Imprimir acórdão
Processo nº 468/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que
figuram como recorrente A. e como recorrido o Conselho Superior do Ministério
Público, a ora recorrente, Oficial de Justiça, a exercer funções nos Serviços do
Ministério Público da Comarca de Felgueiras, interpôs recurso contencioso de
anulação do acórdão do Conselho recorrido que julgou improcedente o recurso
hierárquico por si interposto da decisão proferida pelo Conselho dos Oficiais de
Justiça de 19 de Setembro de 2002, que lhe aplicou uma pena disciplinar de
multa. Por acórdão de 26 de Maio de 2004, da Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, foi negado provimento ao
recurso.
2. Inconformada com esta decisão, a recorrente veio interpor recurso para o
Pleno da Secção, nos termos do disposto no artigo 24º do ETAF. Concluiu assim a
alegação:
“[...] 7ª) Os art°s 98° e 111º do DL n.° 343/99, de 26 de Agosto, (Estatuto dos
Oficiais de Justiça), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do D. L. n°
96/2002, de 12/04, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do
artigos 218°, n.° 3. da Constituição da República Portuguesa:
8ª) O D.L. n.° 96/2002 de 12/04 que alterou o Dec. Lei n.° 343/99 de 26/08
(Estatuto dos Oficiais de Justiça) não se aplica aos factos que originaram o
presente procedimento, os quais são anteriores à data da sua entrada em vigor,
pelo que, atento o principio de aplicação das leis no tempo, plasmado no art°
12° do Código Civil, a lei nova só dispõe para o futuro, ou seja, produz efeitos
não retroactivos ou “ex. tunc”;
9ª) Mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, que a deliberação do
COJ de 19/09/2002 fosse válida, os seus efeitos não se aplicam aos factos
objecto do presente recurso, atento o disposto no art° 282° da C.R.P., uma vez
que, por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória,
operada pelo Acórdão n.° 73/2002 do TC, publicado no DR. n.° 64 - I série de
16/03/2001, tomaram-se inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos
por ela (e daí a reposição em vigor das normas que haja revogado), mas também os
actos jurídicos praticados ao seu abrigo, pelo que o procedimento é inválido
desde a sua origem; [...]”
3. Tendo, além disso, sido igualmente arguida pela recorrente, nas alegações
deste recurso, a nulidade do acórdão recorrido, veio a Secção de Contencioso
Administrativo, por acórdão de 9 de Dezembro de 2004, julgar improcedente tal
arguição de nulidade.
4. Sempre inconformada, a recorrente, “notificada do douto acórdão que antecede,
mas com o mesmo não se conformando”, veio “dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional”. Pela decisão sumária n.º 113/2005, foi decidido não tomar
conhecimento do recurso, por se entender que, continuando o recurso a sua
tramitação no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, o acórdão sobre a
nulidade não seria susceptível de impugnação perante este Tribunal.
5. Foi, então, em 21 de Março de 2006, proferido acórdão do Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo que negou provimento ao recurso, fundamentando assim,
na parte que ora releva, a sua decisão:
“[...](ii) inconstitucionalidade dos artigos 98° e 11° do Estatuto dos Oficiais
de Justiça, na redacção introduzida pelo Dec. Lei 96/2002. de 14/04.
Vejamos antes de mais as vicissitudes por que passaram os referidos preceitos
legais.
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, das normas constantes dos art.s 98.° e 111., al. a), do
Estatuto dos Oficias de Justiça aprovado pelo DL 343/99, de 26/8.
[...]
A declaração de inconstitucionalidade não atingiu a totalidade das normas
citadas mas apenas “a parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos
Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção
disciplinar relativamente aos oficiais de justiça”.
Na sequência do julgamento de inconstitucionalidade das referidas normas o
legislador, “independentemente da solução definitiva que venha a ser consagrada
em sede constitucional,” sentiu necessidade de evitar “uma situação de profunda
instabilidade e insegurança” e através do DL 96/02, procedeu a uma “imediata
redefinição de competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao
exercício do poder disciplinar sobre os oficias de justiça, que vem sendo
exercida pelo Conselho Superior dos Oficiais de Justiça, por forma a que estas
percam a sua natureza de competências exclusivas e admitam, em qualquer caso,
uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de
pessoal que integram” - cfr. preâmbulo do referido diploma.
Tais intenções reflectiram-se na nova redacção dos preceitos do Estatuto dos
Oficiais de Justiça que haviam sido julgados inconstitucionais,
[...].
Defende a recorrente que, pese embora alteração das normas declaradas
inconstitucionais com força obrigatória geral, tal não afasta a sua
inconstitucionalidade. Em seu entender, e em termos claros e simples, o
exercício da competência para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar
dos oficiais de justiça estaria constitucional e exclusivamente adstrita ao
Conselho Superior da Magistratura e não a qualquer outro órgão, designadamente o
Conselho Superior do Ministério Público.
O acórdão recorrido não entendeu assim e, a nosso ver, bem, tanto mais que é
também esse o entendimento do Tribunal Constitucional, como vamos ver.
No acórdão do Tribunal Constitucional n.° 299/2005, proferido no processo
598/2004, foi apreciado um caso idêntico ao presente, onde se levantou a questão
de saber se a admissão de um recurso administrativo para o Conselho Superior do
Ministério Público, no caso de estar em causa um oficial de justiça afecto aos
serviços do Ministério Público, satisfazia a exigência Constitucional, sobre a
intervenção do Conselho Superior da Magistratura no art. 218°, 3 da
Constituição.
Aí se decidiu, em primeiro lugar, o seguinte:
“(…) Na sequência desta declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, o Governo editou o Decreto- Lei n.° 96/2002, de 12 de Abril,
cujo objectivo foi, como se assinala no respectivo preâmbulo, retirar às
competências exercidas pelo COJ quanto à apreciação do mérito profissional e ao
exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça “a actual natureza
de competências exclusivas”, admitindo-se, “em qualquer caso, urna decisão final
do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram”.
Assim, continuando a competir ao COJ “apreciar o mérito profissional e exercer o
poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência
disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.° 2 do artigo 68.°”
(alínea a) do n.° 1 do artigo 111.º do EFJ) e “apreciar os pedidos de revisão de
processos disciplinares e de reabilitação” (alínea b) do n.° 1 do mesmo artigo
111.º), passou a estar previsto que: (i) “O Conselho Superior da Magistratura, o
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior
do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem como o
poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas
no âmbito do disposto na alínea a) do número anterior” (artigo 111.°, n.° 2); e
(ii) “Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito
do disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 111.º, bem como das decisões
dos presidentes dos tribunais proferidas ao abrigo ao n.° 2 do artigo 68.°, cabe
recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho
Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis” (n.° 2 do
artigo l18.°).
Nos recursos que, posteriormente à entrada em vigor do Decreto Lei n.° 96/2002,
têm sido apreciados por este Tribunal — estando em todos eles em causa
funcionários adstritos ao serviços dos tribunais judiciais (que não funcionários
dos serviços do Ministério Público ou dos tribunais administrativos e fiscais)
—, tem sido uniforme e pacificamente entendido que a concessão dos referidos
poderes de avocação e de revogação “permite concluir que a última palavra em
matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao
Conselho Superior da Magistratura”, pelo que deixou de ser possível “continuar a
entender que as normas que atribuem competência em matéria disciplinar ao
Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no n.° 3
do artigo 118.° da Constituição”, já que “não se encontra nesse preceito, nem a
proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais de
Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do
exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça”, como se escreveu
no Acórdão n.° 378/2002, da 3ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.°
vol., pág. 307), cuja doutrina foi reiterada no Acórdão n.° 131/2004, da 1.ª
Secção (Diário da República, II Série, n.° 129, de 2 de Junho de 2004, pág.
8542), e no Acórdão n.° 721/2004, da 2.ª Secção (disponível, tal como todos os
anteriormente citados, em www.tribunalconstitucional.pt) e nas Decisões Sumárias
n.°s 42/2004 e 158/2005”
Contudo para a questão dos autos, não é bastante a fundamentação acima aduzida.
Nesta parte do acórdão o Tribunal Constitucional deixou claras as razões de ter
entendido que a alteração da competência exclusiva do Conselho de Oficiais de
Justiça para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar, com a
admissibilidade de um recurso administrativo para o Conselho Superior da
Magistratura era uma das formas de legalmente dar cumprimento ao disposto no
art. 218°, 3 da Constituição.
Contudo, esta interpretação só valeria para os casos em que das decisões do
Conselho dos Oficiais de Justiça coubesse recurso para o Conselho Superior da
Magistratura. Para os casos em que os oficiais de justiça estejam afectos aos
serviços do Ministério Público, coloca-se a questão de saber se, a não
intervenção do Conselho Superior da Magistratura, redundava, ou não, na violação
do art. 281°, 3 da CRP.
Porém, o entendimento sufragado, no acórdão o Tribunal Constitucional acima
referido, foi o de que não havia violação da Constituição se, nesses casos, a
impugnação administrativa fosse admissível para o Conselho Superior do
Ministério Público.
“(…) Para quem (como é, designadamente, o caso do ora relator) adira à posição
expressa nos aludidos votos de vencido apostos aos Acórdãos n.º 145/2000,
159/2001, 244/2001, 285/2001 e 73/2002, entendendo que a definição
constitucionalmente impostergável da competência do CSM é apenas a que consta do
n.º 1 do artigo 217.º da CRP (“a nomeação, a colocação, a transferência e a
promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar”
sobre esses mesmos juízes) e que o artigo 218.º, n.º 3, visou tão-só legitimar a
integração de funcionários de justiça naquele órgão se e quando a lei ordinária
alargasse a competência do CSM à apreciação do mérito profissional e ao
exercício do poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, é óbvio que
nenhuma inconstitucionalidade por violação deste última norma existe com a
atribuição ao CSMP de competência para conhecer dos recursos interpostos de
deliberações do COJ que apreciem o mérito profissional e exerçam a acção
disciplinar relativamente aos oficiais de justiça pertencentes aos quadros de
pessoal dos serviços do Ministério Público.
Mas mesmo quem adira à corrente jurisprudencial maioritária do Tribunal
Constitucional, que culminou no Acórdão n.º 73/2002, chegará à mesma conclusão,
atendendo a que esses juízos de inconstitucionalidade tiveram por justificação a
necessidade de assegurar a independência dos tribunais - naturalmente, dos
tribunais judiciais, únicos sob a égide do CSM. Recuperando formulações do
Acórdão n.º 145/2000, foi para colocar “os juízes dos tribunais judiciais
[sublinhado acrescentado] (...) a coberto de ingerências do Governo e da
Administração” que “a Constituição criou um órgão próprio de governo da
magistratura judicial [sublinhado acrescentado] – o Conselho Superior da
Magistratura –, que passou a ter como função essencial a gestão e a disciplina”
daqueles magistrados, ficando “proibida toda a intervenção externa directa na
nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, bem como na respectiva
disciplina” e que “é ainda esta necessidade e finalidade de garantir a
independência dos tribunais da forma mais completa possível que vem justificar
que ao Conselho Superior da Magistratura seja também atribuída a competência
para decidir as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao
exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça”, pois “não
pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte
da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a
realização prática da garantia constitucional da respectiva independência”. Esta
justificação vale de pleno para os funcionários de justiça que coadjuvam os
magistrados judiciais, mas já não para os funcionários que coadjuvam os
magistrados do Ministério Público, actualmente integrados em quadro distinto do
daqueles.
Importa recordar que a Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do
Ministério Público) – à semelhança do que então ocorria com o CSM relativamente
aos funcionários dos tribunais judiciais –, previa que o CSMP exercesse
jurisdição sobre os funcionários de justiça do Ministério Público (artigo 14.º,
n.º 2), conferindo-lhe competência para apreciar o mérito profissional e exercer
a acção disciplinar relativamente aos funcionários de justiça do Ministério
Público (artigo 24.º, alínea b)), integrando o CSMP, com intervenção restrita a
estas matérias, dois funcionários de justiça eleitos pelos seus pares (artigo
14.º, n.º 4).
Essa competência do CSMP foi extinta com a criação do COJ e a atribuição a este
órgão de competência exclusiva para apreciar o mérito profissional e exercer a
acção disciplinar sobre os funcionários de justiça, quer estivessem integrados
nas secretarias dos tribunais judiciais, quer nos serviços do Ministério
Público. Com a declaração de inconstitucionalidade das normas que procediam a
essa atribuição, feita pelo Acórdão n.º 73/2002, e com a subsequente publicação
do Decreto-Lei n.º 96/2002, foi assegurada a intervenção do órgão superior do
Ministério Público sempre que estejam em causa funcionários afectos aos serviços
do Ministério Público (tal como foi assegurada a intervenção do CSTAF quando
estiverem em causa funcionários dos tribunais administrativos e fiscais).
Trata‑se de solução que, não sendo constitucionalmente imposta, também não é
constitucionalmente proibida.
A este último respeito, importa recordar que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º
926/76, de 31 de Dezembro (Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura),
que pela primeira vez atribuiu ao órgão de gestão da magistratura judicial
competência para apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar
sobre os funcionários de justiça, se manifestaram dúvidas sobre a
constitucionalidade desta solução, por eventual invasão da competência do
Governo, ao afirmar-se: “... em obediência ao facto de o Governo ser o órgão
superior da Administração Pública (artigo 185.º da Constituição) e de, nessa
qualidade, lhe competir a prática de todos os actos exigidos pela lei
respeitantes aos funcionários e agentes do Estado (alínea e) do artigo 202.º),
manteve-se na órbita do Executivo a gestão dos funcionários de justiça. Abriu-se
tão-só uma excepção para a respectiva acção disciplinar [e apreciação do mérito
profissional] por óbvias razões de eficiência e por se ter entendido que não
contraria frontalmente a letra do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição. Não
deixa a excepção, no entanto, de justificar algumas dúvidas”.
Entende-se, no entanto, que dos actuais artigos 182.º e 199.º, alínea e), da CRP
não resulta a impossibilidade de, relativamente a certas categorias de
funcionários (como os funcionários que coadjuvam os magistrados do Ministério
Público), alguns actos administrativos a eles respeitantes serem retirados da
competência directa do Governo, quer por razões de eficiência, quer por se
entender que assim melhor se tutelam valores constitucionalmente relevantes,
como a autonomia do Ministério Público. E igualmente os artigos 219.º, n.ºs 2 e
5, e 220.º, n.ºs 1 e 2, da CRP não impõem, mas também não proíbem o legislador
ordinário de prever alguma intervenção do CSMP em actos relativos a funcionários
que coadjuvam os respectivos magistrados. E, por último, também o artigo 218.º,
n.º 3, da CRP, atenta a justificação subjacente à jurisprudência que culminou no
Acórdão n.º 73/2002, não impõe a intervenção do CSM na apreciação do mérito
profissional e no exercício da acção disciplinar relativamente aos funcionários
dos serviços do Ministério Público. Em suma: cabendo ao CSM a função de
assegurar a independência de funcionamento dos tribunais judiciais, mas já não a
dos tribunais administrativos e fiscais, nem a autonomia do Ministério Público,
compreende-se que se sustente, como o fez a apontada jurisprudência maioritária
do Tribunal Constitucional, que não seja irrelevante a exclusão total da
intervenção do CSM na avaliação profissional e disciplinar dos funcionários de
justiça que coadjuvam os juízes dos tribunais judiciais no exercício das
respectivas funções jurisdicionais, funcionários que se encontram na dependência
funcional desses juízes. Mas resultando do quadro constitucional vigente que a
independência dos tribunais judiciais não exige a colocação dos magistrados do
Ministério Público sob a égide do CSM, solução afastada pelo artigo 219.º, n.º
5, da CRP, não pode considerar-se constitucionalmente imposta, em nome do
asseguramento da independência dos tribunais, a intervenção do CSM na avaliação
profissional e disciplinar de funcionários de justiça colocados na dependência
funcional de magistrados (os magistrados do Ministério Público) absolutamente
imunes à intervenção daquele Conselho.
Trata‑se, pois, de campo em que, quanto aos funcionários dos serviços do
Ministério Público, ao legislador ordinário era consentida a opção entre várias
soluções, constitucionalmente admissíveis, uma das quais foi a consagrada nas
normas ora questionadas.”
Aceitando esta jurisprudência, com a qual concordamos inteiramente, podemos
concluir que não se verifica a apontada inconstitucionalidade material.
(iii) invalidade da deliberação de 19-2-2002. por o Dec. Lei 96/2002, de 12/04
não ser aplicável a factos passados.
A recorrente entende que o novo quadro legal não poderia ser aplicado ao seu
processo.
[...]
A recorrente defende (i) que a nova redacção dos artigos 98° e [1]11º. al. a) do
Dec. Lei 343/99, de 26/8 não era aplicável ao seu caso, uma vez que nos termos
do art. 12° do Código Civil a lei só dispõe para o futuro e ainda porque (ii)
com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral “tornam-se
inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela, mas também os
actos praticados ao seu abrigo, pelo que o procedimento é inválido desde a sua
origem”.
O primeiro argumento não é concludente. A alteração da lei, como vimos da
respectiva transcrição, reportou-se a um momento especial do procedimento
administrativo: a competência para a decisão final.
Julgamos que os princípios gerais de aplicação da lei no tempo (aplicáveis por
não terem sido emitidas normas transitórias) levam a que a lei nova só seja
aplicável a processos disciplinares onde não existia ainda decisão final.
E neste ponto concordamos inteiramente com a recorrente.
A lei nova só visa os factos novos.
E como os factos novos nela previstos se reconduzem ao exercício da competência
na fase final do procedimento, a lei nova só se aplica aos processos
disciplinares onde ainda não haja sido proferida a decisão final.
Contudo, a inexistência de decisão final tanto se dá com o facto natural de
ainda não ter sido proferida, como se dá com os factos jurídicos
consubstanciados na anulação ou revogação anulatória e por isso com efeitos
retroactivos da decisão final. Em todos estes casos, em termos jurídicos, não
temos decisão final: (i) ou nunca chegou a existir, ou (ii) foi suprimida da
ordem jurídica.
Não havendo decisão final, então, por força da aplicação da lei no tempo e do
princípio’tempus regit actum’ deve ser proferida nova decisão de acordo com a
lei em vigor na data em que é proferida a nova decisão.
Foi este o entendimento do acórdão recorrido e também foi este o entendimento
deste Tribunal Pleno, no acórdão proferido no recurso de 7-2-2006 proferido no
processo n.° 269/03, num caso em que por ter havido anulação judicial da decisão
final do procedimento - com fundamento na inconstitucionalidade da anterior
redacção das normas em causa - voltou a ser proferida nova decisão pelo Conselho
dos Oficias de Justiça.
Aí se decidiu o seguinte:
“Poderia ser aplicado o novo quadro legal aos processos disciplinares em que a
punição foi anulada por ter sido proferido à luz das normas declaradas
inconstitucionais? Poderia aproveitar-se tudo o que fora feito no processo
disciplinar, antes da decisão punitiva?
A resposta a ambas as questões é a nosso ver, e tal como foi decidido no acórdão
recorrido, claramente afirmativa.
O quadro legal à sombra do qual o acto foi praticado foi julgado
inconstitucional e, por isso, só o novo quadro legal poderia ser aplicado na
execução do julgado. Não teria sentido outra solução, como é óbvio.
[...]
Por outro lado, as regras sobre competência são imediatamente aplicáveis,
valendo mesmo na execução do julgado anulatório. E competente para executar o
julgado, quem detiver as atribuições na data da execução - cfr. art. 174°, 3 do
CPTA. Não há, pois, qualquer obstáculo a que, sendo possível praticar um novo
acto punitivo, o mesmo seja proferido pelas entidades competentes na data da sua
emissão.
Ora, como facilmente se demonstrará, também o procedimento disciplinar anterior
à decisão anulada pode e deve ser aproveitado, na justa medida em que a anulação
do acto o não afecte.
A nova lei, no que respeita ao procedimento disciplinar veio alterar a fase da
decisão final, acabando com a competência exclusiva do COJ, consagrando a
existência de um recurso das suas deliberações, bem como a possibilidade de
avocação do processo e o poder de revogação pelos dos Conselhos Superiores das
Magistraturas. A entrada em vigor da lei nova, implica assim sua aplicação aos
processos pendentes, onde ainda não tenha sido proferida a decisão final, isto é
a todos os processos onde ainda seja possível uma intervenção do COJ, sem
competência exclusiva, e onde seja dada a possibilidade de recurso para os
referidos Conselhos Superiores das Magistraturas.
A anulação da decisão final faz com que esta desapareça da ordem jurídica. A
supressão da decisão final vai reconduzir o procedimento ao momento
ontologicamente anterior à ilegalidade cometida e que serviu de fundamento à
anulação.
No presente caso, a anulação do acto radicou na inconstitucionalidade da regra
que atribuiu competência punitiva exclusivamente ao COJ. A anulação faz
retroceder o procedimento até ao momento anterior a essa decisão. Só essa
decisão (anulada) e os actos subsequentes afectados por tal anulação são
suprimidos da ordem jurídica. Os actos anteriores não são afectados por tal
invalidade.
Podemos concluir, deste modo, que não havia qualquer obrigação de repetição dos
actos procedimentais anteriores à decisão anulada, porque o vicio que
fundamentou a anulação apenas atingia esta. O processo disciplinar anterior à
decisão anulada não foi afectado pela anulação. Assim a decisão recorrida deve
ser encarada como a decisão final do procedimento disciplinar que serviu para
preparar a decisão anulada. Não tem pois razão a recorrente quando afirma que
ter sido violado o art. 42° do Dec. Lei 24/84 de 16 de Janeiro (Estatuo
Disciplinar)”
Depois da revogação anulatória da decisão final, parece-nos certo e seguro que a
nova decisão deveria ser feita à luz das regras legais vigentes nesse momento. É
assim em caso de execução de um julgado anulatório e, por identidade de razões,
assim deve ser no caso do acto administrativo ser revogado com fundamento em
invalidade.
Mas, defende ainda a recorrente que a declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral tornava inválidos os actos jurídicos praticados ao seu
abrigo, ou cuja legalidade se baseava nas referidas normas.
Mais uma vez a recorrente apenas tem razão no princípio jurídico que invoca, ou
seja, quando defende que os actos jurídicos praticados com fundamento nas normas
declaradas inconstitucionais são ilegais.
Isso é verdade.
Só que da aplicação de tal princípio infere-se precisamente o contrário da tese
que enuncia. Ou seja, infere-se que o Conselho dos Oficiais de Justiça andou
bem. Foi precisamente por reconhecer a ilegalidade da deliberação de 19 de
Novembro de 2001 (ilegalidade emergente de ter aplicado as normas entretanto
declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral) que o Conselho de
Oficiais de justiça a revogou. Revogou-a, precisamente, com fundamento em
ilegalidade, ou precisando melhor, com o fundamento nessa ilegalidade.
Foi pois aplicado (e bem aplicado) o princípio que a recorrente diz ter sido
violado.
O que a recorrente pretendia era que também fossem inválidos os actos
procedimentais anteriores à decisão final. Mas, essa conclusão não decorre, nem
se infere do princípio que invoca (a inconstitucionalidade afecta os actos
jurídicos praticados com fundamento nas normas inconstitucionais). As normas que
regulamentam a tramitação do processo disciplinar não foram julgadas
inconstitucionais, e por isso, os actos praticados sob a sua égide não foram
afectados.
Daí que também neste ponto não tenha razão de ser a crítica dirigida ao acórdão
recorrido. [...]”
6. Desta decisão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo foi interposto recurso de constitucionalidade, através
de um requerimento que tem o seguinte teor:
“ [...] vem, nos termos das disposições combinadas dos artigos 69°, 70º, n.º1
al. b), e n.º 2, 72°, n° 2, da Lei Orgânica, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, no âmbito da fiscalização concreta da Constituição,
dele interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e com os
seguintes fundamentos:
a) Contrariamente ao decidido por esse Tribunal, a recorrente entende que os
artigos 98° e [1]11° do D.L. n.° 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Oficiais
de justiça), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° do D.L. n° 96/2002, de
12 de Abril, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do artigo
218°, n°3, da Constituição da República Portuguesa,
b) Também contrariamente ao decidido, o D.L.. n.° 96/2002, de 12 de Abril, que
alterou o acima aludido D.L. n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Oficiais
de Justiça) não se aplica aos factos que originaram o presente procedimento
disciplinar, os quais são anteriores à data da sua entrada em vigor, sob pena de
violação do princípio constitucional da irretroactividade da lei nova, previsto
no artigo 29°, n.° 4, da C.R.P., e, bem assim, do disposto no artigo 282° da Lei
Fundamental, uma vez que, por força da declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória operada pelo Acórdão n.° 73/2002 do Tribunal Constitucional,
publicado no D.R. nº 64- I Série, de 16.03.2001, tornam-se inválidos não somente
os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor -
repristinação — das normas que haja revogado), mas também os actos jurídicos, ou
os seus efeitos, praticados ao seu abrigo, pelo que o presente procedimento é
inválido desde a sua origem. [...]”
7. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“7. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da
norma contida nos artigos 98° e [1]11° do D.L. n.° 343/99, de 26 de Agosto
(Estatuto dos Oficiais de justiça), na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1°
do D.L. n.° 96/2002, de 12 de Abril, por alegada violação do artigo 218°, n°3,
da Constituição, pois, para a recorrente, pese embora a alteração daquelas
normas, continua a haver inconstitucionalidade, uma vez que o exercício da
competência para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar dos oficiais de
justiça estaria constitucional e exclusivamente adstrita ao Conselho Superior da
Magistratura e não a qualquer outro órgão.
Ora, como se refere na própria decisão recorrida, o Tribunal Constitucional já
teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade da norma cujo conteúdo é
impugnado pela recorrente, face ao preceito constitucional por esta invocado,
nomeadamente no referido Acórdão n.º 29/2005 (disponível na página do Tribunal
Constitucional na Internet, em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), tendo concluído pela não
inconstitucionalidade dos preceitos em causa. E do mesmo modo decidiu no Acórdão
n.º 114/2006. Assim sendo, é esta jurisprudência, com a qual se concorda, que,
por ser integralmente aplicável ao presente caso, agora se reitera,
dispensando-se a sua reprodução não só por estar transcrita, no essencial, na
decisão recorrida, mas também porque se encontra integralmente disponível na
página Internet acima mencionada.
8. Entende ainda a recorrente que “o D.L. n.° 96/2002, de 12 de Abril, que
alterou o acima aludido D.L. n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Oficiais
de Justiça) não se aplica aos factos que originaram o presente procedimento
disciplinar, os quais são anteriores à data da sua entrada em vigor, sob pena de
violação do princípio constitucional da irretroactividade da lei nova, previsto
no artigo 29°, n. ° 4, da C.R.P., e, bem assim, do disposto no artigo 282° da
Lei Fundamental”. Admitindo que, deste modo, a recorrente terá pretendido
colocar uma questão de constitucionalidade normativa em relação a normas do
Decreto-Lei em causa, então a solução não pode deixar de ser a que foi proferida
nas decisões sumárias n.ºs 174/2006 e 187/2006, isto é, a conclusão de que tal
questão é manifestamente infundada. Manifestamente infundada, não só pelos
fundamentos expostos na própria decisão recorrida, mas também pelo que então se
afirmou nas mencionadas decisões sumárias e que, como resulta do afirmado no
ponto 7. supra, se aplica igualmente aos casos em que o recurso contencioso de
anulação é de um acórdão do Conselho Superior do Ministério Público. De facto,
como se afirmou nas mencionadas decisões sumárias:
“[...] 3.2.2. Também é manifestamente infundada a questão de
inconstitucionalidade suscitada com base em pretensa violação do artigo 218.º,
n.º 3, da CRP, que o recorrente reporta aos artigos 94.º, 97.º, 98.º, 99.º,
111.º e 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei
n.º 343/99, de 26 de Agosto, após as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei
n.º 96/2002, e ao artigo 152.º do Decreto‑Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro,
enquanto possibilitam o aproveitamento da decisão de instauração de procedimento
disciplinar, da instrução do processo e da audiência do arguido efectuadas pelo
ou perante o COJ.
Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o fundamento da
declaração de inconstitucionalidade, por violação do artigo 218.º, n.º 3, da
CRP, das normas dos artigos 98.º e 111.º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de
Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, e dos artigos
95.º e 107.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, constante
do Acórdão n.º 73/2002, radicou no entendimento de que, perante aquele preceito
constitucional, “não é (…) constitucionalmente admissível que a lei ordinária
exclua de todo a competência do CSM para se pronunciar sobre tais matérias”
(matérias relacionadas com a apreciação do mérito profissional e com o exercício
da função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça) , “o que vale
por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas agora em análise,
que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para apreciar o
mérito profissional e para exercer a função disciplinar relativamente aos
funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer
competência do CSM”.
Como se assinalou no Acórdão n.º 378/2002 (que não julgou inconstitucional a
norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 94.º do Estatuto dos Funcionários
de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na redacção
que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, interpretada em
termos de o juiz-presidente do tribunal em que o funcionário exerça funções à
data da infracção dever remeter ao COJ a certidão extraída para efeitos
disciplinares, por ser esse o órgão competente para o exercício do poder
disciplinar):
“O julgamento de inconstitucionalidade [constante do Acórdão n.º 73/2002]
assentou, assim, na incompatibilidade entre o n.º 3 do artigo 218.º da
Constituição e a completa exclusão de qualquer competência do Conselho Superior
da Magistratura, no que agora releva, «para exercer a função disciplinar
relativamente aos funcionários de justiça».
Ao pretender dar cumprimento a este julgamento, como expressamente explica no
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2002, o legislador continuou a atribuir
competência disciplinar sobre os funcionários de justiça ao Conselho dos
Oficiais de Justiça (artigo 98.º), mas veio prever a possibilidade de recurso
para o Conselho Superior da Magistratura das suas decisões proferidas no âmbito
dessa competência, no n.º 2 do artigo 118.º.
Para além disso, veio conferir ao Conselho Superior da Magistratura o poder de
instaurar (alínea d) do n.º 1 do artigo 94.º) e de avocar processos
disciplinares (n.º 2 do artigo 111.º), bem como o de revogar as deliberações do
Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas em matéria disciplinar (mesmo n.º 2
do artigo 111.º).
A consideração conjunta destas diferentes alterações permite concluir que a
última palavra em matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de
justiça, cabe ao Conselho Superior da Magistratura; não é, pois, possível
continuar a entender que as normas que atribuem competência em matéria
disciplinar ao Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o
disposto no n.º 3 do artigo 218.º da Constituição.
É que não se encontra nesse preceito, nem a proibição de conferir tal
competência em especial ao Conselho dos Oficiais de Justiça, nem a reserva
exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do exercício do poder disciplinar
sobre os oficiais de justiça.”
Este entendimento foi reiterado no Acórdão n.º 131/2004 – que confirmou Decisão
Sumária que não julgara inconstitucionais as normas dos artigos 94.º, n.ºs 1 e
2, 98.º e 111.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, na redacção introduzida
pelo Decreto‑Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, e do artigo 153.º do Estatuto dos
Funcionários Judiciais, na redacção do Decreto‑Lei n.º 367/87, de 11 de
Dezembro, na interpretação segundo a qual o poder de instaurar inquéritos
atribuído ao Conselho dos Oficiais de Justiça não se resume ao poder de
participar disciplinarmente, também abrangendo o poder de exercer a acção
disciplinar, ou seja, de realizar inquéritos e praticar actos instrutórios –,
onde se consignou:
“O entendimento do Tribunal Constitucional sobre a interpretação do disposto no
artigo 218.º, n.º 3, da Constituição, de acordo com o decidido no Acórdão n.º
73/2002 – que se não vê razão para alterar – não é, pois, o de que a norma
constitucional repelia toda e qualquer competência do Conselho dos Oficiais de
Justiça, respeitante à matéria disciplinar dos funcionários de justiça
(nomeadamente a de instaurar inquéritos ou processos disciplinares ou a de
punir) mas tão-só o de que ela contrariava um regime jurídico, tal como então se
estabelecia no Estatuto dos Oficiais de Justiça e na Lei Orgânica das
Secretarias Judiciais e Estatuto dos Oficiais de Justiça (maxime, nos artigos
julgados inconstitucionais), que, conferindo competência ao COJ para exercer a
função disciplinar relativamente aos funcionários judiciais, excluía, por
completo, neste domínio, qualquer competência do Conselho Superior da
Magistratura.
E é de acordo com este entendimento que o Tribunal considerou isento de
inconstitucionalidade o novo regime, muito embora nele se mantivessem as
anteriores competências do COJ, por se terem conferido ao Conselho Superior da
Magistratura poderes de proferir a última palavra (em sede de recurso) e de
avocação, sobre a matéria.
Ou seja, e por outras palavras, as normas que atribuem ao COJ ou a outras
entidades poderes em matéria disciplinar não ofendem a Constituição (maxime o
artigo 218.º, n.º 3, da CRP) – a CRP não exclui essa atribuição de competência,
que, assim, não constitui uma delegação de competência – desde que num quadro
normativo que outorgue aqueles poderes de avocação e de proferir a última
palavra ao Conselho Superior da Magistratura.”
O juízo de não inconstitucionalidade das normas dos artigos 94.º, n.º 1, 98.º e
111.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 343/99, na redacção do Decreto‑Lei
n.º 96/2002, foi reeditado, com remissão para a fundamentação dos Acórdãos n.ºs
378/2002 e 131/2004, pelo Acórdão n.º 721/2004 e pelas Decisões Sumárias n.ºs
42/2004 e 158/2005 (os textos integrais destas Decisões Sumárias, bem como de
todos os Acórdãos anteriormente citados encontram-se disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt)).[...]”
9. Em face do exposto, nada mais resta do que concluir, pelos fundamentos
constantes das decisões atrás mencionadas, que as normas questionadas não violam
as normas ou princípios constitucionais invocados pela recorrente, não
padecendo, por conseguinte, de qualquer das inconstitucionalidades por ela
apontadas.
8. Inconformada com esta decisão, a recorrente veio, ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, nº 3, da LTC, reclamar para a Conferência, reproduzindo pura e
simplesmente os argumentos que já haviam sido objecto de apreciação na decisão
sumária reclamada e concluindo do seguinte modo:
“[...] não se conformando a recorrente com a douta decisão sumária proferida,
deverá o Venerando Tribunal Constitucional, em sede de conferência, proferir
decisão que:
a) Declare a inconstitucionalidade material dos artºs 98° e 111° do Dec. Lei
96/2002 de 12/04, por violação do art.º 218°, n°3 da C.R.P;
b) Declare inconstitucional por violação do art.º 29°, n° 4 da C.R.P. a decisão
do COJ de 19 de Setembro de 2002 que revogou a decisão proferida por esse mesmo
Órgão em 19 de Novembro de 2001 ao abrigo dos art°s 98° e 111° alª a) ambos do
DL n° 343/99, de 26/08, normas estas que foram declaradas inconstitucionais, com
força obrigatória geral, pelo Acórdão n 73/2002 do Tribunal Constitucional,
publicado no DR. n°64 de 16/03/2002;
c) Declare inconstitucional por violação do art.º 282° da C.R.P. a decisão do
COJ proferida em 19 de Setembro de 2002 na medida em que com a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, operada pelo Acórdão no
73/2002 do Tribunal Constitucional, publicado no DR. no 64 de 16/03/2002 que
declarou a inconstitucionalidade dos art.ºs 98° e 111º al° a) do Estatuto dos
Oficiais de Justiça, aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08, tornaram-se
inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela - e daí a
reposição em vigor das normas que haja revogado - mas também os actos jurídicos
praticados ao seu abrigo.[...]”
Notificado, o recorrido nada disse. Dispensados os vistos legais, cumpre
decidir.
II - Fundamentação
9. Na decisão sumária reclamada foi decidido, por remissão para a anterior
jurisprudência do Tribunal, designadamente para a firmada nos acórdãos nºs
29/2005 e 114/2006, bem como nas decisões sumárias n.ºs 174/2006 e 187/2006,
negar provimento ao recurso, uma vez que “as normas questionadas [«artºs 98° e
111° do Dec. Lei 96/2002 de 12/04»] não violam as normas ou princípios
constitucionais invocados pela recorrente, não padecendo, por conseguinte, de
qualquer das inconstitucionalidades por ela apontadas”.
Com a presente reclamação a reclamante contesta que assim seja, não invocando,
porém, qualquer argumento novo que não tenha sido já objecto de consideração na
decisão reclamada.
Ora, não sendo acrescentado nada de novo ao já ponderado, nem se vislumbrando
qualquer razão para alterar o decidido, há que concluir pela manifesta
improcedência da presente reclamação, com a consequente confirmação do juízo
sobre a questão de constitucionalidade que se formulou na decisão sumária
reclamada.
Agora apenas se acrescenta que só por lapso ou manifesto desconhecimento se pode
requerer a este Tribunal que “declare inconstitucional” “a decisão do COJ de 19
de Setembro de 2002”.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do apoio judiciário de que porventura beneficie.
Lisboa, 13 de Julho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício