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Processo nº 357/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º
3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional,
que julgou não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Julho de 2005, que o
condenou, em cúmulo jurídico, como autor de cinquenta e um crimes de lenocínio
simples, p. e p. pelo art. 170.º, n.º 1 do Código Penal, e como co-autor de um
crime de angariação de mão-de-obra ilegal, p. e p. pelo art. 136.º-A do
Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na pena unitária de nove anos de prisão.
2 – Fundamentando a sua reclamação, discorre o reclamante do
seguinte jeito:
“1. O arguido suscitou a este Tribunal uma questão
prévia relacionada com o seu direito ao duplo grau de jurisdição. Contudo, em
tempo, não fez o arguido uso do nº 4, do artigo 76º, da LTC, e, como tal, não
pode tal questão ser apreciada nesta sede Constitucional. Acerca desta questão,
nada tem o recorrente a acrescentar.
2. Mas o recorrente suscitou a verificação da constitucionalidade em
mais quatro pontos do seu recurso. Apesar disso, a douta decisão sumária do
Ex.mo Senhor Relator, nenhum deles evidencia, concluindo apenas e tão só que não
pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso, uma vez que a
inconstitucionalidade da norma impugnada, aplicada como ratio decidendi pelo
tribunal recorrido, não foi suscitada durante o processo.
3. É com esta interpretação que o arguido se não conforma. O recorrente
está completamente de acordo com a jurisprudência indicada e que funda a douta
decisão sumária: o requisito de inconstitucionalidade deve ser suscitado durante
o processo, não num sentido meramente formal, mas num sentido funcional, de tal
modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento que o tribunal a
quo ainda pudesse conhecer a questão”, antes de esgotado o poder jurisdicional
do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade)
respeita”, uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter apreciado.
4. Com o devido respeito, foi isso que o recorrente apresentou em sede
de recurso, apresentado na Relação do Porto. Tanto assim que, independentemente
da perfeição gramatical do texto do recurso, o Tribunal recorrido acabou por se
aperceber das questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo ora recorrente
e, bem assim, pronunciar-se acerca delas, concluindo, a final, “não existirem
tais vícios suscitados pelo recorrente”.
5. Concretamente, a folhas 40, o douto acórdão da Relação do Porto
refere: “Manda a honestidade que se diga que apesar da omissão do recorrente não
é preciso ser adivinho para perceber o que pretende o recorrente. O recorrente
questiona é a constitucionalidade do art. 271º, do CPP, ao permitir, na
interpretação que foi implicitamente acolhida no tribunal de Bragança, a
inquirição, válida e relevante, mesmo no inquérito ainda não correr contra um
arguido conhecido e constituído, que por isso não pode ser notificado nem
obviamente estar presente na inquirição”.
6. Mais à frente, a folhas 49, o douto acórdão conclui da seguinte
forma: “Conclui-se, assim, que o tribunal na interpretação que fez dos arts.
271º, 356º, nº 2, al. A) e 255º, nº 2 do Código de Processo Penal, não infringiu
o principio do contraditório com o âmbito que a constituição lhe desenha no art.
32º, nºs 5 e 6, nem no disposto no art. 271º, do Código de Processo Penal”.
7. Ainda mais adiante, a folhas 50 e 51, em resposta ao problema da
inconstitucionalidade relativamente à matéria tocante ao controlo jurisdicional
das escutas telefónicas, o Tribunal da Relação do Porto conclui que “Quanto ao
modo de arguir a inconstitucionalidade valem aqui as precedentes considerações
explanadas a propósito do art. 271º, do Código de Processo Penal: este não é o
modo correcto de suscitar a questão. Mesmo assim, vamos tentar demonstrar a sem
razão do reparo do recorrente.” (sic., com destacado nosso).
7 Que mais seria necessário para o Tribunal da Relação do Porto,
querendo, se pronunciasse acerca da inconstitucionalidade, ou não, das
formalidades das escutas telefónicas e legalidade da prova? O Tribunal explorou
essa matéria e, a fls. 55 e 56, do douto acórdão, analisa precisamente a questão
das formalidades das operações (art. 188º, CPP) e conclui que o procedimento foi
legal improcedendo assim, “a questão suscitada pelo arguido” – que, no caso, era
a inconstitucionalidade da interpretação dessa norma.
9. Como se pode ver, pela análise do próprio texto e, sobretudo pelas
conclusões explícitas ao longo do acórdão da Relação do Porto, não ficam dúvidas
que o Tribunal da Relação não só entendeu, como decidiu sobre as
inconstitucionalidades invocadas pelo recorrente.
10. É precisamente acerca destas decisões deste juízo constitucional que foi
formulado pelo Tribunal da Relação, que o recorrente se não conforma a pretende
submeter ao douto veredicto do Tribunal Constitucional – e muita é a expectativa
que o recorrente tem nesta apreciação, uma vez que a recente jurisprudência do
Tribunal Constitucional vem no sentido do entendimento que recorrente possui,
acerca do controlo jurisdicional efectivo que deve ser feito às escutas
telefónicas.
11. É isto que aqui ficou patente e é este o único e derradeiro meio que o
recorrente possui, para lhe ser feita justiça nesta matéria (controlo de escutas
telefónicas) matéria essa que desde as primeiras alegações orais, de uma forma
ou de outra, o arguido se não tem cansado de suscitar.
12. E assim, resumidamente, são as seguintes as normas cuja
inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie:
I as normas constantes do art. 188º, nº 1 e nº 3, conjugadas com o art.
126º, do Código de Processo Penal – na interpretação acolhida no acórdão
recorrido, ou seja, a de que as formalidades existentes nos autos, em matéria da
escutas telefónicas, definem e concretizam a excepção prevista no art. 34º da
CRP, no tocante inviolabilidade da correspondência, não se violando assim o
princípio da legalidade da prova.
II As normas constantes do art. 271º, e art. 365º, nº 2, al. A) do Código de
Processo Penal – declarações para memórias futuras e leitura em audiência – na
interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a circunstância
do ora recorrente não ser arguido, na altura em que as declarações para memória
futura foram colhidas (não havia, sequer, arguido constituído no processo) não
viola o princípio do contraditório, verificando-se cumpridas os preceitos legais
relativos á recolha e utilização do referido meio de prova.
As normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida, violam o nº
5 do art. 32º da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso da
decisão do Colectivo de Bragança (pontos 15 e 20, e nas próprias conclusões,
pontos 8 e 16) e recolocada, na motivação do recurso da decisão do Tribunal de
Relação do Porto (fls. 27, tema 1 — Depoimentos para memória futura)
III As normas constantes do art. 343º, art. 356º, nº 2, al. A), e art. 357º,
todos do Código de Processo Penal – opção de silêncio pelo arguido e leitura de
declarações em audiência de julgamento – na interpretação acolhida no acórdão
recorrido, ou seja, a de que a circunstância de serem lidas em audiência de
julgamento escutas telefónicas (mesmo entre arguidos) quando os mesmos optaram
pelo seu direito ao silêncio, não viola o princípio do direito ao silêncio, isto
é, o direito de não serem os arguidos colaborantes com o processo da justiça. As
normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida violam o nº 1
do art. 32º da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso (ponto
44) da decisão do Colectivo de Bragança e nas próprias conclusões (ponto 35),
assim como foi novamente suscitada na motivação do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto (fls. 41, tema 4 – Escutas telefónicas).
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SERÃO POR V. EXA DOUTAMENTO
SUPRIDOS, DEVE A PRESENTE RECCLAMAÇÃO SER ATENDIDA E, CONSEQUENTEMENTE,
CONHECER-SE DO OBJECTO DO RECURSO, ORDENANDO-SE O RESPECTIVO PROSSEGUIMENTO”.
3 – Respondendo à reclamação, concluiu o Procurador-Geral
Adjunto do seguinte modo:
“1 – A presente reclamação é manifestamente infundada.
2 – Na verdade, o reclamante não cumpriu o ónus de suscitar,
durante o processo e em termos processualmente adequados, as questões de
constitucionalidade normativas a que reportou o recurso para este Tribunal
Constitucional, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
cujos pressupostos, deste modo, não se verificam”.
4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, fazendo constar do respectivo requerimento de
interposição do recurso que:
“O arguido interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto para o
Supremo Tribunal de Justiça.
Tal recurso foi recebido e o processo subiu ao Supremo Tribuna1 de Justiça.
O Supremo Tribunal de Justiça, contudo, profere Acórdão de não admissão do
recurso por manifesta improcedência, isto é, por a decisão recorrida não admitir
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 400º, al. E),
do CPP.
Todavia,
O douto acórdão da Relação do Porto deu como parcialmente procedente o recurso
interposto pelo Ministério Público, sustentando-se na ideia do ora recorrente,
A., ser autor não de um (conforme entendimento da 1ª instância, e ao qual
aderimos), mas de 51 crimes de Lenocínio simples (art. 170.º, n.º 1, do CP),
atribuindo-lhe a pena de um ano de prisão, para cada um deles; e ser co-autor,
não de um crime de” Auxílio à imigração ilegal” (conforme entendimento da 1ª
instância), mas sim de um crime de “Angariação de mão-de-obra ilegal”,
atribuindo-lhe uma pena de dois anos e seis meses de prisão.
O Tribunal da Relação do Porto, não obstante partir da mesma factualidade avalia
duas questões novas: atribui-lhe a autoria de 51 crimes de lenocínio simples e a
co-autoria de um crime de angariação de mão-de-obra ilegal – questões
completamente diversas da que veio a ser julgado em sede de primeira instância.
O arguido acaba por, no âmbito do mesmo processo, ser julgado duas vezes, uma
vez que as questões de direito em causa (julgamento de direito) são
manifestamente diferentes (e ex-novos) das que foram julgadas pelo colectivo de
Bragança.
O que está aqui em causa é a delimitação da questão de direito, em sede de
recurso pelo Tribunal da Relação do Porto, quando este vem julgar a mesma
questão de facto, de uma forma completamente nova em matéria de direito (novos
bens jurídicos).
Salvo melhor opinião, o arguido fica, assim, impossibilitado de recorrer desta
decisão nova – decisão esta que acaba por puni-lo de forma mais severa, com uma
pena de 9 anos de prisão.
O Supremo tribunal de Justiça, ao não receber o recurso do arguido, cerceia-lhe
o direito que o arguido tem ao duplo grau de jurisdição.
Com este entendimento – vetar a possibilidade ao arguido, do direito de duplo
grau de jurisdição – a decisão do Supremo Tribunal de Justiça acaba por violar o
n.º 1 e o n.º 5 do art. 32.º da CRP.
É esta a primeira questão (prévia) que se pretende constituir objecto do
presente recurso: a interpretação acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, do
art. 400.º do CPP – em não receber o recurso interposto pelo recorrente, do
douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – constitui, in casu, uma violação
do art. 32.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP, na justa medida em que impossibilita o
duplo grau de jurisdição.
B
Para além do acima referido,
Pretende-se atento o disposto no art. 75.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, que seja apreciada a inconstitucionalidade das infra indicadas
normas, decorrentes da interpretação feita pelo Acórdão da Relação do Porto
(elencadas no recurso que se promoveu para o STJ) e já suscitadas na motivação
do recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal Judicial de Bragança.
Assim, são as seguintes as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie:
1)
As normas constantes do art. 271.º, e art. 365.º, n.º 2, al. A) do Código de
Processo Penal – declarações para memórias futuras e feitura em audiência – na
interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a circunstância
do ora recorrente não ser arguido, na altura em que as declarações para memória
futura foram colhidas (não havia, sequer, arguido constituído no processo) não
viola o princípio do contraditório, verificando-se cumpridos os preceitos legais
relativos à recolha e utilização do referido meio de prova.
As normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida, violam o
n.º 5 do art. 32.º da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso da
decisão do Colectivo de Bragança (pontos 15 e 20, e nas próprias conclusões,
pontos 8 e 16) e recolocada, na motivação do recurso da decisão do Tribunal da
Relação do Porto (fls. 27, tema 1 – Depoimentos para memória futura)
2)
As normas constantes do art. 343.º, art. 356.º, n.º 2, al. A), e art. 357.º,
todos do Código de Processo Penal – opção de silêncio pelo arguido e leitura de
declarações em audiência de julgamento – na interpretação acolhida no acórdão
recorrido, ou seja, a de que a circunstância de serem lidas em audiência de
julgamento escutas telefónicas (mesmo entre arguidos) quando os mesmos optaram
pelo seu direito ao silêncio, não viola o princípio do direito ao silêncio, isto
é, o direito de não serem os arguidos colaborantes com o processo da justiça.
As normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida, violam o
n.º 1 do art. 32.º da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso (ponto
44) da decisão do Colectivo de Bragança e nas próprias conclusões (ponto 35),
assim como foi novamente suscitada na motivação do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto (fls. 41, tema 4 – Escutas telefónicas).
Acresce ainda que,
3)
As normas constantes do art. 188.º, n.º 1 e n.º 3, conjugadas com o art. 126.º,
do Código de Processo Penal – formalidades das escutas telefónicas e legalidade
da prova – na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que as
formalidades existentes nos autos, em matéria de escutas telefónicas, definem e
concretizam a excepção prevista no art. 34.º da CRP, no tocante à
inviolabilidade da correspondência, não se violando assim o princípio da
legalidade da prova.
As normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida, violam o
n.º 8, do art. 32.º, o n.º 1 e o n.º 4 do art. 34.º, e o n.º 2 do art. 18.º, da
CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso (pontos
45 e 46) da decisão do Colectivo de Bragança e mais circunstancializada na
motivação de recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto (fls. 44, tema 4
– Nulidade decorrente da ausência de controlo jurisdicional efectivo).
4)
As normas constantes do art. 40.º, n.º 2, art. 71.º, n.º 2, e art. 72.º, n.º 2,
al. B) e d), do Código Penal – medida da culpa, determinação da pena e atenuação
especial – na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a
dosimetria da pena aplicada ao arguido, atento o conjunto de circunstâncias
apurado nos autos, consignado de forma expressa mas genérica em sede de acórdão
recorrido, não viola o princípio da culpa, da igualdade e da proporcionalidade,
verificando-se cumpridos os preceitos legais relativos à medida da culpa e à
determinação concreta da pena.
As normas impugnadas, com a interpretação dada na decisão recorrida, violam os
princípios constitucionais, previstos ou aflorados nos artigos 1º, art. 13.º,
n.º 1, e art. 18.º, da CRP.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso da
decisão do Colectivo de Bragança (pontos 54, 60 e 61) e, posteriormente, na
motivação de recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação do Porto
(fls.52, tema 5 – Proporcionalidade e adequação da medida da pena)”.
2 – Na sequência deste requerimento, foi proferido pelo Juiz
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça o seguinte despacho:
“Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional da decisão deste
Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o recorrente não suscitou durante o
processo a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo
400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, sendo certo que o Ministério Público suscitou a
questão prévia da inadmissibilidade do recurso e o recorrente nada veio dizer,
depois de notificado do parecer do Ministério Público.
(…)
Quanto ao recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação, o mesmo
terá de ser apreciado, quanto aos pressupostos da sua admissibilidade, pelo
tribunal recorrido (art. 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), pelo que os
autos deverão baixar ao Tribunal da Relação do Porto para o efeito”.
3 – Remetidos os autos ao Tribunal da Relação do Porto pelo
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), foi o recurso interposto da decisão daquele
Tribunal admitido, por despacho do respectivo relator de 21 de Fevereiro (fls.
2186). Tal decisão não vincula, todavia, o Tribunal Constitucional, atento o
disposto no artigo 76.º, n.º 3 da LTC.
E por que se verifica uma situação que se integra na hipótese
normativa recortada no n.º 1 do artigo 78.º-A, do mesmo diploma legislativo,
passa a decidir-se de imediato.
4 – Antes de mais, importa anotar que o recurso de constitucionalidade, sujeito
à apreciação do Tribunal Constitucional, respeita apenas ao acórdão da Relação
do Porto, dado o recorrente não ter reagido, pelo modo processualmente adequado
(art. 76.º,n.º 4 da LTC), contra o despacho do relator, no STJ, que não lhe
admitiu o recurso interposto da decisão desse Supremo para o Tribunal
Constitucional e que tinha como objecto a apreciação da questão de
constitucionalidade do art. 400.º, alínea e) do CPP.
Por tal razão, vai indeferida a questão alegada, qualificada de “prévia”.
5 – O recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto vem interposto ao
abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este
requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal
(veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de
6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, in Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o
Acórdão n.º 155/95, in Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995).
A razão de ser de tal exigência é explicada por Cardoso da Costa (“A jurisdição
constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso
Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss.): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs-und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente
(…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao
princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do
“acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de
recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a
questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em
consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)”.
Por outro lado, como é consabido, o objecto da fiscalização jurisdicional da
constitucionalidade são apenas normas jurídicas, não podendo o Tribunal
Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual) “inconstitucionalidade da
decisão judicial”, como, de resto, tem sido unanimemente acentuado pela
jurisprudência deste Tribunal – cf. Nesse sentido o Acórdão n.º 199/88
(publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989), onde se
afirmou que “este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe
cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ –, o que exige que, ao suscitar-se uma questão de
inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade se
questiona, ou no caso de se questionar certa interpretação de uma determinada
norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por
violador da lei fundamental”.
Nestes termos, em face da delimitação dos poderes assinalados a este Tribunal,
urge reconhecer, semel ró semper, que os recursos de constitucionalidade, embora
interpostos de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas
se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas
mobilizadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi, não podendo visar as
próprias decisões jurisdicionais qua tale, identificando-se, nessa medida, o
conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de
constitucionalidade, daí resultando, pois, que apenas as normas e não já as
decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos
termos, o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 286/93,
336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt/.
E isto porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade
como um recurso de amparo no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer
lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer,
nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda, antes tendo
recortado a competência do Tribunal Constitucional em torno do conhecimento de
questões de constitucionalidade de normas, sendo perante tal conformação do
sistema jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal pode actuar em termos
de avaliar da bondade constitucional de critérios normativos aplicados pelos
demais tribunais.
Note-se, porém, que o facto de “não exist[ir], no sistema
jurídico-constitucional português, um processo de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo) que
permita aos cidadãos lesados nos seus direitos fundamentais apelarem
directamente para um tribunal constitucional (…)”, não significa uma “protecção
enfraquecida dos direitos fundamentais uma vez que “os particulares podem, nos
feitos submetidos à apreciação de qualquer tribunal e em que sejam parte,
invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma (…) fazendo assim funcionar o
sistema de controlo da constitucionalidade (…) numa perspectiva de controlo
subjectivo” – cf. Gomes Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 4.ª edição, Coimbra, 2000, p. 493).
6 – Projectados os critérios acabados de definir sobre o caso sub judicio, bem
se compreende que este Tribunal não possa tomar conhecimento do recurso.
Na verdade, perante o Tribunal da Relação do Porto, o ora recorrente
controverteu o acórdão condenatório, proferido em 1.ª instância, com base nas
razões que condensou nas seguintes conclusões:
“1) A [O] recorrente, porque discorda da forma como a prova produzida no
presente processo foi avaliada pelo Tribunal a quo, impugna a matéria de facto
dada corno provada na decisão sobre recurso.
2) Discorda, porque o Tribunal a quo se baseou nos três depoimentos
prestados para memória futura, depoimentos esses que se revelaram em si mesmos
contraditórios e inconsistentes, bem como ao arrepio da demais prova produzida
ao longo da audiência de julgamento.
3) Por outro lado, verifica-se existir erro notório na apreciação da
prova, por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
4) A expressão livre apreciação da prova terá de ser a antítese da ideia
liminar e intuitiva que se tem quando se fala em íntima convicção. A liberdade
de apreciação da prova não pode, por isso, estar mais longe das meras
conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis. E o
único modo de se garantir o respeito intocado por tais baias é a exigência de
uma motivação clara, suficiente, objectiva e comunicacional.
5) Não está o arguido (nem podia estar, porque admissível legalmente)
contra a tipologia de prova sob o ponto de vista subjectivo. Discorda, isso sim,
sobre a valoração que tais depoimentos para memória futura colheram, junto do
Tribunal Colectivo, quando é verificável a existência dos formalismos legais
(mas, teleologicamente, desprovidos do rigor e segurança jurídica exigível) e,
sobretudo, quando são gritantes as contradições existentes entre os mesmos
depoimentos e entre eles e a restante prova produzida ao longo da audiência de
Julgamento.
6) O depoimento de fls. 72 (B.), diz ter sido realizado a 2 de Novembro ou
Dezembro de 2002. Embora nos fique a dúvida (quando foi?) o essencial é que
tanto em Novembro de 2002, como em Dezembro de 2002, nem existia a arguida C. no
… nem o arguido, ora recorrente, tinha sido constituído arguido neste processo.
7) A M.ma Juíza nomeou um defensor para o acto: O Dr. D...
E agora pergunta-se, defensor de quem?
Da arguida C. não porque, nessa data, nenhuma ligação tinha com o … ou com este
processo. Do arguido também não que, neste processo, só foi constituído arguido
após o primeiro interrogatório, mais concretamente a 16 de Fevereiro de 2004
(cfr. Fls. 425).
8) Vetada ficou assim a faculdade que a lei concede ao arguido de
contraditar ou de fazer a perguntas adicionais que, paulatinamente, levariam ao
esclarecimento completo e sem reservas do conteúdo do depoimento. Comprometidos
ficaram assim as normas constitucionais plasmadas no ponto 5, do art. 32.º da
CRP.
9) A vinda da B. nada teve a ver com o arguido. Quem lhe pagou a viagem
foi uma tal E.. Chegou a Portugal em 29 de Maio de 2002. Veio para trabalhar na
casa … mas só iniciou lá funções desde 25 de Setembro de 2002. (Por onde andou
ela entretanto?)
10) Refere que vieram de Paris para Bragança na carrinha alugada pelo Sr.
A.. Esclarece que tudo quanto os clientes bebiam, metade do valor era para as
alternadeiras e metade para a casa (o que mais ninguém confirmou)!
11) Relativamente à questão dos passaportes e das passagens, refere a
depoente que os entregou à referenciada E. (não ao arguido) e que os obteve
quando deles precisou.
12) Quem lhe ficou com referidos documentos foi a E., não o arguido. Apesar
disso o arguido foi condenado pelo crime de coacção, na forma tentada, à pena de
sete meses de prisão. Sete meses!
13) Contrariamente ao referido pela depoente B., não há quartos no …, nem
nunca houve. Muito menos no rés-do-chão, uma vez que o estabelecimento só tem um
piso.
14) Os depoimentos para memória futura da F. e da G. foram prestados a 10
de Outubro de 2003. Como já se referiu, o A. e a C. não tinham sido, ainda,
constituídos arguidos nos presentes autos de lenocínio.
15) E tal como tinha acontecido, cerca de um ano antes {Novembro ou
Dezembro de 2002), a M.ma Juíza nomeou novamente um defensor para o acto: o
mesmo Dr. D. de há um ano atrás.
16) Vetada ficou assim, uma vez mais, a faculdade que a lei concede ao
arguido de contribuir para o esclarecimento completo e sem reservas da
materialidade de tais depoimentos. Comprometidos ficaram assim as normas
constitucionais plasmadas no ponto 5, do art. 32º da CRP.
17) A materialidade e consistência do depoimento da F. foi por ela
desmentido quando juntou – cerca de 15 dias depois – uma informação ao processo
(cfr. Fls. 150) onde indicava o motivo que a levou a prestar o falso depoimento
que prestou. Porém, nem o Ministério Público nem o próprio Tribunal quiseram
averiguar por forma a apurar, ao certo, o que se estava a passar!....... ficou o
depoimento para memória futura!
18) A depoente não utiliza a nomenclatura de “fazer quartos”, mas sim a de
“subidas” (praticar sexo). Esclarece que o valor de tais subidas pode ir de 30 €
a 250€ – valores que mais nenhum outro depoimento validou!
19) A depoente F. fala de uma H., como sendo irmã da arguida C., quando a
única irmã se chama I. (cfr. Acórdão fl.10 e depoimento da G.).
20) Diz que se os clientes o desejassem, as “subidas” se faziam num quarto
perto da entrada – quarto esse que nunca foi encontrado por ninguém, nem pela
própria polícia, quando promoveu o encerramento do estabelecimento.
21) Esclarece que foi a partir da rusga policial de 08/08/03 (rusga que
nunca veio informar o presente processo, nem implicou, logo nessa data, o
encerramento do estabelecimento ou a detenção dos donos por flagrante delito)
que o Sr. A. lhe ficou com o passaporte e a viagem de regresso. Daqui se conclui
que o arguido não confiscava, logo à chegada, os passaportes e as viagens de
regresso.
22) A depoente F. deixou de trabalhar para o Sr. A., vinte dias depois, em
virtude de passar a viver com o Sr. J. com quem ia casar. Por isso precisava do
passaporte – o tribunal, podendo, não chegou a confirmar tal bizarria.
23) Embora sem ter assistido a obras (porque a sua vinda foi a 30/07/03 e
as obras aconteceram em finais de 2002), a depoente refere que onde antes era um
escritório agora era um quarto – o tal quarto que ninguém conhece!...
24) O Tribunal não se pronunciou sobre a desistência promovida pela
depoente, F., sendo certo que o seu requerimento entrou no presente processo em
27/10/03, constituindo parte integrante do mesmo a fls. 150.
25) O último depoimento para memória futura foi feito pela G. que, nessa,
se encontrava ilegalmente em Portugal. Apesar disso, o Ministério Público nada
promoveu e o Tribunal também não…
26) Acresce ainda, conforme se pode apreciar no próprio auto, que não foi
dada a palavra ao Ministério Público nem ao ilustre advogado presente. Saberia a
M.ma Juíza que de nada valeria dar a palavra?!...
27) A agressão narrada pela depoente G. não merece qualquer credibilidade,
tal é a incongruência das várias versões e dos relatórios médicos: dez dias
foram necessários para a cura completa.
28) Apesar de tudo isto, e sem mais, o arguido foi absolvido da prática do
crime de ofensas corporais graves de que vinha acusado, mas injusta e cruelmente
condenado pela prática do crime de ofensas corporais simples, na pena de um ano
e seis meses de prisão!
29) O arguido nunca ficou com o passaporte da depoente G.. Relativamente à
alegada viagem de regresso que o arguido lhe terá levado, nunca esta se sentiu
coagida, nem disso deu conta nas queixas que formulou na polícia. Contudo, foi o
arguido acusado e condenado pelo crime de coacção, na forma tentada, em sete
meses de prisão!
30) Para além destes depoimentos, que não podem ser
contraditados, nem sequer as depoentes acareadas com outras testemunhas, há,
felizmente, outros depoimentos recolhidos ao longo da audiência de julgamento
(testemunhas da acusação e da defesa), com base nos quais é possível concluir,
com toda a segurança e resumidamente, que:
· no
estabelecimento … nunca existiram quartos,
· não se
praticavam relações sexuais,
· não se
fomentava a prostituição nem se incrementava à venalidade do trato sexual por
terceiros,
· não se
angariava nem se organizavam transportem de mulheres brasileiras,
· o … era um
bar de venda de bebidas, com música alta, onde havia alternadeiras (mulheres que
motivam os clientes ao consumo de bebidas),
· os bens do
estabelecimento, os veículos e telefones do arguido não eram usados para fins do
crime de lenocínio ou angariação de emigração ilegal,
· não existiu
tentativa de coacção alguma sobre três raparigas,
· o arguido
não agrediu a G.,
· o arguido
não obteve elevados proventos económicos com a prática do crime.
31) Face ao exposto, não pode manter-se a factologia dada como provada.
Pelo contrário, resulta demonstrado que:
a) o arguido não geria o estabelecimento como um negócio de
prostituição;
b) logicamente, o arguido não contratava mulheres para aliciarem os
clientes do estabelecimento à prática de relações sexuais com elas, nomeadamente
de cópula completa, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro,
c) nem fixava as condições em que a prostituição era praticada.
d) Na remodelação do … nunca reservou qualquer espaço que dedicou também
a quarto, onde tinham lugar relações sexuais entre as referidas mulheres e os
clientes;
e) Não foi sob as ordens ou sob as orientações do arguido que as
mulheres passaram a deslocar-se com os clientes para a moradia onde viviam, sita
na Rua ---.;
f) De casa para a moradia (sua residência) as mulheres eram, algumas
vezes, transportadas pelo Sr. K., no Fiat Tempera, --- Nada mais;
g) Nunca houve pagamentos de relações sexuais na “caixa” do …, e na
moradia, nunca foi tal facto abordado em audiência;
h) Não eram anotadas em folhas ordenadas os valores relativos a actos de
sexo e as “saídas”, mas apenas o valor dos “copos” realizados e a percentagem
dos mesmos;
i) Apenas nos depoimentos para memória futura se fala em preços de
“actos sexuais” e “saídas”.
j) Por média, diariamente, havia 5 a 6 mulheres no estabelecimento e
não 10 a 12;
k) O arguido, quando as mulheres chegavam ao …, não pedia os passaportes
e/ou os bilhetes de avião;
l) as mulheres só não recebiam, diariamente a comissão pelos “copos”
quando não queriam, preferindo receber mais tarde;
m) as mulheres eram livres, não eram controladas nem estavam proibidas de
sair de noite ou de dia com clientes sem conhecimento do arguido;
n) o arguido não aplicou multas, nem descontava tais valores no
rendimento de cada uma;
o) o arguido nunca impedia as mulheres de abandonarem o … recusando a
restituição dos passaportes ou dos bilhetes de avião (que não tinha), com o fim
de lhes dificultar os movimentos.
p) O arguido nunca vibrou diversos socos e pontapés por todo o corpo da
G., nem a atingiu com pontapé algum na face (os próprios relatos médicos isso
deixam deduzir e comprovar);
q) O negócio que o arguido explorava era de “bar”, venda de bebidas, com
auxílio de alternadeiras;
r) O arguido não recrutava as mulheres. Grande parte das vezes eram
elas que iam oferecer-se ao … para aí prestarem colaboração, como alternadeiras,
sendo que nunca as foi buscar ao Brasil.
s) Não se entende a razão de ciência que deu como provado um rendimento
bruto médio mensal de 7.652 € em virtude de “actos de sexo” e “alteres”
(realidades bem diferentes) quando é certo que o arguido pedia dinheiro à
família para fazer obras e/ou manter o negócio;
t) Em média eram distribuídos 30 ou 40 cartões por dia (e não 60) e o
consumo não era, sequer, obrigatório. Por isso se censura o cálculo de um
rendimento médio, mensal, no valor de 15.240€, apurado pelo Tribunal.
32) Em matéria de documentos, poucos foram (leia-se nenhuns) os documentos
autênticos que não suscitaram dúvidas do seu conteúdo e alcance, uma vez que de
apontamentos pessoais se tratava, só interpretáveis por quem os elabora (e nunca
foi apurado quem era, cfr. 6.3).
33) As interpretações dos mesmos deixaram sempre no ar uma possível (mas
inconsistente) interpretação dos conteúdos, uma ininteligibilidade dos critérios
adoptados, dos valores que não se entendiam, das rubricas que se procuravam
descobrir.
34) No fundo, não se tratava de documentos, na verdadeira acepção do termo,
mas de um mero somatório de papéis anotados com códigos que não foi possível ao
Tribunal decifrar, e interpretar, com a segurança necessária, própria do
processo penal.
35) O recurso à leitura das escutas telefónicas em audiência de julgamento,
independentemente da legalidade desse meio de prova e da forma como foi obtido,
colocará sempre em causa a opção feita pelo arguido, quando este opta por não
querer falar sobre os factos: Por um lado, a lei concede-lhe esse direito e, por
outro, é o mesmo violentado, na medida em que ler as escutas telefónicas, é pôr
o próprio arguido a falar sobre os factos que ele, legitimamente, já recusou
fazer – inconstitucionalidade, art. 32.º CRP.
36) Para além disso, sempre se dirá que outros vícios subsistem em matéria
das escutas telefónicas realizadas no presente processo: a) nulidade decorrente
da ausência de controlo jurisdicional efectivo; b) meio de prova ou meio de
obtenção de prova (em face da especificidade do elemento escutas telefónicas
enquanto meio de obtenção de prova, entende o arguido recorrente que as escutas,
de per si, não podem fundamentar a condenação).
37) A medida da pena é desadequada. O sucesso da pretendida prevenção
geral, não resulta prejudicado por ao arguido ser aplicada pena mais baixa –
designadamente nos limites mínimos da moldura penal – e por, no êxito dessa
pretensão, ser determinada a suspensão do cumprimento da pena de prisão.
38) Neste item importa realçar que o arguido é tido no acórdão como pessoa
sem quaisquer antecedentes criminais, bem inserida socialmente e pai de família
(tem, com a arguida, um filho de 9 meses). A ausência de antecedentes criminais,
conjugada com as características que à actuação criminosa são apontadas,
permitem concluir, com suficiente segurança, que não só a pena aplicável não
poderia ultrapassar o limite mínimo da moldura penal, como também a ameaça de
cumprimento da pena de prisão seriam plenamente suficientes, para o afastar de
eventuais desígnios criminosos no futuro.
39) O conjunto de circunstâncias aludidas, sendo consignado de forma
expressa, mas genérica, em sede do acórdão recorrido, não parece valorado sob a
forma de circunstâncias atenuantes, ao mesmo tempo que contrariam o dolo e
ilicitude elevados com que é fundamentada a determinação do tipo e medida da
pena.
40) Se utilizados fossem os fundamentos justificativos das penas aplicadas
(e confirmadas) por muitos dos Acórdãos mais recentes do S.T.J., chegava-se à
conclusão certa de que a pena aplicada é desproporcional à medida da satisfação
do sentimento jurídico da comunidade e às exigências de prevenção.
41) Disposições violadas: art. 410º, art. 343º, 187º, 189º, do C. Processo
Penal, 71º e 72º, do CP, arts. 32º, 34º e 29º da CRP”.
7 – Inconformado com a decisão aí proferida, pretende agora o arguido ver
apreciada a inconstitucionalidade das “normas constantes do artigo 271.º e do
artigo 365.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (…) na interpretação
acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a circunstância do ora
recorrente não ser arguido na altura em que as declarações para memória futura
foram colhidas (…) não viola o princípio do contraditório, verificando-se
cumpridos os preceitos legais relativos à recolha e utilização do referido meio
de prova”.
Contudo, perscrutado o teor das alegações produzidas junto do Tribunal da
Relação do Porto, principaliter, as projectadas nos pontos “2)” a “8)” das
respectivas conclusões, constata-se que a questão de constitucionalidade, tal
como é agora trazida a este Tribunal, não foi suscitada perante o Tribunal a
quo.
De facto, quer ao manifestar a sua discordância “sobre a valoração que tais
depoimentos para memória futura colheram”, quer ao defender que ficou vedada “a
faculdade que a lei concede ao arguido de contraditar (…)”, nunca o arguido
hipotizou, individualizando a norma assumida como ratio decidendi do juízo
proferido, a constitucionalidade do critério normativo feito aplicar pelo
Tribunal recorrido, insurgindo-se sempre, ao invés, contra o resultado dessa
aplicação, sendo que, ao fazê-lo, nenhuma questão de constitucionalidade – por
antonomásia, normativa – equacionou antes da prolação da decisão recorrida.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à questão equacionada no requerimento
do recurso de constitucionalidade em torno das “normas constantes do artigo
343.º, artigo 356.º, n.º 2, alínea a), e artigo 357.º, todos do Código de
Processo Penal (…), na interpretação acolhida no douto acórdão recorrido, ou
seja, a de que a circunstância de serem lidas em audiência as escutas
telefónicas (mesmo entre arguidos) quando os mesmos optaram pelo seu direito ao
silêncio, não viola o princípio do direito ao silêncio”.
De facto, quanto a tal matéria, há-de reconhecer-se que, omitindo qualquer
referência indicativa das normas, que pretendia controverter sub species
constitutionis, junto do Tribunal da Relação, e, insurgindo-se sobre a concreta
decisão judicial, o recorrente não suscitou qualquer questão de
constitucionalidade normativa,
O que sucede, igualmente, com “as normas constantes do artigo 188.º, n.º 1 e 3,
conjugadas com o artigo 126.º, do Código de Processo Penal (…), na interpretação
acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que as formalidades existentes nos
autos, em matéria de escutas telefónicas, definem e concretizam a excepção
prevista no artigo 34.º da CRP, no tocante à inviolabilidade da correspondência,
não se violando assim o princípio da legalidade da prova”, sendo que, quanto a
este ponto, o recurso para o Tribunal da Relação foi delimitado à apreciação dos
vícios imputados no ponto “36)” das conclusões.
Ora, em todos os casos referidos é manifesto não ser possível inferir a partir
do exposto a suscitação de qualquer questão de (in)constitucionalidade
normativa.
Na verdade, deve acentuar-se que decorre dos referidos preceitos que a questão
de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e
perceptíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa
conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria
e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em
termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre, também, a
exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros
constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável
intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos
actos normativos. Nesta linha, importa até reconhecer que não basta que se
indique a norma que se tem por inconstitucional, antes é necessário que se
problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa)
através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e
o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou
princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
Nesta exacta perspectiva, vem o Tribunal Constitucional afirmando, de forma
reiterada, que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é
fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que
tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama,
obviamente, que (…) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a
constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando
muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão
(cfr. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da
República, II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas
sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão
de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua
interpretação (…)» – cf., inter alia, o Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/.
Por fim, relativamente às “normas constantes do artigo 40.º, n.º 2, artigo 71.º,
n.º 2, e artigo 72.º, n.º 2, alínea b) e d), do Código Penal (…), na
interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a dosimetria da
pena aplicada ao arguido, atento o conjunto de circunstâncias apurado nos autos,
consignado de forma expressa, mas genérica, em sede de acórdão recorrido, não
viola o princípio da culpa, da igualdade e da proporcionalidade (…)”, importa
também concluir que, para além de não ter sido suscitada a questão, estamos
perante um caso onde, “embora sob a capa formal da invocação da
inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão
recorrida – o que, realmente, se pretende controverter é a concreta e casuística
valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub
judicio (…); [designadamente] a estrita qualificação jurídica dos factos
relevantes para a aplicação do direito […]” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O
objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as
interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in
Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8), sendo tal problema insusceptível, pelos
motivos expostos, de ser conhecido nesta sede.
8 – Custas pelo Recorrente com 8 (oito) Ucs. De taxa de justiça”.
B – Fundamentação
5 – Antes de mais importa registar que o reclamante abandonou,
na reclamação, a sua anterior pretensão de conhecimento da questão de
constitucionalidade das “normas constantes do artigo 40.º, n.º 2, artigo 71.º,
n.º 2, e artigo 72.º, n.º 2, alínea b) e d), do Código Penal (…)”, na definição
feita no requerimento de interposição de recurso, nada esgrimindo contra o seu
não conhecimento, decidido na decisão sumária.
Deste modo, tem-se essa questão por arredada definitivamente do
recurso.
6.1 – Por outro lado, não refuta o recorrente a fundamentação
expendida na decisão sumária no sentido de demonstrar que das suas conclusões de
recurso para o Tribunal da Relação do Porto se poderá inferir o não cumprimento
do ónus de suscitação, em termos processualmente adequados e perceptíveis, das
questões de constitucionalidade, cuja apreciação pretende no recurso.
O reclamante contesta tão só a decisão reclamada com o
fundamento de que, não obstante essas questões possam não ter sido colocadas em
termos formalmente adequados nas conclusões das alegações de recurso para o
Tribunal da Relação, o certo é que, sempre, será de considerar como mostrando-se
cumprido o ónus de suscitação, na sua perspectiva funcional, porquanto –
sustenta – o acórdão recorrido se apercebeu delas e as decidiu.
Em aparência assim parece ser.
Mas, como se verá, a conclusão a tirar é outra, mesmo deixando
indiscutido que a legitimidade para recorrer constitucionalmente, exigida no n.º
2 do art. 72.º da LTC, se pode fundar, ainda que tão só, no conhecimento (ainda
que apenas oficioso) da questão de constitucionalidade, por banda da decisão
recorrida, independentemente de a mesma haver sido suscitada de “modo
processualmente adequado” perante o tribunal a quo.
Apreciemos uma a uma as pretensões de conhecimento das questões
de inconstitucionalidade.
6.2 – No seu requerimento de interposição de recurso, o
reclamante pede a apreciação de constitucionalidade das “normas constantes do
art. 271.º, e art. 365.º, n.º 2, al. A) do Código de Processo Penal –
declarações para memórias futuras e feitura em audiência – na interpretação
acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a circunstância do ora
recorrente não ser arguido, na altura em que as declarações para memória futura
foram colhidas (não havia, sequer, arguido constituído no processo) não viola o
princípio do contraditório, verificando-se cumpridos os preceitos legais
relativos à recolha e utilização do referido meio de prova”.
Mas, como se disse, nas conclusões de recurso para a Relação, o
reclamante não problematizou qualquer questão de constitucionalidade relativa a
estes preceitos, e muito menos a acabada de enunciar, tendo-se limitado a
controverter a convinçência dispensada pelo tribunal colectivo aos depoimentos
prestados para memória futura e a considerar essa actuação directamente
feridente do princípio do contraditório consagrado no n.º 5 do art. 32.º da
Constituição (constitucionalidade da decisão).
Não obstante isso, o acórdão recorrido, depois de dar conta que
o reclamante não colocara, relativamente a tal matéria, em termos
processualmente adequados – “tal como o Tribunal Constitucional vem entendendo o
cumprimento do ónus de suscitação” – qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, ajuizou, avançando presuntivamente uma intencionalidade do alegado,
que estava a “ser questionada, perante si, a constitucionalidade da norma do
art. 271º do Código de Processo Penal ao permitir, na interpretação que foi
implicitamente acolhida no Tribunal de Bragança, a inquirição, válida e
relevante, mesmo no caso de o inquérito ainda não correr contra um arguido
conhecido e constituído, que por isso não pode ser notificado nem obviamente
estar presente na inquirição”, e quando “os depoimentos para memória futura não
são [sejam] subtraídos em audiência de julgamento ao contraditório, ao exame
crítico dos sujeitos processuais”, de acordo com o disposto conjugadamente nos
artigos 341º, 355.º, n.º 2, 356.º e 357.º do Código de Processo Penal (cf. Fls.
41 e 42 do dito acórdão).
Ora, foi a norma precisada nestes últimos termos que o acórdão
recorrido confrontou com o princípio do contraditório, consagrado no art. 32.º,
n.º 5, da Constituição, havendo concluído que ela o não violava.
Todavia, como resulta do requerimento de interposição de
recurso e ora se repete na reclamação, não é a norma definida com o sentido
prescritivo que foi fixado pelo tribunal como correspondendo à dimensão
pretendida questionar constitucionalmente que é pretendida sindicar pelo
reclamante, sendo que, como já se disse, não havendo sido colocada em termos
processualmente adequados a questão de constitucionalidade da norma que agora é
enunciada e ter a mesma constituído efectiva ratio decidendi da decisão
recorrida, não pode a mesma constituir objecto idóneo do recurso de
constitucionalidade.
Mas, independentemente do que vem sendo dito, verifica-se,
ainda que, sempre, o conhecimento da questão de constitucionalidade seria
inútil, por a decisão recorrida se fundar em outro fundamento autónomo
alternativo, cuja constitucionalidade não foi questionada pelo reclamante no
recurso de constitucionalidade.
Na verdade, a decisão recorrida ponderou, também (fls. 50), que
a prestação do depoimento ao abrigo do disposto no art. 271.º do Código de
Processo Penal, “não constitui uma nulidade taxativamente prevista como
insanável, art. 119.º do Código de Processo Penal, antes configurando mera
irregularidade, que deve ser arguida, nos termos do art. 123.º do Código de
Processo Penal, sob pena de se dever considerar sanada”.
Ora, o recorrente não afrontou a constitucionalidade deste
entendimento normativo.
Sendo assim, faleceria o pressuposto da utilidade do
conhecimento do recurso de constitucionalidade: o eventual provimento do mesmo
não seria susceptível de repercutir-se na reforma do decidido, por a manutenção
deste se poder fundar nesta outra ratio decidendi.
Deste modo, é de manter a decisão de não conhecimento desta
parte do objecto do recurso.
6.3 – Refuta, ainda, o reclamante o decidido na decisão sumária
relativamente ao não conhecimento da questão de constitucionalidade das “normas
constantes do art. 188.º, n.º 1 e n.º 3, conjugadas com o art. 126.º, do Código
de Processo Penal – formalidades das escutas telefónicas e legalidade da prova –
na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que as
formalidades existentes nos autos, em matéria de escutas telefónicas, definem e
concretizam a excepção prevista no art. 34.º da CRP, no tocante à
inviolabilidade da correspondência, não se violando assim o princípio da
legalidade da prova”.
Ora, quanto a este ponto, importa notar que, ao contrário do
que afirma, nunca o acórdão recorrido encarou a alegação feita pelo recorrente
sobre a matéria, no plano de constitucionalidade, nem o mesmo a suscitou de modo
adequado, claro e perceptível, como se diz na decisão reclamada e resulta das
suas alegações de recurso para a Relação.
Quanto a matéria a actividade desenvolvida pelo tribunal a quo
consubstanciou-se apenas em determinar o direito infraconstitucional aplicável e
a subsumir-lhe a factualidade apurada nos autos.
Que assim é, resulta logo dos termos em que a questão é
encarada. Diz, na verdade, a decisão recorrida o seguinte (fls. 54):
“Suscita depois o recorrente a falta de controlo judicial das
escutas. Segundo refere esse controlo não foi efectivo. Impõe-se convocar o
quadro legal nesta matéria (…)”.
E mais abaixo, operando o juízo subsuntivo, assim começa o
tribunal a discretear:
“Regressando aos autos, temos que em 3.11.03, fls. 151, foi
autorizada por um período de 30 dias a intercepção e gravação de chamadas
telefónicas (…)”. “[…]. O sistema de obtenção de prova consgrado no art. 188.º
do Código de Processo Penal foi escrupulosamente respeitado. Assim logo que os
CDs começaram a ser entregues, 9.12.03, fls. 203, resulta que a JIC procedeu à
audição dos CD (…)”. “[…]”. “Donde improcede a questão suscitada pelo arguido”.
Temos, portanto, de concluir que o recorrente não suscitou a
questão de constitucionalidade em causa, nem o tribunal dela conheceu, bem tendo
decidido a decisão reclamada não conhecer do recurso de constitucionalidade a
este título.
Mas, independentemente do que vai dito, deve anotar-se que a
questão de constitucionalidade, tal como se apresenta posta pelo reclamante, tem
por objecto imediato a decisão e não as normas indicadas, na medida em que
inclui no critério normativo que constrói as especificidades do caso concreto, a
determinar, de resto, pelo tribunal, quais sejam as “de que as formalidades
existentes nos autos, em matéria de escutas telefónicas, definem e concretizam a
excepção prevista no art. 34.º da CRP”.
É, pois, de indeferir a reclamação também quanto a esta parte
do recurso interposto.
6.4 – Contesta, ainda, o reclamante o não conhecimento da
questão de inconstitucionalidade das “normas constantes do art. 343.º, art.
356.º, n.º 2, al. A), e art. 357.º, todos do Código de Processo Penal – opção de
silêncio pelo arguido e leitura de declarações em audiência de julgamento – na
interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que a circunstância
de serem lidas em audiência de julgamento escutas telefónicas (mesmo entre
arguidos) quando os mesmos optaram pelo seu direito ao silêncio, não viola o
princípio do direito ao silêncio, isto é, o direito de não serem os arguidos
colaborantes com o processo da justiça”.
E, como fundamento, alega o reclamante que, mesmo que se
considerasse não ter sido ela devidamente suscitada, na conclusão 35.ª das
alegações de recurso interposto do acórdão do tribunal colectivo de Bragança,
como se ajuizou na decisão sumária, o certo é que o acórdão recorrido pôde
definir a questão e decidi-la.
Repete-se, nesta sede, que o reclamante não suscitou, em termos
claros e perceptíveis, na conclusão 35 das suas alegações de recurso para o
Tribunal da Relação do Porto, acima transcritas, qualquer questão de
constitucionalidade normativa, relativa a qualquer preceito de direito positivo
concreto. O que o reclamante aí questionou, sob o prisma de constitucionalidade,
foi a própria decisão do tribunal, ao dizer que o “recurso [feito pelo tribunal
colectivo] à leitura das escutas telefónicas em audiência de julgamento (…) é
pôr o próprio arguido a falar sobre os factos que ele, legitimamente, já recusou
fazer – inconstitucionalidade, art. 32.º da CRP”.
Todavia, o que é certo é que o acórdão recorrido o fez sob
reserva de cautela e numa outra dimensão que não a apontada pelo reclamante. Na
verdade, depois de dizer “quanto ao modo de arguir a inconstitucionalidade valem
aqui as precedentes considerações expendidas a propósito do art. 271.º do Código
de Processo Penal: este não é o modo de suscitar a questão”, o tribunal a quo
avançou que “ mesmo assim vamos tentar demonstrar a sem razão do reparo do
recorrente”.
[A propósito da questão de constitucionalidade do art. 271.º do
CPP, o acórdão recorrido dissera, anteriormente, que “só se podem considerar
suscitadas de modo adequado quando o recorrente identifica a norma que considera
inconstitucional, indica o princípio ou a norma que considera violados e
apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade
arguida”].
Tem, assim, de admitir-se que o acórdão recorrido encarou a
resolução do problema com reserva relativamente ao concreto sentido da norma de
direito infraconstitucional que se pretendeu sindicar bem como ao fundamento de
inconstitucionalidade.
Porém, passando a discorrer sobre a matéria da leitura das
escutas, o acórdão recorrido jamais considerou que as escutas efectuadas ao
arguido pudessem, em concreto, ter valido como declarações suas, para efeitos de
prova em audiência de julgamento, em caso de opção sua pelo silêncio em tal
momento, em termos correspondentes à dimensão normativa definida pelo
recorrente, como objecto desta parte do recurso.
A este propósito, a decisão recorrida diz expressamente que
“ao contrário do que parece resultar de uma leitura menos atenta da alegação do
recorrente, não se fez qualquer leitura do registo das escutas do género, não
que falar? Olhe que consta das escutas que o senhor disse isto ou aquilo, etc.”.
O acórdão recorrido apenas admitiu que “as leituras das escutas
ocorreu em casos contados e apenas como contraponto a depoimentos de testemunhas
que foram interlocutores do arguido”.
Assim sendo, o reclamante apenas poderia erigir a objecto do
recurso de constitucionalidade uma dimensão normativa que houvesse sido obtida
através de uma interpretação conjugada dos preceitos que o recorrente indicou
com o disposto no n.º 7 do art. 348.º e n.º 3 do art. 345.º do CPP, nos termos
da qual é lícita a leitura das escutas efectuadas ao diálogo efectuado entre o
arguido, que optou pelo silencio em audiência de julgamento, e a testemunha que
nele depõe com o sentido de alcançar, por parte do tribunal, o melhor
esclarecimento do depoimento de tal testemunha relativamente aos factos sobre
que está a depor, prestado em audiência de julgamento.
Numa tal interpretação o essencial da norma não versa sobre o
valor probatório, em audiência de julgamento, do registo das declarações do
arguido captadas através das escutas, mas antes sobre o valor dos depoimentos
prestados por pessoas às quais sejam mostrados “documentos ou objectos
relacionados com o tema da prova” – no caso os registos de declarações escutadas
(cf. Art. 345.º, n.º 3, e art. 348.º, n.º 7, do CPP).
Não é esta, porém, a questão de constitucionalidade que o
recorrente colocou, pelo que a resposta que a mesma possa merecer se torna
insusceptível de se repercutir na decisão da causa, por via da sua reforma, em
caso de eventual procedência. Nesta medida, o recurso sofre de manifesta falta
de utilidade do seu conhecimento.
Conclui-se, assim, que é de manter o decidido na decisão
reclamada.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos