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Processo n.º 366/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam Na 2.ª Secção Do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa
rejeitou os recursos interpostos por A., e outro, da decisão instrutória
proferida em 5 de Dezembro de 2005 pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal da
Comarca de Lisboa que, no âmbito do processo de instrução n.º 32/04.0JDLSB, o
pronunciou, entre outros, pela prática em autoria material e concurso real
efectivo de um crime de associação criminosa (previsto e punido pelo artigo
299.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), um crime de falsificação (artigo 269.º, n.º
1, do mesmo diploma), dois crimes de falsificação (artigo 256.º, n.º 1, alínea
a), e n.º 3, com referência ao disposto no artigo 255.º, alínea c), todos do
Código Penal), em co-autoria, de vinte e oito crimes de falsificação, de um
crime de receptação (artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal), e de um crime de
auxílio à imigração ilegal (previsto e punido pelo artigo 134.º-A, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro). Pode ler-se no referido aresto de
23 de Fevereiro de 2006:
«I.
No processo de instrução nuipc.º 32/04.0JDLSB do 2.º Juízo de Instrução Criminal
da Comarca de Lisboa, os arguidos B. e A., inconformados com a decisão
instrutória proferida nos presentes autos, vêm interpor recurso com os
fundamentos constantes das respectivas motivações e conclusões (idênticas) que
consubstanciam, em síntese, as seguintes questões:
1 – É flagrante a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas
nos artigos 187.° e 188.° do C.P.P. que leva à arguição expressa da nulidade de
todas as intercepções telefónicas dos autos.
2 – Há falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e
autorizaram as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os
prazos das referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das
mesmas quer a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos
danosos, em violação do disposto no art.º 97.°, n.º 4, do C.P.P..
3 – Não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o
que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em
apresentação imediata ao Juiz de Instrução.
4 – Os despachos judiciais que decidem prorrogar os prazos das escutas
telefónicas fazem-no quando esses prazos já terminaram, pelo que deveria antes
ser concedida nova autorização para realização das escutas telefónicas.
5 – O Juiz limitou-se a ordenar a transcrição das escutas sugerida pela polícia,
não chegando sequer a ouvir a totalidade das sessões presentes.
6 – A decisão recorrida violou os art.ºs 187.° e 188.º do C.P.P. e 32.º, n.º 4,
34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo pela improcedência
do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º do C.P.Penal.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do
recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420..º, n.º 1, do
Código de Processo Penal), sendo por isso determinada a remessa dos autos aos
vistos para subsequente julgamento na conferência.
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas
vertentes diversas: rejeição formal que se prende com a insatisfação dos
requisitos prescritos no art.º 412.º, n.º 2, e a rejeição substantiva que ocorre
quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada,
à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem
razão do recorrente. É o caso dos autos.
***
Cumpre decidir.
O despacho recorrido, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal e com cópia
nos presentes autos, aborda as questões arguidas nos presentes recursos e
anteriormente arguidas em sede de instrução de uma forma lapidar e com uma
correcção técnica e poder de síntese de elogiar, pelo que nos louvamos no mesmo.
Sempre se dirá que:
1. a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas nos artigos
187.º e 188.º do C.P.P..
Os crimes investigados e pelos quais os arguidos vieram a ser pronunciados são
os de associação criminosa, falsificação, receptação e auxílio à emigração
ilegal. Todos eles se enquadram na previsão do artigo 187.º, n.º 1, alínea a),
do C.P.P..
Por outro lado, é competente para ordenar ou autorizar a intercepção e gravação
de conversações ou comunicações telefónicas o juiz dos lugares onde
eventualmente se puder efectivar a conversação telefónica mas também da sede da
entidade competente para a investigação criminal, tratando-se de crime de
associação criminosa, o que se verificava no caso.
Todas as escutas foram sempre autorizadas por juiz, para investigação de crime
punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, tendo sido invocado,
nos respectivos despachos de autorização, o manifesto interesse das escutas
telefónicas para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.
2. falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e autorizaram
as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os prazos das
referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das mesmas quer
a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos danosos.
A lei exige tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que
fundamentam a decisão.
Verifica-se que todos os despachos judiciais ora invocados remetem para uma
promoção do Ministério Público e para um relatório circunstanciado realizado
pela autoridade policial e para o manifesto interesse das escutas telefónicas
para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.
A emissão do juízo jurídico-substantivo plasmado nos despachos surge como
plenamente clarividente, explicando cristalinamente as razões da decisão.
Ademais, todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso
lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram inequivocamente
enunciados e descritos.
E o raciocínio nos mesmos plasmado revela-se perfeitamente cristalino e
clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser
querido pela ordem jurídica.
Não se verifica, em consequência, falta de fundamentação.
3. não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o
que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em
apresentação imediata ao Juiz de Instrução.
Repetindo o que produziu este colectivo em recente acórdão, diremos que, na
redacção dos art.ºs 187.° e 188.° do CPP (redacção anterior ao D.L. n.º
320‑C/2000), dispunha-se o seguinte:
Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o
qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado
ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação.
Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a
prova, fá-los juntar ao processo; caso contrário ordena a sua destruição,
ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo
relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
No tocante às operações de gravação das conversas telefónicas, as mesmas, uma
vez efectuada a intercepção do telefone, passam a ser efectuadas automaticamente
através de um sistema informático centralizado existente na Polícia Judiciária,
sendo tal gravação feita em “disco rígido” de grande capacidade, suporte
informático este que congrega, em simultâneo, inúmeras gravações de chamadas
telefónicas respeitantes a múltiplos processos de inquérito em investigação.
Todas as intercepções telefónicas e consequentes gravações de conversas ficam
documentadas no “auto” de inquérito e o órgão de polícia criminal apresenta ao
juiz competente as gravações das conversas telefónicas.
Porém, como a audição pelo juiz do conteúdo dos registos de sons implicaria
longo trabalho daquele magistrado em funções executivas de recolha de prova, em
prejuízo do exercício de outras funções que lhe são próprias, entendeu o
legislador de 1987 que o mencionado auto deveria incluir a transcrição integral
ou sumária do conteúdo das comunicações interceptadas.
Na verdade, não só a proposta de Lei de autorização legislativa para a aprovação
do CPP de 1987 falava na transcrição das conversações interceptadas, como o n.º
3 do art.º 188.º do CPP pressupunha claramente que aquele auto continha tais
transcrições, pois só assim se compreenderia a possibilidade do arguido e do
assistente poderem verificar a conformidade das gravações com o conteúdo do
referido auto.
E o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 407/97, decidiu que seria
inconstitucional uma interpretação que não impusesse que o auto de intercepção e
gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a
escuta efectuada e levado ao conhecimento do juiz, com a necessária transcrição
das conversações efectuadas.
A justificação para a imediação na apresentação das escutas ao juiz, consagrada
pelo legislador e defendida pelo Tribunal Constitucional, é a de que o juiz
possa controlar atempadamente a necessidade do prosseguimento das escutas por si
determinadas.
Porém, nada, na lei ou na Constituição, impõe um prazo de 30 dias para que o
órgão de polícia criminal apresente as gravações ao juiz competente com a
documentação, no inquérito, da intercepção e da gravação.
Não havendo prazo legal estabelecido, só caso a caso é que se poderá aferir o
momento próprio para o órgão de polícia criminal proceder a tal apresentação.
Após decorrido o período da intercepção telefónica, o órgão de polícia criminal
deverá, com a brevidade possível, tendo sempre presente a complexidade das
investigações e a extensão das gravações, apresentar tais elementos ao juiz de
instrução competente, para os efeitos do disposto no art.º 188.º, n.º 3, do CPP,
a fim de este controlar as gravações, no tocante à autorização prévia da escuta,
à sua localização temporal no período judicialmente autorizado e à sua
relevância ou irrelevância para a prova, determinando a sua transcrição e/ou
destruição, dessa forma restringindo a invasão da intimidade da vida privada das
pessoas.
Pretender defender-se que o juiz de instrução é obrigado a controlar
permanentemente a evolução das escutas telefónicas é utópico, irrealista e
impraticável: sendo conhecida a modéstia dos meios técnicos e humanos da PJ para
proceder à gravação das escutas telefónicas e à transcrição das respectivas
conversações, a mencionada limitação imposta pelo Tribunal Constitucional
tornava impossível a realização de qualquer escuta telefónica no nosso país, que
não estivesse afectada pelo vício da nulidade, perante a manifesta
impossibilidade daquela polícia realizar a gravação da escuta, elaborar de
imediato o respectivo auto, com a necessária transcrição da conversa
interceptada, e levá-la imediatamente ao juiz. Era a imposição de uma velocidade
que o nosso país não estava preparado para atingir, por flagrante escassez de
meios.
Daí que os nossos tribunais, não se podendo dar ao luxo de prescindir de tal
meio de prova, em casos de manifesta justificação na sua utilização, para
superar a notória dificuldade de apresentação imediata pela PJ das gravações já
realizadas, com o respectivo auto de transcrição, para controle contínuo da
necessidade do prosseguimento das escutas, desde logo usaram o método de
previamente limitarem no tempo a realização das operações de escutas, não se
tomando exigível o mencionado controle contínuo, com a remessa imediata dos
resultados das intercepções efectuadas, como pretende o recorrente.
Aliás, o Acórdão n.º 407/97 do Tribunal Constitucional limita-se a sublinhar que
a exigência de imediação só se enquadra em termos inconstitucionais quando possa
afectar, naturalmente negativamente, a decisão do juiz para atempadamente poder
tomar posição quanto à junção ao processo ou a destruição dos elementos
recolhidos, ou de alguns deles e, bem assim, a manutenção ou alteração da
decisão que ordenou as escutas, sendo certo que o recorrente perece estribar-se
num quadro teórico-abstracto de inconstitucionalidade desenquadrado da previsão
daquele aresto.
O imediatismo a que respeita o n.º 1 do art.º 188.° do CPP deve, pois,
interpretar-se em termos hábeis, mostrando-se toleradamente respeitado, em
adequada ponderação de considerações garantísticas da defesa e superiores
exigências da realização do Direito – “Mostrando-se as escutas devidamente
autorizadas e tendo o juiz, no despacho que as ordenou, determinado,
previamente, o tempo durante o qual elas deveriam ocorrer, não é necessário que
a Polícia Judiciária apresente ao Juiz de Instrução, imediatamente após cada
realização, auto contendo a transcrição integral ou sumária das conversas
interceptadas e gravadas, mas somente quando finde o prazo concedido, ou as
escutas”, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2001, C.J.,
Ano XXVI, Tomo II, pág. 128.
Da análise dos autos se conclui que os suportes magnéticos que continham o
resultado das intercepções foram trazidos à Senhora Juiz regularmente e
respeitando, ou, pelo menos, pouco ultrapassando o prazo de dez dias (meramente
indicativo) dado para a apresentação dos suportes.
Mais do que uma vez foram ordenadas transcrições de sessões em crioulo ou fula e
nesses casos, por ordem da Senhora Juiz dada em despacho judicial proferido no
próprio dia em que eram apresentadas as gravações, o respectivo intérprete
comparecia no Tribunal na mesma data a fim de se proceder à sua audição e
tradução simultânea.
Como bem refere o despacho recorrido, apenas uma das vezes foi ultrapassado o
prazo de dez dias habitualmente concedido para a apresentação dos suportes
(Sessão n.º 175 – Alvo 1B8961). Mas mesmo nesse caso considera-se perfeitamente
justificável o facto de a mesma só ter sido trazida ao conhecimento da Senhora
Juiz cerca de um mês depois tendo em atenção que se tratava de uma sessão em
crioulo e que só após a nomeação de intérprete e a sua audição e tradução foi
possível aferir da sua utilidade para a investigação.
4 – Os despachos judiciais que decidem prorrogar os prazos das escutas
telefónicas fazem-no quando esses prazos já terminaram.
No Ac. do Tribunal Constitucional n.º 4/2006, se conhece de 3 questões
relacionadas com escutas telefónicas (início da intercepção; controlo judicial
das gravações; a destruição das gravações tidas sem interesse):
- “o entendimento de que o início de contagem do prazo pelo qual a intercepção
telefónica é autorizada (quando essa data não é directamente fixada pelo juiz)
deve atender à data efectiva do início da intercepção, e não à data do despacho
judicial autorizador”;
- “se nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de
cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que
deve ser elaborado o auto de gravação com indicação, pelo órgão de polícia
criminal, das passagens consideradas relevantes para a prova”.
Conclui-se, em consequência, não terem, em caso algum, sido desrespeitados os
prazos de intercepção e os despachos que decidiram a prorrogação de prazos de
escutas já autorizadas o foram atempadamente.
5 – o Juiz limitou-se a ordenar a transcrição das escutas sugerida pela polícia,
não chegando sequer a ouvir a totalidade das sessões presentes.
Como bem refere o Magistrado do Ministério Público recorrido, o acórdão do
Tribunal Constitucional de 25-08-2005 que decidiu:
“Não julgar inconstitucional a norma do art.º 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP,
interpretada no sentido que são válidas as provas obtidas por escutas
telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo Juiz de Instrução,
não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos
contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela
Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos.”.
Assim, não é constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o Juiz pode
exercitar a sua função de acompanhamento da operação de intersecção de
telecomunicações seja o da audição, pelo próprio, da integralidade das gravações
efectuadas, bastando que, havendo a possibilidade real de acesso directo às
gravações, o Juiz emita juízo autónomo sobre a sua relevância.
De qualquer modo, em momento algum dos autos se retira que a Mm.ª Juiz de
Instrução Criminal não tenha procedido às audições dos suportes magnéticos,
carecendo absolutamente de fundamento as acusações àquela magistrada pelos
recorrentes (em violação dos deveres para com o julgador taxativamente expressos
pelo Estatuto da Ordem dos Advogados).
6 – A decisão recorrida violou os art.ºs 187.º e 188.º do CPP. e 32.°, n.º 4,
34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP.
Por todo o acima expendido, se conclui não ter havido qualquer violação dos
preceitos que estabelecem o regime legal das escutas telefónicas – art.ºs 187.°
e 188.° do CPP, nem dos preceitos constitucionais – art.ºs 32.° e 34.° da CRP,
arguidas pelos recorrentes.»
2.O arguido A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo
ver apreciada a constitucionalidade da norma constante dos artigos “187.º e
188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de
julgar válidas escutas telefónicas não controladas judicialmente,
imediatamente”, por considerar que “tal norma (do artigo 188.º, n.º 1, do CPP)
assim interpretada viola o disposto nos art.ºs 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e
18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, dizendo ainda que “tais
questões de inconstitucionalidade foram expressamente suscitadas, em
requerimento apresentado na primeira instância, no requerimento de abertura da
instrução e, bem assim, nas alegações de recurso intentado para o Tribunal da
Relação de Lisboa”.
Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações que o recorrente
encerrou desta forma:
«EM CONCLUSÃO:
Cotejadas as datas das intercepções com as datas da respectiva validação
judicial das mesmas, facilmente se conclui que em caso algum houve um mínimo de
controlo judicial, tal é o lapso de tempo que medeia entre o início da
intercepção e a respectiva validação.
A fls. 193 o JIC validou as escutas, dois meses depois da respectiva
intercepção!
A fls. 324, 378, 460, 465, 1105, 1217, 1444, 1499, 1673, 1735, 1857, 1912, 2129,
2302, 2468, 2774 e 2777 (entre outras), os prazos de validação são igualmente
largamente ultrapassados, sendo certo que tudo quanto ultrapasse um prazo de 48
horas, ou quando muito dez dias, está fora da letra da Lei – IMEDIATAMENTE, do
espírito do legislador, afastando-se largamente da Jurisprudência dominante.
A fls. 3864, o JIC ouviu (em 15.12.2004) as intercepções, tendo validado as
respectivas escutas.
Não consta dos autos terem sido ouvidas e validadas as escutas de fls. 3091 e
seguintes!
São completamente incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que
concretamente medeiam entre o início da intercepção aos respectivos postos
telefónicos e as datas das respectivas validações.
Não podem, por isso, as intercepções realizadas nos presentes autos servir de
meio de prova.
É óbvia, nos presentes autos, a falta de controlo jurisdicional.
Imediatamente, pressuporia levar ao Juiz o auto e os registos no próprio dia ou,
quando muito, no dia seguinte – do mesmo modo que “pôr o detido imediatamente em
liberdade” significa pô-lo logo em liberdade e não, uma, duas, três ou até dez
semanas depois.
Como se alcança de fls. 1105, 1202, 1559, 1447, 1612, 1673, 1735, 1857, 1912,
2302 e 2774, entre outras… quando se despacha (mais uma vez sem fundamentar, em
violação do art.º 97.º, n.º 4, do CPP) no sentido de prorrogar, já as
respectivas autorizações judiciais haviam cessado.
No caso dos autos, o Juiz limitou-se a ordenar a transcrição daquelas que vêm
sugeridas pela polícia, não chegando sequer a ouvir a totalidade das que lhe são
presentes.
O n.º 2 do art.º 101.º, aplicável por força do 188.º, n.º 5, do CPP, exige que a
transcrição, uma vez ordenada, seja feita e junta aos autos no mais curto prazo
possível, devendo o Juiz certificar-se da conformidade da mesma.
Na verdade, as transcrições realizadas nos autos foram juntas ao processo muito
tempo depois de ordenadas e nunca a sua conformidade com as escutas foi aferida
pelo Juiz titular do processo, sendo também certo que não foi disso lavrado
auto.
O apenso 5 (aberto em 19.08.2004) contém transcrições de 22.06.2004 a
29.10.2004!!!!
O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, ao proceder da forma acima descrita,
designadamente não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas,
prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da
autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações, interpretou
os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação dos art.ºs 32.°, n.º 4 e n.º 8,
34.º, n.º 4, 43.°, n.ºs 1 e 4, e 18.°, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.
Em recurso, o TRL deu razão ao JIC, negando provimento ao recurso intentado pelo
recorrente, concluindo que não houve qualquer violação dos preceitos que
estabelecem o regime legal das escutas telefónicas (art.ºs 187.º e 188.º do CPP)
nem dos preceitos constitucionais (art.ºs 32.º e 34.º da CRP).
No entender do recorrente, a interpretação dada pelo TIC de Lisboa e pelo TRL,
aos artigos 187.º e 188.º do CPP, viola frontalmente os art.ºs 32.º e 34.º
C.R.P..
O Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter declarado a nulidade das escutas,
pelo facto de o TIC ter interpretado os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação
dos artigos 32.º, n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da
Constituição da República Portuguesa.
Tais interpretações e aplicações das normas dos artigos 187.º e 188.º do CPP
violam materialmente o disposto nos artigos 32.º, n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs
1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, devem as normas dos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo
Penal ser julgadas inconstitucionais (por violação do disposto nos artigos 32.º,
n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da Constituição da
República Portuguesa) quando interpretadas e aplicadas no sentido de permitir
que uma escuta telefónica seja validada – trazida ao conhecimento de um Juiz, de
forma não imediata, ou seja, mais de dez dias depois de interceptada. Com as
legais consequências.»
Contra-alegando, o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional concluiu:
«1. Os recursos interpostos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da
Lei do Tribunal Constitucional apenas podem ser conhecidos se a questão a
apreciar tiver sido idoneamente colocada e a dimensão normativa questionada
corresponder àquela que foi efectivamente seguida e aplicada na decisão
recorrida.
2. Na ausência destes pressupostos não deverá conhecer-se do recurso.
3. A entender-se de outro modo, verifica-se que as intercepções telefónicas
realizadas ao abrigo do disposto nos artigos 187.° e 188.° do CPP ocorreram
sempre com o devido e atempado controlo e acompanhamento judicial, não merecendo
qualquer censura do ponto de vista constitucional, pelo que deverá improceder o
presente recurso.»
Especificamente sobre a questão prévia do não conhecimento do recurso, diz-se
nas contra-alegações do Ministério Público:
«1.1 A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de
Lisboa que negou provimento ao recurso interposto da decisão do senhor Juiz de
Instrução Criminal que lhe havido indeferido a arguição de nulidade das escutas
telefónicas levadas a cabo na fase de inquérito.
O recorrente interpõe recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) sendo que um dos
requisitos legalmente exigidos para este tipo de recursos consiste em a questão
de inconstitucionalidade ser suscitada durante o processo, ou seja, antes da
prolação do acórdão recorrido e, obviamente, de forma processualmente adequada.
A questão de inconstitucionalidade terá também – face à competência do Tribunal
Constitucional – de reportar-se a normas ou a determinadas interpretações
normativas.
No caso dos autos, o momento oportuno era, pois, na motivação do recurso
interposto para a Relação da decisão do senhor Juiz de Instrução que indeferira
a arguição de nulidade das escutas.
Vejamos então se tal ocorreu.
Nessa peça processual o recorrente sustenta – no que mais directamente tem a ver
com inconstitucionalidades – que não se verificou um acompanhamento judicial das
escutas, tendo estado os arguidos vários meses sob escuta sem qualquer controlo
por parte do juiz das diversas fases das operações.
Segundo ele, este insuficiente acompanhamento levava a que, por desrespeito das
exigências contidas nos artigos 187.° e 188.° do Código de Processo Penal, elas
deveriam ser consideradas nulas.
Quer no texto da motivação quer nas respectivas conclusões apenas em dois
momentos é referida a Constituição, o que é feito do seguinte modo:
“A título meramente exemplificativo, dir-se-á que são completamente
incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que concretamente medeiam
entre o início da intercepção aos respectivos postos telefónicos e as datas das
respectivas validações” (fls. 8).
E mais adiante:
“O Tribunal recorrido, ao proceder da forma acima descrita designadamente
(autorizar escutas através de despachos não fundamentados, não ouvindo
imediatamente o teor das conversas interceptadas, prorrogar autorizações para
novas escutas depois de esgotados os prazos da autorização inicial, persistindo
em não fundamentar as prorrogações), interpretou os artigos 187.º e 188.º do CPP
em violação dos artigos 32.º, n.º 4 e n.º 8, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e
18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa” (fls. 9).
Na verdade, afirmar que certa actuação do juiz viola a lei e a Constituição, ou
que à forma de actuação do tribunal está subjacente uma interpretação
inconstitucional de normas, referindo-se apenas como exemplo e de forma genérica
alguns desses comportamentos, não é seguramente uma forma idónea de suscitar uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
No fundo, o recorrente, mesmo quando tenuamente aborda a questão do ponto de
vista da constitucionalidade, fá-lo reportando-se, em última análise, à própria
decisão.
Não altera esta conclusão o facto de ele citar alguma jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre esta matéria, dizendo-se, precisamente a este respeito, no
acórdão n.º 232/2006, o seguinte:
“Aliás, lida a motivação do recurso, verifica-se que o recorrente, embora refira
anteriores decisões do Tribunal Constitucional sobre a matéria das escutas
telefónicas, nunca enuncia uma interpretação normativa dos preceitos agora em
causa que seja inconstitucional, visando com tal menção corroborar apenas a sua
tese de que tais preceitos teriam sido violados, o que, por sua vez, implicaria
a nulidade das escutas...”
Dir-se-á ainda que nas situações relacionadas com a nulidade de escutas e em que
está em causa o artigo 188.° do Código de Processo Penal, o Tribunal
Constitucional, em casos com contornos em tudo semelhantes aos dos presentes
autos, tem decidido não conhecer do recurso, precisamente por entender que a
questão de inconstitucionalidade não vem adequadamente suscitada (cfr., v. g.
Acórdãos n.ºs 442/05, 453/05, 668/05 e 232/06 e as Decisões Sumárias n.ºs
326/05, 163/05, 187/05 e 258/05).
1.2. O afirmado anteriormente seria suficiente para não se conhecer do objecto
do recurso no entanto, tal conclusão sai ainda reforçada se atentarmos no
requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. Aí o
recorrente limita-se a dizer que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade
dos artigos 187.° e 188.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, “quando
interpretada no sentido de julgar válidas escutas telefónicas não controladas
judicialmente, imediatamente”, e que “tal norma (a do artigo 188.°, n.º 1, do
CPP)” assim interpretada violava o disposto nos artigos 32.°, n.º 8, 43.°, n.ºs
1 e 4, e 18.°, n.° 2, da Constituição (fls.777).
Desde logo, não se percebe porque é que se referem primeiramente os artigos
187.° e 188.° e depois se diz apenas que o 188.° é violador da Constituição.
Por outro lado, e mais importante, é evidente que no acórdão recorrido nunca se
perfilhou uma tal interpretação. O que se curou de averiguar foi se a
intensidade do controlo tinha respeitado o que a Lei e a Constituição impõem,
acabando por se concluir que tinha havido um real, efectivo e próximo
acompanhamento das operações de intromissão nas comunicações. Ou seja, que houve
um controlo judicial imediato.
Ao dar como assente que não houve um controlo judicial imediato, o recorrente
deslocou o cerne da questão, acabando, dessa forma, por fazer emergir uma norma
e interpor o recurso de constitucionalidade quanto a uma dimensão normativa que
não corresponde à que – ainda que deficientemente, como vimos – havia pretendido
suscitar e que nem sequer foi aplicada pela decisão recorrida.
Verificando-se, pois, que não existe coincidência entre a dimensão normativa de
que foi interposto recurso para este Tribunal e aquela cuja constitucionalidade
foi questionada e que aquela norma com aquela interpretação nem sequer foi
aplicada na decisão recorrida, não deve, também por isto, conhecer-se do objecto
do recurso.
(…)»
Notificado o recorrente para, querendo, se pronunciar relativamente às questões
prévias suscitadas pelo Ministério Público, nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Importa começar por tratar da questão prévia relativa à possibilidade de
conhecimento do presente recurso.
Como se sabe, são requisitos para se poder tomar conhecimento de um recurso
interposto, como o presente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional, além da aplicação como ratio decidendi, pelo
tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do
esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a
inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo de forma
clara e perceptível (artigo 72.º, n.º 2, da referida Lei).
Para o efeito de indagar se a suscitação da inconstitucionalidade normativa,
perante o tribunal recorrido, ocorreu, no caso dos autos, durante o processo
(antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido) e de forma
processualmente adequada, há que consultar a motivação do recurso interposto
perante o tribunal agora recorrido (a fls. 6 a 13 dos autos).
Nas conclusões, e especificamente no que diz respeito à alegada
inconstitucionalidade da inexistência de controlo judicial das escutas, o
recorrente afirmou que “(...) são completamente incompatíveis com o espírito da
lei e da CRP, os dias que concretamente medeiam entre o início da intercepção
aos respectivos postos telefónicos e as datas das respectivas validações”
(Conclusão 6) e, mais adiante, que “O Tribunal recorrido, ao proceder de forma
acima descrita, designadamente (autorizar escutas através de despachos não
fundamentados, não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas,
prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da
autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações),
interpretou os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação dos artigos 32.º, n.º 4
e n.º 8, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa” (Conclusão 15).
Por sua vez, no texto da motivação, e apesar da referência a jurisprudência do
Tribunal Constitucional, só é referida a incompatibilidade com a Constituição
(além de uma vez nos termos já referidos, também constantes das conclusões) nos
seguintes termos:
“A título meramente exemplificativo, dir-se-á que são completamente
incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que concretamente medeiam
entre o início da intercepção aos respectivos postos telefónicos e as datas das
respectivas validações” (fls. 8).
4.Como se disse no Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de 1989):
“[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe
cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de
inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade
constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de
uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem
por violador da lei fundamental.” (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96,
inéditos).”
E se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si mesmo”,
mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação
normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma
clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a
inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação
do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados
inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas que a
hipótese de uma norma se encontra preenchida no caso concreto (mesmo que se
aduzam argumentos de constitucionalidade nesse sentido). Esta necessidade de
individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou interpretação
normativos que o recorrente reputa inconstitucional torna-se, aliás,
particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual se
imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos
normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos,
susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente
passíveis, também, de respostas distintas.
Ora, não pode deixar de concluir-se que, perante o tribunal recorrido, o
recorrente não enunciou, ou sequer impugnou com clareza, como inconstitucional,
um determinado sentido ou interpretação de uma (ou mais) norma(s). Antes se
limitou a apontar vários vícios ao processo ou às condições em que terão sido
realizadas as escutas, com uma indicação exemplificativa – “ao proceder de forma
acima descrita designadamente (autorizar escutas através de despachos não
fundamentados, não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas,
prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da
autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações)” –, e a
concluir que as escutas seriam nulas, imputando a eventual inconstitucionalidade
à ausência de um controlo imediato das escutas realizadas. Basta, para o
concluir, verificar que a concretização da exigência de que o auto seja
“imediatamente” levado ao conhecimento do juiz foi efectuada de formas diversas,
quer com referência a um prazo máximo de 48 horas, quer com referência a um
prazo de 10 dias, quer, ainda, no requerimento de recurso, sem indicação de
qualquer prazo – falando-se apenas numa interpretação “no sentido de julgar
válidas escutas telefónicas não controladas judicialmente, imediatamente”.
Tal forma de referir uma inconstitucionalidade de uma “interpretação” é
insuficiente logo para o tribunal a quo se poder e dever aperceber de qual o
exacto sentido normativo que está questionado na sua conformidade constitucional
– muito menos correspondendo à exigência, que é a que decorre da jurisprudência
deste Tribunal (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 367/94 e 178/95,
publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 7 de Setembro de
1994 e de 21 de Junho de 1995), de que tal
“sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que,
no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na
sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a
Constituição” – ou, sequer, de que se “indique esse sentido (essa interpretação)
em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a
Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir (...).”
Não tendo o recorrente cumprido devidamente o ónus de suscitação da
inconstitucionalidade normativa durante o processo, de forma clara e
perceptível, não pode, agora, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do
presente recurso de constitucionalidade.
A tal conclusão não obsta o facto de o tribunal recorrido ter procedido a uma
pormenorizada análise do procedimento de acompanhamento das escutas pelo juiz no
presente caso. Antes era necessário que o recorrente enunciasse, ou, pelo menos,
indicasse com precisão, um certo sentido normativo (por exemplo, uma certa
concretização do termo “imediatamente”) que reputava inconstitucional. O que não
fez no requerimento do recurso de constitucionalidade, nem havia antes feito,
perante o tribunal recorrido.
Aliás, como bem atenta o Ministério Público junto deste Tribunal, na decisão
recorrida concluiu-se que tinha havido um real, efectivo e próximo
acompanhamento das operações de intromissão nas comunicações, ou seja, que houve
um controlo judicial imediato das escutas – e, aliás, não resultam dos autos
elementos expressivos em sentido contrário. Pelo que, qualquer que fosse o
sentido da decisão que recaísse sobre uma questão de constitucionalidade
referida à inexistência de um acompanhamento imediato das escutas – dimensão
normativa identificada no requerimento de recurso –, poderia manter-se
inalterado o decidido.
Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos para se poder tomar
conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento
do presente recurso de constitucionalidade e condenar o recorrente em custas,
fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos