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Processo n.º 625/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional em
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, notificado que foi da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, datada de 23 de agosto de 2012, indeferindo reclamação de despacho que havia rejeitado recurso para este Tribunal da Relação e de decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Évora, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«(…)
1.º
O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei 85/89, de 7 de setembro e pela Lei n.º 13/98, de 26 de fevereiro.
2.º
O ora recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 179.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento, como foi consignado na decisão recorrida,
3.º
porquanto tal entendimento contraria frontalmente o princípio geral constitucionalmente consagrado da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo penal, sendo assente que o direito ao recurso, em matéria penal, integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente assegurados (artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa).
4.º
A aludida inconstitucionalidade foi suscitada na aludida reclamação a fls. dos presentes autos, como se extrai do exarado na decisão ora recorrida.
(…)».
2. Admitido o presente recurso de constitucionalidade, foi ordenada a notificação para alegações.
3. O recorrente apresentou as suas alegações e nelas concluiu da seguinte forma:
«(…)
1 - O artigo 32º, nº 1, da Constituição da Republica Portuguesa inclui expressamente o direito ao recurso nas garantias de defesa assegurados em sede de processo penal, sendo identificado como garantia do duplo grau de jurisdição, quanto a decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.
2 - O instituto da adaptação à liberdade condicional tem como finalidade primacial o estabelecimento de uma fase de transição entre a reclusão em meio prisional e a liberdade condicional, permitindo ao delinquente retomar o sentido de orientação social enfraquecido por efeito de reclusão (finalidade preventivo - especial de reintegração do agente na sociedade,) permitindo-lhe uma melhor reinserção social, sob controle apertado e evitando que o mesmo continue sujeito ao ambiente deletério do meio prisional
3 - A margem da exata qualificação dos processos de execução de penas, encontrando-se jurisdicionada a execução das penas e abrangendo as garantias de defesa todo o processo criminal, a negação do direito ao reexame em via de recurso, da decisão denegatória da adaptação á liberdade condicional, com base na interpretação que foi dada ao artigo 179º, nº 1 do, Código de Execução de Penas, pelo Tribunal de Execução de Penas de Évora e pelo Tribunal da Relação de Évora, traduz-se na imposição de um encurtamento inadmissível das garantias de defesa do recluso, sendo inconstitucional por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa
4 - Com efeito, uma leitura jusfundamental do direito de defesa e a preferência pelo sentido “maximador” da teleologia constitucional, exige a possibilidade do recurso de uma decisão denegatória como a ora em apreço, para o Tribunal da Relação de Évora, de molde a garantir a imparcialidade e objetividade numa decisão que afeta os direitos fundamentais.
5 - E patente que na perspetiva do exercício e da restrição dos direitos fundamentais do recluso, não é a mesma coisa estar a cumprir pena de prisão no interior de um estabelecimento prisional, do que estar sujeito ao regime de adaptação à liberdade condicional, com vigilância eletrónica, na sua habitação e com a companhia de sua Família, como foi peticionado pelo recorrente.
7 - O entendimento vertido da decisão recorrida viola, ainda, os Princípios Fundamentais da Dignidade da Pessoa Humana, do Estado de Direito Democrático e da Sociabilidade (artigos nº 1°, 2º e 9º da Constituição da Republica Portuguesa) por se entender que está em causa a reinserção social do condenado, um dos escopos essenciais do “ius puniendi”, do regime da execução de penas e verdadeira exigência constitucional, determinando aquele “principio da sociabilidade” que cumpre ao Estado proporcionar ao condenado todas as condições necessárias para a reintegração na sociedade,
8 - Sendo certo que, quanto maior for o contacto com o ambiente deletério do meio prisional, maior é o perigo de dessocializar fortemente o condenado.
(…)».
4. Por sua vez, o Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, deduziu contra-alegações, nelas concluindo pela não inconstitucionalidade da norma.
5. Com relevância para a decisão, emergem dos autos os seguintes elementos:
- no processo de ‘concessão de adaptação à liberdade’ referente ao recluso ora recorrente, foi indeferido, por despacho judicial proferido em 13.06.2012, o pedido de concessão da medida de ‘Adaptação à Liberdade Condicional’ (ALC) antes do meio da pena;
- dela interpôs recurso o recluso, recurso esse que veio a ser rejeitado por decisão do Tribunal de Execução de Penas, proferida em 17.07.2012, com fundamento em inadmissibilidade legal;
- o recorrente apresentou reclamação, para o Tribunal da Relação de Évora, dessa decisão de rejeição de recurso;
- tal reclamação foi indeferida por decisão proferida em 23.08.2012 e com fundamento em que a decisão de que se pretendia interpor recurso era irrecorrível, invocando-se, em essência e síntese, que « … a decisão negatória não põe em causa o direito fundamental à liberdade, pois a adaptação à liberdade condicional em RPH é ainda uma das formas de cumprir a pena de prisão em privação da liberdade. A sua irrecorribilidade não implica, pois, a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no art. 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no art. 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20.º, todos da CRP. …».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso, face ao requerimento apresentado pelo recorrente, consiste na apreciação da “... inconstitucionalidade da norma constante do artigo 179.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento, (...) [por] contraria[r] frontalmente princípio geral constitucionalmente consagrado da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo penal, sendo assente que o direito ao recurso, em matéria penal, integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas (artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa) ...”.
O referido normativo legal tem o seguinte teor:
“...
Artigo 179.º
(Recurso)
1. O recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional.
2. Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o recluso, este apenas quanto à decisão de recusa da liberdade condicional.
3. ... .
...”.
7. Mérito do recurso
7.1 A questão de constitucionalidade a resolver no âmbito do presente recurso é, conforme se alcança do requerimento de recurso formulado e das respetivas alegações apresentadas pelo recorrente, a de saber se a norma resultante do artigo 179.º, n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (de ora em diante designado por ‘CEPMPL’), quando entendida como não permitindo o direito de recurso de decisão que indefere pedido de ‘adaptação à liberdade condicional’, viola, designadamente, o disposto no artigo 32.º, n. 1 da Constituição, por contrariar o princípio geral, constitucionalmente consagrado, da proteção dos direitos de defesa do arguido em processo penal.
Conforme se deixou supra referido, na decisão recorrida entendeu-se que a decisão negatória do pedido de concessão de ‘adaptação à liberdade condicional’ era irrecorrível por não abrangida expressamente pelo artigo 179.º, n.º 1 do CEPMPL, mais se entendendo que tal decisão negatória não colocava em causa « … o direito fundamental à liberdade, pois a adaptação à liberdade condicional em RPH é ainda uma das formas de cumprir a pena de prisão em privação da liberdade. A sua irrecorribilidade não implica, pois, a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no art. 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no art. 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20.º, todos da CRP. …».
7.2 O Código Penal de 95, após as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 59/2007 de 4 de setembro, passou a prever na Secção IV (Liberdade Condicional) [Capítulo II (Penas), do Título III (Das Consequências jurídicas do facto) e do Livro I (Parte Geral)], mais propriamente no seu artigo 62.º, uma nova medida denominada de ‘adaptação à liberdade condicional’, aí se determinando que «Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância», aí se condensando, assim e por referência ao artigo 61.º do Código Penal, os pressupostos que haveriam de estar subjacentes à sua aplicação. A inserção sistémica de tal medida no âmbito do instituto da liberdade condicional e, bem assim, o apelo que o seu regime faz para os pressupostos deste instituto, ainda que sem deixar, reconheça-se, de mencionar pressupostos ou elementos próprios que o diferenciam daquele [cf. Acórdão do STJ (Fixação de Jurisprudência) n.º 14/2009, de 21.10.2009, ‘in’ DR I.ª Série, n.º 226, de 20 de novembro de 2009], conduzem-nos ao entendimento que o legislador, com a introdução desta nova forma de execução da pena de prisão – ‘adaptação à liberdade condicional’ – cuja concretização ocorrerá necessariamente fora do ambiente prisional, mas condicionada ao regime de permanência em habitação sujeita a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, teve como objetivo estabelecer um período de transição entre a prisão, tendo como referência o estabelecimento prisional, e a liberdade condicional, período esse durante o qual o recluso possa, de forma mais próxima com o exterior, reorientar a sua vida de forma socialmente responsável, concedendo-lhe, assim, uma hipótese de reforçar esse sentido que pode ter saído enfraquecido por virtude de cumprimento de pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional. Com esta ‘adaptação à liberdade condicional’ visa-se, assim, estabelecer um iter gradativo, tendo em vista a liberdade condicional e por forma a que o recluso atinja com maior facilidade um dos escopos pretendidos pelas penas – reinserção na sociedade e por forma a que o agente conduza a sua vida de modo socialmente responsável (cf. artigo 2.º, n.º 1 do CEPML).
Por sua vez, o regime jurídico-processual referente a tal forma de execução da pena – adaptação à liberdade condicional –, prevista anteriormente nos artigos 484.º e 485.º do Código Processo Penal, encontra-se atualmente plasmado no artigo 188.º do CEPMPL [Livro II (Do processo perante o Tribunal de Execução das Penas) Título IV (Processo), Capítulo V (Liberdade Condicional), Secção III (Período de adaptação à liberdade condicional)], aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, diploma legal este que revogou aqueles preceitos. Tal regime jurídico-processual é estabelecido no normativo supra mencionado, em boa parte, diga-se, por remissão para os que regem o da liberdade condicional, sendo que nele, no que concerne à matéria de recursos, apenas se remete para o artigo 186º do CEPMPL (cf. artigo 188.º, n.º 7 CEPMPL), ou seja, apenas se prevê expressamente (cf. artigo 235.º, n.º 1 do CEPMPL) recurso limitado à questão da revogação ou não revogação da ‘adaptação à liberdade condicional’, pois se não faz qualquer remissão para o artigo 179.º, n.º 1 e 2 do CEPMPL (cf. artigo 188.º, n.º 6 do CEPMPL), em que se prevê recurso da decisão de recusa da liberdade condicional.
Daí que os regimes de ambas medidas – ‘adaptação à liberdade condicional’ e ‘liberdade condicional’ – se revelem muito idênticos, sendo que visam alcançar a mesma finalidade, mas, porém, não são enformados pela mesma realidade jurídico-penal, porquanto se neste se poderá encontrar alguma alteração do conteúdo da decisão condenatória, naquele já isso não sucede, pelo menos de forma objetiva e material, porquanto, embora haja que reconhecer que cumprir a pena na habitação representa uma mudança algo qualitativa relativamente ao seu cumprimento em estabelecimento prisional, tal ‘adaptação’ não corresponde de forma alguma ao instituto da ‘liberdade condicional’.
Aliás, em matéria bastante similar, o Tribunal já se pronunciou no Acórdão n.º 427/2009 (proferido em sede de fiscalização preventiva do Decreto n.º 366/X da Assembleia da República, que aprovou o novo Código de Execução das Penas), o que fez da seguinte forma:
«…
Quando é concedida a liberdade condicional há uma alteração do conteúdo da sentença condenatória. Isto é, a sentença condenatória “deixa de ser” de privação da liberdade, já que a libertação condicional significa uma devolução do condenado à liberdade (sem prejuízo do que se dispõe no artigo 64.º, nº 1, primeira parte, do Código Penal). Por outro lado, à colocação em liberdade condicional pode mesmo corresponder uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória, face ao que se dispõe nos artigos 57.º, n.º 1, por remissão do n.º 1 do artigo 64.º, e 61.º, n.º 5, do Código Penal. E corresponderá necessariamente a uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória para os que defendem que, em caso de revogação, conta como cumprimento da pena de prisão o tempo em que o condenado esteve em liberdade condicional.
(…)
Diversamente, quando o Diretor-Geral dos Serviços Prisionais coloca o recluso em regime aberto no exterior não há qualquer alteração do conteúdo da sentença condenatória. Esta decisão “continua a ser” de privação da liberdade, havendo, tão-só, uma alteração do conteúdo da execução da pena de prisão, político-criminalmente justificada por referência aos princípios jurídico-constitucionais da socialidade e da necessidade da intervenção penal (cf. supra ponto 4.). Isto é: não extravasa a natureza de medida de flexibilização da execução da pena de prisão (neste sentido, para o direito vigente e por comparação com o regime de semidetenção – atualmente previsto no artigo 46.º do Código Penal –, cf. Parecer n.º 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, já citado).
…» .
Conclui-se, assim, que a ‘adaptação à liberdade condicional’, não corresponde à ‘liberdade condicional’, nem é enformada por qualquer alteração do conteúdo da sentença condenatória, antes integrando, ainda, um modo de cumprimento da pena privativa de liberdade ínsita na decisão condenatória.
7.3 Concretizada esta sucinta introdução ao modo de execução da ‘adaptação à liberdade condicional’, esclarecedora do regime substantivo e adjetivo que o enformam, visando uma melhor compreensão da questão de (in)constitucionalidade suscitada, há que resolver a questão de (in)constitucionalidade, como seja, a de saber se a norma resultante do artigo 179.º, n.º 1 do CEPMPL, quando entendida como não permitindo o direito de recurso de decisão que indefere pedido de ‘adaptação à liberdade condicional’, viola, designadamente, o disposto no artigo 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 da Constituição, por contrariar o princípio geral, constitucionalmente consagrado, da proteção dos direitos de defesa de arguido em processo penal.
No caso ‘sub judice’, não estamos perante um arguido em processo penal ‘tout court’, mas antes perante um recluso em cumprimento de pena privativa de liberdade (condenado), que, obviamente, mantendo a titularidade dos direitos fundamentais, não poderá deixar de suportar as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução – artigo 30.º, n.ºs 4 e 5 da Constituição.
Com relevo para o ‘estatuto jurídico do recluso’, em cumprimento de pena privativa de liberdade, previsto naquela norma jusfundamental e, ora, previsto em consagração daquela no direito infraconstitucional, mais propriamente no artigo 6.º do CEPMPL, no Acórdão n.º 20/2012, o Tribunal pronunciou-se, explicitando-a, da seguinte forma:
«…
Desta norma constitucional extraem-se três consequências: i) o recluso permanece titular de todos os seus direitos fundamentais; ii) a restrição destes direitos fundamentais pressupõe sempre uma lei, que obedecerá aos princípios estabelecidos no artigo 18.º da Constituição: e iii) a restrição tem que ter por fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (assim, Damião da Cunha in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, 690).
Ou seja, o princípio geral é o de que o preso mantém todos os direitos e com um âmbito normativo de proteção idêntico ao dos outros cidadãos, salvo, evidentemente, as limitações inerentes à própria pena de prisão (v. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 505).
(…).
É unânime o entendimento de que está constitucionalmente negado conceber a relação presidiária (e a posição jurídica do recluso nessa relação) como uma “relação especial de poder” (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit., 505; e Damião da Cunha, ob. cit., 690). Essa “relação de poder” foi substituída por «relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres», em que o recluso não é mais “objeto” mas passou a ser «sujeito da execução» (Anabela Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, 2.ª ed., Coimbra, 2002, 69).
Sobre o estatuto jurídico do recluso estabelece o artigo 6.º do CEPMPL que o recluso «mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional». Mantém-se, assim, atual, a afirmação de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral - II, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, 111-112) – emitida a propósito do correspondente artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 265/79 – segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero “estatuto especial”, jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, art. 27.º-2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo».
…».
Definido, assim, o estatuto do recorrente, enquanto recluso em cumprimento de pena, resultante de sentença condenatória, impõe-se abordar a questão de (in)constitucionalidade por ele suscitada e no que concerne à não previsibilidade de recurso da decisão que lhe denegou a concessão de ‘adaptação à liberdade condicional’.
7.4 O recorrente viu, por despacho judicial, proferido em 13.06.2012, ser-lhe indeferido pedido de concessão de ‘adaptação à liberdade condicional’, e, com ele se não conformando, interpôs recurso que, por despacho judicial de 17.07.2012 do Tribunal de Execução de Penas, veio a ser rejeitado com fundamento em inadmissibilidade legal, decisão esta que provocou, por parte do recorrente, reclamação de tal decisão para o Tribunal da Relação de Évora que, por sua vez, confirmou a decisão reclamada com fundamento em que «… a decisão negatória não põe em causa o direito fundamental à liberdade, pois a adaptação à liberdade condicional em RPH é ainda uma das formas de cumprir a pena de prisão em privação da liberdade. A sua irrecorribilidade não implica, pois, a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no art. 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no art. 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20.º, todos da CRP. …».
Está em causa a (in)constitucionalidade de inadmissibilidade legal de recurso para a Relação de decisão judicial proferida por Tribunal de Execução de Penas, por parte de recluso em cumprimento de pena privativa de liberdade, que negou a concessão de ‘adaptação à liberdade condicional’, sendo certo que de acordo com o disposto nos artigos 188.º e 235.º do CEPMPL o mesmo se não encontra expressamente previsto.
Porém, não se vê, mau grado o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, que tal norma possa ser convocada no caso ‘sub juditio’, não obstante a maior judicialização que o novo CEPMPL veio trazer ao Processo de Execução de Penas, porquanto não estamos perante um processo criminal como nela se prevê.
No que importa à invocada violação do princípio constitucional, contido no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, a mesma não ocorre. Na realidade, o recorrente teve acesso ao direito e ao tribunal, desde logo, na medida em que a decisão de que se pretendia ver interposto o recurso, tendo sido proferida por Juiz do Tribunal de Execução de Penas, tem natureza judicial, decisão essa que, sem nos intrometermos na apreciação da mesma, ao nível do direito infraconstitucional, o que nos não compete, carecendo de caráter vinculado e exigindo um juízo de prognose favorável à recuperação social do condenado, não podia deixar de ter em atenção, também, a validade da norma que conduziu à aplicação da pena, e, consequentemente, salvaguardar a prevenção geral positiva, perante a comunidade em geral, que pela aplicação da mesma se visou garantir. Daí que, repita-se, se não possa concluir pela verificação de inconstitucionalidade da norma em causa por violação do princípio consagrado do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.
Do exposto conclui-se pela não inconstitucionalidade da supra identificada interpretação da norma do artigo 179.º, n.º 1 do CEPMPL tal como resulta da decisão recorrida, com fundamento na violação do disposto nos artigos 32.º, nº 1 e 20.º, n.º 1 da Constituição.
III. Decisão
Nos termos supra expostos, o Tribunal decide:
a) – Julgar não inconstitucional a «… norma do artigo 179.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento, (…)»;
b) – Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte e cinco) UCs., sem prejuízo de apoio judiciário de que o recorrente possa beneficiar.
Lisboa, 20 de março de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joaquim de Sousa Ribeiro.