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Processo nº 519/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 6 de Julho de 2006 o relator proferiu o
seguinte decisão: –
“1. Inconformado com o despacho proferido pela Delegação da Guarda
da Direcção Geral de Viação que – pela prática de factos que foram subsumidos ao
cometimento, como reincidente, de infracção aos artigos 81º, nº 1, 139º e 146º,
alínea m), do Código da Estrada – lhe impôs a coima de € 360 e a sanção
acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de sessenta dias,
impugnou-o perante o Tribunal de comarca de Trancoso o acoimado A..
Tendo, por decisão de 21 de Novembro de 2005, proferida pela Juíza
daquele Tribunal, sido dado parcial provimento à impugnação, mantendo-se as
coima e sanção acessória aplicadas, mas suspendendo-se a respectiva execução
pelo período de nove meses, sujeita à condição de o acoimado prestar uma caução
de boa conduta no montante de € 500, recorreu este de tal decisão para o
Tribunal da Relação de Coimbra.
Na motivação adrede produzida, o acoimado formulou as seguintes
«conclusões»: –
A)O sítio do Chafariz do Vento em Trancoso, dista a menos de 15 minutos do Posto
da GNR de Trancoso, como é público, pacífico, conhecido e notório, nem sequer
carecendo de prova tal facto, embora exaustivamente tenha sido provado pelas
testemunhas.
B)Dando o Tribunal como provado o facto atrás referido e invocando a
inviabilidade da realização do teste de contra prova designadamente no Posto de
Trancoso pelo facto do aparelho poder estar desligado, ou pela demora do arguido
em assinar a notificação e demais expediente, verifica-se uma subversão dos
valores jurídicos em causa e contradição resultante do teor da sentença em
causa.
C)Se o Tribunal dá como provado que do local do Chafariz do Vento ao Posto de
Trancoso se demora menos de 15 minutos, onde existe outro aparelho, não pode
dizer ‘que não teria sido possível efectuar o exame atempadamente noutro
aparelho’.
D)A contraprova requerida pelo arguido (novo exame, a efectuar através de
aparelho aprovado especificamente para o efeito) deve ser efectuada com todas as
garantias de defesa que assistem ao arguido, isenção e legalidade, não podendo
nem devendo ser efectuada no alcoolímetro que produziu o resultado do primeiro
teste, ou resultado da prova, conforme última parte do art.º 3.º n.º 1 do Dec.
Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro (... só se pode utilizar o mesmo
analisador, caso não seja possível recorrer a outro no prazo de quinze minutos);
C)É nula, por violadora do direito de defesa do arguido, a contraprova em causa
nos presentes autos, efectuada na modalidade referida em A) porquanto, tendo
sido requerida pelo arguido, os agentes fiscalizadores ordenaram a este a sua
feitura no mesmo alcoolímetro em que fez o teste da prova, quando havia todas as
possibilidades de fazer o teste de contraprova dentro do prazo que a lei
estipula para o efeito, em aparelho diverso daquele que fora utilizado para a
prova,
– Quer nas instalações da GNR da cidade onde o arguido fez o teste da prova, que
dista a menos de cinco minutos do local onde foi feito o teste.
– Quer nas instalações dos Postos de Celorico da Beira ou Vila Franca das Naves
que distam seguramente a menos de quinze minutos do local de fiscalização.
O tribunal recorrido, ao entender que a contraprova foi realizada de acordo com
os processos e formalidades legais, ignorou estes factos, resultando assim
violadas as disposições constantes do art.º 3.º n.º 1 do Dec. Regulamentar n.º
24/98 de 30 de Setembro e os art.ºs 18.° n.º 2 e 32.º n.º 1 da CRP.
F) Enferma de nulidade absoluta, do primeiro grau, a parte do art.º 3.º n.º 1 do
Dec. Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro que admite a possibilidade do teste
de contraprova ser efectuado no mesmo analisador em que foi efectuado o teste da
prova, na medida em que:
- O acto de requerer contraprova significa uma impugnação não apenas o resultado
produzido pelo analisador/alcoolímetro como do bom funcionamento desse mesmo
analisador, enquanto máquina;
- Ao fazer-se o teste da contraprova no mesmo alcoolímetro em que se efectuou o
teste da prova, não se está a fazer contraprova alguma, está antes a repetir-se
o teste da prova, o que constitui em si mesmo a negação da contraprova que o
nosso ordenamento jurídico pretendeu implementar. Donde,
- A parte do preceito aqui em causa, por ser redutora dos direitos de defesa dos
arguidos, é claramente violadora e contrária aos atrás referidos preceitos
constitucionais, pelo que também o tribunal recorrido se devia ter abstido de a
aplicar ao caso dos autos.’
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 19 de Abril de
2006, negou provimento ao recurso.
Na parte que ora releva, pode ler-se nesse aresto: –
‘(…)
O arguido afirma: ‘O Tribunal deu como provados todos os factos
alegados pelo arguido atrás transcritos’ (ou seja os constantes de fls. 135 a
135 – cfr. fls 137, parte final); reiterando depois que o tribunal deu como
provado ‘tudo o que foi alegado pelo arguido’ e, designadamente, os factos
mencionados a fls. 138 – Cfr. fls. 138. Ora, tal afirmação é falsa.
Cotejando devidamente a questão, verificamos que os factos que o recorrente
alega nas als C), F), G), H) e I) do item I e diz terem sido dados como assentes
naquela decisão – cfr. als. M) e N) – não foram dados como provados na mesma.
Assim:
Não foi dado como provado que:
O teste de pesquisa de álcool no sangue que acusou uma T.A.S. de 0,62 g/l ‘ foi
efectuado às 01 h e 20 m’; o arguido tenha ‘questionado o facto de a contraprova
ser efectuada no mesmo aparelho’ ; ‘ os Agentes da autoridade presentes poderiam
ter conduzido o arguido a fazer a contraprova noutro alcoolímetro (...), ou até
nos Postos da GNR de Trancoso, Celorico da Beira ou Vila Franca das Naves, que
distam todos menos de 15 minutos do cruzamento do Chafariz do Vento, onde o
arguido foi interceptado’; ‘ os Agentes fiscalizadores não tentaram sequer
aferir das possibilidades de realização da contraprova em alcoolímetro
diferente’; ‘ só por desinteresse da entidade fiscalizadora o exame de
contraprova não foi efectuado em qualquer dos sobreditos locais, uma vez que em
menos de 15 minutos teriam feito chegar a qualquer deles o arguido para o
poderem fazer’; era viável realizar (o exame da contraprova no prazo de 15
minutos legalmente concebido’.
O que o Tribunal a quo deu como provado foi apenas que:
O arguido não se opôs a que a contraprova por ele reclamada fosse efectuada no
mesmo aparelho e que ‘dado o período de tempo despendido com a elaboração do
expediente referente à notificação do recorrente para efeito da contraprova, a
distância a percorrer e o facto de os aparelhos dos Postos Territoriais estarem
desligados, sendo necessário o seu prévio aquecimento antes da sujeição das
pessoas ao teste, não era viável realizar, no prazo de 15 minutos legalmente
concedido, aquele teste nos Postos Territoriais da Guarda Nacional Republicana
de Trancoso, Celorico da Beira ou Vila Franca das Naves – Cfr.. 4º e 5º factos
dados como provados, a fls. 108.
Acresce que a fls. 110 da douta sentença, o tribunal a quo referiu
expressamente: ‘sendo certo que não era possível realizar atempadamente novo
exame em aparelho diferente, o recorrente não se opôs a que aquele fosse
efectuado no mesmo aparelho, podendo optar por recolha de sangue para análise’.
Face ao exposto, concluímos pela inexistência de contradição insanável de
fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – art.º 410º, nº2, al. b), 1ª
parte, do C.P.Penal.
*
Por outro lado, em termos de impugnaç[ão] jurídica, o arguido invoca a violação,
por parte da decisão recorrida, do disposto no artº 10º, nº 3, do DL nº 124/90,
de 14.04,3º, nº 1, do D. Regulamentar nº 24/98, de 30.10, 159º, nº 3, al. a) e
nº 4, do C. da Estrada, e 18º, nº 2, e 32º, nº 1I, da C. R. Portuguesa.
De aco[r]do com o art.º 159º, nº 3, do C. da Estrada, a contraprova requerida
após a realização de exame de pesquisa de álcool no sangue com resultado
positivo ‘ deve ser realizada por um dos seguintes meios: a) novo exame, a
efectuar através de aparelho aprovado; b) análise d[ ]e sangue.’
E, de acordo com o nº4, deste mesmo preceito, ‘ no caso de opção pelo novo exame
previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a
ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser
efectuado.’
Por outro lado, o art.º 10º, nº 3, do DL nº 124/90, de 14.04, refere que,
requerida a contraprova, o agente da autoridade submeterá o condutor, o mais
rapidamente possível, ‘ ao exame de pesquisa no ar expirado a realizar em
equipam[e]n[ ]to específico para o efeito devidamente aprovado.’
Por seu turno, o art.º 3º, nº 1, do Dec. Regulamentar nº 24/98, de 30.10,
refere: ‘a contraprova a que se refere a alínea a) do nº 3, do art.º 159º do
Código da Estrada é feita em analisador quantitativo, no prazo máximo de 15
minutos após a realização do primeiro teste, podendo, para o efeito, ser
utilizado o mesmo analisador, caso não seja possível recorrer a outro no mesmo
prazo.’
Ora, perante os factos provados, verificamos que estes preceitos legais não se
mostram violados.
Para chegarmos a esta conclusão, basta vermos que resultou pro[ ]vado que:
Ao arguido foi dada a possibilidade de requerer a realização da contraprova por
qualquer dos métodos indicados no nº 3, do art.º 159º do C. da Estrada; o mesmo
optou pela realização da contraprova através da modalidade prevista na alínea a)
do nº 3, do art.º 159º, do C. da Estrada (pesquisa no ar expirado); não foi
viável realizar, à data dos factos e no prazo de 15 minutos legalmente
concedido, aquele teste de contraprova em qualquer dos equipamentos existentes
nos Postos da G.N.R. de Trancoso, Celorico da Beira, ou Vila Franca das Naves,
atento ‘o período de tempo despendido com a elaboração do expediente referente à
notificação do recorrente para efeito da contraprova, a distância a percorrer e
o facto de os aparelhos dos Postos Territoriais estarem desligados, sendo
necessário o seu prévio aquecimento antes da sujeição das pessoas ao teste, não
era viável realizar, no prazo de 15 minutos legalmente concedido, aquele teste’;
e nem sequer o recorrente manifestou qualquer oposição a que tal pesquisa de
álcool ao ar expirado fosse realizado no mesmo aparelho em que lhe havia sido
detectada, num primeiro exame, a T.A.S. de 0,62 g/l.
Por outro lado, o direito de defesa do arguido mostra-se igualmente
salvaguardado, pelos mesmos motivos, não podendo, agora vir invocar que aquela
contraprova não foi realizada de acordo com as formalidades legalmente previstas
para o efeito. Não há, pois, violação de quaisquer normas legais, designadamente
as invocadas, e a douta sentença recorrida obedeceu e observou inclusive ao
disposto nos art.s 18º, nº 2 e 32º, nº 1, da C. R. Portuguesa.
Consequentemente, tendo sido a decisão recorrida proferida no
cumprimento e aplicação das prescrições legais que concedem ao arguido o direito
[à] contraprova, bem como em obediência ao disposto nos art.s 18º, nº 2 e 32º,
nº 1, da C. R. Portuguesa, bem andou o Tribunal a quo ao decidir da forma como o
fez.
(…)’
Fez então o acoimado juntar aos autos requerimento em que se
escreveu: –
‘A., arguido e melhor identificado nos autos à margem referenciados,
inconformado com o teor do Acórdão proferido, embora douto, na parte em que nega
provimento à invocada inconstitucionalidade do art. 3.º, n.º l, do Decreto
Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, e na parte em que admite a possibilidade do
teste de contraprova ser efectuado no mesmo analisador em que foi efectuado o
teste da prova, por redutor dos direitos de defesa dos arguidos e violador dos
arts. 18, n.º 2, e 32.º, n.º 1 da CRP,
vem, ao abrigo do dispo[s]to no art. 70, n.º 1, b) e f) da Lei n.º 28/32, de
15 de Novembro (Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos dos
arts. 69.º e ss da LOFPTC com subida imediata, nos próprios autos e efeito
suspensivo (art. 78.º, n.º 4, LOFPTC).’
O recurso interposto mediante o transcrito requerimento foi
admitido por despacho lavrado em 17 de Maio de 2006 pelo Desembargador Relator
do Tribunal da Relação de Coimbra, tendo os autos dado entrada no Tribunal
Constitucional em 2 de Junho seguinte.
Neste último órgão de administração de justiça, o relator proferiu
em 26 de Junho de 2006 o seguinte despacho: –
‘Tendo em conta a forma como se encontra redigido o requerimento de
interposição de recurso e porque, no Tribunal a quo, não se lançou mão – como
se impunha – do prescrito no nº 5 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, nos termos do nº 6 do mesmo artigo convido o impugnante a fazer a
cabal indicação dos elementos indicados nos números 1 e 2, ainda do mesmo
artigo, indicando ainda a dimensão normativa intentada apreciar por este
Tribunal, tendo em atenção o eventual recorte interpretativo que teria sido
levado a efeito na decisão recorrida, vista a matéria de facto aí dada como
demonstrada’.
Na sequência, o acoimado apresentou requerimento em que disse: –
‘1 – O presente recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do
n.º 1, art. 70 º da Lei 28/32, de 15 de Novembro,
2 – pretendendo-se a apreciação da inconstitucionalidade do art. 3º,
n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, na parte em que
admite a possibilidade do teste de contra prova ser efectuado no mesmo
analisador em que foi efectuado o teste de prova,
3 – inconstitucionalidade esta invocada pelo recorrente em sede de
impugnação judicial da decisão administrativa e nas motivações de recurso
apresentadas aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra.
4 – A invocada inconstitucionalidade não foi apreciada pelo Tribunal
da Relação de Coimbra, e a norma cuja inconstitucionalidade se suscita foi
aplicada ao aqui arguido/ recorrente.
5 – A questão que se coloca principalmente é a de saber se, o art. 3º,
n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, na parte em que
refere que a contra prova pode ser realizada no mesmo analisador, caso não seja
possível recorrer a outro no mesmo prazo, aplicado ao arguido no presente caso,
é inconstitucional.
6 – A aplicação, nos presentes autos, da referida norma, é
inconstitucional por significar uma subversão de valores, violando claramente o
disposto nos arts. 32º, n.º 1 e 10º da Constituição da República Portuguesa.’
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da Lei nº 28/82, por via da qual se não toma conhecimento do objecto do vertente
recurso.
Em primeiro lugar, não é possível tomar conhecimento do objecto do
recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artº 70º daquela Lei.
Na verdade, não se vislumbra ter existido suscitação de uma
qualquer questão de ilegalidade com fundamento em violação de lei com valor
reforçado ou de estatuto de Região Autónoma (e nem uma nem outro são, sequer,
indicados), ou qualquer questão atinente à aplicação de norma constante de
diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação de Estatuto de
Região Autónoma.
2.1. Isto posto, volvamos a atenção para o recurso ancorado na
alínea b) daquele nº 1 do artº 70º.
Como resulta do relato supra efectuado, na motivação do recurso
interposto da decisão proferida na 1ª instância, o impugnante começou por
impostar a questão de que era nula a efectuada contraprova de pesquisa do teor
de álcool no sangue, já que havia possibilidade de ela ser levada a efeito num
outro «aparelho» e, por consequência, o ‘tribunal recorrido, ao entender que a
contraprova foi realizada de acordo com os processos e formalidades legais,
ignorou estes factos, resultando assim violadas as disposições constantes do
art.º 3.º n.º 1 do Dec. Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Setembro e os art.ºs
18.° n.º 2 e 32.º n.º 1 da CRP.[’]; seguidamente, sustentou que enfermava de ‘de
nulidade absoluta, do primeiro grau, a parte do art.º 3.º n.º 1 do Dec.
Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro que admite a possibilidade do teste de
contraprova ser efectuado no mesmo analisador em que foi efectuado o teste da
prova’, vindo, a final, a esgrimir com o argumento segundo o qual aquela parte
do preceito ‘por ser redutora dos direitos de defesa dos arguidos, é claramente
violadora e contrária aos atrás referidos preceitos constitucionais’.
Torna-se evidente que o primeiro e o segundo dos enunciados
problemas não consubstanciam qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
de que este Tribunal possa conhecer.
De facto, no que concerne ao primeiro problema, ao se discretear da
forma como se discreteou na motivação de recurso, isso significa,
inequivocamente, que se está a assacar à decisão judicial, como tal considerada,
o vício de desconformidade com a Lei Fundamental.
Sabido como é que o objecto dos recursos de fiscalização concreta
da constitucionalidade é constituído por normas do ordenamento jurídico
ordinário e não por outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as
decisões judiciais qua tale consideradas, é de mediana clareza que se não podia
abrir a via do recurso previsto na falada alínea b).
No que tange ao terceiro problema colocado na indicada motivação,
mesmo admitindo que, com tal forma de dizer, o recorrente intentou pôr à
consideração do Tribunal agora a quo a questão de não dever ser aplicada aquela
parte do preceito, por ser redutora dos direitos de defesa do arguido e
contrária (ao que se supõe) aos ditos artigos 18º, nº 2 e 32º, nº 1, cabe
sublinhar, desde logo, que a decisão agora impugnada aplicou aquela parte do
preceito, mas de harmonia com diversas dimensões interpretativas, a saber: –
assentimento ou, pelo menos, não questionamento, por parte do acoimado, em fazer
a contraprova de pesquisa de teor de álcool no sangue pelo método de ar expirado
no mesmo analisador em que tinha efectuado a primitiva pesquisa; não opção,
ainda por parte do acoimado, da realização de contraprova por outros métodos que
não o de pesquisa por ar expirado; e impossibilidade objectiva de realização da
contraprova num outro analisador no prazo de quinze minutos.
De outro lado, como deflui do requerimento apresentado após lhe ser
endereçado o convite a que alude o nº 6 do já citado artº 78º-A, o acoimado
pretende especificamente a apreciação da compatibilidade constitucional do nº 1
do artº 3º do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, no segmento em
que permite a realização da contraprova pelo mesmo analisador, caso não seja
possível recorrer a outro no mesmo prazo.
Ora, a contraditoriedade com o Diploma Básico de uma tal dimensão
normativa, como se extrai da transcrição acima realizada das «conclusões» da
motivação do recurso interposto da decisão da 1ª instância, seguramente não foi
equacionada pelo recorrente.
Esta circunstância, aditada àqueloutra de a norma aplicada no
acórdão desejado impugnar perante este Tribunal ter comportado um sentido
interpretativo que se não reconduz somente ao teor literal do nº 1 do indicado
artº 3º quando prescreve que, para o efeito da contraprova, pode ser utilizado o
mesmo analisador, leva a que se conclua que se esteja, in casu, perante uma
situação em que não só não foi suscitada a inconstitucionalidade normativa cuja
análise agora se pretende (isto é, o falado preceito, com tal recorte
interpretativo), como ainda que não foi essa mesma norma aplicada na decisão
querida submeter à censura deste Tribunal.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa e justiça
em cinco unidades de conta.”
Da decisão que acima ficou transcrita reclamou
o acoimado, o que fez por meio de requerimento em que se escreveu: –
“1.º
O Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator entendeu, nos termos do n.º 1 do art.º
78º - A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional - LTC), ser de proferir decisão sumária ‘por
via da qual se não toma conhecimento do objecto do vertente recurso’, decisão
esta proferida em 6 de Julho de 2006.
Ora,
o recorrente não se pode conformar com a decisão proferida por diversas razões.
Mas vejamos melhor!
I - da excepção da prescrição
2.º
A contra ordenação em questão nos presentes autos reporta-se a 05/06/2004.
Nos termos do n.º 5 a) do art.º 81º do Código da Estrada vigente à data da
prática dos factos, a infracção é sancionada com coima de 240 a 1200 Euros.
3.º
No caso em apreço, o procedimento contra-ordenacional prescreve no prazo de um
ano, contado desde a data da prática da contra-ordenação, nos termos do disposto
no art.º 27º, c) do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), aprovado
pelo DL n.º 433/82.
Porém, por força do disposto no n.º 1, do art.º 27º-A, do RGCO, a prescrição do
procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente
previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
‘a) não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) estiver pendente a partir do envio do processo ao M.º P.º até à sua
devolução à autoridade administrativa, nos termos do art.º 40º;
c) estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame
preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a
coima, até à decisão final do recurso.’
O n.º 2, por sua vez, dispõe que nos casos previstos nas alíneas b) e c) do
número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Por outro lado, nos termos do art.º 28º, n.º 1, do citado DL n.º 433/82, a
prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
‘a) com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele
tomadas ou com qualquer notificação;
b) com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e
buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer
autoridade administrativa;
c) com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as
declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da
coima.’
O n.º 3, por sua vez, dispõe que a prescrição do procedimento tem sempre lugar
quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o
prazo da prescrição acrescido de metade.
Transcrevendo Leal Henriques e Simas Santos, em anotação ao art.º 120º do Cód.
Penal, temos que:
«o curso do prazo da prescrição pode ser suspenso ou interrompido.
Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão
conta para a prescrição, juntando-se com o tempo decorrido após a cessação da
referida causa da mesma suspensão;
Há interrupção quando o tempo decorrido antes da causa da interrupção fica sem
efeito, devendo reiniciar-se o período logo que aquela desapareça.
Contudo, acolhendo o parecer da 1ª Comissão Revisora do Código Penal de 1982, no
sentido de admitir um número infinito de interrupções seria atentar-se contra a
“perda da paz”, consagra-se no art.º 28º, n.º 3, do DL n.º 433/82, acima
transcrito, que a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando,
desde o início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal
de prescrição acrescido de metade.»
(Ac. TRL de 24/06/2004, disponível em www.dgsi.pt)
4.º
Assim, no presente caso, o prazo da prescrição é de um ano e seis meses (prazo
de prescrição acrescido de metade), ressalvando o tempo de suspensão.
A única causa da suspensão da prescrição que se verificou nos presentes autos
decorre da pendência do processo a partir da notificação que procede ao exame
preliminar do recurso (art.º 27º - A, n.º 1, c) do RGCO), suspensão esta que não
pode ultrapassar os seis meses (art.º 27º - A, n.º 2).
Temos assim que, no presente caso, a prescrição do procedimento
contra-ordenacional ocorre decorridos que estejam dois anos a partir da data da
prática da contra-ordenação.
Ora, reportando-se a contra-ordenação à data de 05/06/2004, o procedimento
contra-ordenacional encontra-se prescrito desde 06/06/2006.
5.º
A prescrição é excepção peremptória, de conhecimento oficioso (arts.º 493º e
496º do CPC).
Tendo a decisão do Ex.mo Senhor Desembargador Relator sido proferida em 6 de
Julho de 2006 (um mês após ter ocorrido a prescrição), devia ter sido esta
excepção conhecida e declarado extinto o procedimento.
Aliás, aquando da recepção dos autos nesse Venerando Tribunal e prolação do
despacho em que o recorrente foi convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de
interposição de recurso, já a prescrição havia ocorrido, excepção de que o Ex.mo
Senhor Desembargador Relator devia ter, oficiosamente, conhecido.
Sem prescindir, sempre se dirá que,
II – da decisão de não conhecimento do objecto do recurso
6.º
Vem o presente recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do
art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, visando a apreciação da
(in)constitucionalidade do art.º 3º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de
30 de Outubro, na parte em que admite a possibilidade do teste de contraprova
ser efectuado no mesmo analisador em que foi efectuado o teste da prova.
7.º
Entendeu o Digníssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator que: ‘em primeiro lugar,
não é possível tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da
alínea f) do n.º 1 do art.º 70º daquela Lei.’ Justificando: ‘Na verdade, não se
vislumbra ter existido suscitação de uma qualquer questão de ilegalidade com
fundamento em violação de lei com valor reforçado ou de estatuto de Região
Autónoma (e nem uma nem outro são, sequer, indicados), ou qualquer questão
atinente à aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na
sua ilegalidade por violação de Estatuto de Região Autónoma.’
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, o recorrente não se pode conformar
com tal decisão. De facto, o recorrente invocou já em sede de recurso para o
Tribunal da Relação de Coimbra uma questão de ilegalidade com fundamento em
violação da lei com valor reforçado (violação da Constituição da República
Portuguesa).
E a questão de ilegalidade suscitada prende-se com o facto de terem sido
violados os art.º 18º, n.º 2 e 32º, n.º 1 da CRP, pois a contraprova em causa
nos presentes autos é nula, em virtude de ter sido obtida por meios ilegais, sem
observância dos direitos de defesa do arguido, cerceando e diminuindo esses
direitos, o que acarreta inevitavelmente ilegalidade e nulidade da referida
contraprova.
8.º
No que diz respeito ao recurso ancorado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da
LTC, refere o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator que, na motivação do recurso
interposto da decisão proferida na 1ª instância não foi suscitada qualquer
questão que consubstancie inconstitucionalidade normativa pois, «o impugnante
começou por impostar a questão de que era nula a efectuada contraprova de
pesquisa do teor de álcool no sangue, já que havia possibilidade de ela ser
levada a efeito num ‘aparelho’ e, por consequência, o ‘tribunal recorrido, ao
entender que a contraprova foi realizada de acordo com os processos e
formalidades legais, ignorou estes factos, resultando assim violadas as
disposições constantes do art.º 3º n.º 1 do Dec. Regulamentar n.º 24/98 de 30 de
Setembro e os art.º 18º n.º2 e 32º n.º 1 da CRP; seguidamente, sustentou que
enfermava de ‘de nulidade absoluta, do primeiro grau, a parte do art. 3º n.º 1
do Dec. Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro que admite a possibilidade do
teste de contraprova ser efectuado no mesmo analisador em que foi efectuado o
teste da prova’, vindo, a final, a esgrimir com o argumento segundo o qual
aquela parte do preceito ‘por ser redutora dos direitos de defesa dos arguidos,
é claramente violadora e contrária aos atrás referidos preceitos
constitucionais.’»
Ou seja, relativamente à primeira questão, entendeu que ‘ao se discretear da
forma como se discreteou na motivação de recurso, isso significa,
inequivocamente, que se está a assacar à decisão judicial, como tal considerada,
o vício de desconformidade com a Lei Fundamental.’ E, não se tratando de uma
questão de fiscalização da (in)constitucionalidade de normas, não poderia servir
como fundamento do recurso previsto na referida alínea b). E,
9.º
no que concerne ao outro problema colocado, refere: ‘mesmo admitindo que, com
tal forma de dizer, o recorrente intentou pôr à consideração do Tribunal agora a
quo a questão de não dever ser aplicada aquela parte do preceito, por ser
redutora dos direitos de defesa do arguido e contrária (ao que se supõe) aos
ditos artigos 18.º, n.º 2 e 32º, n.º 1, cabe sublinhar, desde logo, que a
decisão agora impugnada aplicou aquela parte do preceito, mas de harmonia com
diversas dimensões interpretativas,’.
Resulta do supra transcrito texto, bem como dos demais elementos dos autos,
extraído a decisão que se questiona, nomeadamente o requerimento de interposição
de recurso, que a questão da (in)constitucionalidade do preceito cuja apreciação
se pretende com o presente recurso foi levantada anteriormente.
E a norma cuja inconstitucionalidade se invoca foi aplicada ao recorrente.
Tratando-se de uma norma que o recorrente refuta de inconstitucional, que lhe
foi aplicada, deve este Venerando Tribunal apreciar a invocada
inconstitucionalidade, não sendo o recurso de rejeitar.
10.º
«É pressuposto do recurso interposto ao abrigo da LTC a aplicação, na decisão
recorrida, da norma (ou uma sua interpretação) cuja constitucionalidade o
recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
E é igualmente pressuposto do mesmo recurso, a suscitação da questão de
constitucionalidade, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a
decisão impugnada.»
Ac. Tribunal Constitucional n.º 365/04, de 20 de Maio de 2004, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
Ora,
do que atrás ficou exposto, do requerimento de interposição do presente recurso
e das demais elementos dos autos resulta inequívoco o preenchimento dos dois
requisitos de admissibilidade do recurso.
Como ficou já dito, e resulta claramente dos autos, não só foi aplicada ao
arguido norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, como suscitou a questão de constitucionalidade perante o
Tribunal da Relação de Coimbra, que proferiu a decisão aqui impugnada.
Termos em que, deve ser apreciada a excepção invocada, dando-se por prescrito o
procedimento contra-ordenacional, e não entenda, deverá ser revogada a decisão
de não conhecimento do objecto do recurso, apreciando-se as questões suscitadas
pelo recorrente, principalmente a questão da (in)constitucionalidade do n.º 1,
art.º 3 do Dec. Regulamentar n.º 34/98 de 30 de Outubro, na parte em que admite
a possibilidade do teste de contraprova ser efectuado no mesmo analisador em que
foi efectuado o teste da prova, e bem assim o facto de ter, em boa verdade, sido
cortado ao arguido o direito de defesa.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo
Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se do
seguinte jeito: –
“1 - Relativamente à ‘excepção’ de prescrição do procedimento criminal, invocada
pelo reclamante, é manifesto que este Tribunal Constitucional carece de
competência para a apreciar, já que transcende o objecto do recurso de
fiscalização concreta interposto.
2 - Quanto à reclamação deduzida, a argumentação do reclamante em nada abala os
fundamentos da decisão reclamada, no que toca à inverificação de pressupostos do
recurso, pelo que deverá aquela ser inteiramente confirmada.”
Cumpre decidir.
2. Pelo que se prende com a denominada
«excepção da prescrição», é por demais claro que, atentos os poderes cognitivos
deste Tribunal (circunscrito, e só, em recursos do jaez do presente, à
apreciação da compatibilidade constitucional de normas ínsitas no ordenamento
jurídico ordinário) não pode o mesmo emitir qualquer pronúncia sobre a questão
de saber se estará, ou não, prescrito o procedimento contra-ordenacional.
E, por isso, não poderia o relator da decisão
questionada, contrariamente ao que se sustenta na reclamação, conhecer de tal
questão.
2.1. Insurge-se o impugnante contra a decisão
em apreço, referentemente ao recurso que fora esteado na alínea f) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, afirmando que tinha suscitado,
antecedentemente à prolação do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Coimbra,
uma questão de ilegalidade normativa, justamente porque esgrimira com uma
violação de lei com valor reforçado, lei essa que era a Constituição.
É, no mínimo, surpreendente uma tal afirmação.
Como se sabe, o conceito de lei de valor
reforçado não é meramente um conceito teórico desprendido do ordenamento
jurídico considerado no seu todo, mencionando a própria Constituição, em
diversos passos, essa realidade.
Entendendo-se não ser aqui adequado efectuar-se
um acentuado discretear sobre o que deva ser perspectivado como uma lei de valor
reforçado, bastará referir que entram nesse conceito corpos de normas do
ordenamento ordinário a que a Lei Fundamental reconhece esse específico valor,
sendo que os recursos a que aludem a já citada alínea f) – e também a alínea c)
– do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e a alínea a) do nº 2 do artigo 280º da
Constituição hão-de ter por parâmetro esses mesmos corpos normativos.
Já nos recursos visando a fiscalização concreta
da constitucionalidade (cujo objecto é constituído pelas normas do ordenamento
jurídico infra-constitucional, e aqui se incluindo as próprias leis com valor
reforçado) é evidente que o parâmetro tem de ser o próprio Diploma Básico.
Carece, assim, de total razão o que, neste
particular, é aduzido na reclamação.
2.2. No respeitante ao recurso baseado na
alínea b) do nº 1 do artº 70º, não merece, por parte do Tribunal, a mínima
censura o que foi escrito nos parágrafos segundo, terceiro, quarto e quinto do
ponto 2.1. da decisão em crise, precisamente tendo em atenção o que foi escrito
naquele quinto parágrafo.
Por último, identicamente não merece censura a
decisão impugnada quando nela se concluiu que a norma cuja apreciação foi pedida
a este Tribunal, da forma como foi desenhada no requerimento de interposição de
recurso e naqueloutro apresentado na sequência do convite a que alude o nº 6 do
artº 75º-A da Lei nº 28/82, não corresponde, quer àquela cuja suscitação de
inconstitucionalidade ocorreu antes do proferimento do acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra, quer à dimensão interpretativa que esse aresto fez do nº 1
do artº 3º do Decreto Regulamentar nº 24/98.
Neste contexto, indefere-se a reclamação,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades
de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Julho de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício