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Processo n.º 974/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., L.da, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 3 de
Novembro de 2005, que negou a revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
(RP), proferido nos autos, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da
norma constante do artigo 62.º do Código de Processo Especial de Recuperação de
Empresas e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de
Abril, pretextando que o mesmo viola “o princípio da interpretação da lei em
conformidade com a Constituição decorrente dos art.ºs 277.º, n.º 2, e 280.º, n.º
3, o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.º, n.º 2, o princípio da
unidade do sistema jurídico”, bem como “o n.º 2 do art. 1.º do CPEREF cuja
valência ético-jurídica é superior à do art. 62.º do mesmo diploma”.
2 - A ora recorrente, alegando dificuldades financeiras, requereu
judicialmente providência de recuperação de empresa, pedindo que fosse adoptada
a concordata.
Após citação dos credores, decurso do prazo para a participação dos créditos
e para a dedução de oposição, e nenhuma tendo sido efectuada pelos credores, foi
proferido despacho judicial a ordenar o prosseguimento da acção e de nomeação do
Gestor Judicial e da Comissão de Credores.
Convocada a Assembleia de Credores para o dia 4 de Dezembro de 2003,
decidiu-se, nesta, aprovar os créditos e designar a data de 8 de Janeiro de 2004
para a Assembleia definitiva.
Realizada esta nova Assembleia, foi deliberado, por unanimidade, a
requerimento do gestor judicial, a prorrogação do período de observação da
empresa requerente, por 60 dias, ficando suspensos os trabalhos da Assembleia,
por esse período, e designada, para a reunião da Assembleia de Credores, a data
de 8 de Março de 2004.
Na Assembleia efectuada nesta última data, e após o gestor judicial ter
apresentado o relatório previsto no artigo 38.º do CEPEREF, propondo a
concordata como meio de recuperação da empresa requerente, a mesma requerente
pediu a suspensão da Assembleia, alegando decorrerem negociações com os
promitentes compradores, com vista à viabilização da empresa, tendo este pedido
sido acolhido, e designada, para a continuação dos trabalhos da Assembleia de
credores, a data de 23 de Abril de 2004.
Nesta assembleia, encontrando-se presentes ou representados credores
correspondentes a 81,108% dos créditos aprovados, o gestor judicial explicou a
medida de recuperação que propusera, com uma alteração quanto ao modo de
pagamento do crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de V. N. de Famalicão,
vindo essa proposta de “concordata” a ser aprovada por deliberação dos credores,
mas com o voto contra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do
Estado e da sociedade Carib-Carpintaria Ribeiro, L.da.
Por a medida haver sido votada favoravelmente por 76,581% da totalidade dos
créditos aprovados, foi proferida sentença que homologou a deliberação que
“aprovou a concordata constante da acta de 23 de Abril de 2004, tornando-a
obrigatória para todos os credores que lhe deram o seu acordo (votaram
favoravelmente) e para os demais, mesmo para aqueles cujos créditos não foram
reclamados ou verificados, que não disponham de garantia real sobre os bens da
devedora, nos termos do art. 70.º do CPEREF”.
Inconformada com esta sentença, na parte em que não tornou extensivos os
seus efeitos a todos os credores, dela apelou a requerente A., L.da, mas o
Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação, confirmando a
decisão recorrida.
Dizendo-se novamente inconformada, pediu a mesma requerente a revista
perante o STJ, aduzindo, como fundamento do recurso, entre o mais, na conclusão
5.ª, que “o douto acórdão recorrido não interpretou o art. 62.º do CPEREF de
harmonia com o princípio da interpretação das leis em conformidade com a
Constituição, decorrente dos art. 277.º, n.º 2 e 280.º, n.º 3, da Lei
Fundamental, levando em conta o princípio da proporcionalidade, previsto no art.
18.º, n.º 2, da CRP e o princípio da unidade do sistema jurídico, aflorado no
art. 9.º, n.º 2, do C. Civil e inerente à ideia de ordem jurídica, nem com o
disposto no art. 1.º, n.º 2, do CPEREF, cuja valência ético-jurídica é superior
à do art. 62.º deste Código”.
O acórdão recorrido julgou improcedentes todas as três questões que a
recorrente suscitara no recurso, sendo uma atinente a alegada nulidade da
sentença da 1.ª instância por falta de especificação dos créditos e credores
afectados pela deliberação que aprovou a concordata; outra traduzida em saber se
os créditos do Estado e do Centro Regional de Segurança Social ficam sujeitos ao
regime da concordata, e, finalmente, a terceira, recortada, na conclusão 5.ª,
como importando saber “se o acórdão recorrido na interpretação que fez do artigo
62.º do CPEREF, violou os princípios decorrentes dos artigos 277.º, n.º 2, e
280.º, n.º 3, da Constituição da República e o princípio da proporcionalidade
previsto no artigo 18.º, n.º 2, do novo diploma fundamental, por ofensa do
princípio da unidade do sistema jurídico, previsto no artigo 9.º, n.º 2, do
Código Civil e do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do CPEREF, cuja valência é
superior, no aspecto ético-jurídico, à do artigo 62.º do CPEREF”.
Pronunciando-se sobre esta questão, assim discorreu o acórdão recorrido:
“3. Urge finalmente apreciar e decidir a questão referenciada em c):
Afirma a recorrente que o acórdão recorrido não acolheu o recurso interposto, no
que respeita à ineficácia da sentença contra os credores estatais, com base no
artigo 62.º do CPEREF, e, assim, violou os princípios constitucionais
decorrentes dos artigos 277.º n.º 2, e 280.º, n.º 3, da Constituição da
República Portuguesa e do artigo 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental.
É evidente, face aos preceitos constitucionais citados, que a recorrente carece
de razão. Na verdade e desde logo, os artigos 277.º, n.º 2, e 280.º, n.º 3,
referidos, são invocados sem qualquer cabimento, porquanto não têm qualquer
ligação ou relacionamento com a interpretação dada ao artigo 62.º do CPEREF,
pelo acórdão recorrido.
Por sua vez o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República dispõe o
seguinte:
“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos”.
No acórdão recorrido e em conclusão decidiu-se que:
“Em processo de recuperação da empresa, no âmbito do CPEREF, aprovado pelo DL
132/92, o Estado e o ISSS, credores privilegiados, que não hajam renunciado ao
privilégio e não tenham votado favoravelmente ou aderido à concordata, não ficam
vinculados pela mesma”.
Tal decisão, resultante da aplicação dos artigos 62.º e 70.º do CPEREF, a nosso
ver, e, sem margem para dúvidas, não traduz qualquer violação ao princípio da
proporcionalidade previsto na 2ª parte, do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição
da República Portuguesa. É que a interpretação feita no acórdão, não envolve a
violação de qualquer dos subprincípios em que se desdobra aquela, a saber:
princípio da adequação; princípio da exigibilidade; princípio da
proporcionalidade em sentido restrito (cfr. Const. da Rep. Port. Anotada – 3ª
edição revista – Gomes Canotilho e Vital Moreira – pág. 152).
Por outro lado, não se vê, sob qualquer prisma, que tenha havido
interpretação contrária ao estabelecido no artigo 1.º, n.º 2, do CPEREF, que
estatui as circunstâncias em que se pode decretar a falência, ou, violação do
princípio da unidade do sistema jurídico previsto no artigo 9.º n.º 2, do C.
Civil, conforme pretende a recorrente.
Em face do exposto, e, quanto a esta questão, a revista
também tem de improceder».
3 – Alegando no recurso de constitucionalidade, a recorrente concluiu do
seguinte jeito:
“1ª
O privilégio creditório geral é uma mera faculdade, que só se convola em direito
do seu titular obter satisfação do seu crédito, antes da satisfação dos créditos
dos demais credores do devedor, em acção executiva intentada contra este, por
outros credores que não o privilegiado, sendo assim pressupostos da formação
desse direito, ou convolação da faculdade em direito, a intentação dessa acção
executiva, a penhora da coisa ou direito nessa acção, a reclamação e
reconhecimento do crédito e do privilégio, bem como a venda judicial da coisa.
2ª
Convolada a faculdade em direito, e verificados os pressupostos enunciados na
conclusão anterior, o direito do credor privilegiado incide sobre o produto da
venda, e não sobre a coisa. Por isso, caso haja desistência da penhora, ou a
execução se extinga, por qualquer outra razão, o titular da faculdade não pode
requerer a prossecução da execução, ao contrário de qualquer outro titular de
direito real de garantia sobre o bem penhorado.
3ª
O artigo 62º do CPEREF, maxime os seus nºs 1 e 2, não consagram os privilégios
creditórios gerais do Estado ou de outros entes públicos como direitos reais de
garantia desses créditos sobre os bens da empresa em recuperação.
4ª
A interpretação dada nestes autos pelas instâncias recorridas, não se compagina
com os princípios da unidade do sistema jurídico, aflorado no art. 9º.1 do CC, e
imanente à ideia de Ordem, com o princípio da proporcionalidade (art. 18º 2 da
CRP) e da igualdade (art. 13º da Lei Fundamental) porque subalterniza os
interesses dos credores comuns da empresa recuperanda, que, em regra, são
economicamente mais frágeis.
5ª
Essa interpretação viola também o disposto no art. 1º do CPEREF, que tem
natureza substantiva, enquanto as normas do art. 62º têm mera natureza
adjectiva, violando assim o princípio da hierarquia das fontes, e o princípio da
interpretação da lei em conformidade com a Constituição.
6ª
Mesmo que se entenda que essas normas do art. 62º referido consagram o aludido
direito real, então as normas e princípios constitucionais invocados são
violados por essa norma”.
4 – Contra-alegando, concluiu o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal
Constitucional:
“1 - A norma constante do artigo 62º do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei nº
132/93, de 23 de Abril, ao condicionar a afectação dos direitos dos credores
dotados de garantia real pelas providências visando a recuperação da empresa,
maioritariamente aprovadas pelos credores comuns, não viola os princípios
constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso”.
B – Fundamentação
5 – A recorrente controverte a constitucionalidade do artigo 62.º, nºs 1 e
2, do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, entretanto
revogado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
Na redacção vigente ao tempo, emergente do Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de
Outubro, o artigo determinava o seguinte:
“Artigo 62°
Igualdade entre os credores
1 - As providências que envolvam a extinção ou modificação dos créditos sobre a
empresa são apenas aplicáveis aos créditos comuns e aos créditos com garantia
prestada por terceiro, devendo incidir proporcionalmente sobre todos eles, salvo
acordo expresso dos credores afectados, e podem estender-se ainda aos créditos
com garantia real sobre bens da empresa devedora, nos termos em que o credor
beneficiário de garantia real vier a acordar.
2 - O Estado, os institutos públicos sem a natureza de empresas públicas e as
instituições da segurança social titulares de créditos privilegiados sobre a
empresa podem dar o seu acordo à adopção das providências referidas no número
anterior, desde que o membro do Governo competente o autorize.
3 - Qualquer redução do valor dos créditos dos trabalhadores deverá ter como
limite a medida da sua penhorabilidade e depender do acordo expresso deles.”
Como acaba de dizer-se, estão em causa apenas as normas constantes dos nºs 1
e 3 deste artigo.
Ora, antes de mais, cumpre anotar que não cabe ao Tribunal Constitucional
conhecer se o tribunal a quo procedeu, na elaboração do seu juízo hermenêutico,
à determinação do melhor direito infraconstitucional, apenas lhe competindo
saber se o direito ordinário, tal como foi definido pela decisão recorrida,
ofende normas ou princípios constitucionais ou seja, se estamos perante direito
não válido.
Assim sendo, não importa saber se o privilégio creditório geral, reconhecido
pela lei ordinária a determinadas categorias de créditos do Estado e do Centro
Regional de Segurança Social, como as que estão, em causa, no concreto processo,
deve – dentro de uma óptica que atente à sua operacionalidade e siga uma
interpretação orientada pelos princípios da unidade do sistema jurídico, da
proporcionalidade e da igualdade perante os credores comuns – ser havido, no
plano do direito infraconstitucional, como uma mera faculdade (que se converte
em direito subjectivo apenas com a efectiva execução dos bens) que não cabe nos
nºs 1 e 2 do art. 62.º, por não ter a natureza de direito real de garantia, tal
como argumenta o recorrente nas conclusões 1.ª a 4.ª, das suas alegações de
recurso, no Tribunal Constitucional.
Na verdade, o que a recorrente, aí, impugna é, pura e simplesmente, a
correcção da interpretação que a decisão recorrida levou a cabo e o resultado
hermenêutico a que aportou, sustentando que o tribunal a quo deveria ter chegado
a outra solução, em face dos “princípios da unidade do sistema jurídico (que se
mostra aflorado no art. 9.º, n.º1, do Código Civil), da proporcionalidade (art.
18.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade (art. 13.º da Lei Fundamental), porque
subalterniza os interesses dos credores comuns da empresa recuperanda que, em
regra, são economicamente mais débeis”.
São assim totalmente improcedentes, na perspectiva do juízo de
inconstitucionalidade, as conclusões 1ª a 4.ª.
E a igual resultado haverá de chegar-se quanto ao alegado na conclusão 5.ª.
Em rectas contas, ao discorrer pelo modo dela constante, a recorrente limita-se
a colocar uma questão de ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta, de
que o Tribunal Constitucional não pode conhecer, no tipo de recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
art. 70.º da LTC.
Na verdade, o que a recorrente faz é erigir à categoria constitucional de
lei parâmetro de outras leis ordinárias a norma do n.º 2 do art. 1.º do CPEREF,
sem especificar a fonte constitucional donde advém essa parametricidade, e
partindo, desse pressuposto afirmar que o art. 62.º, n.º 2, do mesmo CPEREF
viola o princípio da hierarquia das fontes, sem minimamente, também, o precisar.
Quer dizer, a recorrente converte aquele preceito do n.º 2 do art. 1º do CPEREF
em lei de valor constitucionalmente reforçado (sobre a espécie e natureza deste
tipo de leis, cf. o recente Acórdão n.º 374/2004, e a abundante recensão da
doutrina e da jurisprudência, aí feita, publicado no Diário da República II
Série, de 30 de Junho de 2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol.,
p. 71).
Mas independentemente de não se ver como possa esse preceito ser incluído na
categoria de leis de valor reforçado, a que alude o n.º 3 do art. 112.º da CRP,
verifica-se que a sua eventual violação apenas traduziria um vício de
ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta que não pode ser conhecida,
neste tipo de recurso.
Improcede, pois, tal fundamento do recurso de constitucionalidade.
6 – Não obstante a recorrente não recolocar, no recurso, a questão de
inconstitucionalidade das mesmas normas, por pretensa violação do disposto nos
artigos 277.º, n.º 2, e 280.º, n.º 3, e do princípio da proporcionalidade,
previsto no artigo 18.º, n.º 2, todos os artigos da Constituição, que foi
sujeita à apreciação do tribunal recorrido, não pode o Tribunal passar em branco
sobre ela, por tal matéria não estar abrangida pelo princípio do pedido (cf.
art. 79.º-C da LTC) e, sobre tais fundamentos, se haver pronunciado a decisão
recorrida.
Ora, o certo é que, como, aí, se diz, os artigos 277.º, n.º 2, e 280.º, n.º
3, da CRP não têm qualquer cabimento, pois “não têm qualquer ligação ou
relacionamento com a [matéria a que respeita] a interpretação dada ao art. 62.º
do CPEREF”.
E no que toca à alegada violação do princípio da proporcionalidade, previsto
no art. 18,º, n.º 2, da CRP, em qualquer das dimensões que o mesmo comporta
relativamente à restrição de direitos, liberdades e garantias fundamentais (cf.,
entre outros, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, p. 152, e, entre muitos, o Acórdão n.º
484/00, publicado no Diário da República II Série, de 4 de Janeiro de 2001, e
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., p. 391), verifica-se que a
recorrente se queda por uma alegação genérica, sem precisar a que direitos,
liberdades ou garantias fundamentais se refere, inviabilizando, desse modo, o
controlo do Tribunal.
Por outro lado, mesmo contrastada a questão com o princípio da
proporcionalidade, enquanto princípio geral, reitor de toda a actividade
legislativa, e atentos os fins que são visados pelos créditos do Estado e da
Segurança Social, que abaixo se referem, é de concluir que não pode
considerar-se como desadequado, desnecessário, excessivo ou desproporcionado o
tratamento previsto no preceito para os referidos créditos do Estado e da
Segurança Social.
Decorre, porém, das suas alegações, que o que a recorrente, em verdade,
questiona é a solução [que diz desproporcionada] de subalternização dos outros
credores do devedor quando comparados com o Estado, pois [que o] “privilegia,
sem razão (…) em relação aos credores comuns, em regra economicamente mais
frágeis”.
Mas, sendo assim, o fundamento de inconstitucionalidade da norma que a
recorrente aponta é o da ofensa ao princípio da igualdade, consagrado no art.
13º da CRP, aliás, invocado, logo, de seguida.
Sobre questão paralela disse-se, no recente Acórdão n.º 309/05, publicado no
Diário da República II Série, de 8 de Agosto de 2005, o seguinte:
“Tal argumento não procede manifestamente.
A questão colocada relaciona-se com a possibilidade de sujeição do Estado e de
outros entes públicos a uma providência de recuperação que envolva a extinção ou
modificação dos créditos sobre a empresa quando esses créditos gozem de garantia
real, designadamente, de privilégio creditório – como acontece, no caso, com os
créditos de impostos.
A providência de recuperação aprovada pela assembleia de credores no processo
que deu origem ao presente recurso – a reestruturação financeira – implicava
alteração das condições de amortização e das taxas de juros. Essa providência
não pode em princípio estender-se aos créditos de impostos porque tal envolveria
a modificação dos créditos sobre a empresa e a verdade é que o Estado não
renunciou à garantia real de que beneficiam os créditos em causa.
Por outras palavras, a providência de reestruturação financeira aprovada pela
assembleia de credores seria ineficaz relativamente aos créditos do Estado que
beneficiam de garantia real, pois o beneficiário da garantia real não consentiu
na extensão dos efeitos da providência aos créditos de que é titular, conforme
previsto no artigo 62º do CPEREF. É essa a razão que justifica que a assembleia
de credores tenha deliberado que a providência de recuperação aprovada não
engloba os créditos do Estado.
Ora, a homologação judicial de tal deliberação, ao abrigo do artigo 62º do
CPEREF, não viola o princípio da igualdade entre os credores.
Como se afirma, a concluir, no acórdão recorrido, a norma impugnada no presente
recurso, “ao permitir que o Estado possa dar o seu acordo à adopção de
providências que envolvam a extinção ou modificação dos créditos sobre a empresa
recuperanda sem perder o seu privilégio de credor com garantia real”, “tem o seu
fundamento na particular natureza da figura do Estado”.
Acrescente-se, aliás, que a necessidade de autorização a que se refere o n.º 2
do artigo 62º do CPEREF de nenhum modo privilegia ou prejudica credores: é uma
mera manifestação do poder de disposição de um bem, que não se justifica ser
mais ou menos amplo consoante seja ou não exercido no processo”.
Esta fundamentação é transponível para o caso dos autos, podendo, ainda,
acentuar-se que é, essencialmente, o fim a que tende a arrecadação das receitas
do Estado e da Segurança Social, que gozam do referido privilégio, que justifica
o diferente tratamento que lhes é dado, no domínio, aqui, em causa,
relativamente aos demais credores. É que essas receitas visam propiciar a
satisfação de necessidades públicas, por parte destes sujeitos.
Temos, pois, de concluir que o recurso não merece provimento.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 23 de Maio de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos