Imprimir acórdão
Processo nº 481/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em de Junho de 2006 o relator proferiu a
seguinte decisão: –
1. Da sentença proferida em 4 de Abril de 2005 no 3º Juízo Cível do
Tribunal de comarca de Aveiro, que declarou insolvente A., apelou este para o
Tribunal da Relação de Coimbra.
Na alegação adrede produzida, formulou o recorrente as seguintes
«conclusões»: –
‘1ª – O tribunal a quo não considerou provada a matéria de facto não
impugnada, violando o disposto no artigo 490º nº 1 e nº 2 do Código de Processo
Civil, e a que considerou provada é insuficiente para a decisão.
Deveria ter considerado assente ou, pelo menos, quesitado os factos
relativos à vida pessoal e ao pagamento aos restantes credores, matéria que só
por si imporia diferente decisão.
2ª – Atendendo aos factos considerados provados pelo Tribunal a quo a
insolvência da recorrente nunca poderia ser decretada nos termos do artigo 36º
do CIRE mas, quando muito, pelo artigo 39º, o que, aliás, também não se aceita.
3ª – As consequências na vida do recorrente são muito diferentes e a
preterição da aplicação do artigo 39º, designadamente da alínea a) do nº 7 do
artigo 39º do CIRE é violadora do artigo 26º da Constituição da República
Portuguesa.
4ª - A sentença é, pois, nula porque os fundamentos da decisão
impunham decisão diversa (artigo 668º nº 1 alínea c) do Código de Processo
Civil), com consequências diversas.
5ª – A requerente da insolvência poderia ter obtido no processo
executivo, com a penhora do vencimento do executado, a satisfação do seu
crédito.
6ª – Ao usar o processo de insolvência como pressão para com o
recorrente, a requerente da insolvência desvirtuou o objectivo do processo de
insolvência e fez dele um uso anormal (artigo 665º do Código de Processo Civil).
7ª – O recorrente vem pagando outras dívidas – sendo que com outro
credor fez um acordo de pagamento que terá de deixar de cumprir – pelo que não
está insolvente já que poderá pagar faseadamente, em prestações ou por penhora
dos vencimentos a dívida peticionada.
8ª – O recorrente demonstrou nos autos que ficaram afastados os
indícios nos quais a requerente da insolvência se baseou, não podendo, por isso,
ser decretado insolvente.
9ª – A douta sentença do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos
17º, 30º nº 3 e 39º do CIRE e 668º nº 1 alínea c), 490º nº 1 e nº 2 e 665º do
Código de Processo Civil e artigo 26º da Constituição da República Portuguesa,
devendo ser revogada a substituída por outra que indefira o requerimento de
insolvência.’
Tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17 de Janeiro
de 2006, julgado improcedente a apelação, veio o impugnante apresentar
requerimento por intermédio do qual solicitou a correcção de lapsos de escrita
de que, a seu ver, enfermava aquele aresto, e arguir a sua nulidade, por o mesmo
se não ter pronunciado ‘sobre a invocada violação do artigo 26º da Constituição
da República Portuguesa, resultante da preterição da aplicação do artigo 39º do
CIRE’.
Por acórdão de 21 de Março de 2006, aquele Tribunal de 2ª instância
procedeu à correcção de dois lapsos de escrita e, no tocante à arguida nulidade,
teve-a por improcedente.
Fez então o recorrente juntar ao processo requerimento em que
escreveu: –
‘A., recorrente nos autos, não se conformando com o douto acórdão
proferido dele vem interp[o]r recurso para o Tribunal Constitucional nos
seguintes termos:
1º
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei 28/82 de 15.11 na redacção dada pela Lei 85/89 de 07.09 e pela Lei 13-A/98
de 26.02.
2º
O recurso é admissível porque a decisão recorrida não é passível de
recurso ordinário (artigo 14º, nº 1 do CIRE republicado pelo DL 200/04 de 18
[.]08)
3º
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 36º do
CIRE na interpretação da douta decisão recorrida ao considerar que a insolvência
deve ser decretada ao abrigo do artigo 36º do CIRE, e não ao abrigo do artigo
39º do mesmo Código, mesmo quando não há activo ou o activo conhecido não é
suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da
massa insolvente.
4º
Tal norma interpretada nos termos sobreditos é violadora do artigo 26º
da Constituição da República Portuguesa.
5º
Nestes termos requer a V. Excelência se digne admitir o presente
recurso e fazê-lo subir nos autos com efeito suspensivo.’
O recurso interposto mediante o transcrito requerimento foi admitido
por despacho lavrado em 2 de Maio de 2006 pelo Desembargador Relator do Tribunal
da Relação de Coimbra.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não
deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei,
a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da
vertente impugnação.
Efectivamente, como resulta do relato supra efectuado, aquando do
recurso de apelação dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, o impugnante não
impostou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de
dado normativo ínsito no ordenamento jurídico infra-constitucional. Antes optou
por invocar que a não aplicação, ao caso, pela sentença, do disposto no artº 39º
do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei
nº 53/2004, de 18 de Março, representava uma violação do artigo 26º do Diploma
Básico.
Independentemente da questão ligada à circunstância de um tal modo de
dizer não ter qualquer correspondência no desiderato de apreciação que agora se
surpreende no requerimento de interposição de recurso, o que é certo é que esse
mesmo modo representa, inequivocamente, o assacar de um vício de desconformidade
com a Constituição à própria decisão então a impugnar.
Ora, sendo consabido que o objecto dos recursos de fiscalização
concreta da constitucionalidade são normas precipitadas no ordenamento jurídico
ordinário e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as
decisões judiciais qua tale consideradas, é por demais evidente que,
precedentemente à prolação do aresto agora desejado recorrer (e note-se que do
próprio requerimento de interposição de recurso nem sequer se pode extrair se se
reporta ao acórdão de 17 de Janeiro de 2006 ou ao de 21 de Março seguinte), não
foi, pelo impugnante, suscitada a desarmonia constitucional de qualquer
normativo.
Pelo que, na situação sub specie, falece esse específico requisito a
que se refere a mencionada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se não conhece do objecto do recurso, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades
de conta.”
Da transcrita decisão reclamou o impugnante nos
termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo no
requerimento consubstanciador da reclamação: –
“1º
O Excelentíssimo Juiz Relator decidiu não conhecer do recurso interposto por
entender que não foi oportunamente suscitada a desarmonia constitucional de
qualquer normativo.
2º
Salvo o devido e muito respeito, assim não é.
3º
No recurso interposto da decisão da 1ª instância para o
Tribunal da Relação de Coimbra o recorrente, além do mais, formulou as seguintes
conclusões:
‘2ª - Atendendo aos factos considerados provados pelo Tribunal
a quo a insolvência do recorrente nunca poderia ser decretada nos termos do
artigo 36° do CIRE mas, quando muito, pelo artigo 39º o que, aliás, também não
se aceita.
3ª - As consequências na vida do recorrente são muito
diferentes e a preterição da aplicação do artigo 39º do CIRE é violadora do
artigo 26° da Constituição da República Portuguesa.’
4º
No recurso interposto para o Tribunal Constitucional o
recorrente, ora reclamante, apresentou, agora numa única conclusão (conclusão
3ª), a mesma pretensão.
5º
Portanto, o recorrente, ora reclamante, não se limitou a
‘invocar a não aplicação, ao caso, pela sentença do disposto no artigo 39° do
CIRE’
6º
O recorrente entendeu que a aplicação do artigo 36º do CIRE, na
interpretação do Tribunal a quo, com a consequente preterição do artigo 39º do
mesmo diploma legal, é violadora do artigo 26º da Constituição da República
Portuguesa.
7º
É esta desarmonia constitucional que o recorrente, ora
reclamante, leva à apreciação de Vossas Excelências.”
Ouvida sobre a reclamação, a recorrida B., Ldª,
não veio a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da
vertente reclamação.
Na verdade, como se assinalou na decisão ora em
apreço, aquilo que, no recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação
de Coimbra, o impugnante brandiu foi que a não aplicação, ao caso então em
apreciação, do artº 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, optando-se antes pela aplicação do artº
36º do mesmo diploma, consubstanciava uma violação do artigo 26º da
Constituição, não se lobrigando qualquer asserção de onde decorresse que aquele
segundo preceito era, em si (e aqui se incluindo um seu qualquer sentido
interpretativo levada a efeito na decisão desejada impugnar perante este
Tribunal), conflituante com a Lei Fundamental.
Efectivamente, antes do proferimento daquele
acórdão, nunca o então recorrente se reportou a que a dimensão normativa
alcançada pela sentença apelada, relativamente ao citado artº 36º, padecia de
vício de inconstitucionalidade, antes optando, como bem ressalta do relato
efectuado na decisão ora em crise, por esgrimir com a circunstância de aquela
sentença, ao aplicar tal preceito, em vez do artº 39º, vir a implicar
consequências tais na vida dele, então recorrente, que redundavam na violação do
mencionado artigo 26º.
Um tal modo de dizer, sem que dúvidas a esse
respeito se possam suscitar, conduz a que se deva entender que a questão da
desarmonia constitucional foi direccionada à sentença proferida na 1ª instância.
Por isso, nada tem o Tribunal a censurar quanto
ao passo da falada decisão em que se refere que um tal modo de impostar a
questão representava, inequivocamente, o assacar do vício de
inconstitucionalidade à própria sentença, vincando-se que aquilo que foi escrito
no item 3º do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional não teve, no recurso de apelação, a mínima tradução na respectiva
alegação.
Termos em que se indefere a reclamação,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício