrontada com a Constituição,
já não lhe sendo possível fazê-lo na reclamação para a conferência, onde, aliás,
o modo de formular a questão já não corresponde, exactamente, àquele que consta
daquelas outras peças processuais.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Julho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício