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Processo n.º 399/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama, ao abrigo do
disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da
decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso proferida pelo
relator.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a
constitucionalidade da norma do “artigo 720.º do Código de Processo Civil,
aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal,
[quando interpretado] no sentido de que, arguida uma nulidade e formulado um
pedido de esclarecimento de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a
aplicação daquele comando legal, mandando baixar os autos para cumprimento do
julgado, faz transitar em julgado a decisão objecto do recurso”, por violação do
disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “que
prescreve a presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença
condenatória”.
2 – Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo recortado no
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se com base nos seguintes
fundamentos.
3 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º
1, da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este
requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal
(veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de
6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, in Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o
Acórdão n.º 155/95, in Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995).
A razão de ser de tal exigência é explicada por Cardoso da Costa (“A jurisdição
constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso
Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss.): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs- und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado
expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece
fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional
português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém,
se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário
que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)”.
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º
354/94, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
4 – Tal não é, contudo e contrariamente ao que vem defendido pelo Recorrente, a
situação dos autos, dado que, em momento anterior ao da prolação da decisão
recorrida, o Ministério Público, na sua resposta, alegou expressamente, na
perspectiva da rejeição do recurso, que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19 de Julho de 2005 – do qual foi interposto recurso extraordinário de
fixação de jurisprudência – havia transitado em julgado, o que “ocorreu na data
da notificação, ao recorrente, do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 11 de Agosto de 2005, no qual, ao abrigo do disposto no art. 720.º do C.P.C.,
se determinou a baixa dos autos para execução da decisão e da pena imposta”.
Ora, o facto do recorrente ter sido alertado para a possibilidade de rejeição do
recurso, com base no entendimento transcrito, atesta, só por si, que a posterior
rejeição do recurso sustentada na consideração de que “face ao disposto no art.
720.º, o trânsito ocorreu no momento em que o sujeito processual tomou
conhecimento que o tribunal decidiu aplicar esta norma, pois a partir daí os
autos prosseguiram os seus termos para cumprimento do julgado”, não constitui,
para efeitos da aferição do cumprimento do ónus de suscitação da questão de
constitucionalidade, uma decisão imprevisível ou insólita e, como tal,
insusceptível de ser razoavelmente prevista ou antecipada pelas partes.
Na verdade, ao responder ao parecer do Ministério Público, defendendo a posição
de “que o Acórdão de 19 de Julho transitou em julgado na data da notificação do
Acórdão do STJ de 11 de Agosto de 2005, que determinou a baixa dos autos para
execução”, teve o recorrente oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso de
constitucionalidade, tanto mais que, como este Tribunal vem dizendo, as partes
têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser
aplicado. Nesta perspectiva, ao encararem ou equacionarem, na defesa das suas
posições, a aplicação das normas, não estão elas dispensadas de entrar em linha
de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos
divergentes e de os considerar na defesa das suas pretensões, aí, prevenindo a
possibilidade da (in)validade da(s) respectiva (s) norma(s) em face da lei
fundamental.
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso».
3 – Discordando deste entendimento, veio o reclamante sustentar que:
«(…)
1º
Na decisão sumária em apreço, o TC decidiu não tomar conhecimento do objecto do
recurso, uma vez que o Recorrente teria tido oportunidade de suscitar a questão
de constitucionalidade em apreço aquando da resposta ao parecer do Ministério
Público proferido em Março de 2006.
2º
Ressalvado o devido respeito, tal argumentação não colhe.
3º
É certo que o Ministério Público – nesse parecer – veio sustentar que o trânsito
em julgado do acórdão de 19 de Julho de 2005 teria ocorrido em 11 de Agosto de
2005, o que mereceu a resposta subsequente do ora Recorrente no sentido de
esclarecer que o acórdão de 11 de Agosto de 2005 não apreciara nem o pedido de
esclarecimento nem a nulidade arguida a 26 de Julho, o que só teria acontecido
com o acórdão de 20 de Outubro de 2005, pelo que aquele pressuposto não se
verificava.
4º
Isto é, na óptica do ora Recorrente, em face do parecer do Ministério Público,
inferiu-se que o Ministério Público se equivocara acerca da data do trânsito em
julgado do acórdão de 19 de Julho de 2005, por não ter tido na devida conta que
o pedido de esclarecimento e a nulidade só haviam sido decididos a 20 de Outubro
de 2005.
5º
Não há nesse parecer a mais pequena afloração da tese sustentada no acórdão do
STJ objecto do presente recurso, que assenta no inusitado entendimento de que o
acórdão de 19 de Julho de 2005 transitara em julgado a 11 de Agosto de 2005 sob
condição resolutiva!
6º
Perante o parecer do Ministério Público em pauta, não podia o ora Recorrente
supor ou sequer vislumbrar que estava em causa a tese que veio a vingar do
acórdão sob recurso.
7º
Foi por isso que, na sua resposta, o ora Recorrente se limitou a procurar
deslindar o equívoco de que partia o Ministério Público, que pura e simplesmente
ignorara que o pedido de esclarecimento e a arguição de nulidade só haviam sido
decididos no acórdão de 20 de Outubro de 2005.
8º
Estava então longe de prever que a decisão do STJ viria a ser tomada no sentido
em que o veio a ser, ou seja, no sentido de que a aplicação do art. 720º do
C.P.C. fazia transitar em julgado a decisão objecto do pedido de esclarecimento
e da arguição da nulidade sob condição resolutiva!
9º
Tal tese do STJ é, segundo se crê, inovadora e, em qualquer caso, absolutamente
nova no contexto destes autos, nunca antes tendo sido proferida ou sequer
aflorada, não sendo razoável que o Recorrente devesse contar com ela.
10º
O Recorrente não omitiu qualquer dever de prudência técnica na antevisão do
direito plausível de lhe ser aplicado, até porque o recurso tinha sido recebido
na 1ª instância sem qualquer objecção quanto à sua tempestividade.
11º
O Tribunal Constitucional goza de amplos poderes quanto à decisão de tomar ou
não conhecimento do objecto do recurso; e o Recorrente naturalmente terá de se
conformar com o que vier a ser decidido.
12º
Mas não pode deixar de se revoltar quanto ao “carrossel” de decisões iníquas
que, quanto a si, têm vindo a ser proferidas desde 19 de Julho de 2005,
impedindo que as questões substanciais que suscita possam ser apreciadas.
(…)».
4 – O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pugnou pelo indeferimento da reclamação dizendo que:
«1 – A presente reclamação é manifestamente infundada.
2 – Na verdade – e ao contrário do que sustenta o reclamante – não pode
considerar-se objectivamente imprevisível o entendimento plasmado na decisão
recorrida acerca do efeito típico do meio de defesa contra demoras abusivas,
previstos no artigo 720º do Código de Processo Civil.
3 – Sendo evidente que a argumentação, esgrimida no “visto” do Ministério
Público, tenha precisamente que ver, não com qualquer “lapso material” acerca da
data do trânsito em julgado, mas como este efeito típico, traduzido num trânsito
em julgado “condicional” da decisão proferida e sucessivamente impugnada através
dos incidentes pós-decisórios de cariz ostensivamente dilatório».
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – A presente reclamação em nada abala os fundamentos com base
nos quais foi proferida a decisão reclamada de não conhecimento do objecto do
recurso.
Vejamos.
Pugnando pela rejeição do recurso interposto pelo ora
reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público considerou
que:
«(…) Mostram os autos que:
1.
O Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 19 de Julho de 2005,
rejeitou por inadmissibilidade e também por manifesta improcedência, com
fundamento no art. 420º, nº 1, do C.P.P., o recurso interposto por A..
2.
Por douto acórdão de 11 de Agosto de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça,
considerando que o incidente posteriormente suscitado pelo recorrente A. mais
não visava que obstar ao trânsito em julgado do douto acórdão de 19 de Julho de
2005, determinou, em aplicação do disposto no art. 720º do C.P.C., «a baixa do
processo para execução da decisão, com o cumprimento da pena em que o arguido
foi condenado, ficando neste Supremo Tribunal de Justiça traslado com as peças
processuais necessárias à apreciação do requerimento ora apresentado».
(Sublinhados nossos)
3.
Em 13 de Dezembro de 2005, A., invocando fazê-lo ao abrigo dos artigos 437º e
ss. do C.P.P., veio interpor recurso extraordinário para fixação de
jurisprudência do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Julho de
2005.
II
1.
Como se verifica pelo acima exposto, o douto acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 19 de Julho de 2005 mostra-se há muito transitado.
Efectivamente, o seu trânsito em julgado ocorreu na data da notificação[1], ao
recorrente. do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Agosto de
2005, no qual, ao abrigo do disposto no art. 720º do C.P.C., se determinou a
baixa dos autos para execução da decisão e da pena imposta[2].
2.
Assim, quando da interposição do recurso extraordinário, há muito se mostrava já
esgotado o prazo referido no art. 438º, nº 1, do C.P.P. – trinta dias após o
trânsito em julgado.
Pelo acima exposto e sem necessidade de mais considerações, deve o recurso ser
rejeitado por inadmissível — art. 438º, nº 1, 441º, nº 1, 448º e 414º, nºs 2 e
3, todos do C.P.P.»
Notificado do teor das considerações expendidas pelo Ministério
Público, o reclamante sustentou em sentido inverso dizendo que:
«(…)
1º
Ressalvado o devido respeito, não tem o Ministério Público manifestamente razão
quanto à alegada extemporaneidade do presente recurso extraordinário.
2º
O Ministério Público pretende que o acórdão de 19 de Julho transitou em julgado
na data da notificação do acórdão do STJ de 11 de Agosto de 2005, que determinou
a baixa dos autos para execução.
3º
Independentemente do bem ou mal fundado de tal acórdão, o certo é que – sem
margem para qualquer dúvida – o acórdão de 11 de Agosto de 2005 não apreciou o
pedido de esclarecimento formulado e a nulidade arguida a 26 de Julho, os quais
só vieram a ser apreciados por acórdão de 20 de Outubro de 2005.
4º
Ora, o acórdão de 20 de Outubro de 2005 só transitou em julgado a 7 de Novembro
de 2005, pelo que o prazo de 30 dias previsto no art. 438º nº 1 do C.P.P. –
acrescido dos 3 dias úteis previstos no art. 145º nº 5 do C.P.C. – teve o seu
termo a 13 de Dezembro desse ano, data em que o presente recurso extraordinário
foi apresentado.
5º
Assim sendo, o presente recurso foi tempestivamente apresentado, sendo
inteiramente válidas as conclusões A) a F) formuladas na respectiva petição».
Posteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu rejeitar
o recurso com base na seguinte argumentação:
«(…)
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na vista
preliminar, também suscitou a questão da extemporaneidade do recurso, mas com
argumento diverso, já que entende que o trânsito do acórdão recorrido ocorreu na
data da notificação ao recorrente do acórdão do STJ de 11 de Agosto de 2005, no
qual, ao abrigo do disposto no art. 720º do CPC se determinou a baixa dos autos
para execução da decisão e da pena imposta. Assim, quando da interposição do
recurso extraordinário, há muito se mostrava esgotado o prazo referido no art.
438º, nº 1, do CPP.
O recorrente, notificado nos termos do art. 417º, nº 2, do CPP, disse que o
acórdão do STJ de 11 de Agosto de 2005 não apreciou o pedido de esclarecimento
formulado e a nulidade arguida em 26 de Julho, os quais só vieram a ser
apreciados por acórdão de 20 Outubro de 2005, pelo que o trânsito do acórdão
recorrido não se conta da notificação do acórdão de 11 de Agosto, como pretende
a PGA no Supremo, mas da notificação do acórdão de 20 de Outubro, pelo que o
prazo de 30 dias previsto no art. 438º, nº 1, do CPP, acrescido dos 3 dias úteis
previstos no art. 145º, nº 5, do CPC, teve o seu termo a 13 de Dezembro, data em
que foi apresentado o recurso extraordinário.
Para decisão sobre a questão da eventual intempestividade do recurso, o relator
mandou os autos, após vistos simultâneos, à conferência.
3. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre
decidir.
O Ministério Público o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer,
para o pleno das secções criminais, quando, no domínio da mesma legislação, o
Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma
questão de direito, assentem em soluções opostas. O recurso é interposto do
acórdão proferido em último lugar (nº 1 do art. 437º do CPP), sendo ainda
necessário que o acórdão fundamento seja anterior e tenha transitado em julgado
(nº 4).
O mesmo é aplicável quando um tribunal de Relação proferir acórdão que esteja em
oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de
Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação
perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já
anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (nº 2).
Esse recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do
acórdão proferido em último lugar (nº 1 do art. 438º do CPP).
Ora, no acórdão preliminar a que se refere o art. 441º do CPP, deve o Supremo
Tribunal de Justiça verificar da admissibilidade do recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência e, por isso, desde logo, há que apurar se os
recorrentes obedeceram ao disposto na lei processual quanto ao prazo para a sua
interposição.
Os prazos peremptórios representam o período de tempo dentro do qual podem ser
levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua
fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as
partes a praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados.
*
Ora, dos autos verifica-se que:
- o acórdão recorrido foi lavrado em 19 de Julho de 2005 e foi notificado
pessoalmente ao Mº Pº em 20 de Julho de 2005 e por cartas registadas remetidas
na mesma data ao recorrente e assistente;
- o ora recorrente, em 26 de Julho de 2005, pediu uma aclaração desse acórdão e
arguiu uma nulidade;
- por acórdão de 11 de Agosto de 2005, o STJ, considerando que o incidente
suscitado pelo recorrente A. mais não visava que obstar ao trânsito em julgado
do acórdão de 19 de Julho de 2005, determinou, em aplicação do disposto no art.
720º do CPC, «a baixa do processo para execução da decisão, com o cumprimento da
pena em que o arguido foi condenado, ficando neste Supremo Tribunal de Justiça
traslado com as peças processuais necessárias à apreciação do requerimento ora
apresentado»;
- este acórdão foi notificado pessoalmente ao Mº Pº em 12 de Agosto de 2005 e
por cartas registadas remetidas na mesma data ao recorrente e assistente;
- por acórdão de 20 de Outubro de 2005, lavrado já no traslado, o STJ desatendeu
os requerimentos do arguido;
- este último acórdão foi notificado pessoalmente ao Mº Pº em 27 de Outubro de
2005 e por cartas registadas remetidas em 24 de Outubro de 2005 ao recorrente e
assistente.
*
Da narração dos actos processuais que antecede resulta que após ter sido
proferido o acórdão recorrido, em 19 de Julho de 2005, o ora recorrente pediu
uma aclaração e arguiu uma nulidade. Mas, por acórdão de 11 de Agosto de 2005, o
STJ, considerou que o incidente suscitado pelo recorrente mais não visava que
obstar ao trânsito em julgado do acórdão de 19 de Julho de 2005, pelo que
aplicou o disposto no art. 720º do CPC, mandando baixar o processo para execução
da decisão, com o cumprimento da pena em que o arguido foi condenado, ficando no
Supremo Tribunal de Justiça traslado com as peças processuais necessárias à
apreciação do requerimento apresentado (a pedir aclaração e a arguir nulidade).
O STJ, em muitos acórdãos recentes, tem vindo a considerar que o art. 720º do
CPC é aplicável subsidiariamente ao processo penal, por força do art. 4º do CPP.
E o art. 720º do CPC determina o seguinte:
«1. Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado
requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua
remessa para o tribunal competente, levará o requerimento à conferência, podendo
esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 456º, que o respectivo
incidente se processe em separado.
2. O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte
procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de
incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos
prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se
a decisão vier a ser modificada.»
Com esta norma visa-se por termo ao “interminável carrossel de requerimentos”
(como sugestivamente lhe chamou a Relação de Lisboa no Ac. de 09/03/2005, proc.
7995/01-3) suscitados circularmente num tribunal com a finalidade de entorpecer
a justiça e de obter um efeito reprovável, como seja o de impedir que uma
decisão final transite em julgado.
Assim, quando tal sucede, o relator leva o requerimento que tem por impertinente
à conferência para que esta ordene a baixa do processo para cumprimento da
decisão final, que assim transita imediatamente em julgado, seguindo a
apreciação do requerimento por traslado no tribunal de recurso. Caso no traslado
o tribunal de recurso, ou outro tribunal chamado a intervir (v.g. o Tribunal
Constitucional), decida atender ao requerimento e modificar a decisão
transitada, então anula-se o processado, o que significa que o trânsito em
julgado, ocorrido por força da aplicação do art. 720º do CPC, está sujeito a uma
condição resolutiva face a nova apreciação.
Nada que não ocorra noutras circunstâncias, por exemplo, no caso de co-autoria
em que alguns arguidos recorrem e outros não, pois o STJ vem entendendo que a
sentença recorrida transita em julgado quanto aos não recorrentes, embora sob
condição resolutiva, pois pode vir a ser proferida no recurso decisão que
aproveite a todos os arguidos, mesmo os que não recorreram (art. 402º, nº 2, do
CPP).
No caso dos autos, o STJ mandou aplicar o disposto no art. 720º do CPC quando o
ora recorrente apresentou um requerimento a pedir um esclarecimento e a arguir
uma nulidade em relação ao Acórdão de 19 de Julho de 2005.
Bem ou mal o fez, pouco importa para a decisão da tempestividade do presente
recurso extraordinário. Mas até diremos que o terá feito bem, pelo menos do
ponto de vista formal, pois o processado posterior, em traslado, não determinou
a modificação do Acórdão de 19 de Julho de 2005.
Isto é, a decisão de 20 de Outubro de 2005, apesar de incidir sobre questões
suscitadas tempestivamente pelo recorrente contra o acórdão de 19 de Julho de
2005, foi lavrada independentemente do trânsito desse acórdão de 19 de Julho e
até possivelmente depois de tal trânsito, pois tendo sido aplicado o art. 720º
do CPC, só o provimento das questões suscitadas teria o efeito de resolver o
trânsito, enquanto que o seu não provimento não teve a virtualidade de suspender
qualquer prazo.
Mas então quando transitou em julgado o acórdão recorrido (de 19 de Julho)?
Face ao disposto no art. 720º do CPC, o trânsito ocorreu no momento em que o
sujeito processual tomou conhecimento que o tribunal decidiu aplicar esta norma,
pois a partir daí os autos prosseguiram os seus termos no tribunal recorrido
para cumprimento do julgado.
No caso dos autos, o recorrente soube que o STJ aplicara o disposto no art. 720º
do CPC quando foi notificado do acórdão de 11 de Agosto de 2005, o que ocorreu
em 17 de Agosto de 2005, já que, nos termos do art. 113º, nº 2, do CPP,
tendo-lhe sido enviada carta registada em 12 de Agosto, este acórdão
considerou‑se notificado no 3º dia útil posterior ao envio.
Tendo em conta que a contagem do prazo é contínua e não se suspende durante o
período de férias judiciais, por respeitar a arguido preso (artºs 104º, nº 2, do
CPP e 144º, nº 1, do CPC), o prazo previsto no art. 438º, nº 1, do CPP, findou
em 22 de Setembro de 2005 (tendo já em consideração o disposto no art. 145º, nº
5, do CPC), pelo que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência,
interposto em 13 de Dezembro de 2005, mostra-se manifestamente intempestivo.
3. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça em rejeitar, por intempestivo, o presente recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência».
Ora, como resulta do teor dos transcritos elementos dos autos,
é manifesto que o recorrente-reclamante não podia considerar-se liberto do ónus
de suscitar a questão de constitucionalidade que posteriormente fundou o recurso
para este Tribunal.
De facto, não pode considerar-se que o Supremo Tribunal de
Justiça haja realizado uma interpretação insólita ou imprevisível do preceito em
crise, sendo claro que, ao contrário do que agora se alega, o critério normativo
aplicado na decisão recorrida foi previamente antecipado pelo Ministério Público
que estribou o seu entendimento no facto do Supremo haver ordenado, em aplicação
do disposto no artigo 720.º do Código de Processo Civil, “a baixa do processo
para execução da decisão”.
Invoca agora o reclamante que, na sua óptica, o “Ministério
Público se equivocara acerca da data do trânsito em julgado do acórdão de 19 de
Julho, por não ter tido na devida conta que o pedido de esclarecimento e a
nulidade só haviam sido decididos a 20 de Outubro de 2005 (itálico aditado)”.
Contudo, tal argumentação só demonstra, paradoxalmente com a
pretensão firmada pelo reclamante, que o Ministério Público pugnou pela
intempestividade do recurso independentemente da relevância da decisão dos
referidos incidentes pós-decisórios para o trânsito em julgado do acórdão
reclamado, pelo que, discordando o reclamante dessa argumentação, e assumindo
até que a mesma teria na base o referido “equívoco”, teve aí uma clara
oportunidade para sustentar a inconstitucionalidade da norma do “artigo 720.º do
Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do
Código de Processo Penal, [quando interpretado] no sentido de que, arguida uma
nulidade e formulado um pedido de esclarecimento de um acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, a aplicação daquele comando legal, mandando baixar os autos
para cumprimento do julgado, faz transitar em julgado a decisão objecto do
recurso”, dado ser este o critério normativo subjacente à proposta do Ministério
Público.
Na verdade, entendendo o reclamante que a argumentação do
Ministério Público seria inadmissível, nada o impedia de ter suscitado a
validade constitucional do critério normativo nela projectado. Bastava-lhe ter
considerado que o suposto “equívoco” se traduzia, na sua perspectiva, na
aplicação de uma norma inconstitucional. O que não seria difícil de antever,
atenta a posição manifestada pelo reclamante na sua resposta e o facto do
Supremo, sem cometer qualquer “equívoco”, a não acolher.
C – Decisão
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Notificação há muito ocorrida, como decorre do referido sob o ponto 1-9., a
fls. 4, da motivação de fls. 14 e ss.
[2] Sendo, como é evidente, totalmente irrelevante para o efeito que nos imposta
– o trânsito em julgado do douto acórdão de 19 de Julho de 2005 – todas as
vicissitudes e decisões posteriormente tomadas no âmbito do traslado, incluindo
mesmo recurso para o Tribunal Constitucional ou recurso extraordinário para
fixação de jurisprudência de decisão contida em acórdão proferido no translado.