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Processo n.º 430/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo
78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 25 de Maio
de 2005, mediante o qual o Tribunal da Relação do Porto negou provimento a
recurso interposto de sentença do Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira (na
parte em) que julgou improcedentes embargos de executado opostos pela recorrente
à execução para entrega de coisa certa que lhe move B..
O requerimento de interposição do recurso é do seguinte teor:
“A., recorrente nos autos de apelação em epígrafe, em que é recorrido B.,
notificada da decisão proferida sobre a sua reclamação do despacho que não
admitiu o interposto recurso de revista do acórdão de fls… deste Venerando
Tribunal, a qual o manteve, porque com o dito acórdão inconformada, pois que não
conheceu da invocada violação do seu direito fundamental de ter uma habitação,
consignado nos artigos 65.º, 202.º-2 e 204.º da CRP, do mesmo pretende interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, com vista a ser apreciada a
inconstitucionalidade cometida ao não ser respeitado o referido seu direito, ao
abrigo do disposto nos artigos 70.º-n.º 1 – al. a), 75.º - n.º 1 e 75.º-A - n.º
1da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, com as alterações nela introduzidas pelas
Leis n.ºs 85/89 de 7 de Setembro e n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro.
Assim,
Deve o presente recurso, a tramitar como estabelecido nos artigos 69.º e 78.º
n.º 4 da referida Lei n.º 28/82, ser admitido, pois, está em tempo e é legal.”
2. O recurso de constitucionalidade não pode prosseguir.
Com efeito, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) quando a simples leitura
do acórdão recorrido evidencia que não houve recusa de aplicação de qualquer
norma com fundamento em inconstitucionalidade.
3. Ainda que se considerasse ter havido lapso na indicação da alínea a) e se
tomasse como interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC –
seria ocioso ponderar a hipótese de enquadramento em qualquer das outras alíneas
–, igualmente se não conheceria do objecto do recurso.
Com efeito, percorrido o processado do recurso para o Tribunal da Relação,
designadamente as alegações apresentadas pela recorrente na apelação, em
princípio, o momento processualmente adequado para convocar o Tribunal da
Relação a apreciar qualquer questão desta natureza, não se vislumbra que a
recorrente tenha suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa,
isto é, que tenha colocado a Relação perante o problema de dever recusar
aplicação a qualquer norma de direito ordinário (ou a determinado sentido
normativo) com fundamento em violação de regras ou princípios constitucionais. A
recorrente diz que foram violadas as normas do artigo 65.º, do n.º 2 do artigo
202.º e do artigo 204.º da Constituição, mas é à sentença e não a qualquer norma
que censura essa desconformidade com a Constituição.
Aliás, no próprio requerimento de interposição do recurso, o recorrente também
não identifica qualquer norma (cfr. n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC), dizendo-se
inconformado com o acórdão recorrido porque “não conheceu da invocada violação
do seu direito fundamental a ter uma habitação, consignado nos artigos 65.º,
202.º-2 e 204.º da CRP”. Ora, esta violação, assim definida, não pode constituir
objecto idóneo do recurso para o Tribunal Constitucional sabido que não foi
consagrado entre nós um sistema do tipo “recurso de amparo” ou “queixa
constitucional”.
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar
conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a
taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta.”
2. A recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do citado
artigo 78.º‑A, com os seguintes fundamentos:
“Com o devido respeito, pensa-se que há manifesto lapso, pois, nas conclusões
57., 58. e 59.º das alegações produzidas perante o Tribunal da relação, a
recorrente foi expressa em dizer que “entendimento contrário (àquele que vinha
defendendo nas conclusões 17. a 56.º) e consequente decisão não asseguram, como
devem, os direitos e interesses legalmente protegidos e reconhecidos à
recorrente, qual seja, entre outros, o de ter uma habitação, constituindo
flagrante violação dos seus direitos fundamentais”, mais indicando como normas
violadas os artigos 65.º, 202º-2 e 204º da CRP.
É óbvio, pois, que a Relação foi colocada perante o problema de dever recusar o
sentido normativo que tinha sido adoptado pelo tribunal da 1ª instância, por se
ter considerado o mesmo inconstitucional.”
3. A reclamação é manifestamente improcedente, nada dizendo a recorrente que
seja idóneo para abalar qualquer dos fundamentos da decisão reclamada.
Designadamente, não há qualquer lapso nessa decisão quando nela se afirma que a
recorrente não suscitou perante o tribunal a quo uma de questão de
constitucionalidade normativa. Aliás, a recorrente nem sequer agora enuncia uma
questão desta natureza, continuando a omitir a indicação da norma ou do sentido
normativo que tem por inconstitucional.
Com efeito, para que se considere cumprido esse ónus, é necessário que a
desconformidade com normas ou princípios constitucionais tenha sido imputada, de
modo claro, perceptível e com enunciação das razões que justificam esse juízo e
a consequente desaplicação com tal fundamento, a uma norma precisamente
determinada, ainda que em certo sentido mediatizado pela decisão recorrida.
Não satisfaz estas exigências a simples afirmação de que:
“(…)
57. Entendimento contrário e consequente decisão não asseguram, como devem, os
direitos e interesses legalmente protegidos e reconhecidos à recorrente;
58. Quais sejam, entre outros, o de ter uma habitação;
59. Constituindo flagrante violação dos seus direitos fundamentais;
60. Foram violadas as normas dos artigos 36º-1, 37º-1 e 922º-2, 2ª parte, na
redacção do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, do CPC, 21º e 23º do DL nº
38/2003 de 8 de Março, 101º-1 do RAU, 1159º-2 do CC e 65º, 202º-2 e 204º da
CRP.”
Na verdade, tais conclusões – e no corpo das alegações nada se contém que,
nesta vertente, possa ser mais útil à recorrente – reduzem-se a um ataque à
sentença em si mesma considerada, não colocando em crise, e muito menos de modo
substanciado, um critério de decisão extraído de um acto normativo
identificável.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício