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Processo nº 728/04
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do
artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 1 de Março de 2004.
2. Em 29 de Setembro de 2003, o ora recorrente foi condenado, por sentença do
Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, na pena de 50 dias de multa, à razão
diária de 2,50 €, pela prática de um crime previsto e punido no artigo 30º, nº
2, da Lei nº 173/99, de 21 de Setembro, em conjugação com o disposto no artigo
52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro (diploma que
desenvolve o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 173/99, de 21 de
Setembro).
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, esta instância
confirmou a decisão recorrida, entre outros, com os seguintes fundamentos:
«II. Ao jeito de questão prévia, comecemos pelo requerimento que acompanha o
chamado “parecer” junto com a resposta ao Ministério Público, já nesta Relação.
Pede o interessado que o mesmo seja apreciado, o que em seu entender evitaria a
eventualidade de requerimento de revisão da sentença com fundamento no disposto
na alínea d) do n° 1 do artigo 449° do Código de Processo Penal.
A invocação deste preceito legal deixa perceber que o interessado, ainda que
reportando-se só ao que chama de um “parecer”, quer ver apreciados novos factos
ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no
processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. O recorrente
foi efectivamente condenado em 1ª instância. E o recurso pode ter por fundamento
quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (artigo 410°, n°
1, do Código de Processo Penal). Ora, no que tange ao conteúdo de tal
requerimento, há que reconhecer que não tendo sido alvo de apreciação em 1ª
instância, também não vem devolvido ao conhecimento desta Relação, motivo por
que se indefere.
III. A sentença recorrida chega à conclusão que os factos provados integram um
crime de caça ilegal do artigo 30°, n.º 2, [da Lei] n° 173/99, de 21/09, uma vez
que o arguido se encontrava numa zona de caça “em relação à qual não estava
autorizado por quem de direito”. Ainda que o arguido seja uma das pessoas
indicadas no artigo 17°, n° 2, e portanto com acesso à zona de caça em condições
de prioridade, sempre lhe seria necessária a “autorização de caça”, pois “o
artigo 52° do (...) Decreto Lei 227-B/00 refere expressamente que é proibido
caçar sem consentimento de que[m] de direito nas outras zonas de caça. Estas
outras zonas de caça são precisamente as zonas de caça municipal, associativas e
turísticas”.
A Lei de Bases Gerais da Caça (Lei n° 173/99, de 21 de Setembro), sob a epígrafe
terrenos de caça condicionada, dispõe no artigo 18°, n° 1, que “é proibido
caçar, sem o consentimento de quem de direito, nos terrenos murados, nos
quintais ou jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer
terrenos que circundem estas, numa faixa de protecção a regular”; e nº 2 do
mesmo artigo que “é proibido caçar nos terrenos ocupados com culturas agrícolas
ou florestais, durante determinados períodos do seu ciclo vegetativo, quando
seja necessário proteger culturas e respectivas produções e para tal tenham sido
sinalizadas nos termos da lei”. A seguir, no artigo 30°, nºs 1 e 2, tratando dos
crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, dispõe que
incorre na pena de prisão até 6 meses ou na pena de multa até 100 dias “quem
exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos terrenos de caça condicionada
sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça
às quais não se tenha legalmente acesso”.
Analisando o conjunto dos factos provados, pode certamente afirmar-se que o
arguido não exercia no momento a caça em terrenos de caça condicionada, tal como
os mesmos vêm definidos no indicado artigo 18° (“terrenos murados, quintais,
parques e jardins anexos a casas de habitação. ...”; e “terrenos ocupados com
culturas agrícolas ou florestais...”). A condenação do arguido assenta antes no
exercício da caça em zona de caça à qual não tinha legalmente acesso. Na
verdade, o arguido não tinha consentimento de quem de direito para caçar em zona
de caça, como decorre imediatamente dos factos dados como provados. O arguido
caçava em local “classificado como zona de caça municipal”, do qual era
arrendatário, e a que nessa qualidade tinha acesso nas condições de prioridade
definidas em termos gerais no artigo 17°. Mas nas “zonas de caça” é também
proibido caçar sem consentimento de quem de direito. É o que decorre do artigo
52°, n° 2, do Decreto-Lei n° 227-B/2000, de 21 de Setembro, que regulamenta a
Lei de Bases Gerais da Caça, e cujo n° 1 fixa em 250 metros a faixa de protecção
que circunda os terrenos de caça condicionada segundo o n° 1 do artigo 18° da
Lei de Bases: terrenos murados, quintais, parques e jardins anexos a casas de
habitação. Por isso mesmo – conclui-se na sentença – o arguido exercia
ilegalmente a caça, o que corresponde ao entendimento de que o consentimento de
quem de direito é devido para o exercício da caça nos terrenos de caça
condicionada que são os terrenos murados, quintais, parques ou jardins anexos a
casas de habitação e bem assim em quaisquer terrenos que os circundem nas
condições ditas no n° 1 do artigo 52° do Decreto-Lei n° 227-B/2000, mas também é
devido nas “zonas de caça” (nº 2 do mesmo artigo 52°), entre as quais
naturalmente as zonas de caça de interesse municipal (artigos 14°, n° 1, alínea
h), e 17°, nºs 1 e 2 da Lei de bases da Caça), numa das quais o recorrente
caçava.
IV. Cometendo o crime do artigo 30°, n° 2, cit., aquele que caça sem
consentimento de quem de direito em terrenos de caça condicionada que são os
terrenos murados, quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e bem
assim em quaisquer terrenos que os circundem nas condições ditas no n° 1 do
artigo 52° do Decreto-Lei n° 227-B/2000, também comete, pois, idêntico ilícito
aquele que caça sem consentimento de quem de direito nas zonas de caça, às quais
por isso não tem legalmente acesso (para caçar). Sabe-se que a disposição
incriminadora contém dois segmentos que para aqui são pertinentes: primeiro, o
exercício da caça nos terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem de
direito; depois, o exercício da caça nas zonas de caça às quais não se tenha
legalmente acesso.
A incriminação das práticas previstas no primeiro segmento, se protege a
preservação da fauna e das espécies cinegéticas tutela concorrentemente o
interesse de quem murou os seus terrenos e visa aí impedir a caça sem
consentimento, bem como nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de
habitação, local cimeiro da vida privada e familiar, onde se pretende que
predomine o sossego, pondo-o ao abrigo de práticas que sem aviso geram
inquietação, senão perigos vários para pessoas e coisas. É manifesto que o
legislador não menciona aí quaisquer perigos, mas o perigo é inerente à conduta.
Um preceito desta natureza, de mera actividade, contenta-se com a descrição do
desvalor da acção, acrescentando-lhe a consequência (sanção).
O outro segmento da incriminação explica-se, mais singela e precisamente, pela
necessidade de preservar a fauna e as espécies cinegéticas, postas em perigo, na
óptica do legislador, por quem nas zonas de caça a exerça sem ter legalmente
acesso para aí exercer a caça. Não obstante o legislador da Lei de Bases no n° 1
do artigo 17° consagrar como norma que às zonas de caça de interesse nacional ou
municipal têm acesso todos os caçadores, tal acesso não é arbitrário nem
indiscriminado, pois logo passou a referir-se à ordem de prioridade e aos
critérios de proporcionalidade a regular. E foi o que fez, para as zonas de caça
municipais, nos artigos 24° e ss. do Decreto-Lei n° 227-B/2000, podendo ver-se,
nomeadamente, sobre o conteúdo do plano de gestão, os nºs 1 e 2, alínea c), do
artigo 24°; o n° 3 do artigo 25°, quanto ao pagamento de taxas; e o n° 2 do
artigo 27°, dispondo que até à aprovação do plano é proibido o exercício da
caça. Assim se compreende igualmente o conteúdo do n° 2 do artigo 52°, quanto a
ser proibido caçar sem o consentimento de quem de direito nas zonas de caça,
portanto sem o consentimento de quem tem a gestão dessas zonas, incluindo as
municipais. Este consentimento entra portanto na definição dos critérios de
proporcionalidade que a Lei de Bases já previa que viesse a ser objecto de
regulamentação no artigo 17°, n° 2».
3. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, para
apreciação da:
«(…) desconformidade constitucional da interpretação do artigo 30.º, n.º 2, da
Lei n.º 173/99, de 21/09- Leis de Bases Gerais da Caça - por violação do
princípio da legalidade, ínsito no artigo 29.º, n.º 3 da Constituição, quando
interpretada no sentido segundo o qual, um caçador arrendatário de terrenos
inseridos em zona de caça municipal não sendo portador de documento de
autorização expressa (que a mesma lei e respectivo regulamento não referem)
emitido pela respectiva entidade gestora, não tem legalmente acesso a caçar
nessa mesma zona de caça.
(…) ilegalidade por violação de Lei de Valor reforçado, nos termos do disposto
no n.º 3, artigo 112.º da Constituição, da interpretação segunda a qual, a
violação do consentimento de quem de direito para caçar nas zonas de caça
condicionada, previsto no artigo 30.º, n.º 2, da Lei n.º 173/99, de 21/09 - Leis
de Bases Gerais da Caça - e no artigo 52.º, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 227-B/2000,
de 15-09, com as sucessivas alterações, quando aplicável, em termos inovatórios,
às zonas de caça municipais.
(…) desconformidade constitucional, por violação das garantias de defesa do
arguido, ínsitas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, da interpretação segundo
a qual, tendo o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da matéria
de facto, nos termos do disposto no n.º 2, al. a), do artigo 410.º da C.P.Penal,
e tendo apresentando, incidentalmente, documento com relevância para a boa
decisão da causa, do qual apenas teve conhecimento após decisão de 1.ª
instância, submetido à apreciação do tribunal recorrido, não seja deste tomado
conhecimento, com fundamento no disposto no art. 165.º, n.º 1 do C.P.Penal».
Convidado pelo relator para indicar «a) a norma, reportada ao respectivo
preceito legal, cuja ilegalidade pretende ver apreciada, nos termos expressos em
b) do requerimento de interposição de recurso; b) o preceito legal a que reporta
a norma referida em c) do citado requerimento», precisou que a norma cuja
ilegalidade pretende ver apreciada é a
«prevista no n.º 2, art. 52° do Dec.-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro
(alterada e republicada pelo Dec.-Lei n.º 338/2001, de 16 de Dezembro), que
regulamenta a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro – lei de Bases Gerais de Caça -,
que menciona a proibição de caçar sem, consentimento de quem de direito nas
zonas de caça, quando interpretada no sentido de fazer incorrer no crime p. p.
no n.º 2 do art. 30° da lei de Bases Gerais de Caça, quem caçar em zona de caça
Municipal, embora sendo arrendatário de terrenos cinegéticos inseridos nessa
mesma zona de caça e também portador de todos os outros documentos legalmente
exigíveis, mas sem autorização da Entidade gestora daquela Zona de Caça.
2. Tal norma, interpretada como efectivamente o foi pelo Tribunal recorrido, sob
a epígrafe “Terrenos de Caça Condicionada”, introduz uma inovação, logo um novo
tipo legal de crime, que a Lei de Bases que visa regulamentar não contém, nem
consente, quer na sua letra, quer sobretudo no seu espírito – sem embargo de se
considerar que a questão a dilucidar encerra alguma complexidade, sempre se
espera dizer, em sede de alegações, que a norma a sindicar quando iluminada
pelos fins que visa proteger e fundamentalmente pelos bens jurídicos que lhe
subjazem e respectiva dignidade penal, melhor se clarificará a interpretação, em
nossa modesta opinião, inovatória e, por isso, ilegal, efectuada pelo Tribunal
recorrido».
E que pretende a «apreciação legal da interpretação do art.º 165º, nº 1, do
C.P.Penal»:
«mostra-se, salvo melhor opinião, desconforme à Constituição, por violação das
garantias de defesa do arguido, ínsitas no artigo 32.º n.º 1 da Constituição,
que radicam na dignidade da pessoa humana, a interpretação segundo a qual, tendo
o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da matéria de facto, nos
termos do disposto no n.º 2, do art.º 410.º do C.P.Penal, e tendo apresentando,
incidentalmente, documento com relevância para a boa decisão da causa, do qual
apenas teve conhecimento após decisão de 1.a instância, submetido à apreciação
do tribunal recorrido, não seja deste tomado conhecimento com fundamento no
disposto no art. 165.º, n.º 1 do C.P.Penal».
4. Por despacho do relator, não reclamado, o objecto do recurso foi delimitado à
apreciação da legalidade da norma do artigo 52° n° 2 do Decreto-Lei n°
227-B/2000, de 15 de Setembro e da constitucionalidade da norma do artigo 165°
n° 1 do Código de Processo Penal:
«Verifica-se, com efeito, relativamente à apreciação da invocada
inconstitucionalidade da norma do artigo 30° n° 2 da Lei n° 173/99, de 21 de
Setembro, que o Tribunal dela não pode conhecer, por não envolver uma questão de
constitucionalidade normativa, como se decidiu em caso semelhante (estava também
em causa a violação do princípio da legalidade por uma suposta “interpretação”
de norma penal incriminatória, relativa a uma elemento do tipo legal), no
Acórdão n° 674/99 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45° vol., págs. 559 e
segs. (especialmente, pontos 48 a 53) e cuja doutrina inteiramente se acolhe».
5. Notificado para alegar, o recorrente sustentou e concluiu, nomeadamente, o
seguinte:
«II -QUESTÕES DE ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE:
A- DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ILEGALIDADE DA NORMA DO ART. 52º, n.º 2, DO
DECRETO-LEI N.º 227-B/2000, DE 15 DE SETEMBRO:
(…).
30. Posto isto, bem se compreende que o legislador, quando no n.º 2, art. 30º da
Lei de Bases Gerais da Caça, refere que é proibido, logo criminalmente punível,
o exercício de caça sem consentimento de quem de direito, se refira
expressamente aos terrenos de caça condicionada, que taxativamente define no
art. 18°;
31.Terrenos de caça condicionados estes onde, se bem interpretamos o art. 18° do
mesmo diploma legal, se elegem como bens jurídicos a salvaguardar a propriedade
privada, e a saúde e integridade física das pessoas (cfr. n.º 1, art. 18°), bem
como o direito de iniciativa e liberdade económica (cfr. n.º 2, art. 18ª);
32. Do exposto decorre, que nunca as Zonas de Caça Municipais poderão, como de
facto o foram pelo Tribunal recorrido, como melhor se vai ver, ser confundidas
com terrenos de caça condicionada, a única onde o legislador em causa exigiu, e
bem, o consentimento de quem de direito, sob pena de criminalizar a conduta de
quem o não detivesse;
(…).
43. Efectivamente, à revelia do exposto, o Governo através do Decreto-Lei n.º
227-B/2000, de 15 de Setembro, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º
338/2001, de 26 de Dezembro, regulamentando a Lei de Bases Gerais da Caça (Lei
n.º 173/99, de 21 de Setembro), veio, no n.º 2. art. 52°, sob a epígrafe
“Terrenos de caça condicionada”, criar um novo terreno de caça condicionada, que
na Lei de Bases que visava regulamentar, se não contém, e muito menos se
consente;
(…).
55. Se bem se observar, fácil é verificar que o alargamento do conceito de zona
de caça condicionada, efectuado pelo Governo, na interpretação que pelo Tribunal
recorrido foi dada ao n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000 (alterado e
republicado pelo Dec.-Lei n.º 238/2001, de 26 de Dezembro), vai muito para além
da liberdade de conformação que deva de reconhecer ao Governo, na sua actividade
legislativa de regulamentar a Lei de Bases em causa;
(…).
60. Assim sendo, o Tribunal recorrido, ao interpretar a norma do n.º 2, art. 52°
do Dec.-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, no sentido de que incorre no
crime p.p. no art. 30° da Lei de Bases Gerais da Caça, quem se encontre a caçar
em Zonas de Caça Municipais, sem consentimento de quem de direito, faz uma
interpretação errónea, e manifestamente ilegal, da referida norma legal, por
violação ostensiva da Lei de Bases respectiva;
61. É que, como já vimos, a Assembleia da República, na respectiva Lei de Bases,
exige – e só exige – o consentimento de quem de direito, nos terrenos de caça
condicionada;
62. E as zonas de Caça, máxime as Zonas de Caça Municipais, não se tratam de
terrenos de caça condicionada, atendendo-se ao art. 18° da mesma Lei de Bases,
que taxativamente refere o que o Legislador por tal entende;
63. E não decorre da mesma Lei, que a Assembleia da República, ao contrário do
que faz, por exemplo, no segmento fina1 do n.º 1, do art. 18°, conceda ao
Governo qualquer liberdade de conformação para criar novos terrenos de caça
condicionada;
(…).
74. Em suma, e definitivamente, as Zonas de Caça Municipais não são zonas de
caça condicionada (vg. art. 18° da Lei de Bases Gerais da Caça), e a elas têm
inequivocamente acesso legal todos os caçadores (vg. n.º 1, art. 17° do mesmo
diploma legal);
(…).
A – O n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-8/2000, quando interpretado no
sentido de que quem, apesar de portador de todos os documentos de caça
legalmente, exigíveis for encontrado em Zona de Caça Municipal sem autorização
ou consentimento da respectiva Entidade Gestora, é punido criminalmente nos
termos do art. 30° da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, é inconstitucional e
ilegal:
A. 1 - Inconstitucional, porque cria inovatoriamente um crime que na Lei de
Bases que visa regulamentar, se não contem nem consente, violando assim a
Reserva Relativa da Assembleia da República, designadamente a al. c), n.º 1.
art. 165° da Assembleia da República;
A. 2 - Inconstitucional ainda, porque criminalizando condutas desprovida de
ressonância ética para tal suficiente, viola o n.º 3, art. 18° da constituição
da República Portuguesa;
A. 3 - Ilegal porque criando ex novo uma zona de Caça Condicionada, viola o art.
18° da respectiva Lei de Bases, que é Lei de Valor Reforçado, nos termos do n.º
3, art. 112° da Constituição da República Portuguesa, que assim foi
desrespeitada;
A. 4 - Ilegal ainda, porque criando subrepticiamente uma nova zona de caça
condicionada, está afinal a criar um crime que a Lei de Bases respectiva, não
contém nem consente, nem sequer quis, violando assim o art. 30°, da Lei de Bases
Gerais da Caça;
B – A interpretação que pelo Tribunal recorrido foi efectuada do art. 165°, do
Código de Processo Penal, no sentido de que tendo o arguido interposto recurso
de decisão de primeira instância, tomada em processo sumário, alegando
insuficiência da matéria de facto, e tendo apresentado no Tribunal de recurso
incidentalmente documento com relevância para a boa decisão da causa, do qual
apenas teve conhecimento, sem culpa, após a decisão recorrida, este seja
liminarmente rejeitado, com fundamento no disposto na referida norma processual,
é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, insitas no
n.º 1, art. 32° da Constituição da República Portuguesa;
Sem prescindir, mas com prejuízo óbvio do anteriormente concluído:
C- A conduta do arguido e ora recorrente, foi despenalizada pelo legislador,
através do Dec.-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, que na alínea a), n.º 1, art.
128° veio clarificar e densificar a contra-ordenação prevista na alínea a), n.º
1, do Dec.-Lei 227-B/2000, que expressamente revogou, e na alínea b) da mesma
norma legal, veio criar uma nova contra-ordenação, sendo evidente que a conduta
do recorrente se pode e deve agora subsumir, a qualquer uma das
contra-ordenações referidas;
C.1 – Neste contexto, atendendo-se a que a decisão recorrida não transitou ainda
em julgado, e a fazer vencimento a tese da despenalização da conduta – e só
neste caso -, sempre se deverá entender que, neste caso em concreto, se verifica
inutilidade superveniente da pronuncia desse Tribunal Constitucional».
6. O Ministério Público contra-alegou, sustentando a não ilegalidade do artigo
52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000 e ainda, para o que agora releva, o
seguinte:
«1. Delimitação do objecto do recurso
(…) Já neste Tribunal o senhor conselheiro relator proferiu despacho em que
delimitou o objecto do recurso às questões da ilegalidade da norma do artigo
52°, n° 2, do Decreto-Lei n° 227-B/2000 e da constitucionalidade da norma do
artigo 165°, n° 1, do Código de Processo Penal.
É este, portanto, o objecto do presente recurso, uma vez que o recorrente se
conformou com tal despacho.
2. Questão prévia suscitada pelo recorrente
Nas alegações apresentadas neste Tribunal o recorrente coloca a questão prévia
da inutilidade superveniente do recurso, uma vez que com a publicação do
Decreto-Lei n° 202/2004, de 18 de Agosto, a sua conduta teria sido despenalizada
e teria passado a constituir contra-ordenação, o que acarretaria a [o] dever ser
considerada extinta a sua responsabilidade criminal.
É óbvio que apreciar e decidir sobre os efeitos e consequências neste processo
da publicação do Decreto-Lei n° 202/2004, não é tarefa deste Tribunal, ao qual
apenas caberá decidir, após o tribunal competente se pronunciar, se o recurso
mantém ou não utilidade.
Deve, pois, o processo ser remetido a título devolutivo ao Tribunal da Relação
(o tribunal recorrido) a fim de se pronunciar sobre aquela questão (acórdão n°
746/95 em wwwtribunalconstitucional.pt).
(…).
3.2. Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 165°, n° 1, do Código de
Processo Penal este Tribunal já considerou manifestamente infundado um recurso
em que se questionava, precisamente, a constitucionalidade daquela norma
(acórdão n° 392/2003 www.tribunalconstitucional.pt).
Restará acrescentar que se um tal entendimento é válido quando o recurso para a
Relação abrange a matéria de facto e de direito, tendo havido registo da prova,
por maioria de razão o será no caso dos autos em que o recurso abrange
exclusivamente matéria de direito estando, quanto à matéria de facto, a Relação
limitada à competência que lhe é conferida pelo artigo 410°, nº 2, do Código de
Processo Penal.
Na verdade, como resulta desde logo da acta da audiência (fls. 22), não tendo
sido requerida a documentação dos actos (artigo 389°, nº 2, do Código de
Processo Penal) os poderes de cognição da Relação estão limitados (artigos 428°,
nº 2, do Código de Processo Penal)».
7. Em 7 de Junho de 2005, já depois da mudança de relator, em consequência de
alteração da composição do Tribunal, foi proferido despacho no sentido de os
autos serem remetidos ao Tribunal da Relação de Guimarães, a título devolutivo,
a fim de ser apreciada e decidida a eventual extinção da responsabilidade
criminal do recorrente, à luz do consagrado no Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de
Agosto, em matéria de infracções de caça.
8. Em 12 de Dezembro de 2005, o Tribunal Judicial da Comarca de Esposende
concluiu que:
«não obstante a entrada em vigor de um novo diploma que regulamenta a Lei de
Bases Gerais da Caça e que revogou o já referido DL nº 227-B/2000, o certo é que
a norma aplicável à situação em apreço se mantém inalterada, sendo que,
actualmente, a conduta do arguido se reconduz ao preceituado no artigo 30º, nº 2
da Lei nº 173/99, conjugado com o artigo 56º, nº 2 do DL nº 202/2004 de 18 de
Agosto.
Assim sendo e por todo o exposto, ao contrário do sustentado em sede de recurso
para o Tribunal Constitucional, entendemos que não se verifica a extinção da
responsabilidade criminal do arguido/recorrente».
Após trânsito em julgado desta decisão, foram os autos remetidos a este Tribunal
para apreciação do recurso de constitucionalidade.
9. O recorrente e o recorrido foram notificados, em cumprimento do disposto no
artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo
69º da LTC, para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de ser
proferida decisão de não conhecimento da ilegalidade da norma contida artigo
52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro, por a decisão
recorrida não ter interpretado e aplicado esta disposição legal no sentido de
ser proibido caçar sem consentimento de quem de direito em zona de caça
municipal por se tratar de terreno de caça condicionada,
10. O recorrente respondeu, sustentando, com relevo para a questão prévia
levantada, o seguinte:
«Importa, desde já, referir que é certo que o Tribunal da Relação de Guimarães
não interpretou e aplicou a norma contida no art.º52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º
227-B/2000, de 15/09, no sentido de ser proibido caçar sem consentimento de quem
de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona de caça condicionada.
Porém interpretou e aplicou a mesma norma no sentido de ser proibido caçar sem
consentimento de quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona
de caça à qual não se tem legalmente acesso. Ora, salvo melhor opinião, qualquer
uma das interpretações, e respectiva aplicação, se mostra ilegal face à norma
contida no art. 30.º n.º 2 da Leis de Bases (Lei n.º 173/99).
Com efeito, nas normas incriminadores em matéria cinegética, diz-nos o
legislador que incorre na pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até
100 dias, quem exercer a caça nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente
acesso (art. 30.º da Lei de Bases).
Por outro lado, nas zonas de caca municipal têm acesso todos os caçadores (art.
17.º da Lei de Bases).
Caçador é todo o indivíduo que detenha carta de caçador e demais documentos
exigidos (cfr. art. 20. º da Lei de Bases e art.º61.º do Decreto-Lei n.º
227-B/2000).
Decorre da interpretação das normas supra indicadas, que a conduta, que se
mostrou provada, de um caçador que se encontrava a caçar em zona de caça
municipal, na qual é arrendatário de terrenos inseridos nessa zona, que
preencheu uma candidatura para o exercício da caça na mesma zona de caça
municipal, pese embora não fosse autorizado a caçar pela entidade gestora dessa
zona, nunca seria subsumível ao disposto na norma incriminadora a que se refere
o n.º 2 do art. 30.º da Lei de bases.
Ou seja, se prescindirmos completamente da norma prevista no art. 52.º, n.º 2,
do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, fica desvelado que aquela conduta do arguido não
preenche aquele tipo incriminador.
Como, também, fica desvelado que a verdadeira ratio decidendi é, afinal, a norma
contida no mesmo art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei que regulamenta a Lei de
Bases.
Com efeito, como se invocou nas alegações, em particular nos itens n.º 3 a 10,
19, 24 e 25, 30 a 34, 43, 57 a 60, 62, 68 a 89, não há que dizer que nas zonas
de caça municipal é proibido caçar por se tratarem de zonas às quais não se tem
legalmente acesso.
Como também não há que dizer que nas zonas de caça municipal é necessário o
consentimento de quem de direito (da entidade gestora!), porque o necessário
consentimento apenas se aplica aos terrenos de caça condicionada a que se refere
o legislador no art. 18.º da mesma Lei de Bases.
Pelo que é bom de ver que o elemento perturbador é precisamente a norma contida
no art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, que o tribunal convocou como
norma coadjuvante para criminalizar a conduta do arguido.
Porém, como é evidente, só com uma interpretação efectuada pela conjugação das
normas em apreço é que o tribunal conseguiu obter a criminalização de uma
conduta, cuja interpretação se efectuada em singelo da norma contida na Lei de
Bases nunca seria susceptível de criminalização.
Daí que, pelos argumento que se invocaram nas alegações de recurso, é manifesto
que a interpretação efectuada pelo tribunal da norma contida no art. 52.º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, é ilegal por violação de Lei da valor
reforçado.
Aliás, diga-se, o mesmo tribunal de primeira instância, no âmbito do processo
n.º 1068/03.3 GAEPS, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, já se
pronunciou sobre a legalidade e constitucionalidade das mesmas normas, sendo
certo que, com idêntica argumentação, que aqui se reitera, concluiu que a mesma
conduta não era passível de ser criminalizada - cfr cópia de decisão que se
anexa e cuja teor, na parte que diz respeito à interpretação da norma prevista
no art. 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei, n.º 227-B/2000, se dá aqui por
integramente reproduzido».
11. O Ministério Público veio «dizer que sendo plausível admitir a não
verificação de um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do
n°. 1 do artigo 70° da LTC, não deverá, nesta circunstância, conhecer-se do
mesmo».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Face à delimitação efectuada por despacho do relator e à não reclamação do
mesmo por parte do recorrente, há que apreciar a ilegalidade da norma do artigo
52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro, nos termos em que
esta questão foi formulada no requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal, e a inconstitucionalidade da norma do artigo 165º, nº 1, do Código de
Processo Penal.
Assim, é de excluir a apreciação da ilegalidade do artigo 52º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 227-B/2000, interpretado no sentido de ser proibido caçar sem
consentimento de quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona
de caça à qual não se tem legalmente acesso (cf. resposta ao despacho que
notificou o recorrente da possibilidade de ser proferida decisão de não
conhecimento da questão de ilegalidade), bem como a inconstitucionalidade de
norma constante deste artigo (cf. alegações produzidas neste Tribunal).
Por outro lado, o objecto do recurso não pode estender-se à interpretação que o
Tribunal Judicial da Comarca de Esposende fez da alínea b) do nº 1 do artigo
137º do Decreto-Lei nº 2002/2004, de 18 de Agosto (cf. resposta ao despacho que
notificou o recorrente da possibilidade de ser proferida decisão de não
conhecimento da questão de ilegalidade), atendendo aos requisitos do recurso de
constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
2. Para a decisão a proferir nos presentes autos quanto à questão de
ilegalidade, importa atentar na redacção do artigo 52º do Decreto-Lei nº
227-B/2000 e na dos artigos 18º e 30º da Lei de Bases Gerais da Caça – Lei nº
173/99, de 21 de Setembro:
«Artigo 52º
Terreno de caça condicionada
1 – É proibido caçar sem consentimento de quem de direito nos terrenos murados e
nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e bem assim em
quaisquer terrenos que os circundem numa faixa de 250 m.
2 – É ainda proibido caçar sem consentimento de quem de direito nas zonas de
caça»;
«Artigo 18º
Terrenos de caça condicionada
1 – É proibido caçar, sem o consentimento de quem de direito, nos terrenos
murados, nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e, bem
assim, em quaisquer terrenos que circundem estas, numa faixa de protecção a
regular.
2 – É proibido caçar nos terrenos ocupados com culturas agrícolas ou florestais,
durante determinados períodos do seu ciclo vegetativo, quando seja necessário
proteger aquelas culturas e respectivas produções e para tal tenham sido
sinalizados nos termos da lei»;
«Artigo 30º
Crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas
1 – A infracção ao disposto no nº 1 do artigo 6º do presente diploma é punida
com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos
terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem direito, nas áreas de
não caça e nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente acesso».
Do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e das alegações
produzidas (cf. nºs 30 a 32, 43, 55, 60 a 63 e 74 do título II-A e A. 3 e A. 4
das conclusões) resulta que o recorrente pretende a apreciação da ilegalidade do
nº 2 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 227-B/2000, quando interpretado no sentido
de ser proibido caçar sem consentimento de quem de direito em zona de caça
municipal por se tratar de terreno de caça condicionada, por violação do artigo
18º da Lei de Bases Gerais da Caça.
Tal decorre, nomeadamente, dos extractos que se seguem das mencionadas peças
processuais:
«ilegalidade por violação de Lei de Valor reforçado, nos termos do disposto no
n.º 3, artigo 112.º da Constituição, da interpretação segunda a qual, a violação
do consentimento de quem de direito para caçar nas zonas de caça condicionada,
previsto no artigo 30.º, n.º 2, da Lei n.º 173/99, de 21/09 - Leis de Bases
Gerais da Caça - e no artigo 52.º, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 227-B/2000, de 15-09,
com as sucessivas alterações, quando aplicável, em termos inovatórios, às zonas
de caça municipais.»;
«A – O n.º 2, art. 52° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, quando interpretado no
sentido de que quem, apesar de portador de todos os documentos de caça
legalmente, exigíveis for encontrado em Zona de Caça Municipal sem autorização
ou consentimento da respectiva Entidade Gestora, é punido criminalmente nos
termos do art. 30° da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, é (…) ilegal:
(…) porque criando ex novo uma zona de Caça Condicionada, viola o art. 18° da
respectiva Lei de Bases, que é Lei de Valor Reforçado, nos termos do n.º 3, art.
112° da Constituição da República Portuguesa, que assim foi desrespeitada;
(…) Ilegal ainda, porque criando subrepticiamente uma nova zona de caça
condicionada, está afinal a criar um crime que a Lei de Bases respectiva, não
contém nem consente, nem sequer quis, violando assim o art. 30°, da Lei de Bases
Gerais da Caça».
Porém, a decisão recorrida interpretou e aplicou o artigo 52º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 227-B/2000, no sentido de ser proibido caçar sem consentimento de
quem de direito em zona de caça municipal por se tratar de zona de caça à qual
não se tem legalmente acesso. Interpretação e aplicação que o recorrente aceita
agora como tendo sido a que, de facto, foi efectuada (cf. ponto 10. do
Relatório).
O segmento do nº 2 do artigo 30º da Lei de Bases Gerais da Caça que o Tribunal
da Relação de Guimarães aplicou, conjugadamente com o nº 2 daquele artigo, é o
que consta da parte final – na mesma pena incorre quem exercer a caça nas zonas
de caça às quais não tenha legalmente acesso – e não o segmento que se refere
aos terrenos de caça condicionada, especificados no artigo 18º desta Lei – na
mesma pena incorre quem exercer a caça nos terrenos de caça condicionada sem
consentimento de quem de direito. É o que se extrai da decisão recorrida, quando
o Tribunal conclui que «pode certamente afirmar-se que o arguido não exercia no
momento a caça em terrenos de caça condicionada, tal como os mesmos vêm
definidos no indicado artigo 18º (…). A condenação do arguido assenta antes no
exercício da caça em zona de caça à qual não tinha legalmente acesso».
Constituindo requisito do recurso interposto – o previsto na alínea f) do nº 1
do artigo 70º da LTC – a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio
decidendi, da norma cuja ilegalidade é questionada pelo recorrente, não pode
conhecer-se, nesta parte, do objecto do mesmo.
3. Relativamente ao artigo 165º, nº 1, do Código de Processo Penal, o recorrente
sustenta a inconstitucionalidade desta disposição, por violação das garantias de
defesa do arguido, ínsitas no artigo 32º, nº 1, da Constituição, interpretada no
sentido de que tendo o arguido interposto recurso invocando a insuficiência da
matéria de facto, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 410º do Código de
Processo Penal, e tendo apresentado, incidentalmente, documento com relevância
para a boa decisão da causa, do qual apenas teve conhecimento após decisão de 1ª
instância, submetido à apreciação do tribunal recorrido, não seja deste tomado
conhecimento.
A questão da intempestividade da junção de documentos supervenientes, em sede de
recurso para o tribunal da relação, foi já qualificada de manifestamente
infundada, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2003 (Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 56º, p. 795 e ss.), onde se pode ler o seguinte:
«Com efeito, a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase
de recurso para a relação, está directamente conexionada com os termos em que a
lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à
reapreciação da matéria de facto.
A decisão em 2º instância, sobre matéria de facto, não significa um segundo
julgamento no sentido de se deverem apreciar novos elementos de prova. O juízo
do tribunal de recurso tem por objecto a decisão de 1ª instância, com a
possibilidade, em certos casos, de 'renovação' da prova (não de apresentação de
novos elementos da prova - novas testemunhas, novos documentos) com os mesmos
elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida.
Escrevem, a propósito, Simas Santos e Leal Henriques ('Recursos em Processo
Penal', 3ª ed., pág. 58):
'Ao estatuir que 'sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso
interposto de uma sentença (isto é, de uma decisão que conhece, a final, do
objecto do processo) abrange toda a decisão', o art. 402º, consagra no seu n.º
1, o princípio do conhecimento amplo.
O objecto legal dos recursos é, assim, a decisão recorrida e não a questão por
esta julgada; com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com
base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão
impugnada, pré-existente, pois, ao recurso'. (sublinhado nosso).'
Ora, a Constituição (maxime, artigo 32º n.º 1), se assegura o direito ao
recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre
conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se
traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª
instância.
Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de
junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada
como provada em 1ª instância».
É esta jurisprudência, para cuja fundamentação se remete, que agora se reitera.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso interposto, no que se refere à ilegalidade
da norma do artigo 52º, nº 2, do Decreto-Lei nº 227-B/2000, de 15 de Setembro;
b) Negar provimento ao recurso, no que respeita à norma do artigo 165º do Código
de Processo Penal.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de
justiça.
Lisboa, 28 de Junho de 2006
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício