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Processo nº 463/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão da 4ª Vara Criminal da Comarca do Porto foi o ora recorrente, A.,
condenado a uma pena de quatro anos e nove meses de prisão, pela prática,
juntamente com outros, de um crime de tráfico de estupefacientes. Inconformado
com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por
acórdão de 28 de Setembro de 2005, julgou o recurso improcedente.
2. Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça,
tendo, a concluir a respectiva motivação, formulado as seguintes conclusões:
“1. Existindo, como existem, declarações contraditórias e divergentes dos
arguidos, constituindo estas o sustentáculo dos factos tidos por provados com
natural relevância e repercussão na pena aplicada, estando as do recorrente
alicerçadas com suporte documental bastante, sempre terá de, quanto a ele, mais
não seja, prevalecer o princípio in dúbio pro reo.
2. A plausibilidade da ‘versão’ do recorrente perante os meios de prova
produzidos deve levar á sua absolvição. Não é irrelevante. Não tem que ser
demonstrada que a convicção do julgador é “impossível”.
3. É que, o princípio da presunção de inocência, plasmado no art. 32°, n.° 2, da
CRPort., constitui um pilar dos direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. art.
18°, n.º 1 CRPort.) e surge articulado com o princípio adjectivo / probatório
atrás referido.
4. O no art. 127° CPPenal também tal não afasta,
5. Porque as “regras da experiência” são vinculantes, quando, como in casu, o
aqui recorrente invoca e demonstra factos que manifestamente o favorecem, por
afastarem a ilicitude e a culpa.
6. No nosso ordenamento jurídico, não existe um direito do arguido a mentir,
7. Mas o legislador entendeu que era inexigível o cumprimento do dever de
verdade por sua parte.
8. Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas no âmbito
dum e mesmo processo — cfr. alínea a), do n.° 1, do art. 133° CPPenal.
9. A prova que produzem é “por declarações” — cfr. art. 140º e segs., 343° e
345°, todos do CPPenal.
10. As declarações assim prestadas, maxime as que foram em sede de Julgamento,
não podem validamente ser assumidas como meio de prova plena relativamente aos
mais co-arguidos,
11. Servem, apenas e exclusivamente, como um meio de defesa pessoal de quem as
presta - cfr. art. 343° n° 2 CPPenal.
12. Ao o, aliás douto, acórdão decisivamente aceitar e fazer constar, como
resulta, que as declarações dos mais co-arguidos contribuíram irresistivelmente
para a formação da convicção do Tribunal da culpabilidade do recorrente,
verifica-se a nulidade do julgamento, por violação da possibilidade dum cabal e
eficaz contraditório (até por dois dos co-arguidos se recusarem a responder a
questões que lhes foram dirigidas) — cfr. arts. 61°, alínea c), e 327°, n.° 2,
ambos do CPPenal.
13. O(s) depoimento(s) de co-arguido(s), não sendo, em abstracto, uma prova
proibida em Direito Português, é/são no entanto um meio de prova particularmente
frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia e
muito menos para sustentar uma condenação.
14. O Tribunal há de socorrer-se de outros meios de prova que lhe permitam
confirmar a credibilidade da(s) declaração/ões do(s) co-arguido(s)
15. In casu, inexiste, relativamente ao recorrente, concorrência de
corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da
incriminação.
16. Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição
insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação
da prova - alíneas a), b) e c), do n.° 2, do art. 410º CPPenal.
17. É de manter, in totum, o em e), g), h), i), J) k), 1), m), n), o), p), u),
v), w), x) e y) de factos provados.
18. E de excluir, no que ao recorrente tange, a materialidade contra si
pretensamente apurada e inserta em a), b), c), d), f), q), r) e t) e z) de
factos provados.
19. Os em 18. destas conclusões e o em s) de factos provados devem ser tidos por
não provados,
20. Na ponderada consideração, designadamente, dos documentos a fls. 5, 10, 36 a
40, 62/63, 317 a 401, 637, 650 a 656, 684 (linhas 2, 3 e 6), 1074 (linha 23),
1002 a 1008, 1124, 1255 a 1256, 1257 a 1258, 1268/1269, da documentação relativa
aos veículos automóveis que possuiu, das suas declarações e da prova testemunhal
de [...], que se acham transcritas.
21. O acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questionada inexistência de
prova sobre o, in fine, da alínea a) de factos provados (“...como já tinha
acontecido anteriormente, embora em quantidades não apuradas”).
22. Para além de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, há
erro notório na apreciação da prova e a nulidade - cfr. alíneas a) e c), do art.
410º e alínea c), do n.° 1, do art. 379°, ambos do CPPenal — e violação dos
arts. 97º n.° 4 CPPenal e 205° n.° 1 CRPort.
23. Apesar do art. 21°, n.° 1, do DL n.° 15/93 abranger a mera detenção
precária, essa representação tem de ser dolosa, no sentido de ter havido
representação de o agente traficar droga e assumir essa mesma intenção — o que
não era, nem nunca foi, o caso do recorrente.
24. Este art. 21° tem de ser interpretado restritivamente, porque se há casos em
que a posse é para consumo ou tráfico, outros há em que a posse nada tem a ver
com a disseminação das drogas.
25. A conduta do recorrente não é punível por falta de culpa, sem a qual não há
crime e este não tinha, na sua consciência, a ilicitude do acto
26. A detenção era precária, transitória, exercida “a non domino”, no
desconhecimento do que resultou acontecer.
27. O recorrente não assumiu qualquer papel de primeiro plano e não dominava a
acção. Foi mero interveniente secundário ou acidental (auxiliator simplex ou
causam non dans): mesmo que não interviesse o crime teria lugar - porventura em
circunstâncias algo distintas.
28. Não tendo agido dolosamente, a “cumplicidade” não é punível - cfr. n.° 1, do
art. 27° CPenal.
29. O recorrente não pode ser considerado autor (co-autor).
30. Mas, se assim fosse, nunca poderia responder pela actividade do grupo
anteriormente ao seu envolvimento, face ao que, em sede de doseamento concreto
da pena, sempre haveria que valorar devidamente e em seu benefício, a diferença
quantitativa de actuações por reporte aos demais
31. E face ao nas alíneas x) e y) de factos provados, o lapso temporal já
decorrido e a conduta do recorrente em todos os actos judiciais e na sociedade,
conforme á Lei e ao Direito, de per si, deveriam ter dado azo e serem
consideradas em ordem a que sempre beneficiasse de atenuação especial da pena,
32. Pelo que foi violado o art. 72° CPenal - pelo menos o espírito
33. Já que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
34. A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e da
específica necessidade de prevenção geral e especial visada.
35 O, aliás douta, acórdão recorrido omite, descurando, e, assim, não atende a
todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõe a favor
do recorrente,
36. Violou-se, destarte, o são e/ou o correcto entendimento do nos arts. 13°,
40º n.°s 1 e 2 e 72°, todos do CPenal, 37. Por virtude de ‘erro notório na
apreciação da prova’ - alínea c), do n.° 2, do art. 410° CPPenal.
38. O, aliás douto, acórdão proferido não desconta, por inteiro, na pena de
prisão aplicada o tempo a que o recorrente já esteve sujeito a medidas
processuais privativas da liberdade.
39. É “caso de determinação da pena” e não “mera regra legal de execução”
40. Viola, destarte, o disposto no n° 1, do art. 80° CPenal.
41. A assim não ser entendido, também é violado o disposto no n.° 5, in fine, do
art. 30° CRPort.
42. A decisão recorrida, a propósito, totalmente omite a indicação,
interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica, adjectiva ou substantiva,
que a fundamente.
43. A exigência dessa fundamentação prende-se com a própria garantia do direito
e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão judicial em si mesma.
44. Também esta absoluta falta de fundamentação ‘de direito’, por de natureza
imperativa, determina a nulidade da proferida sentença arts. 205 n.° 1 CRPort. e
97° n.° 4 CPPenal.
45. O regime especial previsto nos arts. 35° e segs. do Dec. Lei n.° 15/93, de
22 de Janeiro, afasta o disposto no art. 109º CPenal.
46. Este regime deve ser temperado, aferindo-se o nexo de instrumentalidade
entre a utilização do(s) bem/bens e a prática do crime, com recurso à
causalidade adequada e ao princípio da proporcionalidade, por forma a não
ultrapassar-se a “justa medida” no decretar da perda a favor do Estado.
47. A declarada perda do Toyota Corolia (ainda que “sem prejuízo de eventuais
direitos de terceiros”), deve ser revogada, porque excessiva.
48. Foram violados os arts. 35° e segs. do Dec. Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro,
até por o art. 109° CPenal ser inaplicável ao caso sub judice[...]”.
3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 20 de Abril de 2006, decidiu
negar provimento ao recurso, consignando, todavia, o desconto por inteiro do
tempo de duração da medida de coacção privativa da liberdade a que o arguido
esteve sujeito.
4. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de um
requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em Secção, - cfr.
alínea b), do n.° 1, do art. 70° LTC -, a fim deste se pronunciar sobre a
inconstitucionalidade das normas dos arts. 410º n.° 2, alíneas a), b) e c) do
Código de Processo Penal, na interpretação com que (não) foram aplicadas no,
aliás douto, aresto recorrido, por expressa convocação dos princípios in dubio
pro reo, da presunção de inocência (n.° 2, do art. 32° da Constituição da
República Portuguesa), do contraditório (n.° 2, do art. 327° CPPenal) e da falta
de fundamentação decisória (n.° 1, do art. 205° da Constituição da República
Portuguesa e n.° 4, do art. 97° CPPenal), a consubstanciar/também violados.
Estas questões foram suscitadas pelo recorrente, maxime, em sede do recurso
interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça. [...]”.
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“[...] Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do
recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal
Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
O recorrente indica, como fundamento do recurso, a alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da LTC. O recurso previsto nesta alínea, pressupõe, designadamente, que a
questão colocada ao Tribunal Constitucional seja uma questão de
constitucionalidade normativa, isto é reportada ao confronto de uma determinada
norma ou interpretação normativa com a Constituição. Pressupõe, além disso,
porque de recurso se trata, que o recorrente tenha suscitado, de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a
inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão
normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como
ratio decidendi, no julgamento do caso. Vejamos.
5.1. O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie “sobre a
inconstitucionalidade das normas dos arts. 410º n.° 2, alíneas a), b) e c) do
Código de Processo Penal, na interpretação com que (não) foram aplicadas no,
aliás douto, aresto recorrido[...]”.
Ora, a própria formulação que o recorrente dá à sua pretensão – apreciação da
inconstitucionalidade das normas “na interpretação com que (não) foram
aplicadas” -, pode conduzir a que se conclua que, não tendo tal interpretação
sido aplicada, se não verifica um dos pressupostos de admissibilidade do recurso
de fiscalização concreta previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o
que, desde logo, implica o não conhecimento do objecto do recurso.
5.2. Em qualquer caso, porém, o recurso interposto pressupõe, além disso, que o
recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado, perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade da norma jurídica –
ou, se for o caso, de uma sua dimensão normativa (art. 72º, nº 2 da LTC). Na
verdade, nada obsta a que seja questionada apenas a constitucionalidade de uma
determinada interpretação de certo preceito. Porém, quando for esse o caso, como
parece ser o dos presentes autos, o recorrente tem o ónus de, de modo claro e
perceptível, ter identificado essa interpretação ou dimensão normativa perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida. Como se disse, entre outros, no
Acórdão nº 269/94 (Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994),
impõe-se que “ao suscitar-se a inconstitucionalidade de uma norma, se
identifique a mesma com precisão e clareza”, já que “suscitar a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal
perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir”. Sendo certo que o cumprimento de
tal ónus é, ainda, essencial para que, se o Tribunal Constitucional vier, em
recurso de uma decisão sobre a constitucionalidade de uma norma ou de uma
determinada interpretação normativa, a julgar essa mesma norma ou interpretação
normativa desconforme com a Constituição, “o possa enunciar na decisão que
proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua
decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral,
saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser
incompatível com a Lei Fundamental” (cfr. Acórdão nº 178/95, em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118).
Ora, compulsados os autos, verifica-se que o recorrente, na motivação do recurso
que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça, não suscitou, ao contrário
do que sustenta no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal,
muito menos do modo processualmente adequado exigido por lei e em termos claros
e perceptíveis, qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada aos
artigos 410º, n.° 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal. Com
efeito, na única conclusão em que refere simultaneamente aquele artigo 410º do
CPP e um preceito constitucional, o recorrente limita-se a afirmar que “22. Para
além de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, há erro
notório na apreciação da prova e a nulidade – cfr. alíneas a) e c) do art. 410º
e alínea c) do nº 1 do art. 379º, ambos do CPPenal – e violação dos arts. 97º nº
4 do CPPenal e 205º nº 1 CRPort.”, o que, manifestamente, não é suficiente para
que se possa considerar suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa susceptível de integrar o recurso que pretendeu interpor. O que,
necessariamente, conduz à impossibilidade de conhecimento do recurso.
5.3. Aliás, lida com atenção a motivação do recurso apresentada no Supremo
Tribunal de Justiça, verifica-se que, em rigor, a ter pretendido o recorrente
invocar alguma desconformidade com a Constituição, ela nunca foi imputada a uma
qualquer norma jurídica, mas, quando muito, à própria decisão recorrida, quer na
parte em que considerou suficiente a prova e a matéria de facto com base na qual
aquela decisão chegou à sua condenação (conclusões 1 a 22), quer na parte em que
a mesma alegadamente não desconta na pena que lhe foi aplicada o tempo que o
recorrente já havia estado sujeito a medidas de coacção (conclusões 38 a 41),
quer, finalmente, na parte em que lhe imputa o vício de falta de fundamentação
(conclusões 42 a 44).
Ora, por um lado, é manifesto que não constitui objecto idóneo de um recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade de “normas” – o recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC - a indagação sobre o modo como, nos
diversos casos concretos, é concretizado, densificado e aplicado o princípio da
livre apreciação da prova aos circunstancialismos típicos das situações em
causa; por outro, constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada
que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal.
Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei
n.º 28/82 e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras
ocasiões. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de
amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões
jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso
de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se
destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como
sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao
controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada.
5.3. Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se
evidente que não pode, no caso dos autos, conhecer-se do objecto do presente
recurso, já que manifestamente não estão presentes os pressupostos da sua
admissibilidade.[...]”
6. Inconformado com esta decisão o recorrente veio, ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, nº 3, da LTC, reclamar para a Conferência, nos seguintes termos:
“[...] 1. É certo que a douta decisão, proferida no Supremo Tribunal de Justiça,
que admitiu o recurso não vincula este Tribunal - cfr. n.º 3, do art. 76° L TC
2. E que o Exmo. Senhor Relator, entre o mais, pode ( e deve) decidir sobre
conhecer ( ou não) do objecto daquele.
3. Não obstante, salvo melhor e douta opinião, pelo menos resulta do despacho,
ora revogado, que o STJ sempre teve como suficientemente insertas em sede de
motivação / conclusões do recurso que lhe foi dirigido as questões de
inconstitucionalidade que se pretendem ver apreciadas e decididas neste Colendo
Tribunal.
4. Aliás, com o devido respeito, só, assim, se compreenderá o sobredito
deferimento.
5. Também é certo, nota-se agora, que a formulação do requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal poderá não ter sido a melhor (alínea
b ), do n.º 1, do art. 70° LCT )
6. Donde, bem andou o Exmo. Senhor Relator ao aquilatar sobre o mais que lhe foi
dado a conhecer (“inconstitucionalidade da norma jurídica - ou, se for o caso,
de uma sua dimensão normativa ( art. 72°, n. ° 2 LCT) )”.
7. Se em abstracto temos de concordar com o aí mui doutamente expendido,
8. Em concreto a “norma ou interpretação normativa desconforme a Constituição”
foi conhecida pelo STJ.
9. É que, subjacente à invocação da inconstitucionalidade do art. 410° n.º 2,
alíneas a), b) e c), do CPPenal estão os 'princípios in dubio pro reo, da
presunção de inocência ( n.º 2, do art. 32° da Constituição da República
Portuguesa ), do contraditório ( n.º 2, do art. 327° CPPenal ) e da falta de
fundamentação decisória ( n.º 1, do art. 205° da Constituição da República
Portuguesa e n.º 4, do art. 97° CPPenal )” - v. requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal,
10. Que com a invocada referência “também violados” - ibidem - se pretende, de
igual modo, a apreciação, mais não seja como vai em 6. desta peça, in fine.
11. Daí que, adentro deste prisma, caberia convite para aperfeiçoamento.
12. E que, sempre com o imenso respeito por opinião contrária, a desconformidade
com a Constituição foi invocada nas motivações de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça (v. o em 1. a 22. das Conclusões) e antes.
13.Destarte, colocando a conclusão 22. no contexto de tudo o que lhe antecede (
como que mor / decorrente e informadora das antecedentes) resulta, em nosso
modesto entender, a clara invocação de inconstitucionalidade.
14. Dizer, como vem dito no, aliás douto, aresto recorrido que “... in casu, a
Relação - como que (sublinhado nosso) reavaliando a regularidade do processo de
formação da convicção .do tribunal colectivo a respeito da factualidade
questionada pelo recorrente - concluiu pela sua imutabilidade, assim perfilando,
em definitivo, o rol dos «factos provados»”, “o que significa que está fora do
âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1ª
instância, em tudo o que aí foi objecto de conhecimento pela Relação” (“E o
recorrente [...] esgrimiu perante este Supremo Tribunal os mesmos argumentos já
aduzidos; na 2ª instância quanto á impugnação da matéria de facto, maxime a
prevalência do princípio in dubio pro reo e a validade do depoimento de
co-arguido, tudo conjugado com o princípio da livre apreciação da prova ( art.
127° do CPP ), matéria essa conhecida fundadamente no acórdão recorrido)”, “O
recorrente, contudo, conhecedor desta jurisprudência, apela ainda e também, para
a possibilidade deste Supremo Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios da
matéria de facto. Mas sem êxito, pois que os factos provados não evidenciam
qualquer dos vícios a que se reporta o artigo 410, n.º 2 do CPP. E, assim, a
matéria de facto considera-se definitivamente adquirida”, é, com o enorme e
merecido respeito, nada dizer ( V.,g. , porque é que os factos provados não
evidenciam qualquer dos vícios a que se reporta o artigo 410, n.º 2 do CPP? ).
15. Embora, em bom rigor, não se possa entender que a decisão em causa não
deixou de se pronunciar sobre questão posta, a verdade é que a decidiu sem
procurar elucidar ou esclarecer os motivos e fundamentos, o que equivale a
conclusão sem premissas, havendo, pois, erro de actividade ( erro de construção
ou de formação ) - no mesmo sentido Ac. STJ, de 9.12.87, m BMJ 372°-369.
A necessidade de fundamentação prende-se com a própria garantia de direito ao
recurso e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão judicial em si
mesma - cfr. Ac. TC n.º 55/85, de 25.3.85, in Acs. TC, 5°-467 e segs.
III - A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral
que a própria Constituição consagra no art. 208° ( ora 205° ) n.º 1, e tem que
ser observado nas decisões judiciais...' - Ac. RP , de 17.10.91, in BMJ
410°-876.
“O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias
fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de Direito
contra o arbítrio do poder judiciário” - Pessoa Vaz, Direito Processual Civil -
Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, pag. 211”'.
16. Permita-se discordar que a questão da inconstitucionalidade não tenha sido
devidamente colocada , por reporte a violação de normas.
17. O recorrente é conhecedor não poder o Tribunal Constitucional aferir da
correcção da decisão recorrida (e da medida da pena), porque os poderes
cometidos limitam-se, neste tipo de recursos, a aferir da constitucionalidade
(ou da interpretação constitucional ) de determinadas normas.
18. Pretende-se, apenas, que se aquilate da ambiguidade e falta de clareza
normativa por colisão com normas / princípios constitucionais.
19. Tal melhor resultaria se o requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal, pudesse, desde logo, ser acompanhado da correspondente motivação -
cremos que a rever, iure constituendo.
20. Só que. iure constjtuto, também não é este o momento para apresentação de
alegações.
21. A questão reside na interpretação que é dada pelo Exmo. Senhor Relator - em
contraponto á do requerente e do STJ, percute-se.
22. Quando se faz apelo ao prevalecer do princípio in dubio pro reo, quando se
eleva o princípio da presunção da inocência sobre o mais, quando recalcitra do
contraditório e diz “viola”, com expressa menção de normas constitucionais, o
mesmo é dizer que há inconstitucionalidade por violação dos referidos preceitos
e com o âmbito propugnado.
23. Afigura-se, assim, que o no interposto recurso para este Colendo Tribunal
(“...a fim deste se pronunciar sobre a inconstitucionalidade das normas dos
arts. 410° n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal, na
interpretação com que ( não ) foram aplicadas no, aliás douto, aresto recorrido,
por expressa convocação dos princípios in dubio pro reo, da presunção de
inocência ( n.º 2, do art. 32° da Constituição da República Portuguesa ), do
contraditório ( n.º 2, do art. 327° CPPenal) e da falta de fundamentação
decisória ( n.º 1, do art. 205° da Constituição da República Portuguesa e n.º 4,
do art. 97° CPPenal ), a consubstanciar / também violados”) encontra suporte
bastante nas aludidas Conclusões do recurso suscitado perante o STJ ,
24. Assim esperando ver decidir.[...]”
7. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre reclamação do recorrente, o
Ministério Público veio responder-lhe nos seguintes termos:
“1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, o reclamante não suscitou, como lhe cumpria, durante o processo,
e em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de
fiscalização concreta.
3 - Pelo que - atenta a evidente inverificação dos pressupostos do recurso -
deverá confirmar-se por inteiro a decisão reclamada.”
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
8. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso que o recorrente, ao abrigo do disposto na alínea
b) do nº 1, do art. 70º da LTC, interpôs para este Tribunal. Para assim
concluir, considerou-se que não só a própria formulação que o recorrente, no
requerimento de interposição do recurso, dá à sua pretensão – apreciação da
inconstitucionalidade das normas “na interpretação com que (não) foram
aplicadas” -, poderia conduzir a que se concluísse que, não tendo tal
interpretação sido aplicada, se não verificava um dos pressupostos de
admissibilidade do recurso, mas também que o mesmo nunca teria suscitado, de
modo processualmente adequado e perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional,
qualquer questão de constitucionalidade susceptível de integrar o aludido
recurso e, ainda, que, em rigor, a ter pretendido o recorrente invocar alguma
desconformidade com a Constituição, ela nunca foi imputada a uma qualquer norma
jurídica, mas, quando muito, à própria decisão recorrida. Com a presente
reclamação o reclamante pretende contestar que assim seja. Alega, no essencial,
que “a formulação do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal
poderá não ter sido a melhor”, mas que, “adentro deste prisma, caberia convite
para aperfeiçoamento”, que terá suscitado as questões de constitucionalidade que
pretende ver apreciadas e que as mesmas seriam de constitucionalidade normativa.
Não tem, porém, como se verá, já de seguida, razão.
De facto, como se demonstrou suficientemente na decisão sumária reclamada, basta
ler as passagens da peça processual que cita e que já tinham sido transcritas e
consideradas naquela decisão, para concluir ser evidente que não está aí - local
onde é legalmente exigido que o esteja - adequadamente colocada qualquer questão
de constitucionalidade normativa, em termos de permitir o recurso para este
Tribunal. Sendo certo, como mais uma vez transparece da reclamação apresentada,
que, em bom rigor, a questão é sempre colocada em termos tais que apontam para
que esteja em causa a própria decisão judicial quanto à apreciação dos factos, e
não uma qualquer interpretação normativa, nunca, clara e perceptivelmente
enunciada. O que, forçosamente, conduz à impossibilidade de conhecimento do
recurso interposto.
Agora apenas se acrescentam, porque o reclamante expressamente refere tais
pontos, duas notas. A primeira é a de que, ao contrário do que crê o recorrente,
não “caberia convite para aperfeiçoamento”. Na verdade, este só tem lugar nos
casos em que exista uma insuficiência do requerimento do recurso e não, como é o
caso, quando estão ausentes os pressupostos de admissibilidade do recurso. A
segunda é a de que não cabe a este Tribunal, neste contexto, pronunciar-se sobre
a alegada melhoria que resultaria para o processo das sugestões que o reclamante
entende fazer “iure constituendo”.
9. Assim, em face do exposto, apenas resta, reiterando as razões constantes da
decisão reclamada, que em nada são abaladas pela reclamação apresentada,
confirmar o julgamento que ali se formulou no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Junho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Rui Manuel Moura Ramos