Imprimir acórdão
Processo nº 412/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Em 5 de Janeiro de 2006, o ora reclamante, A. interpôs, no Tribunal da
Comarca de Torres Vedras, recurso extraordinário de revisão de decisão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 2005, que o condenou em pena de
multa pela prática de três crimes previstos e puníveis pelo artigo 143º, nº 1,
do Código Penal, e em pena de prisão pela prática de um crime previsto e punível
pelo artigo 144º, alíneas b) e d), do Código Penal.
Por despacho, de 25 de Janeiro de 2006, o Tribunal de Torres Vedras decidiu não
admitir o recurso de revisão interposto. O arguido requereu a aclaração de tal
decisão, pedido que foi indeferido por despacho de 14 de Março de 2006.
2. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nestes termos:
«A., arguido e recorrente do recurso de REVISÃO DE SENTENÇA, por ele interposto,
nos presentes autos, de P°. Comum Colectivo, que lhe move o D°. Agente do M°.
Público, tendo-lhe sido indeferida a aclaração da douta decisão, que lhe
indeferiu a interposição do recurso de revisão da douta decisão proferida, nos
autos, VEM, interpôr recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos
termos dos art°s. da Lei 28 / 82.
O presente recurso é fundamentado nas disposições do artº. 32 da Constituição e
Inconstitucionalidade do art°. 127 do Cod. P°. Penal.
Nos termos expostos, requer a V. Exª.,se digne mandar subir o presente
requerimento para o Tribunal Constitucional, visto ser interposto dentro do
prazo legal».
3. O recurso não foi admitido, por despacho que aqui se transcreve, na parte
relevante:
«A fls. 92, o arguido A. veio apresentar requerimento de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional da decisão que não admitiu o recurso de revisão
por ele interposto, dizendo fazê-lo «nos termos dos art°s. da Lei 28/82», sem
outra precisão, mais precisando que o recurso é «fundamentado nas disposições do
art°. 32 da Constituição e inconstitucionalidade do art°. 127 do Cod. P°.
Penal».
Tal requerimento deu entrada em juízo em 27/03/2006, via fax.
O recurso de revisão interposto pelo arguido foi rejeitado por decisão datada de
25/01/2006 (cfr. fls. 77/78), presumindo-se tal decisão notificada ao arguido em
30/01/2006, nos termos do artigo 113°, n.º2, do C. P. Penal (cfr. fls. 79).
Por requerimento que deu entrada em juízo em 08/02/2006 (cfr. fls. 80 a 87), o
arguido veio requerer a “aclaração” do despacho que não admitiu o recurso de
revisão, o que foi indeferido por despacho de 14/03/2006 (cfr. fls. 89),
presumindo-se tal decisão notificada ao arguido em 20/03/2006, nos termos do
artigo 113°, n.º2, do C. P. Penal (cfr. fls. 90) (…)
Ora, o recurso interposto pelo arguido não indica a alínea do n.º1 do artigo 70º
ao abrigo da qual o recurso é interposto, o que implicaria que fosse o
recorrente convidado a fazê-lo, no prazo de 10 dias (n.º5 do artigo 75°-A).
Sendo certo que não se vislumbra que o recurso agora apresentado pelo arguido
possa enquadrar-se em qualquer das situações que o tomam admissível, nos termos
do n.º1 do artigo 70º da Lei n.º28/82, de 15/11. Se não, vejamos: não foi
recusada a aplicação de qualquer norma, com fundamento na sua
inconstitucionalidade ou ilegalidade ou contrariedade com convenção
internacional; não foi suscitada a inconstitucionalidade ou ilegalidade de
qualquer norma durante o processo; não foi aplicada qualquer norma já julgada
inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional ou pela Comissão
Constitucional ou de forma contrária ao já decidido sobre a questão pelo
Tribunal Constitucional.
Em todo o caso, importa ter presente que, nos termos do artigo 76° da citada Lei
n.º28/82 (…)
(…) no caso concreto, o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional foi apresentado muito para além dos dez dias para tal previstos
no artigo 75°, n.º1, da citada Lei n.º28/82.
Como acima se disse, o arguido presume-se notificado da decisão de que pretende
agora recorrer em 30/01/2006, sendo que o requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional foi remetido via fax em 27/03/2006.
E nem se diga que tal prazo não correu até à notificação ao arguido da decisão
que indeferiu a “aclaração”, pedida pelo arguido, do despacho do qual pretende
recorrer. Como já se disse no processo, tal “aclaração” não tem cabimento no
processo penal, a não ser nos casos previstos no artigo 380° do C. P. Penal,
cujo n.º3 estende a disciplina que regula a correcção das sentenças aos
despachos judiciais. Tal possibilidade de correcção não tem a virtualidade de
interromper, dilatar ou suspender o prazo para interposição de qualquer recurso,
como decorre do disposto no artigo 411º do C. P. Penal. Pelo contrário, o n.º2
do artigo 380° do C. P. Penal prevê expressamente a eventualidade de já ter
subido recurso da sentença (ou despacho), o que implica que tal recurso tem que
ser interposto no prazo para tal previsto, independentemente de ser suscitada a
correcção da sentença ou despacho.
Conclui-se assim ser extemporâneo o requerimento de interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional apresentado pelo arguido a fls. 91/92, motivo pelo
qual, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 75°, n.º1 e 76°, n.°s 1 e
2, ambos da Lei n.º28/82, de 15/11, indefiro tal requerimento, não admitindo o
recurso».
4. Seguidamente, o arguido juntou aos autos o seguinte requerimento:
«A., arguido e reclamante, nos autos de P°. Comum Colectivo, já julgado, - VEM,
requerer, mui respeitosamente, a V. Exª. a junção aos presentes autos, das
alegações do recurso do reclamante para o Venerando Tribunal da Relação de
Lisboa, e de 8 documentos, nos termos do art°. 405 do Cod. Pº. Penal, recurso
esse, com EFEITO SUSPENSIVO, QUE SOBE EM SEPARADO PARA O TRIBUNAL DO RECURSO,
VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
Nos termos do n°. 2 do invocado art°. 405 do Cod. P°. Penal, a presente
reclamação é apresentada na Secretaria do Tribunal recorrido e deve ser
remetida, separadamente, as presentes alegações e respectivos documentos, que se
encontram apensos ao requerimento de reclamação do douto despacho proferido nos
autos, para a Secretaria do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art°.
405 do Cod. P°. Penal».
5. O requerimento acima transcrito acompanhava alegações dirigidas ao Senhor
Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que findam pelas
seguintes conclusões:
«1 - O RECORRENTE AO APRESENTAR NO TRIBUNAL “A QUO”, O REQUERIMENTO DE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, FÊ-LO, TEMPESTIVAMENTE, NO PRAZO DE DEZ DIAS.
2- A INVOCAÇÃO, NO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DA DISPOSIÇÃO CONTIDA
NO ART°. 32 DA CONSTITUIÇÃO E ART°. 127 DO COD. P°. PENAL, SÃO FUNDAMENTOS
LEGÍTIMOS E RELEVANTES.
3- A EXMª. SENHORA DRª. JUÍZA “A QUO”, AO TER PROFERIDO O DOUTO DESPACHO, DE QUE
ORA SE INTERPÔE A PRESENTE RECLAMAÇÃO, NOS TERMOS DO ART°. 405 DO COD. PENAL,
VEIO EXTRAPOLAR OS SEUS PODERES DE DECISÃO, DE RECEBIMENTO DO RECURSO
INTERPOSTO.
4- O DOUTO DESPACHO, ORA RECLAMADO, VIOLOU, ASSIM, AS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO
ART°. 32 DA CONSTITUIÇÃO E, AINDA O PODER DE COMPETÊNCIA DA SENHORA JUÍZA, “A
QUO” DE SE PRONUNCIAR, COMO SE PRONUNCIOU NO DOUTO DESPACHO RECORRIDO.
5 - O DOUTO DESPACHO DE QUE ORA SE RECLAMA, VIOLOU AS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NOS
ART°S. 32 E ALª. B) DO ART°. 72, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO, E ART°. 405 DO COD. P°.
PENAL».
6. Os presentes autos vieram a dar entrada no Tribunal Constitucional, a coberto
do seguinte despacho:
«A fls. 97 a 104, o arguido A. veio apresentar reclamação do despacho de fls.
94/95, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional da decisão que não admitiu o recurso de revisão por ele
interposto.
Tal reclamação é dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa,
invocando-se o disposto no artigo 405º do C. P. Penal.
Estando em causa a não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, a
reclamação deverá ser apreciada por esse Tribunal e não pelo Tribunal da Relação
(artigo 76°, n.º4, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - Lei n.º28/82, de
15/11).
Assim, remeta o presente apenso de recurso de revisão para o Tribunal
Constitucional, com vista à apreciação da reclamação deduzida pelo arguido».
7. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se pela forma seguinte:
«Não se vislumbra nos autos qualquer peça processual do reclamante que indicie
minimamente a manifestação de vontade de reclamar para este Tribunal
Constitucional da decisão que rejeitou o recurso de fiscalização concreta
interposto, tendo o reclamante – erroneamente – optado pela dedução da
reclamação prevista no CPP, endereçando-a ao Tribunal da Relação.
Neste circunstancialismo – e estando em causa meios procedimentais radicalmente
distintos, a apreciar por Tribunais situados em diferentes ordens jurisdicionais
– não parece viável a oficiosa “convolação” do meio procedimental elegido pelo
reclamante para o que seria correcto e adequado».
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
1. Importa começar por salientar que, para reagir ao despacho que indeferiu o
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o
arguido não lançou mão do nº 4 do artigo 76º da LTC, reclamando antes para o
Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 405º do Código de
Processo Penal.
Independentemente da questão, levantada pelo Ministério Público junto deste
Tribunal, de saber se cabia ao Tribunal da Comarca de Torres Vedras convolar o
meio procedimental escolhido pelo reclamante para o que seria correcto e
adequado, seria sempre de indeferir a presente reclamação.
2. Após indeferimento do pedido de aclaração do despacho pelo qual se decidiu
não admitir recurso de revisão, o ora reclamante interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, o qual não foi admitido com fundamento na não
verificação dos pressupostos dos recursos previstos no nº 1 do artigo 70º da LTC
e em extemporaneidade (artigo 76º, nºs 1 e 2, da LTC). Considerando o primeiro
fundamento, o Tribunal Judicial de Torres Vedras concluiu, ainda, que não se
justificava, no caso em apreço, convidar o recorrente a indicar a alínea do nº 1
do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso era interposto (cf. nºs 1 e 5 do
artigo 75º-A da LTC).
Do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (ponto
2. do Relatório), resulta, de facto, que o recorrente não satisfez aquele
requisito do nº 1 do artigo 75º-A da LTC. Como este Tribunal não pode convidar o
recorrente a suprir a assinalada omissão em autos de reclamação e a mesma não
foi suprida quando o recorrente reclamou do despacho que não admitiu o recurso,
resta apenas indeferir a presente reclamação.
Como este Tribunal tem vindo a entender, “o cumprimento destes ónus [os
consagrados nos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 75º-A] não representa simples
observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes,
o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº
462/94, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº
243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, p. 609, os Acórdãos nºs
137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados).
Justifica-se, pois, confirmar o despacho reclamado, independentemente da questão
de saber se o recurso foi interposto dentro do prazo legalmente fixado.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício