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Processo nº 538/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente EP – Estradas de Portugal, E.P.E. (que sucedeu ao IEP – Instituto das
Estradas de Portugal) e são recorridos A. e B., foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 11 de Abril de 2005.
A recorrente requereu a apreciação da “inconstitucionalidade da norma contida no
artigo 26º, nº 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de
18 de Setembro, quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que
por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos sem aptidão construtiva – no
caso, em virtude da sua integração na reserva agrícola nacional (RAN)”, por
violação do princípio da igualdade; bem como a “inconstitucionalidade das normas
contidas nos nºs. 1 do artigo 23º e nº 1 do artigo 26º do actual Código das
Expropriações, quando interpretadas no sentido de permitir avaliar e indemnizar
como ‘solo apto para construção’ (ainda que extensiva ou analogicamente) solo
integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para
implantação de vias de comunicação”, por violação dos princípios da justa
indemnização por expropriação e da igualdade.
2. O Instituto para a Construção Rodoviária (ao qual sucedeu o IEP – Instituto
das Estradas de Portugal) requereu a expropriação de uma parcela de terreno
pertencente aos recorridos, destinada à construção da Variante Nascente de
Famalicão, com a área de 2 599m2.
Interpostos recursos da decisão arbitral que fixou em 13 068 000$00 o valor da
indemnização, foi decidido, por sentença de 15 de Julho de 2004, do Tribunal
Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, fixar em 211 498, 30€ o valor da
indemnização a pagar pela ora recorrente aos recorridos. A entidade expropriante
interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando,
para além do mais, a inconstitucionalidade das normas já mencionadas.
3. Em 11 de Abril de 2005, o Tribunal da Relação do Porto, acordou em julgar
improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida:
«III – Factos Provados
O tribunal para fundamentar a sua decisão, considerou provados os seguintes
factos:
1º - Foi adjudicada á expropriante a propriedade de uma parcela de terreno com a
área de 2.599m2, a qual constituía a totalidade de um prédio rústico sito no
lugar de Regada, freguesia de Gavião, Vila Nova de Famalicão, descrito com o n.º
25.705., que confronta a norte com EN n.º 206/Av. Brasil, nascente com Rio
Pelhe, do sul com C. e do poente em ponta com EN n.º 206 e a Av. Brasil.
2º - O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de
Famalicão, sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio,
dispondo do lado norte da EN n.º 206/Av. Brasil de via pavimentada em tapete
asfáltico, com a largura média de 10 metros, devidamente infra-estruturada.
3º - A área expropriada, que constitui a totalidade do prédio, é formada por
duas parcelas, sendo de 1973m2 a necessária para a obra e 626m2 considerada como
sobrante, tendo uma configuração triangular, de declive muito suave para sul.
4º - Tal prédio está classificado na Planta de Ordenamento do Plano Director
Municipal de Vila Nova de Famalicão como “Espaço de Aglomerado Tipo 2”, na
extremidade poente e, maioritariamente, como “Reserva Agrícola Nacional”.
5º - As parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior
se situa a 300 metros ( ou menos) do limite da parcela expropriada, estão
classificadas na Planta de Ordenamento do Território do PDM como: “RAN”; “REN”;
“ Espaços de Aglomerado Tipo 4-2 pisos”, “ Espaços de Aglomerado Tipo 3-2
pisos”, “ Espaços de Expansão de Aglomerado Tipo 1- 6 pisos”, “ Espaço Verde
Urbano” e, maioritariamente, como “Espaços de Aglomerado Tipo 2-4 pisos”.
6º - O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação
dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM.
7º - A título de benfeitorias, o prédio possuía um bardo de vinha, conduzido e
enforcado com um fio de arame, de pouca produção, suportado em amieiros.
8º - Bordejando o prédio, a sul, existia uma ramada, com vinha de castas
correntes e em plena produção, cobrindo uma área de 310 metros.
IV – O Direito
O solo expropriado foi classificado e valorado pelos peritos nomeados pelo
tribunal e dos expropriados como “solo apto a construção” e pelo perito da
expropriante, como “solo apto para outros fins”, circunstância este que, desde
logo, origina uma disparidade enorme em termos de avaliação final.
(…) vamo-nos cingir à questão essencial aqui em discussão e que consiste em
saber se o solo dos autos nunca poderia ser classificado e avaliado como “solo
apto para a construção” em virtude da sua integração em RAN e ainda pelo facto
de incidirem sobre o mesmo prédio várias servidões e restrições que
impossibilitam a construção.
Ou seja, mais genericamente, se encontrando-se um terreno a expropriar incluído
em RAN, acarreta a possibilidade de ser classificado e valorado como “solo para
construção”.
A doutrina e jurisprudência estão, perante o novo Código das Expropriações,
divididos, sendo que, para uns, haverá que ser feita uma interpretação extensiva
do n.º 12 do art. 26 do CE/99, tendo em atenção o n.º 2 do art. 25 do mesmo
código, donde concluir que a inclusão de um terreno na RAN ou REN não acarreta
necessariamente a extinção da capacidade edificativa do solo, impedindo a sua
classificação como solo apto para construção, ou seja, desde que o terreno a
expropriar, embora integrado na RAN tenha algumas das características exigidas
naquele n.º 2 do art. 25º para o tornar apto a construção, deve ser considerado,
numa interpretação extensiva do n.º 12 do art. 26, com tendo aptidão edificativa
– AC. R. C de 15-12-2003, CJ, Tomo V, pág. 37 e Ac. R. C de 22-6-04, CJ, Tomo
III, pág. 30, Ac. R. Porto de 6-11-03, em www.dgsi.pt -, enquanto para outros,
desde que o terreno a expropriar esteja integrado na RAN não há que atender à
sua capacidade edificativa, uma vez que tal capacidade não se faz renascer com a
expropriação –, por todos, Ac. R. P. de 26-02-04, em www.dgsi.pt –
(…) no presente caso, ainda mais relevante e justificado se mostra o
entendimento seguido de existir a possibilidade de um solo integrado na RAN
poder ser avaliado como “solo apto a construção”, uma vez que existe mesmo na
área expropriada, parte que, embora não significativa, se situa em “Espaço de
Aglomerado Tipo 2”, ou seja, em espaço urbano, ou seja, a ocorrência simultânea
de existência num mesmo terreno de solo integrado em RAN e em Espaços de
Aglomerado.
Por isso que a questão que agora se coloca é a de saber se, nas circunstâncias
dos autos é possível sustentar que a inclusão de um terreno na RAN acarreta ou
não necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa para efeitos de
atribuição de indemnização em expropriação quando se destina à construção de uma
infra estrutura rodoviária, como é a Variante Nascente a Vila Nova de
Famalicão.
E o problema ou a solução não é classificar e passar um solo de RAN,
classificado de “solo apto para outros fins” para “solo apto a construção”, mas
antes e apenas se, perante as circunstâncias específicas da situação da parcela
a expropriar se devem ou não ser usados os critérios de avaliação do solo apto
para construção, atendendo especialmente aos factores e vectores inseridos no
n.º 12 do art. 26 do CE/99. O que se trata aqui não é classificar pura e
simplesmente a parcela como “solo apto para construção”, mas se tal parcela deve
ser valorizada de acordo com os critérios fixados para o “solo apto para
construção” (…).
No caso dos autos e em função das características já apontadas e determinadas, a
parcela expropriada fica numa situação em tudo idêntica à das que se encontram
previstas no número do artigo enunciado, na medida em que há uma desafectação da
RAN e foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária, pelo que nada
impede que se faça aplicação extensiva ou analógica desse art. 26° n.° 12, por
força do disposto no art. 10° do CC – ver Ac. RC de 22.06.04, CJ Ano 2004, Tomo
III, pág. 34 e Ac. RP de 28.11.2003 em www.dgsi.pt.
Ora, confrontando agora e mais precisamente com a matéria dada como provada na
sentença em recurso, verificamos que:
“- O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão,
sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio, dispondo do
lado norte da EN n.º 206/Av. Brasil, de via pavimentada em tapete asfáltico, com
a largura média de 10 metros, devidamente infra-estruturada.
- Tal prédio está classificado na Planta de Ordenamento do Plano Director
Municipal de Vila Nova de Famalicão como “Espaço de Aglomerado Tipo 2”, na
extremidade poente e, maioritariamente, como “Reserva Agrícola Nacional”.
- As parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se
situa a 300 metros ( ou menos) do limite da parcela expropriada, estão
classificadas na Planta de Ordenamento do Território do PDM como: “RAN”; “REN”;
“ Espaços de Aglomerado Tipo 4-2 pisos”, “ Espaços de Aglomerado Tipo 3-2
pisos”, “ Espaços de Expansão de Aglomerado Tipo 1- 6 pisos”, “ Espaço Verde
Urbano” e, maioritariamente, como “Espaços de Aglomerado Tipo 2-4 pisos”.
6º - O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação
dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM”.
Perante este quadro fáctico e mais ainda quando na própria parcela há parte
integrada em “Espaços de Aglomerado Tipo 2”, seria incompreensível que esta
parcela não pudesse ser avaliada por critérios semelhantes aos de solo apto para
construção, como, aliás, foi efectivamente realizado pelos peritos maioritários
e pelo perito dos expropriados, mais ainda quando se consulta fls. 43 e a
fotografia junta.
Ora, da leitura do laudo maioritário e da sentença, verificamos que o critério
seguido foi este pelo que, nestas circunstâncias, entendemos que essa avaliação
está correcta, por efectuado com os parâmetros de solo apto para construção nos
termos do referido art. 26° n° 12, não sendo de seguir o laudo proposto pelo
perito do expropriante que decidiu avaliá-lo apenas em função da sua produção
agrícola.
E relendo o laudo da arbitragem, logo aí se identificam as infra-estruturas
urbanísticas que beneficia o prédio, como sejam, o acesso rodoviário,
confrontando com Estrada Nacional n.º 206, neste caso Av. Brasil, saída de Vila
Nova de Famalicão para Guimarães, rede de abastecimento de água, rede de
distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas
pluviais e rede telefónica, situando-se a cerca de 1 km do Centro da cidade de
Vila Nova de Famalicão e a menos de 300 metros de prédios com algum envergadura,
sendo que a zona é ladeada por áreas de edificações, de ocupação territorial
algo elevada, factores estes que voltaram a ser tidos em conta no laudo
maioritário e valorados nos termos do n.º 7 do art. 26.
Perante estes factores e circunstâncias, classificar o solo como pretende a
expropriante de “solo apto para outros fins” e seguir o critério de avaliação
fixado no art. 27 do CE/99, pela simples razão de estar integrado tal solo em
RAN, é que seria ofender o princípio da “justa indemnização” (…).
Diremos ainda que consultamos o AC. Tribunal Constitucional n.º 275/2004,
publicado do DR n.º 134 de 8 de Junho de 2004, que versa também sobre
expropriação de uma parcela para integrar a Variante Nascente a Vila Nova de
Famalicão, mas que nos surge perante um quadro bem diferente do dos presentes
autos, uma vez que aqui as parcelas de terrenos circundantes não estão
integradas em RAN e sem qualquer aptidão edificativa, antes pelo contrário,
dando azo a que, a seguir-se outro critério, a violação do princípio da
igualdade no domínio, pelo menos, da relação externa, ao comparar-se os
expropriados com os não expropriados, originando uma desigualdade entre os dois
grupos. Aqui as parcelas circundantes não estão sem aptidão edificativa.
Assim, podemos concluir que, estando uma parcela a expropriar integrada em RAN,
mas cujo enquadramento obedeça às condições previstas no n.º 12 do art. 26 do
CE/99, nada obsta ou impede, antes tudo aconselha a que se faça uma aplicação
extensiva ou analógica de tal diploma, por forma a que a avaliação e valorização
da parcela não seja realizada nos termos do art. 27º, mas por critérios próximos
dos estabelecidos para os terrenos aptos para construção».
4. Interposto recurso para este Tribunal, foi proferido despacho pela relatora,
restringindo o objecto do recurso “à questão de constitucionalidade relativa ao
nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, por se entender que a decisão
recorrida não aplicou os artigos 23º, nº 1, e 26º, nº 1, deste Código”. Este
despacho não foi objecto de qualquer reclamação.
5. Alegaram recorrente e recorridos, concluindo a primeira as suas alegações
pela seguinte forma:
«1ª. Constitui consolidada jurisprudência deste Tribunal Constitucional que os
terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional não têm aptidão construtiva, de
acordo com o respectivo ordenamento jurídico (DL. N.º 196/89, de 14/6, alterado
pelos DLs. N.ºs 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10)
2ª. Trata-se de uma restrição que se mostra necessária e funcionalmente adequada
para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento
da actividade agrícola, restrição constitucionalmente legítima e que não viola,
quer o princípio da justa indemnização, dada a sua “vinculação situacional”, nem
os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os
proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em
abstracto, dentro da mesma situação jurídica.
3ª. A integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional determina, na
prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir
edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de
desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção
imobiliária.
4ª. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público
(reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor
aptidão), encontra justificação constitucional no artigo 93° da Constituição.
5ª. Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva
Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que
não existe, nem nasce com a expropriação.
6ª. O âmbito de aplicação da regra avaliatória constante do n° 12 do art. 26° do
CE/99, restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão
construtiva, antes da sua classificação como zona verde, de lazer ou
“espaço-canal” para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos e
deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público – o
interesse subjacente àquelas classificações.
7ª. O critério de cálculo do valor de indemnização constante dessa norma,
assenta na consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos
aptos para construção enquanto, directa, incindível e inelutavelmente, ligados à
obrigação de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe
e cuja satisfação visa directamente cumprir.
8ª. Os terrenos integrados na RAN nunca perdem a sua aptidão construtiva em
consequência da sua classificação por plano municipal como “espaço-canal”, pela
simples razão de que a não possuíam antes – essa sua classificação não implica
quaisquer restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento
do solo (preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinem uma
limitação significativa na sua utilização.
9ª. A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n° 12 do
art.º 26° do CE/99 de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a
implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais
parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados,
conduzindo a um “ocasional locupletamento injustificado” dos primeiros em
relação aos segundos.
10ª. Enquanto que os expropriados seriam indemnizados com base em tal critério
específico de cálculo do valor de solo apto para construção, necessariamente
superior ao valor de mercado, os proprietários não expropriados que pretendessem
alienar os seus terrenos nunca alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude
da limitação edificativa legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN
e da falta de previsão, em relação a eles, do critério de equivalência
estabelecido no art.º 26°, n.º 12, do CE 1999.
11ª. A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico
sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o
legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização
exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.
12ª. Assim, a aplicação (mesmo que extensiva ou analógica) do n° 12 do art. 26°
do CE/99 a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias
que, para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25°, n.º 2, do CE/99 releva
como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara
violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
13ª. Dar-se tratamento jurídico-económico diferente sob o ponto de vista do
critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de expropriação a
terrenos que, embora estejam todos incluídos na RAN (e que, por via disso, não
podem ser destinados (ou aptos para) a construção – equivaleria a introduzir um
elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do ponto de vista da
aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no aspecto indemnizatório.
14ª. Desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua aptidão efectiva ou
conjectural para a construção é exactamente a mesma, concorram ou não concorram
outras circunstâncias que a lei releve para considerar como terrenos para
construção terrenos que estão situados fora da RAN e como tal sujeitos a outro
estatuto jurídico.
15ª. Ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN possam ser indemnizados como
se foram terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido
no n.º 12 do art.º 26° do CE de 1999, só pelo simples facto de serem
expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua
vertente externa.
16ª. Em caso de transmissão onerosa, num mercado em que não entrem factores
anómalos e especulativos, jamais será possível ao proprietário não expropriado
aspirar a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação
e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do
n.º 12 do art.º 26° do CE de 1999.
17ª. É inconstitucional a norma contida no n° 12 do art. 26° do Código das
Expropriações, quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que
por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos sem aptidão construtiva – no
caso, em virtude da sua integração na RAN – só porque se verificam as
circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25°, n.º 2, do
CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para construção».
6. Os recorridos pugnaram pela improcedência do recurso.
II. Fundamentação
1. O presente recurso, considerada a delimitação do respectivo objecto efectuada
nos termos já referidos, visa a apreciação da conformidade constitucional do
artigo 26º, nº 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de
18 de Setembro, na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido.
É o seguinte o teor da disposição legal em questão:
«Artigo 26º
Cálculo do valor do solo apto para construção
(…)
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer
ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja
anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função
do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada».
O Tribunal da Relação do Porto calculou o valor da parcela a expropriar a partir
dos critérios estabelecidos na parte final do nº 12 do artigo 26º do Código das
Expropriações, indemnizando como solo apto para construção terreno integrado na
Reserva Agrícola Nacional (RAN), considerando, para o que agora releva, que:
a) «O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão,
sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio, dispondo do
lado norte da EN n.º 206/Av. Brasil, de via pavimentada em tapete asfáltico, com
a largura média de 10 metros, devidamente infra-estruturada», pelo que tem
«aptidão edificativa», segundo os critérios previstos no artigo 25º, nº 2,
daquele Código. «Relendo o laudo da arbitragem, logo aí se identificam as
infra-estruturas urbanísticas que beneficia o prédio, como sejam, o acesso
rodoviário, confrontando com Estrada Nacional n.º 206, neste caso Av. Brasil,
saída de Vila Nova de Famalicão para Guimarães, rede de abastecimento de água,
rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de
águas pluviais e rede telefónica, situando-se a cerca de 1 km do Centro da
cidade de Vila Nova de Famalicão e a menos de 300 metros de prédios com algum
envergadura, sendo que a zona é ladeada por áreas de edificações, de ocupação
territorial algo elevada»;
b) «O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação
dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM».
O tribunal recorrido interpretou e aplicou o artigo 26º, nº 12, do Código das
Expropriações, no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção
terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos
definidos no nº 2 do artigo 25º do mesmo Código. E é esta interpretação que a
recorrente pretende ver apreciada, à luz do disposto no artigo 13º da
Constituição da República Portuguesa (cf. Requerimento de interposição de
recurso e as conclusões 9ª, 12ª, 15ª e 17ª das alegações).
2. Com relevância para a questão de constitucionalidade a apreciar e decidir nos
presentes autos escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/04
(Diário da República, II Série, de 8 de Junho de 2004) o seguinte:
«8. O Tribunal Constitucional teve oportunidade, por diversas vezes no passado,
nomeadamente em casos em que estavam em causa acórdãos do Tribunal da Relação do
Porto que consideravam inconstitucional – e, consequentemente, desaplicavam -, a
norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, de se
pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma.
De facto, a norma contida no n.º 5 do 24º do Código das Expropriações de 1991
foi efectivamente julgada inconstitucional, “enquanto interpretada por forma a
excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na
RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola”, pelo Acórdão n.º 267/97 (publicado no
Diário da República, II série, de 21 de Maio de 1997). Este juízo, não veio,
todavia, a repetir-se em casos posteriormente julgados neste Tribunal. Assim, no
acórdão 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de
2000), decidiu-se “não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do
Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da
classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação”. E esta
jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade, veio a ser confirmada e
desenvolvida posteriormente pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados
na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de
comunicação, mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos
n.ºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal
Constitucional na Internet, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), e nos acórdãos n.ºs
219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e
557/2003 (publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 6 e 4
de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de
Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).
Da jurisprudência do Tribunal decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24º do
Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso
em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as
infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na
RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por
ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o
facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da
Portaria n.º 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em
que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados,
nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
(que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que
estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes
edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não
inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que
a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de
edifícios públicos – por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não
tendo dado conta de “qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida
em «manipulação das regras urbanísticas», com vista a desvalorizar
artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o
adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações
urbanas de interesse público”, não julgou a norma inconstitucional.
9. A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação
anterior, sem que igualmente se questione “qualquer actuação pré-ordenada da
Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas” a que atrás se
fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a
norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991),
interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a
construção” o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado,
nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora,
interpretar as normas do n° 1 do artigo 23° e do n° 1 do artigo 26° do Código
das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de “solo apto para
a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias
de comunicação (…).
A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal
pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação
das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das
Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de «solo apto para a
construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação?
Vejamos (…)
9.2. A Constituição não fixa qualquer critério rígido de cálculo do valor da
justa indemnização por expropriação, deixando margem ao legislador para que,
dentro dos parâmetros constitucionais, o concretize. Este, no n.º 1 do artigo
23º do Código das Expropriações, estatuiu que “a justa indemnização não visa
compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o
prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor
real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa
utilização económica normal…”. O Tribunal Constitucional, por sua vez, já teve
inúmeras ocasiões de se pronunciar sobre a questão. Assim, no Acórdão n.º
243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001), afirmou-se o
seguinte:
“[…] Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a
torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores
especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o
prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou
para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e
de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum
indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos
expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar
que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. […]”
No que se refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (ou na
Reserva Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional também já teve ocasião de
salientar que, para efeitos da “justa indemnização”, o que releva não é o facto
do terreno deixar de ter aptidão agrícola, salvaguardando, nomeadamente, o facto
de se poder entender que a Constituição, pela determinação do pagamento de uma
“justa indemnização”, não impõe a qualificação como “solo apto para construção”
de terrenos integrados naquelas Reservas, ainda que expropriados para que neles
se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cfr. Acórdãos n.ºs 333/2003 e
557/2003 já citados). Acresce que, ainda em relação a terrenos incluídos na
Reserva Agrícola Nacional (objecto de parecer favorável para uma das limitadas
utilizações não agrícolas que tais terrenos – solos agrícolas – podem,
legalmente, vir a ter, por força de interesse público que o legitime), se
afirmou naquele citado acórdão n.º 557/2003, que se justifica,
“a conclusão de que a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das
Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de
“solo apto para a construção” o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional,
expropriado para fins diversos da utilidade pública agrícola permitidos por lei,
em concreto com a finalidade de nele se construir uma escola – tendo sido
concedido parecer favorável à utilização do solo agrícola para esse fim, nos
termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho -, não é inconstitucional, não violando qualquer princípio constitucional,
nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.”
A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência
deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que
incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no
acórdão n.º 347/2003 já citado:
“[…] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos
abrangidos pela RAN (DL. N.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. N.os 274/92,
de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou
áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de
urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é
possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram
necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos
agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio
ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições
constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros
interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma
situação jurídica. […]”
Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em
qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola
Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é
determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola
os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio
ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação
constitucional, respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra
como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da
agricultura” e a garantia de um “uso e [] gestão racionais dos solos”, e no
artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para
“garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno
integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da
propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que
onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no
Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de
expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que
considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a
expropriação.
9.3. Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se
viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas
no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999)
que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da
relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.ºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[…] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da “justa indemnização”, de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n° 1
do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição».
3. É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se
reitera.
Tal como na decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Novembro de 2003 (o
acórdão recorrido nos autos em que se proferiu aquele Acórdão do Tribunal
Constitucional), também na decisão recorrida nos presentes autos se «considerou
que, embora haja jurisprudência a defender que os solos incluídos na RAN ou na
REN “não podem ser considerados “aptos para construção”, mas tão só “para outros
fins”, de acordo com a sua função natural […, se tem] veiculado, e de forma
crescente, a tese de que tais classificações não impedem que sejam considerados
“solos aptos para construção”, desde que se verifiquem os requisitos de que o
Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria,
acrescentando-se, por vezes, ser necessário haver uma expectativa forte de ser
possível construir nos mesmos».
Importando apenas acrescentar que não pode acompanhar-se o relevo dado pelo
acórdão da Relação do Porto – designadamente, para distinguir o presente caso do
versado no Acórdão nº 275/04 – à circunstância de, no caso dos autos, as
parcelas de terrenos circundantes não estarem integradas em Reserva Agrícola
Nacional e sem qualquer aptidão edificativa, quando se integram nesta Reserva
parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se
situa a 300 metros (ou menos) do limite da parcela expropriada (artigo 5º dos
Factos Provados).
Pelas razões expostas, importa concluir que o artigo 26º, nº 12, do Código das
Expropriações, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto
para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os
elementos objectivos definidos no nº 2 do artigo 25º do mesmo Código, é
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13º da
Constituição da República Portuguesa).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado
no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 26º, nº 12, do
Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, quando
interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção
terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos
definidos no nº 2 do artigo 25º do mesmo Código.
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida
em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas, face à isenção da recorrente.
Lisboa, 11 de Julho de 2006
Maria João Antunes
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira, vencido conforme declaração.
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos do entendimento explanado no acórdão
n.º 114/2005, que subscrevi, e da declaração de voto que apus ao acórdão n.º
145/2005
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 - Entendo, em primeiro lugar, que o princípio da igualdade não é, nesta sede,
convocável como parâmetro de aferição da conformidade constitucional da norma em
causa.
2 - Em segundo lugar, entendo que a norma impugnada, tal como foi concretamente
aplicada no acórdão recorrido, não viola a regra da justa indemnização que,
nesta matéria, a Constituição específicamente impõe no seu artigo 62º n.º 2.
3 - Em consequência, negaria provimento ao recurso.
Carlos Pamplona de Oliveira)