Imprimir acórdão
Processo n.º 248/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 992 e seguintes, não se tomou
conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 5.), constitui seu
pressuposto processual a invocação, durante o processo, da questão da
inconstitucionalidade da norma ou da interpretação normativa cuja conformidade
constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
Nos termos do artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, tal questão terá de ser suscitada
«de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Esta exigência significa, desde logo, que a questão de inconstitucionalidade
deve ser suscitada de modo perceptível, ou seja, de modo a que o tribunal
recorrido se possa aperceber da necessidade de apreciá-la.
Ora, perante o tribunal ora recorrido, o recorrente não suscitou de modo
perceptível a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada.
Se bem se analisar a reclamação para a conferência (supra, 3.) – a peça
processual na qual tal questão devia ter sido suscitada –, verifica-se que nunca
o ora recorrente imputou a inconstitucionalidade por si identificada à concreta
interpretação normativa que agora pretende ver sindicada.
Referiu-se, é certo, a uma interpretação do artigo 259º do Código de Processo
Civil que, do seu ponto de vista, seria inconstitucional, mas nunca concretizou
tal interpretação; dito de outro modo, o recorrente nunca identificou claramente
perante o tribunal recorrido a interpretação que considerava inconstitucional.
Assim sendo, não admira que, no acórdão recorrido (supra, 4.), não se vislumbre
qualquer tratamento da questão da inconstitucionalidade da interpretação
normativa que o recorrente, perante o Tribunal Constitucional, condensa na
seguinte fórmula: a de que «quem decide se determinada caligrafia é legível ou
não é o seu autor e não o seu destinatário». Nesse acórdão, na verdade, o
Supremo Tribunal de Justiça apenas abordou a questão de saber se o despacho
então reclamado seria ou não inconstitucional, tendo concluído que «no caso dos
autos não houve qualquer discriminação dos ‘sujeitos processuais’».
Não tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal recorrido, a questão da
inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada, em termos
processualmente adequados, conclui-se que não se mostra preenchido o pressuposto
processual a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional, não podendo consequentemente conhecer-se do objecto
do presente recurso.
[…].”.
2. Notificado desta decisão sumária, A. dela veio reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, dizendo essencialmente o seguinte (fls. 1003 e seguintes):
“[…]
8 - […] se aqueles conselheiros [do Supremo Tribunal de Justiça] tivessem optado
por outras palavras ou fórmulas decisórias, já a decisão do Tribunal
Constitucional sobre esta questão seria diferente ou porventura até se
mostrassem preenchidos os pressupostos processuais a que aludem os artigos 70°,
n.º 1, alínea b), e 72°, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, sendo que, a
nosso ver, a situação dos autos não pode ater-se a meras conjecturas do
julgador, visto aqueles Juízes Conselheiros nem sequer estarem vinculados a
pronunciarem-se sobre as inconformidade[s] constitucionais suscitadas, tal como
sucede em mais de 90% dos casos que sobem ao Tribunal Constitucional.
9 - Pois, o n.º 2 do art. 72° da Lei do Tribunal Constitucional ao estabelecer
que os «recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º, só podem
ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade
ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer»
isto quer significar que a questão de constitucionalidade deve ser suscitada no
tribunal recorrido no espaço temporal anterior à decisão proferida, de forma a
que o mesmo tenha a oportunidade de se pronunciar sobre ela.
10 - Já que, a ter-se o entendimento vertido na decisão reclamada, estava
encontrada a fórmula para jamais se conhecer do recurso, sempre que o tribunal a
quo por omissão propositada resolvesse não se pronunciar sobre a inconformidade
constitucional ou como no caso dos presentes autos, em que o acórdão até
responde a questões diferentes, bastando respigar do texto das alegações um
excerto e dar-lhe uma redacção diversa para [a] seguir se responder a questões
que não foram suscitadas nem têm qualquer verosimilhança com o original. Veja-se
a este propósito ponto 2, do Acórdão do STJ, referindo-se ali o seguinte:
«Contra este último despacho veio o recorrente, a fls. 970 e 971 reclamar para a
conferência, afirmando que tal despacho ‘viola o acesso ao direito’, afronta o
disposto nos arts. 20º n.º 1 e 13º da Constituição ‘discriminando os sujeitos
processuais’... para afinal decidir que ‘no caso dos autos não houve qualquer
discriminação dos “sujeitos processuais”, uma vez que o dito acórdão foi
notificado ao MºPº, neste Supremo, mediante a entrega de uma sua fotocópia.».
11 - Ora o que se disse naquela reclamação sobre a dimensão deste excerto é bem
diferente daquilo que foi transcrito para o acórdão recorrido e inseria-se numa
peça processual, cujo contexto lhe conferia uma interpretação global. Aliás
dizia-se, a este propósito, no número 7 daquela reclamação:
«7 - Daí que a interpretação observada pelo Senhor Relator, relativamente ao
art. 259º do CPC, ao abrigo do qual foi requerida a cópia dactilografada do
Acórdão de fls. 963, contenda com os termos do n.º 1 do art. 20° da CRP,
porquanto viola o acesso ao direito, além do que afronta as disposições do art.
13° do mesmo diploma fundamental, discriminando os sujeitos processuais, em
ordem à posição que ocupam nos autos, bem como atenta contra o disposto no seu
art. 203º, pois muito embora os tribunais gozem de independência face aos outros
órgãos de poder, todavia estão sujeitos à lei».
12 - Isto serve para dizer que na reclamação para a conferência do STJ, o
recorrente suscitou de forma clara a inconstitucionalidade da interpretação
conferida pelo Exmo. Senhor Doutor juiz Conselheiro Relator ao abrigo do art.
259° do CPC, à luz do qual foi requerida a cópia dactilografada e nos termos do
mesmo preceito a mesma foi recusada, razão pelo que o impetrante está convicto
que se mostram preenchidos os pressupostos processuais a que aludem os artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, tanto mais que para além da transcrição da
reclamação dirigida ao STJ e observada na decisão ora reclamada, o próprio
recorrente concluía:
«Posto que se na conferência vier a ser mantido o despacho reclamado, então
solicita-se a V. Exa. que sobre o mesmo recaia um acórdão, de forma a poder dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional».
13 - No caso sub judice, a decisão ora impugnada não faz um exame crítico dos
elementos probatórios carreados na reclamação, isto é, daquilo que é dito pelo
reclamante. De facto, quando no ponto 5 da reclamação se diz que:
«5- O despacho reclamado ao recusar a cópia dactilografada do Acórdão proferido
a fls. 963 fez, a nosso ver, uma interpretação errada do disposto naqueles
preceitos, tanto mais que viola não só o acesso ao direito, como o princípio da
igualdade, uma vez que de acordo com o estabelecido no art. 541°, do CPC, ‘a
parte é obrigada a apresentar uma cópia legível’ se ‘a letra do documento for de
difícil leitura’».
Que outra coisa podia o reclamante dizer com isso, se não que caso continuasse a
ser recusada cópia dactilografada com base na interpretação errada, seja do
disposto no art. 259° do CPC, seja no n.º 4 do art. 94º do CPP, era-lhe vedado o
acesso ao direito previsto no art. 20° e violado o princípio da igualdade
estabelecido no art. 13°, ambos da CRP?
Não é claramente dito aos Senhores Juízes Conselheiros do STJ que a
interpretação atribuída ao art. 259° do CPC, em ordem ao qual foi recusada a
cópia dactilografada, viola os termos daqueles incisos constitucionais e que por
isso mesmo aquela interpretação é inconstitucional?
Não é claramente identificável para os Ilustríssimos Conselheiros do STJ que o
recorrente, no ponto 7 da mesma reclamação disse que:
«a interpretação observada pelo Senhor Relator, relativamente ao art. 259° do
CPC, ao abrigo do qual foi requerida a cópia dactilografada do Acórdão de fls.
963, contenda com os termos do n.º 1 do art. 20° da CRP, porquanto viola o
acesso ao direito, além do que afronta as disposições do art. 13° do mesmo
diploma fundamental, discriminando os sujeitos processuais, em ordem à posição
que ocupam nos autos, bem como atenta contra o disposto no seu art. 203°, pois
muito embora os tribunais gozem de independência face aos outros órgãos de
poder, todavia estão sujeitos à lei».
E que isto mesmo quer dizer que a interpretação dada ao art. 259º do CPC pelo
Senhor Juiz Conselheiro Relator é inconstitucional porque viola o sufragado
naqueles comandos da CRP?
Aliás, que outra leitura podiam extrair os ilustríssimos Juízes Conselheiros,
situados no topo da pirâmide dos tribunais quase «ex aequo» com os do Tribunal
Constitucional e que pela sua douta experiência jurídica e sabedoria intelectual
do direito, que não fosse um entendimento claro de que a interpretação conferida
àquele art. 259° que recusa a cópia dactilografada é inconstitucional, porquanto
veda ao recorrente o acesso ao direito, quando sabem que por mais de uma vez o
próprio T.C. se pronunciou nesse sentido e com graves críticas à jurisprudência
contrária proferida pelo STJ?
[…]
15 - […] no caso em apreço, tendo-se ordenado o aperfeiçoamento nos termos do
n.º 6 do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional e havendo o recorrente
observado o teor daquele despacho, a nosso ver, já o Tribunal não podia deixar
de conhecer do objecto do recurso interposto, levando em conta as disposições do
n.º 1 do art. 78º-A da mesma Lei. E isto porque, tendo o recurso sido interposto
ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70° da Lei n.º 28/82, com a redacção que
foi dada pela Lei n.º 13-A/98/26/02, logo, nos termos do n.º 2 do art. 76º
daquela mesma Lei, tal recurso só poderia ser indeferido quando fosse
manifestamente infundado.
16 - Na verdade, face aos termos do n.º 2 daquele inciso, o «requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido
quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento
previsto no seu nº 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido
interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda,
no caso dos recursos previstos na alíneas b) e f) do artigo 70º, quando forem
manifestamente infundados».
Pois bem, em ordem à prolação reclamada, nenhum destes elementos constitutivos
do instituto decisório se mostram reunidos, por forma a ser subsumíveis à
decisão ora reclamada, já que:
1°- O requerimento do recurso mostra-se instruído em conformidade com o disposto
no art. 75º-A, visto na decisão impugnada se referir a violação do n.º 2 do art.
72º da Lei do Tribunal Constitucional;
2°- Salvo melhor opinião, o tribunal só podia invocar os termos do n.º 1 do art.
78°-A, para recusar conhecer do objecto do recurso quando se verificassem os
requisitos do n.º 2 do art. 76°. Ou seja, quando o recurso interposto à sombra
da al. b) do n.º 1 do art. 70° fosse manifestamente infundado, e como se viu,
não é esse com toda a certeza o caso que nos ocupa.
[…].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu à mencionada reclamação, nos seguintes termos (fls.
1014 e seguinte):
“1 – A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, já que o recorrente não
cumpriu o ónus de suscitar, em termos processualmente adequados, a questão de
inconstitucionalidade normativa que constitui objecto do recurso.
2 – Dispondo, para tanto, de inquestionável oportunidade processual, no âmbito
da reclamação para a conferência que deduziu no Supremo Tribunal de Justiça.
3 – E sendo, aliás, evidente que – como decorria inteiramente do teor do acórdão
nº 444/91 – o critério normativo questionável era o que o recorrente especificou
no convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso –
deixando, todavia, de o fazer na reclamação de fls. 970 dos autos.
4 – Carece, por outro lado, manifestamente de sentido a arguição de
«ilegalidade» da decisão reclamada, confundindo o reclamante os planos dos
pressupostos do recurso (obviamente sindicáveis até à prolação do acórdão que o
julgar) com o dos requisitos formais do requerimento de interposição.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A argumentação do reclamante desenrola-se em torno de três
pontos fundamentais:
a) O de que a decisão sumária labora em erro quando retira do
texto da decisão recorrida a conclusão de que o recorrente não suscitou, durante
o processo, a inconstitucionalidade da interpretação normativa que agora
pretende ver apreciada;
b) O de que a decisão sumária labora em erro quando conclui, a
partir da leitura da reclamação de fls. 970 e 971, que tal inconstitucionalidade
não foi suscitada durante o processo;
c) O de que a decisão sumária labora em erro quando, depois de
proferido despacho de aperfeiçoamento pelo relator (no Tribunal Constitucional),
não conhece do objecto do recurso de constitucionalidade.
Vejamos cada um dos três pontos separadamente.
5. Quanto ao primeiro, basta referir que a decisão sumária não
concluiu no sentido da não invocação, durante o processo, da questão de
inconstitucionalidade que agora é submetida ao Tribunal Constitucional por causa
do texto da decisão recorrida; dito de outro modo, a referência a este texto
ocupa, na decisão sumária, o papel de mero elemento coadjuvante da conclusão a
que já se chegara, não o papel de elemento gerador da conclusão.
Como é óbvio, o recorrente que cumpra o ónus de invocação da questão de
inconstitucionalidade não pode ser prejudicado pela eventual omissão de
pronúncia do tribunal recorrido quanto a tal questão. Todavia, o julgamento a
que se procedeu na decisão sumária ora reclamada em nada contraria esta
afirmação, pois que a conclusão acerca do não cumprimento do ónus de invocação
decorreu, não do texto da decisão recorrida, mas do texto da reclamação de fls.
970 e 971, na sequência da qual foi proferido o acórdão ora recorrido.
Este aspecto prende-se já com o segundo ponto colocado pelo reclamante.
6. E quanto a este ponto não tem igualmente razão o reclamante:
na verdade, contrariamente ao que afirma, a inconstitucionalidade da
interpretação normativa que submete à apreciação do Tribunal Constitucional – a
interpretação do artigo 259º do Código de Processo Civil, nos termos da qual
quem decide se determinada caligrafia é legível ou não é o seu autor e não o seu
destinatário (cfr. resposta ao despacho de aperfeiçoamento da ora relatora, a
fls. 990) – não foi suscitada perante o tribunal recorrido.
Perante esse tribunal – conforme resulta da leitura da citada reclamação de fls.
970 e 971 –, começou o reclamante por criticar o que considerava ser uma
interpretação errada do artigo 259º do Código de Processo Civil e do n.º 4 do
artigo 94º do Código de Processo Penal, que teria sido adoptada pelo Supremo
Tribunal de Justiça. Sustentou depois a inconstitucionalidade da interpretação
que havia sido perfilhada pelo relator relativamente ao artigo 259º do Código de
Processo Civil, mas sem concretizar essa mesma interpretação e, por isso, sem
suscitar a questão de modo processualmente adequado perante o tribunal
recorrido, como é exigido pelo artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
O cumprimento do ónus a que se refere o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional não se basta, com efeito, com a mera afirmação, perante o
tribunal recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é
inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão
de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a
delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua
cabal compreensão e, portanto, a sua efectiva decisão.
É evidente que – como, aliás, já se disse – pode suceder que o tribunal
recorrido não venha a decidi-la, caso em que não teria sentido prejudicar o
recorrente, impedindo-o de obter a apreciação dessa questão pelo Tribunal
Constitucional. Mas uma coisa é o tribunal recorrido não ter decidido a questão;
outra, bem diferente, é não ter estado sequer obrigado a conhecê-la, por ela não
lhe ter sido colocada de forma clara.
Ora, no presente caso, a questão que o recorrente submete ao Tribunal
Constitucional não foi colocada de forma clara ao tribunal recorrido, pelo que
não foi cumprido o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, não sendo consequentemente possível
conhecer do objecto do recurso por falta de preenchimento de um dos seus
pressupostos processuais.
7. Vejamos, por fim, o terceiro ponto da reclamação.
Também quanto a ele não tem manifestamente razão o reclamante.
Uma das funções do despacho de aperfeiçoamento, a que alude o artigo 75º-A, n.º
s 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional, é justamente a de permitir verificar
se os pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade estão
preenchidos e se, como tal, é possível conhecer do seu objecto: assim, por
exemplo, se se convida o recorrente a indicar a norma que pretende ver
apreciada, tal convite tem também como função verificar se tal norma foi
aplicada ou se o recorrente suscitou a sua inconstitucionalidade durante o
processo. Nenhum sentido teria que tal indicação se destinasse apenas a aferir
se o recurso é manifestamente infundado nem a lei, aliás, confina tal despacho a
essa função.
Assim sendo, a decisão sumária a que alude o artigo 78º-A da Lei do Tribunal
Constitucional e que, nos termos do n.º 1 deste preceito, pode decidir no
sentido do não conhecimento do objecto do recurso, pode perfeitamente ser
proferida na sequência de despacho de aperfeiçoamento. Se não pudesse ser
proferida após este despacho, aliás, tal redundaria num enorme desperdício de
actividade processual: só após as alegações das partes seria possível proferir a
decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Esta afirmação não é evidentemente desmentida pelo disposto no artigo 76º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional, preceito com base no qual o reclamante
sustenta a impossibilidade de não conhecimento do objecto do recurso pela ora
relatora.
Na verdade, o artigo 76º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional refere-se ao
acto de indeferimento do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, acto que é praticado, não pelo relator no Tribunal
Constitucional, mas pelo relator no tribunal a quo, e que se realiza na fase da
admissão do recurso de constitucionalidade: como tal, esse preceito não tem
aplicação numa fase processual posterior, em que o recurso de
constitucionalidade já foi admitido e os autos foram conclusos ao relator no
Tribunal Constitucional (como sucedeu, no presente processo, com a decisão
sumária ora reclamada).
Improcedendo a argumentação do reclamante, impõe-se a manutenção da decisão
sumária reclamada.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 992 e seguintes que
não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades
de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos