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Processo n.º 942/2005
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho de 24 de Outubro de 2005 do Tribunal do 2º Juízo do Trabalho de
Braga, de fls. 108, foi indeferido o requerimento apresentado a fls. 91 pela
Companhia de Seguros A., para remição obrigatória da pensão que, na sequência de
acidente de trabalho ocorrido em 23/06/1964, do qual resultou a morte de B., foi
atribuída à viúva do sinistrado, C..
Para o efeito, o tribunal recusou a aplicação, por inconstitucionalidade, da
norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n°. 143/99, de 30 de Abril, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro,
«interpretad[a] no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões
vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que
estas excedam 30%, sempre que se pretenda operar a remição contra vontade
expressa do beneficiário da pensão em causa».
Após ter analisado o regime aplicável, concluindo que a mesma pensão se tornou
«remível a partir de 1/1/2003», o tribunal pronunciou-se nos seguintes termos:
«Todavia, deve ter-se presente a orientação constitucional jurisprudencialmente
definida no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 56/2005, de 3 de Março, o qual
julgou inconstitucional, por violação do art. 59°, n.º 1, al. f) da CRP, o art.
74º do DL. N.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção do DL n.º 382-A/99, de 22 de
Setembro), interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de
pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos
em que estes excedam 30%.
O Tribunal, face ao teor deste acórdão e ponderando a sua aplicação em concreto,
ordenou a notificação da beneficiária da pensão para que informasse os autos, no
prazo de dez dias, se concordava com a pretendida remição da pensão, requerida
pela ré seguradora.
Ora, (…) C. veio, a fls. 106, afirmar que não pretende remir a pensão,
opondo-se, portanto, a essa remição.
Cumpre apreciar e decidir.
O estabelecimento de pensões por incapacidade existe para compensar os
trabalhadores, ou os seus familiares mais próximos nos casos de morte, pela
perda da capacidade de trabalho devido a um infortúnio decorrente do desempenho
do seu labor.
Compreende-se que, não sendo uma perda muito acentuada, até 30%, se permita que
essa compensação seja 'transformada' em capital para aplicações por ventura mais
rentáveis que uma 'renda' anual num valor pouco ou nada significativo,
Quando o grau de incapacidade excede aquela percentagem, antes 10% e hoje 30%,
terá que entender-se que o risco com uma aplicação indevida do capital recebido
de uma só vez é claramente maior em função do montante de 'renda' a que o
beneficiário deixa de poder ter acesso.
Nestes casos, em que a ponderação da escolha entre a remição ou a não remição,
traz consequências de ordem financeira necessariamente importantes para o
trabalhador ou para o beneficiário da pensão, como é aqui o caso da viúva do
falecido B., deve de ser este, no mínimo, a ter uma palavra definitiva sobre
matéria tão decisiva.
Pretender o contrário significaria permitir uma violação do direito à justa
reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no art.
59°, n.º 1, al. f) da Constituição da República Portuguesa – vide, além do
Acórdão citado, no mesmo sentido quanto à substância dos argumentos aduzidos,
Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 379/02, in Acórdãos do TC, 54º Vol.,
pg.313 a 321, n.º 302/99, in Acs. do TC, 43° Vol., pg. 597 a 603 e n.º 482/99,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt.».
2. Veio então o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional,
invocando a recusa de «aplicação por inconstitucionalidade do art. 74º do
Dec.Lei 143/99 de 30 de Abril quando interpretado no sentido de 'impor a remição
obrigatória total das pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais
permanentes nos casos em que estas excedam 30%, sempre que se pretenda operar a
remição contra vontade expressa do trabalhador em causa”».
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este
Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
Entende-se que o recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1
do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou
alegações, nas quais, após sustentar que as razões que levaram ao julgamento de
inconstitucionalidade formulado no citado acórdão n.º 56/2005 valem inteiramente
para o caso em que a beneficiária da pensão é a viúva do sinistrado, falecido em
consequência do acidente de trabalho, concluiu da seguinte forma:
'1 – É inconstitucional, por violação do artigo 59º, n.º 1,
alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo
74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção emergente do
Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro), interpretada no sentido de impor a
remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades
parciais permanentes, nos casos em que estas excedam 30% ou por morte, opondo-se
o titular à remição, pretendida pela seguradora.
2 –Termos em que deverá confirmar-se o juízo de
inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida'.
A recorrida não alegou.
4. A fls. 125, foi proferido o seguinte despacho:
«A fls. 114, o Ministério Público veio recorrer para o Tribunal Constitucional
do despacho de fls. 108, atribuindo-lhe a recusa de «aplicação por
inconstitucionalidade do art. 74º do Dec.Lei 143/99 de 30 de Abril quando
interpretado no sentido de 'impor a remição obrigatória total das pensões
vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que
estas excedam 30%, sempre que se pretenda operar a remição contra vontade
expressa do trabalhador em causa”».
Definiu, portanto, o objecto do recurso de constitucionalidade como a norma do
citado artigo 74º quando interpretada no sentido que descreve.
Verifica-se, todavia, que, no caso dos autos, se trata de uma pensão atribuída,
por morte do trabalhador, à viúva do sinistrado, falecido na sequência de
acidente de trabalho.
Isto significa que a norma impugnada não coincide com a norma cuja recusa, por
inconstitucionalidade, foi afastada pela decisão recorrida, e que foi a norma do
mesmo artigo 74º «interpretad[a] no sentido de impor a remição obrigatória total
de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos
casos em que estas excedam 30%, sempre que se pretenda operar a remição contra
vontade expressa do beneficiário da pensão em causa».
Do texto da decisão recorrida verifica-se, claramente, que se está a ter em
conta a remição de uma pensão atribuída por morte e que o consentimento que
seria relevante seria o da viúva do sinistrado.
Não sendo possível alterar a norma que constitui o objecto do recurso nas
alegações posteriormente apresentadas, é plausível que o Tribunal Constitucional
venha a não tomar conhecimento do recurso, por não ter sido recusada como 'ratio
decidendi' a norma que foi definida como seu objecto.
Assim, nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 704º do Código de
Processo Civil e no artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, convidam-se
as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre a eventualidade de não conhecimento
do objecto do presente recurso.»
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido de que a referência,
constante do requerimento de interposição de recurso, à 'vontade expressa' do
'trabalhador em causa' e não à 'vontade expressa' do 'beneficiário da pensão',
como faz a sentença recorrida, resulta de um 'lapso material ou de escrita,
aliás espontaneamente rectificado na alegação já apresentada', sem 'relevo
decisivo, no que toca à delimitação da interpretação normativa questionada'.
Tal diferença na identificação dos titulares da pensão, em seu entender, não
deve ser relevante, nem sequer tendo implicações quanto à 'solução alcançada
quanto à questão de constitucionalidade'.
Conclui sustentando que se deve considerar corrigido o lapso.
5. Tendo em conta esta confirmação apresentada pelo Ministério Público, o
Tribunal entende que se deve considerar corrigido o objecto do presente recurso,
que, assim, consiste na norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99,
de 30 de Abril (na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de
Setembro), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de
pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição,
pretendida pela seguradora.
Pelo acórdão n.º 34/2006 (Diário da República, I Série A, de 8 de Fevereiro de
2006), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da
'norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na
redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas
por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em
que estas excedam 30%, por violação do artigo 59º. n.º 1, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa'.
Não há, manifestamente, coincidência este esta norma e aquela que constitui o
objecto do presente recurso.
Nas alegações que apresentou, o Ministério Público sustentou que valem
plenamente para a norma agora em apreciação as razões que ditaram 'os sucessivos
julgamentos de inconstitucionalidade material' que, como se sabe, levaram à
referida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Foram
as seguintes, como se pode ler no Acórdão n.º 34/2006, por transcrição do
Acórdão n.º 56/2005 (Diário da República, II série, de 3 de Março de 2005):
«4. O artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção em
causa (dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro), já foi julgado
(organicamente) inconstitucional por este Tribunal no Acórdão n.º 468/2002
(publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 54, págs. 789-802), “na
interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões
previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 33.º, ambos da Lei
n.º 100/97, de 13 de Setembro, em pagamento à data da entrada em vigor deste
mesma Lei”.
(…)
O que se discutia nesse caso era, (…) antes de mais, a extensão do regime
transitório fixado no artigo 41.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97. No presente caso, o
sentido impugnado da mesma norma é outro, e está em causa uma
inconstitucionalidade material, sendo que a norma impugnada – o artigo 74.º, na
interpretação de “fazer abranger no conceito de ‘pensões de reduzido montante’
todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as situações de total
ou elevada incapacidade permanente” – vem acusada, pelo tribunal recorrido, de
violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização
dos acidentes de trabalho, sendo que é bastante estabelecer uma dessas causas de
inconstitucionalidade para dispensar a averiguação das restantes.'
Após citar e transcrever extractos do Acórdão n.º 379/2002 (Diário da República,
II série, de 16 de Dezembro de 2002), o Acórdão n.º 56/2005 continua da seguinte
forma:
'Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida
contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º
143/99 (na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 382-A/99, e na
interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal
Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente,
o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, “só
a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o
destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória,
em casos como o sub judice”.
Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada
pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode ler:
«o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela
perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que
foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o
que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não
implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador
(ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição
por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total
capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão
que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é
de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar
do tempo - possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em
finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção
de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência
digna a quem quer que seja.
Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade
responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da
própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o
montante da pensão for reduzido.
Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou
doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente
diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de
auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas
situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante,
servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em
consequência da reduzida capacidade de trabalho.
Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria
desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então
compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral
Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de
aplicação do capital de remição”.
Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa
intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto
proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à
percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser
aleatória, comporta riscos.
E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em
maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador,
para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize
a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao
poder do trabalhador de pedir ou não a remição.»
Neste Acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a
conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões
“a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e julgou-as
inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º
1, 59.º, n.º 1, alínea f), e 63.º, n.º 3, da Constituição.
No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a
limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo
da pensão, não seria mais compensadora a efectivação da remição (que redundava –
disse‑se – “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente
infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social
proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação,
quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59º,
nº 1, alínea f), do diploma básico]”), mas antes a limitação a continuar a
receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as
pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais
permanentes que excedam 30%.
Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação
do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a
pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a receber –, a
qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e
limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de
acidente de trabalho ou doença profissional.
6. Segundo as alegações do Ministério Público, a razão essencial da
inconstitucionalidade material passaria, todavia, a ser outra, radicando, antes,
na instituição de um regime (transitório) de remição obrigatória de pensões sem
relação com a vontade do beneficiário e “sem qualquer conexão com os valores de
remuneração mínima mensal garantida”.
Quer, porém, se entenda que essa conexão com os valores de remuneração mínima
mensal garantida só está prevista nos casos de incapacidade permanente e parcial
inferior a 30% (o regime transitório não substitui o regime material constante
do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99), quer se entenda, apenas, que tal não
é relevante no caso dos autos, em que estava em causa uma incapacidade parcial
permanente fixada em 60%, deixando inteiramente em aberto o modo de aplicar o
direito infra-constitucional, o certo é que o Tribunal Constitucional está
vinculado à formulação da questão tal como feita na decisão recorrida: a
interpretação do citado artigo 74.º no sentido de impor a remição obrigatória de
todas as pensões emergentes de acidente de trabalho quando a desvalorização
funcional que afecte o sinistrado for total ou exceder 30%.
Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição total
obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma
pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a
30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de
trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da
Constituição.
Desnecessário se torna, pois, confrontar o normativo em crise com outros
princípios ou normas constitucionais.»
6. Contrariamente ao que é sustentado pelo Ministério Público,
estes argumentos não são inteiramente transponíveis para a hipótese de morte do
sinistrado, e em que o beneficiário da pensão é o cônjuge (ou outro
beneficiário, nos termos previstos na lei – actualmente, no artigo 20º da Lei
n.º 100/97), como o Tribunal Constitucional já salientou no citado Acórdão n.º
379/2002, que concluiu no sentido da não inconstitucionalidade, a propósito de
norma de conteúdo semelhante à que constitui o objecto do presente recurso,
embora referida ao n.º 1 do artigo 56º do mesmo Decreto-Lei n.º 143/99:
«No caso sub judice o beneficiário da pensão não é o próprio
sinistrado, uma vez que este morreu, mas poder-se-á defender que, também aqui,
haverá que proceder a idêntica ponderação: se, face a um quadro em que as
pensões tendem inevitavelmente a degradar-se, se consideraram inconstitucionais
as normas que estabelecem “uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não
a remição”, justificar-se-ia também um juízo de inconstitucionalidade para uma
interpretação normativa que, por morte do trabalhador, impõe a remição
obrigatória das pensões, sujeitas a actualizações anuais e ajustes por idade dos
beneficiários, para assim se salvaguardar a liberdade de o beneficiário correr
os riscos do capital de remição, como nas decisões referidas.
(…)
A norma em sindicância, com efeito, assenta na actualização do valor
presumivelmente recebido, de harmonia com as bases técnicas aplicáveis ao
cálculo do capital de remição e, bem assim, com as respectivas tabelas práticas,
fixadas por portaria do Ministério das Finanças, de acordo com o artigo 57º do
diploma. E a lógica que lhe subjaz comporta a conversão em capital de pensões de
valor anual reduzido de modo a permitir aos beneficiários, sem prejuízo da álea
inerente, que assim se obtenha uma aplicação mais rentável e útil do valor
percebido.
(…)
Na verdade, se a presunção da maior utilidade [da disponibilidade imediata do
capital, em consequência da remição] para o beneficiário não valerá,
eventualmente, para o sinistrado, em função da sua própria incapacidade, já não
pode valer para um beneficiário que, por definição, não é o sinistrado.»
7. Sucede, todavia, que no presente recurso está em causa uma pensão atribuída
ao cônjuge do sinistrado por acidente ocorrido em 1964, decorrendo a
obrigatoriedade da remição de um regime que entrou em vigor em 1999 (cfr. n.º 1
do artigo 41º da Lei n.º 100/97 e n.º 1 do artigo 71º do Decreto-Lei n.º
143/99).
Esta circunstância justifica que se aprecie a norma em causa, não
apenas à luz da tutela constitucional do direito à justa reparação por acidente
de trabalho, direito fundamental dos trabalhadores acrescentado ao artigo 59º
da Constituição pela revisão constitucional de 1997, passando a integrar a
alínea f) do seu n.º 1, mas também na perspectiva das implicações do princípio
da confiança, contido no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da
Constituição).
Com efeito, e como tem sido repetidamente apontado pelo Tribunal Constitucional
(cfr. Acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de
1991 e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro de 2003, e
jurisprudência neles citada), uma lei que 'prevê consequências jurídicas para
situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se mantêm
nessa data', como é o caso, tem de 'ser examinada à luz do referido princípio da
protecção da confiança, no qual vai implicada uma ideia de segurança, de certeza
e de previsibilidade da ordem jurídica' (Acórdão n.º 232/91, Diário da
República, II série, de 17 de Setembro de 1991).
Não será, pois, consentânea com tal princípio se 'a confiança do cidadão na
manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for
violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso,
com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer
sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque,
tendo tal confiança, nesse caso, maior 'peso' ou 'relevo' constitucional do que
o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o
conflito se resolva daquela maneira' (mesmo acórdão n.º 232/91); dito por outras
palavras, será inconstitucional se 'atingir de forma inadmissível, intolerável,
arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as
pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar' (Acórdão n.º 486/97, Diário
da República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
Isto não significa, naturalmente, que exista qualquer 'direito à não frustração
de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas
duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao
legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do
funcionalismo ou das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não
na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um 'investimento na
confiança' na manutenção do regime legal (…)', como se escreveu no citado
Acórdão n.º 287/90.
Ora, no caso presente, impor ao beneficiário de uma pensão atribuída em 1964 a
sua substituição por um capital de remição, obrigando-o a providenciar pela
respectiva aplicação em termos de garantir, em idêntica medida, a sua
subsistência, afecta de forma inaceitável a expectativa que legitimamente fundou
na manutenção de um regime legal que lhe permitiu organizar a vida contando com
o pagamento periódico e vitalício daquela quantia.
É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a
seguradora, obrigada a pagar repetidamente e durante um longo período de tempo
inúmeras pensões de reduzido montante; e que, por essa via, o novo regime se
explica facilmente por critérios de racionalidade económica. Não se vê, todavia,
que tais vantagens sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá
resultar para a subsistência do beneficiário, que confiou, nos termos expostos,
na manutenção da pensão.
Para além disso, e pese embora a circunstância de o titular (por
direito próprio, não por sucessão) do direito à pensão não ser, aqui, o
trabalhador, não se afasta o critério da tutela constitucional do direito à
'assistência e justa reparação' por 'acidentes de trabalho' para aferir a
validade constitucional da norma em apreciação, já que o direito a pensão
desempenha, no fundo, uma função de substituição da contribuição que o
vencimento do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário.
Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20º da Lei
n.º 100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua
atribuição.
Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o
sinistrado, em vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em
certos casos, os prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672º, 1675º, 2009º,
n.º 1, a) e 2015º do Código Civil), ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado
de pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009º, n.º 1, a) 2016º
do Código Civil), filhos (cfr. artigos 1874º, 1880º, 2009º, n.º 1, b) do Código
Civil), ascendentes (cfr. artigo 2009º, n.º 1, b) do Código Civil) e quaisquer
parentes sucessíveis, desde que o sinistrado 'contribuísse com regularidade para
o seu sustento'. No último caso, há um alargamento (subjectivo) em relação ao
que consta do artigo 2009º do Código Civil, alíneas d) e e) do Código Civil,
todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir.
Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta
que o artigo 6º da Lei n.º n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de
atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020º do
Código Civil, ou seja, para o que agora interessa, a titularidade do 'direito a
exigir alimentos da herança do falecido'.
Deve assim concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que constitui o
objecto do presente recurso, por violação conjugada do disposto na alínea f) do
n.º 1 do artigo 59º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao
princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição).
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação conjugada do disposto na alínea f) do
n.º 1 do artigo 59º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao
princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição, a norma
constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção
emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro), interpretada no
sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas
por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela seguradora;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Bravo Serra (vencido pelas razões constantes da declaração de voto aposta ao
presente aresto pelo Exmo Conselheiro Gil Galvão e para as quais, com vénia,
remeto)
Gil Galvão (vencido pelas razões constantes da declaração de voto que anexo)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido o presente acórdão, no essencial pelas seguintes razões:
1.3. Em primeiro lugar, considero, tal como, aliás, se afirma
no acórdão de cuja decisão dissinto, que os argumentos que fizeram vencimento no
Acórdão n.º 34/2006, em foi declarada a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da “norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 143/99,
de 30 de Abril, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de
Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de
pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do
trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas excedam 30%, por violação do
artigo 59º. N.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa” não são
transponíveis para a hipótese de morte do sinistrado, em que o beneficiário da
pensão é o cônjuge.
Na verdade, neste caso, está em causa a remição de uma pensão atribuída a um
beneficiário que não é o trabalhador que foi vítima de acidente de trabalho ou
de doença profissional. Ora, se, em relação a um trabalhador que foi vítima de
acidente de trabalho ou de doença profissional, da qual resultou uma
incapacidade não inferior a 30%, se poderá ainda concluir, como aconteceu
naquele acórdão, que a remição de uma pensão, ainda que de reduzido montante,
independentemente da vontade do beneficiário incapacitado, viola o direito deste
a uma justa reparação, previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59º da
Constituição, dificilmente se poderá chegar a idêntica conclusão em relação a
uma pensão paga a um beneficiário que não é o trabalhador que foi vítima de
acidente de trabalho ou de doença profissional, sobretudo se, como é o caso, tal
pensão é de reduzido montante.
Desde logo, porque aquele juízo pressupõe que a vítima do acidente ou da doença
profissional é o melhor juiz da sua incapacidade para angariar sustento e,
consequentemente, de qual é a forma mais adequada da compensação que lhe é
devida pela sua própria incapacitação. O que justificará a tutela da autonomia
da vontade do próprio trabalhador lesado e a ponderação atribuída à sua vontade,
embora com excepções. Na verdade, como salientou o representante do Ministério
Público, “sempre será lícito ao legislador restringir tal autonomia plena,
impedindo a remição total da pensão, mesmo a pedido do trabalhador, nos casos em
que esta assegura, em termos decisivos, a própria subsistência do lesado” e
também “será lícito ao legislador restringir a autonomia de opção do
trabalhador, impondo a remição, independentemente da vontade manifestada por
aquele, no caso de pensões que compensem uma reduzida incapacidade laboral,
insusceptível de afectar decisivamente a capacidade aquisitiva do sinistrado, ou
quando se trate de “pensões” degradadas que – pelo seu montante
(independentemente do grau de incapacidade que compensam) – se revelam
absolutamente inidóneas para assegurar uma subsistência minimamente condigna do
lesado”. Mas este pressuposto de que a vítima do acidente ou da doença
profissional é o melhor juiz da sua incapacidade para angariar sustento não tem,
todavia, paralelo quando o beneficiário não é, de todo em todo, o sinistrado.
Além disso, há, ainda, um argumento literal que dificilmente permite chegar à
conclusão de violação, nestes casos, do artigo 59º da Constituição: é que o
próprio artigo 59º se refere, exclusivamente, a trabalhadores, quando vítimas de
acidente de trabalho ou de doença profissional, o que, manifestamente, não é o
caso. E nem se diga que o mesmo se justifica em relação a outros beneficiários,
já que o direito à pensão desempenharia, no fundo, uma função de substituição da
contribuição que o vencimento do trabalhador significaria para a subsistência do
beneficiário. É que, dito deste modo, estaremos apenas perante uma afirmação
feita em termos abstractos que pode ser claramente negada pelos factos
concretos. Mas, além disso, porque, ainda que assim fosse, tal contribuição não
deixaria de existir pelo simples facto de haver remição, uma vez que esta se
traduz, precisamente, na substituição da pensão vitalícia por uma verba
teoricamente equivalente.
Não se afigura, assim, que, em relação a pensões atribuídas a um beneficiário
que não é o trabalhador que foi vítima de acidente de trabalho ou de doença
profissional, a respectiva remição se possa configurar como violadora do direito
dos trabalhadores receberem uma “justa reparação, quando vítimas de acidente de
trabalho ou de doença profissional”, previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo
59º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente naquelas situações,
como é o caso dos autos, em que a pensão é de reduzido montante.
1.2. Dir-se-á, porém, que, não obstante não existir violação da alínea f) do n.º
1 do artigo 59º da Constituição, ainda assim não estará assegurada a
conformidade constitucional da norma, já que outros princípios poderão estar em
causa, nomeadamente o princípio da confiança, contido no princípio do Estado de
Direito (artigo 2º da Constituição). Na verdade, estando em causa uma pensão
atribuída ao cônjuge do sinistrado por acidente ocorrido em 1964 e decorrendo a
obrigatoriedade da remição de um regime que entrou em vigor em 1999, poderá
justificar-se a apreciação da norma em causa também à luz da tutela
constitucional do princípio da confiança.
Com efeito, o Tribunal Constitucional tem repetidamente salientado (cfr.
Acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 1991
e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro de 2003, e
jurisprudência neles citada), que uma lei que “prevê consequências jurídicas
para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se
mantêm nessa data”, como é o caso, tem de “ser examinada à luz do referido
princípio da protecção da confiança, no qual vai implicada uma ideia de
segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica” (Acórdão n.º
232/91, Diário da República, II série, de 17 de Setembro de 1991). Não sendo
consentânea com tal princípio uma norma que crie uma situação em que “a
confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou
as suas decisões [seja] violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado
acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica
preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a
posição do cidadão” (Acórdão n.º 232/91). Ou, por outras palavras, uma tal norma
será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária
ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a
comunidade e o direito têm de respeitar” (Acórdão n.º 486/97, Diário da
República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
Isto não significa, contudo, como o Tribunal tem igualmente salientado (cfr.,
por exemplo, o Acórdão n.º 287/90), que exista qualquer “direito à não
frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações
jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente
realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do
arrendamento, do funcionalismo ou das pensões, por exemplo. […]”
A questão está, então, em saber se a norma ora em causa implica uma violação de
forma inadmissível, intolerável, arbitrária, opressiva, ou desproporcionadamente
onerosa da confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica. Vejamos.
Nos presentes autos está em causa a remição de uma pensão de reduzido montante,
por definição inidónea para assegurar uma subsistência minimamente condigna do
beneficiário, atribuída em 1964 ao cônjuge de um sinistrado que faleceu em
consequência de acidente de trabalho. Com a remição visa-se a atribuição de uma
quantia equivalente, em termos actuariais, àquela que o beneficiário receberia
se, em condições normais, continuasse a receber a pensão vitalícia. Assim sendo,
a substituição da pensão vitalícia por um capital de remição é, em princípio,
tendencialmente neutra, quanto aos montantes envolvidos. De facto, o
beneficiário, tendo em atenção as tabelas práticas de cálculo da remição – que
integram as tábuas de mortalidade -, recebe uma quantia tecnicamente equivalente
à que receberia se se mantivesse a percepção periódica da quantia que vinha
recebendo com a pensão vitalícia, nessa medida não sendo afectada a contribuição
– por definição manifestamente insuficiente – que a pensão de reduzido montante
vinha fazendo para a sua subsistência.
É inegável, porém, que há algum risco inerente à aludida remição: por um lado, o
capital de remição, sendo calculado em função da pensão actual, não comporta as
actualizações de que, anualmente, as pensões vitalícias normalmente beneficiam,
tendo em atenção a taxa de inflação; por outro, pode acontecer que o tempo de
vida do beneficiário exceda a esperança média de vida, com base na qual o
capital de remição é calculado. Quanto ao primeiro ponto, porém, não será
incontornável, já que uma aplicação financeira poderá permitir obter uma
compensação substitutiva da actualização anual; já quanto ao segundo poderá ser
mais difícil a sua ultrapassagem.
A questão é, então, a de saber se a existência de estes riscos é suficiente para
que se considere violada de forma inadmissível, intolerável, arbitrária,
opressiva, ou desproporcionadamente onerosa a confiança do titular da pensão na
manutenção do pagamento periódico e vitalício de uma determinada quantia.
Ora, tratando-se de uma pensão de reduzido montante, – por definição, repete-se,
manifestamente insuficiente para assegurar uma subsistência minimamente condigna
do beneficiário –, atribuída a quem não é o trabalhador que foi vítima de um
acidente de trabalho ou de doença profissional e não tem, neste contexto,
qualquer incapacidade para prover ao seu sustento, não se afigura que o facto de
a remição poder fazer incorrer o beneficiário no risco de, vindo a exceder a
esperança média de vida com base na qual o capital de remição foi calculado,
porventura ter de encontrar uma aplicação que lhe permita obter um acréscimo do
capital para fazer face a esse período adicional, possa ser considerada uma
violação inadmissível, intolerável, arbitrária, opressiva, ou
desproporcionadamente onerosa da confiança do beneficiário na manutenção de uma
pensão vitalícia de reduzido montante, incapaz de prover à sua subsistência.
Sendo certo que, em tais casos, não deixariam de funcionar mecanismos gerais de
protecção assistencial, capazes de permitir a superação da dificuldade. Não se
vislumbra, assim, que exista, nestes casos, violação do princípio da tutela da
confiança consagrado constitucionalmente. E também não se vislumbra que outros
princípios ou normas constitucionais possam ser considerados violados.
A isto acresce que a remição de pensões de reduzido montante, atribuídas a
beneficiários que não são os trabalhadores que foram vítimas de acidentes de
trabalho ou de doenças profissionais, ainda que independentemente da vontade do
beneficiário, é não só facilmente explicável por critérios de racionalidade
económica, mas corresponde, ainda, a uma poupança de meios para a comunidade em
geral – e não apenas para as seguradoras obrigadas ao seu pagamento periódico
(veja-se, por exemplo, os custos da sistemática intervenção dos tribunais
durante todo o período de subsistência do pagamento da pensão) –, o que, num
contexto de manifesta escassez, não deve deixar de ser ponderado.
1.3. Assim sendo, entendi que se deveria ter concluído pela não
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei n.º
143/99, de 30 de Abril, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22
de Setembro, na precisa dimensão que deu lugar à sua não aplicação ao concreto
caso.
Gil Galvão