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Processo nº 652/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Tendo, por acórdão lavrado em 10 de Abril de
2003, sido o arguido A. – pela autoria de factos que foram subsumidos ao
cometimento de um crime de ofensas corporais graves previsto e punível pelos
artigos 143º e 144º, alíneas c) e d), ambos do Código Penal – condenado na pena
de três anos de prisão, cuja execução ficou suspensa com a condição de, no prazo
de um ano, pagar ao ofendido a quantia de € 16.035,10 a título de danos
patrimoniais e não patrimoniais, recorreu o mesmo para o Tribunal da Relação de
Évora, o qual, por acórdão de 11 de Outubro de 2005, concedeu parcial provimento
ao recurso, alterando o decidido na 1ª instância na parte em que se arbitrou a
indemnização por danos patrimoniais, fixando-a em € 2.338,96, mantendo, em tudo
o mais, o aresto então impugnado.
De novo inconformado, recorreu o arguido para o
Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na motivação adrede produzida, formulado as
seguintes «conclusões»: –
“1.º– É certo que foram graves as lesões sofridas pelo ofendido
resultantes da actuação do recorrente, mas, analisados os factos [à] base não só
da INTELIGÊNCIA mas acima de tudo, da EXPERIÊNCIA, diz-nos esta que,
considerados os factos provados, é INDUBITÁVEL QUE O RECORRENTE NÃO COMETEU OS
CRIMES POR QUE FOI CONDENADO – arts.º 143º a 144º alíneas c) e d) do C. Penal –
por isso que agiu em LEG[Í]TIMA DEFESA – arts.º 31º, 32º, 33º, 34º e 35º do C.
Penal, pelo que, entendimento diverso, revela tratamento desigual entre ambos
com manifesta violação, além de outros do preceituado no art.º 32º da
Constituição da República Portuguesa;
2.º– Deste modo, considerados os factos expostos e, devidamente
sublinhados, agiu o recorrente em legítima defesa e, assim, quando condenado
como autor dos crimes mencionados – arts.º 143º e 144º alíneas c) e d) do C.
Penal – olvidando-se o preceituado nos arts.º 31º, 32º, 33º, 34º e 35º do C.
Penal – foram violados estes preceitos.
3.º – Deve, pois, o recorrente ser absolvido ou, eventualmente
– o que apenas em teoria se admite – se assim não for entendido, deve a
responsabilidade ser repartida na proporção de três quartos para o ofendido e um
quarto para o recorrente, ou em proporção aproximada com a suspensão da pena que
venha a ser aplicada NÃO SER DEPENDENTE DE QUAISQUER CONDIÇÕES, nomeadamente do
pagamento de indemnização dado o recorrente ser mesmo POBRE, (Tem APOIO
JUDICIÁRIO), assim se fazendo
JUSTIÇA!”
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por
acórdão de 4 de Maio de 2006, rejeitado o recurso, por manifesta improcedência,
fez o arguido juntar aos autos requerimento no qual manifestou a sua vontade de
interpor recurso para o Tribunal Constitucional “ao abrigo do disposto nos
arts.º 75º, 75º-A, 70º n.º 1 b), c) e f) da Lei n.º 28/82, de 18 de Novembro, e,
por violação de diversos preceitos constitucionais, nomeadamente arts.º 13º n.º
1, 27º e 32º do C.P.P.”.
Notificado o arguido para indicar a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade pretendia que o Tribunal Constitucional
apreciasse, veio ele apresentar requerimento em que disse: –
“A., arguido-recorrente nos autos em referência, notificado
para o efeito, vem dizer que, como se vê, logo na primeira página do douto
Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ali se diz claramente (segue
transcrição):
‘Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de
Justiça, extraindo da motivação as seguintes conclusões (que se transcreve);
1.º É certo que foram graves as lesões sofridas pelo ofendido
resultantes da actuação do recorrente, mas, analisados os factos [à] base não só
da INTELIGÊNCIA mas acima de tudo, da EXPERIÊNCIA, diz-nos esta que,
considerados os factos provados, é INDUBITÁVEL QUE O RECORRENTE NÃO COMETEU OS
CRIMES POR QUE FOI CONDENADO – arts.º 143º a 144º alíneas c) e d) do C. Penal –
por isso que agiu em LEGITIMA DEFESA – arts.º 31º, 32º, 33º, 34º e 35º do C.
Penal, pelo que, entendimento diverso, revela tratamento desigual entre ambos
com MANIFESTA VIOLAÇÃO, ALÉM DE OUTROS DO PRECEITUADO NO ART.º 32º DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA’
Transcrita, pois, a parte essencial, e tendo dado cumprimento
ao douto despacho de Vexa requer o prosseguimento dos autos com a respectiva
remessa para o Venerando Tribunal Constitucional”.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de
Justiça, porém, por despacho de 8 de Junho de 2006, não admitiu o recurso
intentado interpor, por isso que, em síntese, foi entendido que, de acordo com
aquilo que foi escrito na primeira «conclusão» da motivação do recurso para
aquele Alto Tribunal, a violação da Constituição “resultaria, não da aplicação
duma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo, nem duma
interpretação normativa contrária à Constituição, mas antes duma interpretação
da matéria de facto como integradora da ‘legítima defesa’, matéria esta
subtraída à competência do Tribunal Constitucional”, sendo que, de outro lado,
não tinha cabimento ancorar-se o recurso nas alíneas c) e f) do nº 1 do artº 70º
da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
De tal despacho reclamou o arguido para o
Tribunal Constitucional, fazendo por meio de requerimento com o seguinte teor: –
“A., recorrente nos autos em referência, notificado da douta decisão de
indeferimento do recurso que interpôs para o Venerando Tribunal Constitucional,
vem reclamar para este Venerando Tribunal e dando-se aqui por inteiramente
reproduzido o conteúdo dos seus anteriores requerimentos de interposição de
recursos quer para o Venerando Tribunal da Relação quer para o Venerando Supremo
Tribunal de Justiça, frisa, o seguinte:
É QUE, TENDO EM ATENÇÃO OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NA PRIMEIRA
INSTÂNCIA QUANTO AO COMPORTAMENTO E ACUSAÇÃO DO OFENDIDO E ARGUIDO, ORA
RECORRENTE, FACTOS QUE DO PONTO DE VISTA DESTE INTEGRAM O CONCEITO DE ‘LEGÍTIMA
DEFESA’, O DOUTO ACÓRDÃO DE QUE ORA SE RECORRE PARA O VENERANDO TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL, FEZ ERRADA INTERPOSIÇÃO DOS PRECEITOS JÁ MENCIONADOS, ou seja,
ARTS.º 31º N.º 1,32º DO C. PENAL E O DA IGUALDADE DOS CIDADÃOS – ARTS.º 13º N.º
1 e 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NO QUE CONCERNE AO PROCEDIMENTO DO OFENDIDO
E ARGUIDO, ORA RECORRENTE.
Daí a presente reclamação para o Venerando Tribunal
Constitucional.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo
Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no
sentido de a mesma ser manifestamente improcedente, já que o reclamante não
colocou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, e isso mesmo
admitindo que o requerimento acima transcrito é susceptível de traduzir meio
idóneo para suportar a reclamação a que se reporta o artº 76º, nº 4, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da
reclamação de que ora se cura.
Na verdade, e não se deixando de assinalar que,
atenta a forma como foi redigido o requerimento consubstanciador da interposição
do recurso desejado dirigir a este Tribunal, o mesmo revela um menos adequado
conhecimento do que sejam os recursos de apreciação da inconstitucionalidade ou
ilegalidade normativa de cujo conhecimento está incumbido este órgão
jurisdicional, sempre se dirá que: –
– na situação em espécie, não se congrega
minimamente o pressuposto do recurso esteado na alínea c) do nº 1 do falado artº
70º da Lei nº 28/82, justamente porque se não assistiu, no acórdão pretendido
impugnar perante este Tribunal, a qualquer recusa de aplicação de norma
ordinária com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor
reforçado;
- no tocante ao recurso baseado na alínea f)
daqueles número e artigo, não se verifica que, precedentemente à prolação
daquele acórdão, o ora reclamante tivesse suscitado qualquer questão atinente à
aplicação de normativo ordinário fundado na violação de lei com valor reforçado
ou de estatuto de Região Autónoma, ou atinente à aplicação de normativo
constante de diploma regional por violação de estatuto de Região Autónoma ou de
lei geral da República;
– pelo que concerne ao recurso fundado na
alínea b), ainda dos mesmos número e artigo, ressalta à saciedade do relato
supra efectuado que, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal
de Justiça, não foi assacada a qualquer norma do ordenamento jurídico
infra-constitucional o vício de contraditoriedade com normas ou princípios
constantes da Lei Fundamental, limitando-se o então impugnante a brandir com o
argumento segundo o qual, ao não se ter considerado que o arguido teria agido em
legítima defesa, isso representava uma violação da Constituição.
Um tal modo de dizer, inequivocamente,
significa que a enfermidade constitucional foi direccionada para a decisão
judicial então em apreço – o acórdão tirado no Tribunal da Relação de Évora.
Ora, sabido, como é, que os recursos de
fiscalização concreta da constitucionalidade é constituído por normas e não
outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua
tale consideradas, é por demais claro que o recurso não deveria ter sido
admitido, como não foi.
Neste contexto, indefere-se a vertente
reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em vinte unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento
voluntário, se atentar no benefício de apoio judiciário de que desfruta.
Lisboa, 24 de Julho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício