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Processo n.º 516/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. e mulher, B., melhor identificados nos autos, apresentaram, em 2 de Maio de
2006, reclamação do despacho de 31 de Março de 2006 do Juiz Presidente do
Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Anadia que não admitiu o recurso de
constitucionalidade que pretenderam interpor do “douto despacho sobre as
reclamações da Autora contra o douto despacho de condensação”, proferido pelo
Juiz do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda em 12 de Janeiro de 2006, “para
apreciação da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas oportunamente
invocadas na reclamação antes invocada e pelos fundamentos nela expostos”.
Fundou-se tal decisão de não admissão do recurso no facto de poder ser o
referido despacho de 12 de Janeiro de 2006 ainda “impugnado no recurso
interposto da decisão final (art.º 511.º/3 do CPC)”.
No requerimento de reclamação que dirigiram a este Tribunal dizem os
reclamantes:
«Versa esta Reclamação sobre o douto de despacho do Exmo. Senhor Juiz Presidente
do Tribunal de Círculo de Anadia que indefere o requerimento de recurso para o
Tribunal Constitucional do despacho proferido sobre a reclamação da autora, com
o fundamento de que esse despacho pode ser impugnado no recurso interposto da
decisão final, fundamento que o Mm.º Senhor Juiz colhe do disposto no n.º 3 do
artigo 511.° do Código de Processo Civil.
Os Reclamante não se podem conformar com tal douta decisão, pelas seguintes três
razões:
1. O que a norma invocada, do n.º 3 do artigo 511.° do Código de Processo Civil,
significa – ao contrário do que o Mm.º Senhor Juiz dela pretende aparentemente
extrair fazendo dela, de algum modo, uma interpretação a contrario sensu que,
pura e simplesmente, não corresponde ao seu sentido – é que as decisões
proferidas sobre as reclamações em causa não são passíveis de recurso ordinário.
E o que, daí, com utilidade para a questão agora sob juízo se pode extrair é que
tais decisões (a decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal
Constitucional) não admitem (não admite) recurso ordinário e não estão (não
está), seguramente, sujeita a recurso ordinário obrigatório.
2. Ora, dispõe o n.º 2 do artigo 70.° da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, que os recursos (para o Tribunal
Constitucional do tipo daquele que agora está em causa) apenas cabem de decisões
que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam (…)”.
Por outro lado, dispõe o n.º 5 do artigo 70.° da Lei (norma que o Mm.º Senhor
Juiz, por acaso, nem cita) que “não é admitido recurso para o Tribunal
Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos
da lei processual”.
O caso em apreço não se subsume em qualquer das citadas hipóteses, não sendo
equiparável à primeira delas a possibilidade de impugnação de dada decisão em
eventual recurso da decisão final. Daí que a douta decisão reclamada viole, no
entender dos Reclamantes, o direito de recurso para o Tribunal Constitucional
consagrado no n.º 1 do citado artigo 70.°.
3. Finalmente, parece ainda aos Reclamantes que a douta decisão – relegando para
conhecimento após a decisão final questões de inconstitucionalidade
objectivamente susceptíveis de viciar todo o Julgamento, permitirá ou facilitará
a prática de actos inúteis, violando por isso também o disposto no artigo 137.º
do Código de Processo Civil.»
Respondeu a reclamada firma C., Ld.ª pela seguinte forma:
“1 – Da decisão ou despacho que julgue as reclamações apresentadas pelas partes
em relação à selecção de factos assentes e base instrutória não cabe recurso
autónomo, mas tal decisão pode ser impugnada no recurso interposto da sentença
final (artigo 511.º, n.º 3, do Código do Processo Civil).
2 – Isso significa que tal decisão é susceptível de recurso ordinário, embora
não autónomo nem processado imediatamente após ter sido proferida.
3 – Consequentemente, tal despacho, porque pode ser impugnado no recurso a
interpor da sentença final, isto é, porque pode ser impugnado em recurso
ordinário a interpor oportunamente, não é susceptível de recurso para o Tribunal
Constitucional.”
A reclamação foi objecto do seguinte despacho, de 17 de Maio de 2006, ainda no
Tribunal do Círculo de Anadia:
“9. Reclamação de fls. 571:
Ao abrigo do disposto nos art.ºs 76.º/4 e 77.º da LTC admito a reclamação para o
Tribunal Constitucional contra o despacho de fls. 561 [(que não admite o recurso
para o Tribunal Constitucional contra o despacho que foi proferido sobre a
reclamação da autora (art.º 70.º/2, da LTC) por esse despacho poder ser
impugnado no recurso interposto da decisão final (art.º 511.º/3, do CPC)].
Não há qualquer fundamento legal – nem os reclamantes o alegam – para a
suspensão da instância, em consequência da reclamação.
E não há qualquer inconstitucionalidade na inexistência desse efeito, porque do
provimento da reclamação em causa e eventualmente do recurso respectivo sempre
decorrerá efeito útil para os reclamantes, com a subsequente anulação do
processado.
Pelo que a requerida suspensão vai indeferida, com custas do incidente pelos
reclamantes.
9-A. Mantenho nos seus precisos termos o despacho reclamado, já que o despacho
recorrido pode ser impugnado, embora não autonomamente.
Não é ao juiz que cabe concretizar, apurar ou individualizar “as peças invocadas
e pressupostas pelo recorrentes na sua resposta”, pelo que apenas deve ser
extraída do requerimento de fls. 484/487 e do despacho de fls. 561.
Autue essa certidão em separado junto com o requerimento/reclamação de fls. 571
a 574, junte-lhes cópia da resposta da parte contrária a fls. 586 e cópia deste
despacho e remeta o apenso ao Sr. Presidente do Tribunal Constitucional.”
Notificado o Ministério Público, pronunciou-se nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – e como bem nota a decisão que rejeitou, no Tribunal “a quo”, o
recurso de constitucionalidade interposto – a norma constante do n.º 3 do art.º
511.º do CPC não torna “irrecorrível” o despacho proferido pelo juiz sobre as
reclamações contra a selecção da matéria de facto, limitando-se a prescrever um
regime de interposição (e subida) diferida para tal impugnação, que poderá ter
lugar no âmbito do recurso que a parte venha a interpor da decisão final.
Deste modo, não estando efectivamente esgotados os “recursos ordinários
possíveis”, é evidentemente inadmissível a interposição do recurso de
constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º
28/82.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
2.Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, pois o
Tribunal Constitucional não poderia tomar conhecimento do recurso interposto
pelos reclamantes, por falta de verificação de um dos requisitos processuais
para o recurso que se pretendeu interpor: o esgotamento dos recursos ordinários,
exigido pelo artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Segundo aquele n.º 2, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo 70.º
cabe apenas “de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não
prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”. No
presente caso o recurso foi interposto imediatamente do despacho do Juiz do 3.º
Juízo do Tribunal Judicial de Águeda de 12 de Janeiro de 2006 que julgou as
reclamações apresentadas pela demandante em relação à selecção de factos
assentes e base instrutória. Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 511.º do Código
de Processo Civil, o despacho proferido sobre as reclamações contra a selecção
da matéria de facto inserida na base instrutória “apenas pode ser impugnado no
recurso interposto da decisão final”. Logo pelo seu teor literal, esta norma não
veda o recurso do referido despacho, apenas remete a sua impugnação para o
recurso a interpor da decisão final. O despacho que decida as reclamações pode
ser impugnado nesse recurso, interposto da decisão final, devendo, nesse caso, a
impugnação do referido despacho ser, em tal recurso, apreciada autonomamente.
Tal despacho é, pois, susceptível de recurso ordinário – embora seja um recurso
não autónomo nem processado imediatamente após ter sido proferida a referida
decisão. Como bem nota o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional, a norma referida não torna “irrecorrível” o despacho proferido
pelo juiz sobre as reclamações contra a selecção da matéria de facto, antes
apenas prescreve um regime de interposição (e subida) diferida para tal
impugnação, que poderá ter lugar no âmbito do recurso que a parte venha a
interpor da decisão final.
Não assiste, pois, razão aos reclamantes quando pretendem que “tais decisões (a
decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional) não admitem
(não admite) recurso ordinário e não estão (não está), seguramente, sujeita a
recurso ordinário obrigatório”.
Assim, por falta de esgotamento efectivo do recurso ordinário que no caso cabia,
não podia admitir-se o recurso de constitucionalidade, e, por conseguinte, a
presente reclamação não pode ser deferida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação e condenar os reclamantes em custas, com 20 (vinte) unidades
de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos