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Processo n.º 34/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. Por decisão instrutória do 3º Juízo Criminal do Funchal de
18 de Março de 2003, de fls. 57, foi pronunciado o arguido A., “em autoria
material, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º n.º
1 a), do CP, por remissão do artº 11º n.º 3 do DL 256-A/77, e do artº 84º do DL
267/85 de 16/7/85 (LPTA)”.
Estava em causa o cumprimento de uma sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal Agregado do Funchal, confirmada pelo Tribunal Central
Administrativo, determinando a entrega às requerentes, B. e outras, de
determinados documentos.
Ora, não obstante os autos terem sido “arquivados no inquérito
com fundamento no facto de a sentença cujo incumprimento foi invocado não conter
nenhuma ordem nem nenhuma cominação de desobediência”, a decisão instrutória
considerou que, existindo “disposição legal que comina a inexecução de sentença
proferida em contencioso administrativo e transitada em julgado com o crime de
desobediência, nos termos do artº 11º n.º 3, do DL 256-A/77, por remissão do
artº 84º do DL 267/85 de 16/7/85 (LPTA)”, existiam 'indícios suficientes' para
que o arguido fosse pronunciado nos termos já referidos.
Como questão prévia, foi ainda decidido 'assistir legitimidade
às requerentes' da intimação para se constituírem assistentes, nos termos do
disposto no artigo 68º do Código de Processo Penal.
2. Inconformado, o arguido A. recorreu para o Tribunal da
Relação de Lisboa, suscitando a questão da ilegitimidade das requerentes para
intervir como assistentes e concluindo a motivação de recurso afirmando que
“deve ser dado provimento ao recurso devendo ser revogado o despacho de
pronúncia e, em consequência declarar-se inexistente toda a instrução”.
Em resposta à alegação do recorrente, as recorridas, no que
agora interessa, vieram sustentar, nomeadamente, a sua legitimidade para se
constituírem como assistentes e que 'a ser acolhida a interpretação contrária, o
recurso à via jurisdicional para efectivação dos direitos fundamentais deixa de
ter efeito prático, uma vez que o arguido não tendo cumprido a intimação
judicial, não está sujeito a qualquer penalização, prevista no (…) artº 11 º do
DL 256-A/77, de 17/6'
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Outubro
de 2005, de fls. 95, foi concedido provimento ao recurso interposto pelo
arguido, “por falta de legitimidade das Requerentes para se constituírem como
assistentes”. Em consequência, “revog[ou]-se a decisão instrutória de pronúncia
do arguido A. e orden[ou]-se o arquivamento dos autos”, nestes termos:
'Cabe, agora, analisar em concreto o crime de desobediência para determinar o
bem jurídico imediatamente protegido.
A este propósito importa, desde logo, entrar em linha de conta com o elemento
sistemático. De acordo com a sistemática do Código Penal, o crime de
desobediência, pp. no art. 348º, integra-se no Título V – Crimes contra o
Estado, Capítulo II – Dos crimes contra a autoridade pública, Secção I – da
resistência e desobediência à autoridade púbica.
Por outro lado (…), no crime de desobediência o que se incrimina é a
desobediência, independentemente das consequências. Continua, aqui, a
proteger-se, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, a autonomia
funcional do Estado, pelo que é o Estado, o ofendido, porque legítimo titular do
interesse ofendido pela prática do crime de desobediência.
No crime de desobediência não se inscreve qualquer preocupação de protecção de
interesses de pessoas a quem, em segunda linha, o acatamento da ordem possa
aproveitar, as quais não gozam, por isso, da faculdade de se constituírem como
assistentes.
E nem se diga que esta interpretação restritiva do conceito de assistente a que
alude o artº 68.º n.º 1 al. a) do CPP, no crime de desobediência, fere os
princípios constitucionais a que alude o artº 268.º da CRP (direito à
informação, princípio de arquivo aberto e princípios da transparência e da
publicidade) uma vez que tais princípios mantêm-se intocáveis no quadro desta
interpretação na medida em que assistem às requerentes outras vias
jurisdicionais na orla do Estado de Direito para fazerem valer os seus
direitos.
Assim, ninguém pode constituir-se como assistente relativamente ao crime público
de desobediência, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é
exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado (…)'
As (então) recorridas interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O
recurso não foi, todavia, admitido, 'por a isso obstar, expressamente, o art.
400º nº 1 al. e) do C.P.P.' (despacho de fls. 129).
3. Ainda inconformadas, as recorridas B. e outras recorreram do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2005 para o
Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 70º da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”, nestes termos:
“1.º As recorrentes pretendem suscitar a inconstitucionalidade, por violação
dos artigos 20º, n.º 5, 32º, n.º 7, e 268º da Constituição da República
Portuguesa,
- do artigo 68º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretado no
sentido de que, quando se trata de um crime público, como o de desobediência a
uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo administrativo
especial para acesso a documentos administrativos, não têm as Assistentes, ora
Recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à informação procedimental
foi negado, legitimidade para se constituírem como assistentes, no âmbito do
processo por crime de desobediência à mesma sentença, ao abrigo do disposto nos
artigos 84º n.º 2 da L.P.T.A., 11º n.º 3 do DL 256-A/77de 17/06, e 348º do CP.
2.º As ora recorrentes alegaram a inconstitucionalidade do referido preceito
legal, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, no articulado
de resposta a motivações de recurso apresentadas pelo então Arguido, ora
Recorrido, bem como nas motivações do recurso interposto pelas Recorrentes, do
referido acórdão, o qual, porém, acabou por não ser admitido.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este
Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
4. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações,
que as recorrentes concluíram da seguinte forma:
1.° A ordem que consubstancia o crime ora denunciado encontra-se ínsita numa
sentença judicial emergente dum processo especial administrativo, para acesso a
documentos administrativos, com tramitação urgente, previsto nos artigos 82.° a
85.° da L.P.T.A.F., em vigor à data da instauração do respectivo processo, de
acordo com o n.° 2 do artigo 84.° da L.P.T.A.F, que remete para os termos do
artigo 11.° do DL 256-A/77 de 17/06, que prevêem, o primeiro, a responsabilidade
criminal e o segundo, a pena de desobediência a quem não cumprir a sentença do
Tribunal Administrativo no âmbito dos referidos processos especiais;
2.° Praticou o Arguido, Recorrido, o crime previsto nos artigos 11.° n.° 3 do DL
nº 256-A/77 e 348.° do C.P., sendo que este último apenas contém a moldura
penal aplicável ao crime em causa, já que a tipificação, termos e condições da
prática do crime se encontram previstas no referido artigo 11.° do diploma legal
supra referido. Ao entender o contrário, violou o acórdão recorrido, os
referidos artigos 84.° n.° 2 da L.P.T.A.F., 11.° n.º 3 do DL 256-A/77 de 17/06 e
348.° do C.P., bem como ainda, o artigo 268.° da Constituição da República
Portuguesa.
3.°O Direito à Informação procedimental, do qual faz parte integrante o direito
de acesso a documentos administrativos, é um direito fundamental dos cidadãos,
de natureza análoga ao direitos, liberdades e garantias, consagrado no artigo
268.° n.° l da C.R.P, que constitui um dos direitos/interesses protegido com a
incriminação constante do artigo 11.° do DL 256-A/77. Ao julgar que a ora
Recorrente não goza de legitimidade para se constituir assistente nos presentes
autos, violou o acórdão recorrido, o artigo 268.° n.° l da C.R.P.
4.° A legitimidade para a constituição de Assistente não se confunde com a
natureza pública, privada ou semi-pública do crime de desobediência, sendo
aferida de acordo com a titularidade ou não, por parte do assistente, do
interesse que a norma incriminadora quis especialmente proteger, conforme
resulta do disposto no artigo 68.° n.° l a) do C.P.P. Ao entender que a
Recorrente não tinha legitimidade para se constituir assistente no caso em
apreço, violou o acórdão recorrido, o referido artigo 68.° n.° l a) do C.P.P.,
bem como o artigo 32.° n.º 7 da Constituição da República Portuguesa.
5.° A Constituição de Assistente constitui um direito fundamental dos cidadãos,
sendo o modo de aceder ao Direito e aos Tribunais, de modo a conseguir uma
tutela judicial efectiva e uma decisão justa e em tempo útil, nos casos, como o
dos autos, em que está em causa, o direito fundamental de informação
procedimental, direito de aceder à Justiça, que se encontra consagrado nos
artigos 32.° n.° 7 e 20.° l e 5 da Constituição da República Portuguesa. Ao
negar a constituição de assistente à Recorrente, com a consequente possibilidade
da mesma requerer a abertura de instrução, violou o acórdão recorrido, os
artigos 20.° l e 5 e 32.° 7 da Constituição da República Portuguesa.
6.° O Direito de constituição de Assistente pode ser exercido, mesmo em crimes
de natureza pública, desde que a norma incriminadora tutele ou proteja o
interesse do Assistente, corno é o caso da Recorrente. Ao entender o contrário e
ao interpretar restritivamente o conceito de ofendido e de legitimidade para a
constituição de assistente, fazendo-o coincidir com o conceito de crime
particular ou semi público, negando a legitimidade para a constituição de
assistente aos crimes públicos, sem qualquer apreciação casuística do caso em
apreço, sem ponderar a titularidade, por parte das Recorrentes, de um interesse
que a norma incriminadora quis proteger, o acórdão em causa violou os artigos
32.° 7, 20.° l e 5 e 268.° l e 4 da C.R.P.
7.° A interpretação do artigo 68.° do C.P.P., nos moldes em que foi feita pelo
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de l0/05, representa a inexistência de
tutela judicial efectiva ao direito fundamental das Recorrentes à informação,
consagrado no artigo 268.° da CRP e, por conseguinte, a violação, quer do
preceito legal sobredito, quer do artigo 20.° da Constituição da República
Portuguesa.
Pelo que,
Nestes termos e nos mais de Direito, dando-se provimento ao
recurso ora interposto, deverá ser revogado o acórdão ora recorrido,
julgando-se o artigo 68.° do CPP como inconstitucional na interpretação,
segundo a qual, em caso de crime público de desobediência a
uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo administrativo
especial para acesso a documentos administrativos, não têm as Assistentes, ora
Recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à informação procedimental
foi negado, legitimidade para se constituírem como assistentes, no âmbito do
processo por crime de desobediência à mesma sentença, ao abrigo do
disposto nos artigos 84.° n.° 2 da L.P.T.A., 11.° n.° 3 do DL 256-A/77 de 17/06
348.° do C.P., mantendo-se, por isso, a decisão instrutória de
primeira instância, que pronunciou o Arguido, pela prática do Crime de
Desobediência.
Com o que se fará JUSTIÇA!
O Ministério Público, por seu turno, concluiu as suas alegações
do seguinte modo:
“1 – A norma do artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não é
inconstitucional, quando interpretada no sentido de não conferir legitimidade
para se constituir como assistente em processo penal, por crime de desobediência
do artigo 348.º do Código Penal, por remissão do n.º 3 do artigo 11.º do
Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, ao interessado na execução proferida
em contenciosos administrativo para acesso a documentos administrativos, face ao
incumprimento por parte do funcionário seu destinatário.
2 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
O recorrido apresentou também as suas alegações, nas quais se
incluem estas conclusões:
“(…)
5. No crime de desobediência previsto e punido no artigo 348.º do Código Penal o
interesse protegido é o interesse do Estado em que as autoridades e os seus
agentes sejam obedecidos nos seus mandatos legítimos, configurando-se o bem
jurídico com a autonomia funcional do Estado;
(…)
10. No seguimento do n.º 3 do artigo 205.º da CRP, o n.º 3 do artigo 11.º do
Decreto-Lei n.º 256-A/77 (entretanto revogado) prevê a pena de desobediência à
inexecução das sentenças proferidas em contencioso administrativo e transitadas
em julgado;
11. A responsabilidade penal que decorre da inexecução das decisões dos
Tribunais Administrativos deve considerar-se, salvo melhor opinião, como
garantia do interesse público na realização da justiça e no respeito da
legalidade. A protecção dos interesses individuais é indirecta, reflexa. Não
significa que a conduta incriminada não possa reflexamente prejudicar terceiros.
Mas os terceiros, aqui, são lesados, não ofendidos. Por tal razão não se podem
constituir assistentes;
(…).”
5. A fls. 192 foi proferido este despacho:
«A fls. 134, B. e outras vêm recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2005, de fls. 95, ao abrigo
do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade, 'por
violação dos artigos 20º, n.º 5, 32º, n.º 7, e 268º da Constituição da República
Portuguesa', do 'artigo 68º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando
interpretado no sentido de que, quando se trata de um crime público, como o de
desobediência a uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo
administrativo especial para acesso a documentos administrativos, não têm as
assistentes, ora recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à
informação procedimental foi negado, legitimidade para se constituírem como
assistentes, no âmbito do processo por crime de desobediência à mesma sentença,
ao abrigo do disposto nos artigos 84º, n.º 2, da L.P.T.A., 11º, n.º 3, do
Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Julho, e 348º do Código Penal.'
Sustentam, para o efeito, que 'alegaram a inconstitucionalidade do referido
preceito legal, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, no
articulado de resposta a motivações de recurso apresentadas pelo então Arguido,
ora Recorrido [fls. 26], bem como nas motivações do recurso interposto pelas
Recorrentes, do referido acórdão, o qual, porém, acabou por não ser admitido.”
Este último recurso que referem foi o recurso que interpuseram para o Supremo
Tribunal de Justiça, mas que não foi admitido pelo despacho de fls. 129.
Da leitura da resposta à motivação do recurso interposto para o Tribunal da
Relação de Lisboa pelo arguido, A., de fls. 26, e ainda, aliás, da resposta (de
fls. 81) ao parecer apresentado pelo Ministério Público a fls. 66, não parece
resultar que tenha sido suscitada oportunamente a inconstitucionalidade de
qualquer norma contida no n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.
Ora é condição de admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto na alínea b)
do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, que a
inconstitucionalidade que se pretende seja apreciada pelo Tribunal
Constitucional tenha sido suscitada 'durante o processo' (referida alínea b)), o
que significa que há-de ter sido colocada perante o tribunal recorrido 'em
termos de este estar obrigado a dela conhecer' (n.º 2 do artigo 72º da mesma
Lei).
Daqui resulta que não poderia ser considerada uma eventual alegação de
inconstitucionalidade constante da motivação apresentada no recurso interposto
para o Supremo Tribunal de Justiça.
Acresce ainda que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
normativa se destina a que o Tribunal Constitucional aprecie uma alegada
inconstitucionalidade de normas e não de decisões. Nunca seria possível, pois,
apreciar a inconstitucionalidade da interpretação de um preceito legal no
sentido de não terem 'as Assistentes, ora Recorrentes, administradas, cujo
direito à informação procedimental foi negado, legitimidade para se constituírem
como assistentes, no âmbito do processo por crime de desobediência à mesma
sentença (…)'.
É, pois, plausível que o Tribunal Constitucional não venha a conhecer do
presente recurso.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 704º, n.º 1 do Código de Processo
Civil e 69º da Lei nº 28/82, convidam-se as partes a pronunciarem-se, querendo,
sobre a eventualidade de não se conhecer do objecto do presente recurso, por
falta de pressupostos de admissibilidade.»
Apenas responderam as recorrentes, pronunciando-se no sentido de que deve ser
conhecido o objecto do recurso «por duas ordens de razões:
(…) 2.° Em primeiro lugar, porque as ora Recorrentes foram notificadas para
apresentar as suas alegações, nos termos do disposto no artigo 78.°A n.° 5 do
CPC.
3.º De acordo com o n.° 5 do supra referido preceito legal, “Quando não deva
aplicar-se o disposto no n.° 1 e, bem assim, quando a conferência ou o pleno da
secção decidam que deve conhecer-se do objecto do recurso ou ordenem o
respectivo procedimento, o relator manda notificar o recorrente para apresentar
alegações.”
4.º Ora, a notificação das ora Recorrentes para alegar, pressupôs efectivamente,
uma prévia e anterior decisão no que se refere à admissibilidade legal do
recurso interposto pelas ora Recorrentes.
5.° Uma ulterior decisão que não admita o recurso interposto, constituirá uma
ofensa de caso julgado que deverá prevalecer, por se ter formado em primeiro
lugar.
6.° Por outro lado, as ora Recorrentes alegaram, na resposta ao recurso
interposto pelo Arguido, a questão da constitucionalidade.
7.º Na verdade, na resposta dada pelas ora Recorrentes, às motivações de recurso
apresentadas pelo Arguido, aquelas começam por alegar o seguinte: “O artigo 268°
da Constituição da República Portuguesa que consagra no numero 1 o direito
fundamental à informação dos directamente interessados num procedimento
administrativo e no número 2 o princípio do arquivo aberto, onde encontramos uma
dimensão institucional e organizatória que está intimamente ligada aos
princípios da transparência e da publicidade.”
8.° Mais alegaram as Recorrentes que: “É este um meio para exercitar e garantir
o direito de acesso dos cidadãos à informação, que pode ser utilizado para
efectivar o direito dos particulares de receber da Administração, quando assim o
requeiram, consulta de documentos ou passagem de certidões, em que sejam
directamente interessados.”
9.° Alegaram ainda, a propósito da legitimidade para a constituição de
assistentes das ora Recorrentes, que: “A lei incriminadora é neste caso o artigo
11° do Decreto-Lei n.° 256-A/77, por remissão do artigo 84°, n.° 2 da LPTA.
Crime que vem tipificado no artigo 348° do Código penal.
O bem jurídico aqui tutelado pela norma incriminadora é um bem jurídico
complexo, pois não é somente um interesse de ordem pública que a norma tutela,
mas especialmente e imediatamente a garantia de efectivação do direito
fundamental à informação dos administrados. (sublinhado
nosso). E ainda a realização da Justiça e cumprimento das ordens dos Tribunais e
a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais.”
10.° Tendo sido invocado, por várias vezes, o direito fundamental dos cidadãos
enquanto administrados, terem o direito de acesso a documentos e informações
administrativos, direito consagrado no artigo 268.° da Constituição da República
Portuguesa, bem como a tutela jurisdicional efectiva dos direitos fundamentais
dos cidadãos / administrados, tem que se entender que foi colocada
oportunamente, a questão da (in)constitucionalidade da norma em apreço.
11.º Assim, cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, “das
decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo;”, terá que ser julgado admissível o recurso
interposto.»
5. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, por não
estarem preenchidos os necessários pressupostos.
O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto
ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a
conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que
foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido
suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e
não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da
lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de
exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de
ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs
313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo”
(citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de
ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só
pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o
processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto
processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em
momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com
os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II,
de 28 de Maio de 1994).
6. Ora verifica-se, no presente recurso, que as recorrentes não cumpriram o ónus
de suscitar oportunamente a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no
n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.
Em primeiro lugar, porque sempre seria irrelevante, para este efeito, suscitar
eventualmente a referida inconstitucionalidade nas alegações apresentadas no
recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, como se viu,
não foi admitido. Basta recorrer ao citado n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82
para verificar que, tratando-se de um recurso interposto do acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa, a inconstitucionalidade haveria de ter sido colocada
perante este Tribunal 'em termos de este estar obrigado a dela conhecer'.
Em segundo lugar, porque não foi suscitada qualquer inconstitucionalidade
normativa referida ao n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal 'no
articulado de resposta às motivações de recurso apresentado pelo então Arguido,
ora Recorrido'.
Note-se, aliás, que essa inconstitucionalidade poderia ter sido suscitada na
resposta ao parecer apresentado pelo Ministério Público no Tribunal da Relação
de Lisboa, e que figura a fls. 81.
7. Para além disso, resulta claramente das alegações apresentadas no Tribunal
Constitucional que a inconstitucionalidade é atribuída ao acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa e não a qualquer interpretação que nele tenha sido adoptada
para o n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal, o que mais uma vez
impede este Tribunal de conhecer do recurso. Conclusão que, aliás, é reforçado
pela resposta ao despacho de fls. 192, acima transcrita.
Nunca poderia resultar do presente recurso nenhum juízo de censura sobre a
decisão de negar às recorrentes o direito a constituírem-se assistentes, porque
o Tribunal Constitucional não teria competência para o proferir; nunca poderia,
assim, ser atendido o pedido com que as recorrentes terminam as suas alegações,
e que revela que não tomaram em conta o regime constitucional e legalmente
definido para o recurso de constitucionalidade, que foi configurado como um
recurso destinado à apreciação de questões de inconstitucionalidade de normas e
não de decisões que, alegadamente, ofendam direitos fundamentais dos
recorrentes.
8. Finalmente, cabe observar que não obsta à conclusão de que o Tribunal
Constitucional não pode conhecer do recurso a circunstância de as partes terem
sido notificadas para alegar.
O despacho que determina a notificação para o efeito não faz caso julgado quanto
à admissibilidade do recurso. Assim resulta, por exemplo, do disposto nos
artigos 79º-B da Lei nº 28/82, conjugado com o artigo 704º do Código de Processo
Civil. Solução diferente, aliás, impediria o recorrido de colocar obstáculos ao
conhecimento do recurso, o que não seria aceitável.
Do disposto no n.º 5 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, contrariamente ao que é
afirmado pelas recorrentes, não decorre nada quanto aos efeitos do referido
despacho.
9. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs. por cada
recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Gil Galvão
Vítor Gomes
Artur Maurício