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Processo n.º 1012/05
2ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.O presente recurso vem interposto por A. e B., ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por
último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º, 20.º e 53.º da
Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 39.º do Código de
Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro
(CPT), na interpretação segundo a qual “a providência cautelar de suspensão de
despedimento só pode ser requerida e concedida quando seja indiscutível a
existência de um contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto
fim por despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da
relação laboral.”
Neste Tribunal, as recorrentes apresentaram alegações, no termo das quais
formularam as seguintes conclusões:
“1. O artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação que lhe
foi dada pelo Recorrido, segundo a qual a providência cautelar de suspensão de
despedimento só pode ser requerida quando seja indiscutível a existência de um
contrato de trabalho a que a entidade empregadora tenha posto fim por
despedimento e não por invocação de qualquer outra causa de cessação da relação
laboral, sem que seja dada a oportunidade às Requerentes de provarem a
existência de contrato de trabalho e de verosimilhança com despedimento ilícito,
é manifestamente inconstitucional por violação dos artigos 20.º, 13.º e 53.º da
Constituição da República Portuguesa.
2. O acesso ao direito e aos tribunais postula uma tutela jurisdicional
cautelar e efectiva.
3. O acórdão recorrido, ao alvitrar uma outra via processual – procedimentos
cautelares comuns – que também está fechada, acaba por consentir numa denegação
do ordenamento jurídico.
4. Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT, afastando do seu âmbito de
protecção trabalhadores cuja entidade patronal não reconhece como tal (quando
nem sequer lhe foi dada a oportunidade de o reconhecer, nem às Recorrentes de
provar a existência da alegada relação laboral), entidade patronal essa que, sem
invocar qualquer causa de cessação, recusa a prestação de trabalho (sem sequer
ser dada oportunidade às requerentes de provar a verosimilhança de tal recusa
como despedimento ilícito), o Tribunal recorrido violou o artigo 20.º da
Constituição da Republica Portuguesa.
5. O princípio da igualdade postula que todos os trabalhadores mereçam
tratamento igual.
6. O princípio da segurança no trabalho e da proibição de despedimentos sem
justa causa vale para todos os trabalhadores e não apenas para aqueles que
contratem situações que denotem claramente a celebração de contratos de trabalho
subordinado.
7. Ao interpretar o artigo 39.º, n.º 1, do CPT no sentido segundo o qual só
merecem protecção cautelar os trabalhadores que tenham celebrado claramente
contratos de trabalho subordinado viola o princípio da igualdade, da segurança
no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa, constitucionalmente
consagrados, respectivamente, nos arts. 13.º e 53.º da Constituição da
República Portuguesa.
8. Uma interpretação do artigo 39.º, n.º 1, conforme à Constituição
impunha que o Tribunal recorrido concedesse provimento ao agravo e revogasse a
decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que viabilizasse o
procedimento cautelar de suspensão do despedimento.”
A recorrida C., L.da, concluindo:
“1. É jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça que o
procedimento cautelar de suspensão do despedimento só pode ser requerido se for
inequívoca a existência de um contrato de trabalho, de um despedimento em
sentido próprio e a certeza de quem praticou o acto qualificável como
despedimento.
2. O procedimento cautelar de suspensão do despedimento não é o meio adequado
para nele se aferir qualquer destas circunstâncias, na medida em que pressupõe
um juízo sumário que não se coaduna com a investigação de tais questões.
3. Não existe identidade entre a situação em que é indiscutível a existência de
um contrato de trabalho, um despedimento e a entidade que o levou a cabo e a
situação das recorrentes.
4. O facto de não puderem recorrer àquele procedimento cautelar em concreto não
impedia as recorrentes de fazerem valer os seus direitos através de outros meios
processuais ao seu dispor.
5. A interpretação feita pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da
Relação do n.º 1 do artigo 39.º do CPT apenas levou a concluir que o meio usado
pelas recorrentes não era o meio adequado para fazer valer o direito que
pretendiam ver reconhecido.
6. Tal interpretação não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente
os constantes dos artigos 13.º, 20.º e 53.º.”
Por seu turno, a recorrida D., ACE, também apresentou contra‑alegações, no termo
das quais formulou as seguintes conclusões:
“1. É sabida a ampla e vasta discussão que se tem gerado em tomo do princípio da
igualdade, sendo certo que é, de longe, o princípio constitucional mais debatido
na doutrina e na jurisprudência.
2. De forma lapidar definiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 433/87, in
BMJ, n.º 371, que a igualdade «consiste em tratar por igual o que é
essencialmente igual e em tratar diferentemente o que essencialmente for
diferente. A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento de distinções;
proíbe, isso sim, as distinções arbitrárias ou sem fundamento bastante».
3. No que se refere à interpretação dada ao artigo 39.º do Código de Processo do
Trabalho, quer pelo Acórdão recorrido, quer mesmo pelo Acórdão de fixação de
jurisprudência n.º 1/2003, de 1 de Outubro de 2003, publicado no Diário da
República, I Série‑A, de 12 de Novembro de 2003, seguido de perto pelos
Meritíssimos Julgadores das instâncias, não existe qualquer violação do
princípio da igualdade, porquanto a situação dos RECORRENTES não é comparável
com a de alguém que intenta uma providência cautelar de suspensão de
despedimento, ancorado na existência de indiscutido contrato de trabalho
subordinado e indiscutido despedimento.
4. Não existiu, também, qualquer violação do artigo 20.º da Constituição, dado
que sempre a mesma poderia ser obtida através da propositura da acção
declarativa, que seria o meio adequado para fazer valer o direito invocado.
5. Não se vislumbra, ainda, qualquer violação do artigo 53.º da Constituição,
dado que a decisão recorrida não apreciou quaisquer questões relacionadas com o
alegado despedimento, muito pelo contrário, a decisão recorrida julgou
inadequado o procedimento cautelar de suspensão de despedimento, razão pela qual
confirmou o indeferimento liminar proferido pelo Meritíssimo Juiz da primeira
instância.
6. Assim, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido sustentar que foi
violado o princípio constitucional da segurança no emprego.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
2.A questão a apreciar no presente recurso é a da constitucionalidade do artigo
39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
480/99, de 9 de Novembro, interpretado no sentido de que a providência cautelar
de suspensão de despedimento só pode ser utilizada quando o despedimento seja a
causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, no
caso da sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento.
Esta questão foi recentemente apreciada por este Tribunal. Assim, sobre a norma
impugnada, escreveu-se no Acórdão n.º 276/2006 (disponível no sítio da Internet
www.tribunalconstitucional.pt):
« […]
Feita esta precisão, cumpre apreciar se a interpretação normativa acolhida no
acórdão recorrido viola, como sustentam as recorrentes, o direito de acesso aos
tribunais, o princípio da igualdade e a garantia da segurança no emprego,
consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º, 13.º e 53.º da CRP.
2.2.1. Em conformidade com o preceituado no artigo 20.º da CRP, “a todos é
assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de
meios económicos” (n.º 1), e “todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo
equitativo” (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem salientado (cf., entre outros, o
Acórdão n.º 440/94) que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela
jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de
uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o
direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada
pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo,
traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com
o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante
decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações
indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos
preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um
lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a
um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso
daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de
defesa expeditas.
Aceitando‑se que “a tutela jurisdicional efectiva postula a adopção de um
sistema de providências cautelares que acautele o efeito útil da acção,
impedindo uma lesão grave e dificilmente reparável do direito ou interesse
legalmente protegido que se pretende defender em tribunal” (Jorge Miranda e Rui
Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 203), não
menos certo é que, embora vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela
efectiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, “o legislador não
deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever
meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou
diversidade das situações em presença há‑de resultar de uma perspectiva global
que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles
conflituantes entre si” (Acórdão n.º 63/2003).
Estes princípios implicam que, no caso dos presentes autos, às recorrentes
devesse ser conferida a faculdade, não só de accionarem judicialmente as suas
pretensões, mas também de lançarem mão de meio cautelar que assegurasse o efeito
de eventual provimento da acção principal, mas já não que fosse
constitucionalmente imposto que tivessem acesso a um específico meio cautelar,
que, segundo o critério normativo acolhido pelas instâncias, era inaplicável ao
presente litígio.
Ora, o que as instâncias entenderam, em consonância com o referido Acórdão
uniformizador de jurisprudência, foi que, sendo inadmissível, no caso, o
procedimento cautelar específico da suspensão de despedimento, regulado nos
artigos 34.º a 40.º do Código de Processo do Trabalho, às requerentes estava
aberta a possibilidade de utilização do procedimento cautelar comum, regulado
nos artigos 32.º e 33.º do mesmo Código.
Não se evidenciando que este procedimento cautelar comum seja imprestável para a
consecução da tutela efectiva das pretensões das recorrentes, não se pode dar
por verificada a alegada afectação do direito de acesso aos tribunais.
2.2.2. Do que já se referiu resulta também a não violação do princípio da
igualdade.
Na verdade, mostra‑se materialmente fundada a diferenciação de meios cautelares
postos pelo legislador à disposição dos interessados, em conformidade com a
diversidade das situações subjacentes: o procedimento cautelar específico da
suspensão de despedimento, nos casos em que “o despedimento seja a causa
invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não
indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento”; e o procedimento
cautelar comum, nos casos em que o requerido não invoque o despedimento como
causa de cessação da relação que o vinculava ao requerente, nem ao tribunal se
configure a verosimilhança de um despedimento.
Não é constitucionalmente desconforme que, para além de diferenças de
tramitação processual, os critérios decisórios não sejam coincidentes: naquela
primeira situação, para o deferimento da providência basta que o tribunal
constate que não foi instaurado procedimento disciplinar, que este é nulo ou que
há probabilidade séria de inexistência de justa causa (artigo 39.º, n.º 1, do
Código de Processo do Trabalho), enquanto que no segundo grupo de situações se
segue o critério geral de que a providência deve ser decretada quando haja
probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente e se
mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, a menos que o prejuízo
que da providência resultar para o requerido exceda consideravelmente o dano que
com ela o requerente pretende evitar (n.ºs 1 e 2 do artigo 387.º do Código de
Processo Civil, ex vi artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho).
Considera‑se, assim, não ocorrer violação do princípio da igualdade.
2.2.3. Também não ocorre violação do princípio da segurança no emprego.
Este princípio não impede a existência de despedimentos, desde que fundados em
razões constitucionalmente atendíveis. Aliás, no caso, não está em causa a
licitude, em termos substantivos, da cessação das relações que ligavam as
recorrentes às recorridas, mas apenas os meios adjectivos postos à disposição
daquelas para defesa dos seus interesses e interesses legítimos. Ora, esses
meios, como já se apurou, não se revelam insuficientes para assegurar uma tutela
jurisdicional efectiva das pretensões das recorrentes e a diferenciação de meios
processuais mostra‑se constitucionalmente aceitável.
Improcedem, assim, na totalidade, as alegações das recorrentes.»
Não se suscitando qualquer questão nova, é esta jurisprudência, no sentido da
inexistência de inconstitucionalidade na norma impugnada, que cumpre reiterar
nos presentes autos, conduzindo a uma decisão de não provimento do presente
recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º do Código de Processo do
Trabalho, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, interpretado
no sentido de que a providência cautelar de suspensão de despedimento só pode
ser utilizada quando o despedimento seja a causa invocada pela entidade patronal
para cessação da relação laboral ou se configure a verosimilhança de um
despedimento; e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte
impugnada.
c) Condenar as recorrentes em custas, fixando‑se a taxa de justiça em 20 (
vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos