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Processo nº 1056/2005
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. foi condenado, por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Mafra de 3
de Junho de 2002, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de
embriaguês, previsto no artigo 292º do Código Penal, na pena de 80 dias de
multa, e na sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados por
um período de três meses, e pela prática da contra‑ordenação prevista no artigo
44º do Código da Estrada, na coima de 99,76 euros e na sanção acessória de
inibição de conduzir por um período de três meses.
O arguido havia apresentado contestação do pedido cível que não foi admitida. Da
decisão de não admissão da contestação do pedido cível interpôs o arguido
recurso, concluindo o seguinte:
1ª
O arguido entende poder apresentar CONTESTAÇÃO do Pedido Cível formulado nos
Autos, nos termos do art.° 78° do Código de Processo Penal, uma vez que a
Seguradora Global pode vir a sofrer condenação que o afecte;
2ª
Vindo a Seguradora Global a sofrer condenação, poderá esta vir mais tarde, em
eventual direito de regresso contra o condutor do veículo, a fazer repercutir
essa condenação no arguido, por este conduzir com TAS - e o arguido não teve
hipótese de se defender na acção;
3ª
É nesta acção que o arguido deve poder ter legitimidade passiva, por a decisão
proferenda o poder vir a afectar (ex vi do art.° 377° do Código de Processo
Penal);
4ª
A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma questão de lei e
direito, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção global
dos direitos do arguido assim o exige: art.° 32° da Constituição da República
Portuguesa;
5ª
E é também uma questão de Justiça, para a qual se convocam as normas jurídicas
constantes dos art.°s 73º 1, 74º 3, 76° 2, 78°, 79°, 84°, 124° e 125° do Código
de Processo Penal;
O arguido interpôs recurso da decisão condenatória, concluindo o seguinte:
1ª
Verificam-se todos os pressupostos processuais e demais condições de admissão
deste recurso;
2ª
Podendo a Seguradora Global vir mais tarde, em eventual direito de regresso,
contra o condutor do veículo, a fazer repercutir a condenação ou o acordo
transaccionado, por este conduzir com TAS - o arguido quer ter hipótese de se
defender na acção; (atenta a carta enviada, como Doct. 1)
3ª
A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma questão de lei e
direito, como se referiu amplamente no recurso da decisão interlocutória, uma
questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção global dos direitos
do arguido assim o exige: art.° 32° n.° 1 da Constituição Portuguesa;
4ª
Outra violação constitucional é a prática de retirarem ao arguido, cinco minutos
após a leitura da sentença, as impressões digitais, ora os dedos sozinhos, ora
todos à uma, por NEGAÇÃO INTOLERÁVEL DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA -
art.° 32° n.° 2 da Constituição - e por ofensa à integridade pessoal do arguido
- submetendo, quem é capaz de se identificar de outro modo, a um trato
degradante.
5ª
O arguido mantém que não causou perigo nem embaraço para os veículos que seguiam
em sentido contrário, pelo que não vê como pode ser condenado por desrespeito ao
art.° 44° do Código da Estrada;
(contra-ordenação estradal)
6ª
O arguido não compreende por que é que não pode beneficiar do regime da dispensa
da inibição de condução, ou do regime da suspensão da execução da sanção de
inibição de condução, com ou sem prestação de boa conduta, atendendo à sua
personalidade, condições de vida, conduta anterior e posterior à
contra-ordenação e às circunstâncias em que ocorreu o acidente (art.° 500 do
Cód. Penal, ex vi do art.° 142° do Cód. da Estrada);
7ª
A simples censura do facto e a ameaça da sanção acessória (inibição do direito
de conduzir por três meses) realizam, de forma adequada e suficiente, as
finalidades da punição.
8ª
A sentença, ao não suspender a aplicação da sanção acessória de inibição de
condução, ultrapassa algo a medida da sua culpa, o que viola o princípio
constitucional da culpa (art.° 27° da Constituição) e o princípio legal que lhe
está subordinado (art.° 400 do Código Penal);
9ª
Sendo a suspensão da sanção acessória de inibição de condução perfeitamente
compatível com o desiderato da protecção dos bens jurídicos, que a aplicação das
penas criminais visa, e com a ressocialização do delinquente (citado art.° 40°
do Código Penal);
10ª
Estabelecendo o princípio ne bis in idem que ninguém pode ser julgado mais do
que uma vez pela prática do mesmo crime, o arguido entende que a sua conduta
está a ser duplamente valorada, em sede de código penal (sanção criminal multa)
e em sede de Código da Estrada (sanção contra-ordenacional: inibição de condução
por três meses) pelo que há violação constitucional;
11ª
Em todas estas perspectivas, o recurso tem como fundamento a insuficiência para
a decisão da matéria de facto provada ( art.° 410° n.° 1 e 2 a) do Código de
Processo Penal): o arguido não teve falta de cuidado ao virar à esquerda - art.°
44º do Código da Estrada - nem podia evitar o acidente, quando o motociclista se
precipitou para cima do veículo por si conduzido; e, quanto ao crime por que foi
condenado, entende que A LEI lhe permite beneficiar do regime da dispensa ou da
suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução, o que a
sentença não considerou; nem devia ter sido levada em conta a sanção criminal
juntamente com a sanção contra-ordenacional, por violação do princípio ne bis in
idem.
12ª
Por imposição do art.° 412° N.° 5 do Código de Processo Penal, o arguido declara
que mantém interesse no recurso retido, relativamente à questão da Contestação
do Pedido Cível, apresentada por si;
13ª
Dado que nas actuais alegações de recurso, este é também o requerimento de
interposição de recurso (motivado) e há referência a matéria de direito, requer
o arguido que, havendo lugar a alegações, estas se produzam por escrito (art.°
411º N.° 4 do Código de Processo Penal).
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Novembro de 2005, entendeu
o seguinte:
Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir.
As questões objecto do recurso são:
Primeiro o recurso retido relativamente à questão da Contestação do Pedido
Cível, apresentada pelo recorrente.
Depois, relativamente à decisão final:
1.º intervenção do arguido no pedido cível;
2.° insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
3.° violação do princípio da inocência pela recolha de impressões digitais;
4.° violação do princípio ne bis in idem;
5.º da pena aplicada.
O recurso retido, relativamente à questão da Contestação do Pedido Cível,
apresentada pelo recorrente.
Recorre o arguido do despacho que não admitiu a contestação por si apresentada
ao pedido cível deduzido pelo lesado, nos autos constituído Assistente.
Com efeito o despacho de fls. 200 indefere liminarmente a contestação ao pedido
cível por «manifesta ilegitimidade».
Vejamos.
O pedido cível é formulado pelo Assistente contra a Companhia Seguradora e não
contra o recorrente.
Diz-nos o art. 78, nº 1, do CPP que a pessoa contra quem for deduzido pedido de
indemnização cível é notificado para, querendo, contestar. Significa este
preceito que apenas contra quem for deduzido o pedido é que, querendo, pode
contestá-lo.
O facto de o arguido não poder contestar tal pedido não o prejudica pois mesmo
na falta de contestação não existe confissão de factos, isto é, não se está
perante as regras de processo civil, não sendo possível haver, por via do pedido
cível, condenação do arguido. Assim, bem andou o Mmo. Juiz no seu despacho de
fls. 200 em indeferir a contestação do arguido ao pedido cível.
Improcede, portanto, o recurso retido.
Quanto ao recurso principal.
1.º intervenção do arguido no pedido cível.
O que se deixou escrito sobre o recurso retido vale quanto a este primeiro
ponto: o arguido não pode ser prejudicado por via da acção cível instaurada
contra a Companhia Seguradora. E, como tal, não poderá haver violação do
«princípio da protecção global dos direitos do arguido» ou violação do art.° 32°
n.° 1 da Constituição Portuguesa. Improcede, como tal, neste particular a
pretensão do recorrente.
2.° insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem de resultar do
texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência
comum (cfr. art. 410.°, n.° 2, al. a) do CPP).
Importa, assim, neste ponto, conhecer o teor da decisão recorrida:
«(…)
1. No dia 26.02.2000, pelas 18H30, o arguido conduzia o veículo automóvel
ligeiro de mercadorias de matrícula n° ..-..-.., pela EN n° 9, nesta Comarca de
Mafra, seguindo no sentido Mafra‑Sintra.
2. Quando chegou ao Km 26,400, após ter atravessado a ponte de Cheleiros, na
localidade com o mesmo nome, o arguido constatou que, no sentido em que seguia,
a via se encontrava vedada ao trânsito, devido à realização de obras.
3. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, B. conduzia o motociclo com a
matrícula ..-..-.. no sentido Sintra-Mafra.
4. Em consequência dessas obras, o trânsito que circulava no sentido
Mafra-Sintra era obrigado a efectuar uma mudança de direcção à esquerda, a fim
de passar a circular na “Estrada Velha” que naquele local entronca com a E.N n°
9.
5. Com o objectivo de realizar essa mudança de direcção, o arguido virou o
volante para o seu lado esquerdo, sem se certificar devidamente se vinha algum
veículo em sentido contrário, dando a sua direita ao centro de intersecção da
“Estrada Velha”, para onde pretendia seguir, com a E.N 9.
6. Desse modo, o arguido saiu da hemifaixa de rodagem em que circulava,
atravessando a sua viatura na hemifaixa de rodagem da E.N nº 9 afecta ao
trânsito entre Sintra-Mafra, não tendo reparado que nesse sentido circulava o
motociclo com a matrícula ..-..-..
7. De imediato, deu-se o embate entre o motociclo com a matrícula n° ..-..-.. e
a frente lateral, do lado direito do veículo automóvel com a matrícula ..-..-...
8. O local do acidente situa-se no final de uma recta, imediatamente antes de
uma curva à direita, atento o sentido de marcha Mafra-Sintra.
9. No local, a estrada mede 7 metros de largura, comportando duas hemi-faixas de
rodagem, uma para cada sentido, separadas por um traço descontínuo e o piso
encontrava-se seco.
10. B. foi projectado ao solo, tendo sido transportado ao Hospital Fernando
Fonseca, onde deu entrada às 19H16 do dia 26.º2.2000 tendo-lhe sido
diagnosticados as seguintes lesões, que foram directa e necessariamente
decorrentes do acidente já descrito: feridas inciso-contusas em ambas as mãos,
fractura exposta do fémur direito e luxação de um punho.
11. Essas lesões determinaram ao ofendido B. 243 dias de doença, dos quais os
150 primeiros foram de incapacidade para o trabalho em geral.
12. O ofendido encontra-se médico‑legalmente curado apresentando, no entanto,
como consequências de carácter permanente:
• Cicatriz com marcas de pontos de sutura nas faces posteriores do terço
inferior do antebraço, punho e “Metade” proximal do carpo vertical com 10 cm;
• Cicatriz com marcas de pontos de sutura “sobre” a crista eliaca
antero-superior direita, oblíqua para baixo e para a esquerda com 10 cm;
• A 1 cm para a esquerda da extremidade proximal da cicatriz anteriormente
descrita existe outra cicatriz com 1 cm;
• Status pós-artrodese do punho esquerdo com grande limitação nos movimentos
daquela articulação e dos dedos da mão, que afectam de maneira grave a
possibilidade de utilizar o corpo, tendo o perito enquadrado tal lesão na
previsão do art° 144° al. b) do C. Penal.
13. Na sequência do acidente acima descrito o arguido foi sujeito, às 19H28 do
dia 26.02.00, a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar
expirado, tendo para o efeito sido utilizado o aparelho “Drager”, modelo 71 10
NWII com o nº 0029, aprovado pela DGV.
14. O resultado de tal exame acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,58
g/l, tendo nessa altura o arguido sido notificado do resultado do teste e da
possibilidade de requerer exame de contra prova, direito que não quis exercer.
15. Antes de empreender a condução o arguido tinha ingerido, voluntariamente,
bebidas alcoólicas, concretamente, cerveja.
16. Admitiu como possível que efectuava a condução do referido veículo na via
pública com uma T.A.S. igual ou superior a 1, 2 g./l.; e, apesar disso, não se
absteve de conduzir aquele veículo na via pública, conformando-se com o
resultado.
17. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta
era proibida e punida por lei e que constituía, ainda, grave violação das regras
de trânsito rodoviário.
18. O arguido sabia que antes de efectuar a mudança de direcção à esquerda tinha
a obrigação de certificar-se que não circulava nenhuma viatura em sentido
contrário ao seu, após o que, devia manobrar a sua viatura de forma a fazer um
trajecto perpendicular ao eixo da E.N nº 9, de maneira a dar a sua esquerda ao
centro de intersecção entre aquela via e a “Estrada Velha”, uma vez que, em
ambas as vias, o trânsito se processa nos dois sentidos.
19. Contudo, o arguido veio a entrar na “Estrada Velha” dando a sua direita ao
centro de intersecção daquela via com a E.N. no 9, não fazendo a perpendicular
ao eixo da via em que seguia, conforme devia, e não tomou o cuidado de se
certificar devidamente se vinha algum veículo em sentido contrário.
20. O arguido não apresenta antecedentes criminais, com excepção para uma
condenação por crime de condução sob efeito do álcool, datada de 1993; nem conta
com o registo de prática de contra-ordenações estradais.
21. Exerce a actividade de carpinteiro por conta própria, para o que se utiliza
de quatro veículos automóveis que adquiriu; tendo três a quatro pessoas a
trabalhar por sua conta.
(...)»
Ora, considerando os factos acima descritos sob os pontos 1 a 11, não se
vislumbra como possa haver falta de matéria de facto para a decisão. E, perante
os factos constantes dos pontos 6, 13 e 14, a condenação do arguido constante da
decisão recorrida surge como necessária.
Improcede, neste particular, a pretensão do recorrente.
3.° violação do princípio da inocência pela recolha de impressões digitais.
Entende o recorrente que a recolha das impressões digitais, cinco minutos após a
leitura da sentença, constitui violação do princípio da presunção da inocência e
submissão a um trato ou tratamento humano degradante com ofensa á integridade
física.
Como refere a Exma. PGA «O princípio da presunção da inocência visa garantir um
processo justo e equitativo, baseado numa estrutura Acusatória sujeita ao
contraditório das provas. Visa garantir a realização da justiça através de
mecanismos de produção de prova leais, transparentes, tendo por fim último, a
verdade material.»
Isto é, constitui uma princípio referente à prova.
O princípio da presunção da inocência não é um princípio de proibição da
identificação dos arguidos, pelos meios legalmente previstos, incluindo a
recolha das impressões digitais. A recolha das impressões digitais não constitui
produção de prova, nem qualquer meio de recolha de prova, mas diligência de
identificação pessoal do arguido.
Com efeito, existe o dever de identificação por parte do arguido.
Faz, mesmo, parte dos deveres especiais do arguido, expressamente mencionado no
art. 61.° n° 3 alínea b) do CPP.
Como tal, a pretensa equiparação de um acto de identificação a tratamento humano
degradante como se correspondesse a um dos métodos proibidos de prova previstos
no art 126.° do CPP e no art. 32 n° 8 da CRP, será no mínimo descabida.
A identificação pessoal é um dever dos arguidos, foram feitas diligências
normais e necessárias para o efeito, e o núcleo fundamental dos direitos da
defesa e a dignidade da pessoa humana nunca foi colocada em causa; não se
verificou coacção, tortura, ou qualquer ofensa física ou moral do arguido.
Em suma, não existe violação do princípio da inocência pela recolha de
impressões digitais nem a sua recolha constitui submissão a um trato ou
tratamento humano degradante com ofensa à integridade física.
4.° violação do princípio ne bis in idem.
O arguido invoca que a douta sentença condenatória violou os arts. 29 n° 5 da
CRP, e 141, 142 do CE, 50 , 40 n° 1 e 2 do CP - por violação do princípio NE BIS
IN IDEM; tal violação, consiste no cúmulo entre a pena criminal e a pena
contra‑ordenacional, ou seja, na imposição da pena principal e da pena acessória
de inibição de conduzir; entende ainda, o arguido que foi violado o princípio ne
bis in idem em virtude de ter sido condenado pela prática do crime pp pelo art
292.° do CP e pela prática da contra‑ordenação pp pelo art. 42.° nºs. 2 e 3 do
CE.
Não será dispiciendo referir a sentença recorrida a este respeito:
“Em sede da previsão do art. 136 do C. da Estrada, cabe lembrar que o arguido se
encontra a ser julgado, apenas, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 292
do C. Penal e de uma contra-ordenação p. p. pelo art. 44 n° 2 e n° 3 do C.
Estrada (dada a homologação da desistência de queixa quanto ao crime p. p. pelo
art. 148 do C. Penal) de forma que, constituindo as condutas subsumíveis a estes
preceitos legais factos distintos (porque reveladores de diferentes resoluções
criminosas) nada impede a cabal punição pela prática da contra-ordenação e do
crime, sem perigo de o arguido ser alvo de uma dupla punição pela mesma
factualidade.
Com efeito, a condenação fundamenta-se em factos distintos e em distintos dolos
específicos.
No que respeita às duas condenações, rectius penas daí resultantes importa
recordar o Assento n.° 5/99, de 17-06, o qual é claro na possibilidade da sua
conjugação.
5.° da pena aplicada.
Entende o recorrente que deveria beneficiar do regime da dispensa da inibição de
condução ou, quando muito, do regime de suspensão da execução da inibição de
condução; e, que não tendo acontecido tal, foram violados os arts. 141.° n.° 1 e
142.° do Cód. Estrada e 50.° do Cód. Penal.
Considera, ainda, que a não suspensão da sanção acessória de inibição de
condução ultrapassa a medida da sua culpa, violando os arts. 40.° do Cód. Penal
e 27.° da Constituição.
Vejamos.
Por força do art. 69.° n.º 1 al. a) do Cód. Penal, o crime de condução em estado
de embriaguez implica a condenação na proibição de conduzir veículos
motorizados. Condenação plenamente justificada, como se refere na sentença
recorrida “ao conduzir um veículo ligeiro com uma taxa de álcool no sangue de
1,58 g/l, o arguido, no exercício da condução, violou, sem necessidade de mais,
de forma grave, uma das mais importantes regras do trânsito rodoviário - a que
proíbe a condução sob influência do álcool - art. 146.° al. m) do Cód. Estrada”.
Acresce ainda que a dispensa da sanção de inibição de conduzir prevista no art.
141.° n.° 1 do Cód. Estrada e a suspensão da execução da sanção de inibição de
conduzir prevista no art. 142.° do mesmo diploma dizem respeito tão só às
contra-ordenações.
Isto é, as referidas dispensa e suspensão previstas no Cód. Estrada não são
aplicáveis à proibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69.°
n.º 1 al. a) do Cód. Penal. Conforme refere Germano Marques da Silva “a pena
acessória de proibição de conduzir não pode ser suspensa na sua execução nem
substituída por outra. Verificados os seus pressúpostos e aplicada a pena
acessória, esta tem de ser executada” (vd. Crimes Rodoviários Pena Acessória e
Medidas de Segurança, pág. 28).
Também a jurisprudência, por todos o Acórdão da Relação de Coimbra de 07/11/1996
(CJ, tomo 5, p. 47).
Em favor desta posição existe um argumento de ordem literal: inexiste no
mencionado art. 69.° do Cód. Penal qualquer remissão quer para os arts. 141.° e
142.° do Cód. Estrada quer para o art. 50.° do Cód. Penal também referido pelo
recorrente, sendo certo que a Secção II do Capítulo II do Título III do Livro 1
do Cód. Penal, em que se posiciona este art. 50.°, tem como título “suspensão da
execução da pena de prisão”.
Especificamente quanto ao princípio da culpa, refira-se que na escolha e medida
da pena é avaliada a culpa e, neste tocante, a sentença recorrida não merece
reparo algum, respeitando os critérios legais.
Importa referir que não é só a culpa que configura seja a escolha, seja a medida
da pena. Recorde-se, no entanto, a decisão recorrida:
«Tendo em vista determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido,
deverá ter-se em conta que esta não poderá ser superior à sua culpa
encontrando-se como limite mínimo o exigido pela necessidade de prevenção geral
e como medida adequada a que satisfaça as necessidades de prevenção especial -
art. 400, do C. Penal.
Ponderar-se-ão, ainda, para o efeito, as agravantes e atenuantes gerais que, não
fazendo parte do tipo, tenham sido apuradas nos termos do art. 71° do C.Penal.
Deverá, ainda, tomar-se em conta o disposto pelo art. 47°, n° 2, do C.Penal (que
estabelece os limites dos montantes da pena de multa entre 200$00 e 100 000$00 -
1 euro a 498, 80 euros).
Assim, devem ser tomados em conta para a determinação da pena concreta e da
sanção acessória a aplicar ao arguido:
• a taxa concreta de álcool no sangue algo distante do mínimo tipificado com
crime; e a circunstância de, ao conduzir nesse estado, ter sido interveniente no
acidente aqui em causa, com produção de danos para terceiros, sendo consabido
que o álcool no sangue, na quantidade apurada, não melhora a aptidão do condutor
de automóveis para o exercício dessa actividade;
• o dolo - eventual;
• a situação sócio-económica do arguido nos termos apurados;
• a circunstância de o arguido ter vindo a admitir a prática de tais factos, não
obstante ter tentado atribuir a terceiros a responsabilidade de não ter
pretendido a realização de contraprova; e tendo depois afirmado claramente que o
próprio aceitou a taxa indicada, o que se teve como revelador da sua
personalidade; e a circunstância de não apresentar antecedentes criminais,
datando aquele de que se teve notícia já do ano de 1993.
As circunstâncias descritas, são, assim, de modo a concluir pela existência de
alguma necessidade de prevenção especial.
As mesmas circunstâncias não obstam, assim, sem necessidade de grandes
considerações, à opção por pena não privativa da liberdade, cfr. art. 70°, do
C.Penal, por se entender, ainda assim, que esta assegurará plenamente as
finalidades de punição e prevenção, por se entender que esta não corresponderá à
prática habitual do arguido.
Existe efectiva necessidade de prevenção geral, nesta área, atenta a gravidade
da conduta de quem conduz sob efeito do álcool de forma a colocar em causa a sua
integridade física ou mesmo a vida, assim como, as de quem mais circula na via
pública e a circunstância de se vir denotando que a consciência da ilicitude da
conduta, tão publicitada nos meios de comunicação social, não afasta os agentes
da prática do crime, contribuindo para gerar os conhecidos e alarmantes números
relativos à sinistralidade rodoviária; o que exige que os Tribunais assumam,
nesta matéria, função de dissuasão.
Posteriormente à data da prática dos factos, no que ora releva, entrou em vigor
o C. Penal, na versão da Lei n.° 77/2001, que alterou o art. 69°.
Assim, haveria que aferir sobre a lei mais favorável ao arguido (art. 2°, nº 4,
do C.Penal). Porém, vistos os termos da alteração, verifica-se desde logo, que a
medida da sanção acessória se alterou de um mês a um ano para três meses a três
anos, pelo que, desde logo, se verifica que esta última é mais desfavorável,
pelo que se aplicará a lei vigente à data da prática dos factos.
Após a data da prática dos factos entrou, ainda, em vigor o C. da Estrada, na
versão do Dec. Lei n° 265-A/2001, de 28-9, pelo que, cfr. art. 3°, n° 2, do Dec.
Lei n° 433/82 (mais recentemente alterado pela Lei n° 109/2001, de 24-12)
importa aferir sobre a lei mais favorável ao arguido uma vez que será essa a
aplicável ao caso.
Contudo, visto este novo diploma, verifica-se que o mesmo não apresenta
diferenças de relevo no que ao presente caso respeita, com excepção para o
disposto pelo art. 142° que possibilita a subordinação da suspensão da execução
da sanção acessória à “frequência de acções de formação” ou à “cooperação em
campanhas de prevenção rodoviária”, o que não se entende aplicável ao presente
caso, na medida em que não se denota na personalidade do arguido desvio que
careça especialmente de ser corrigido por um destes meios, e antes, caso que
apresenta condições para não se repetir, mas, que, não pode, naturalmente,
deixar de ser punido.
Ainda, quanto ao disposto pelo art. 44°, também, não se verifica qualquer
alteração, com - excepção para a coima mais elevada que se encontra neste novo
diploma.
Assim, será aplicável ao caso a lei vigente à data dos factos - art. 3º, nº 1,
do citado Dec. Lei n° 433/82.»
Também correcta a aplicação da lei mais favorável, resultante da alteração da
Lei n.° 77/01.
Em suma, não merece provimento, ainda neste particular a pretensão do
recorrente.
Em consequência, os dois recursos foram julgados improcedentes.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., arguido nos autos acima referenciados, no seguimento do Acórdão proferido
por V.Ex.a, Dr. Moraes Rocha, conjuntamente com o Dr. Telo Lucas (embora não
acompanhados pelo Sr. Dr. Carlos Rodrigues de Almeida, que votou vencido)
confirmativo, na íntegra, do despacho de fls. 220 [que não admitira a
Contestação do Pedido Cível, deduzida pelo arguido] e da Sentença, tendo
suscitado várias questões constitucionais ao longo do processo, (no Tribunal de
Primeira Instância - 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mafra - nos recursos
motivados e conclusivos interpostos em 18.6.2001 e de 17.Junho.2002 - e neste
Tribunal da Relação - nas alegações) vem recorrer ao Tribunal Constitucional nos
termos do art.° 70° N.° 1 b) e N.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional, dado que
ao caso já não cabem quaisquer recursos (ordinários), por força do princípio da
dupla conforme, que enforma o actual sistema de recursos em processo penal,
tendo assim VV.Exa. decidido em última instância a matéria controvertida;
nos termos e fundamentos seguintes: (art.° 75º-A, N.° 1)
1º
O presente recurso de constitucionalidade é apresentado no prazo apertado dos
oito dias legais, a contar do Acórdão Confirmatório do despacho e da Sentença;
(art.° 75° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, já designada no cabeçalho por
Lei do Tribunal Constitucional e, doravante, LTC)
2°
Relativamente às questões constitucionais seguintes:
a) o recorrente suscitou a apreciação do thema decidendum à luz do art.° 31° N.°
1 da Constituição;
b) à luz do art.° 32° da Constituição;
c) à luz do art.° 25° N.° 1 e 2 da Constituição;
d) à luz do art.° 29° N.° 5 da Constituição;
3°
A Lei Fundamental estatui que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões dos tribunais que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” (art.°
280° N..° 1 b) da CRP); (sublinhado nosso)
Estatuição plasmada na LTC, no seu art.° 70° N.° 1 b); (com o acrescento “em
secção”)
4°
“Compete ao Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e a
ilegalidade nos termos dos art. ‘ 277° e ss.” da CRP ( art.° 223° N°1 da CRP )
sendo que “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar
normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados” (art.° 204° da CRP);
5°
A fiscalização concreta da inconstitucionalidade pedida consiste num controlo
concreto de normas - por via de acção - quando, num processo a decorrer em
tribunal, se coloca a questão da inconstitucionalidade de uma norma, com
pertinência na causa - Dr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5. Edição
(1991), Almedina, pag. 1055 e 1056;
6°
Nos termos da Lei Fundamental (art.° 2800 N.°4) e ordinária (art.° 72° N.°1 b) e
N.°2 da LTC) para este RECURSO de constitucionalidade tem legitimidade a parte
que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade;
7º
O thema decidendum para o arguido consistira em poder apresentar uma defesa
quanto ao Pedido Cível
1 - pelo princípio constitucional da protecção global dos meios de defesa do
arguido, deve admitir-se o arguido a contestar o pedido cível (peça processual
do arguido, quanto ao pedido cível apenas) por poder bem vir a ser afectado num
eventual direito de regresso contra si demandado - até porque a Companhia
Seguradora já chegou a acordo com o lesado/ofendido, pagando-lhe 5.000 contos
(EUROS : 24.939,89) em que o arguido não fora tido nem achado, ouvido ou sequer
notificado ; (a Seguradora já escreveu ao arguido, pedindo-lhe 55.215,26 EUROS!)
2 - a decisão que veio a ser produzida contra/sobre si, também o afectou, pois a
Companhia Seguradora poderá vir demandar o arguido - como já lhe comunicou - ao
abrigo do direito de regresso, e não lhe foi dada oportunidade para se
pronunciar;
(aliás, neste âmbito referiu o mais TOTAL E COMPLETO OSTRACISMO a que o tribunal
de primeira instância o votou, pois nem sequer da transacção judicial,
homologada nos autos judiciais, lhe foi dado conhecimento: jamais dela foi
notificado!)
8°
O thema decidendum consistira ainda em, ao se recolherem as impressões digitais
ANTES de transitada em julgado a decisão judicial, esta prática se revelar
inconstitucional, quer por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, quer também por ofensa à sua integridade pessoal;
9º
O thema decidendum consistira ainda na violação do princípio constitucional ne
bis in idem (constante do art.° 29° N.° 5 da Constituição) por aplicação
simultânea da contra‑ordenação estradal e da sanção criminal;
10°
Para efeitos do disposto pelo art.° 75°-A N.°2 da LTC, o recorrente indica ao
tribunal “ad quem” que suscitou estas questões constitucionais:
a) na peça processual Recurso Interlocutório interposto do despacho judicial de
fls. 200, que não admitiu a Contestação do Pedido Cível, entregue pelo
recorrente/arguido em 18.Junho.2001; (no artigo 10°, e no artigo 4° das
Conclusões)
b) e depois no art.° 3° das Conclusões da peça processual Interposição de
Recurso Motivado à Relação de Lisboa, e já antes no art° 11, do corpo principal
das mesmas alegações, entregues em 17.Junho.2002;
e) e também na peça processual Interposição de Recurso Motivado à Relação de
Lisboa, de novo no corpo das alegações - art.°s 13°, 38°, 41°, 43°, 44° e 45° -
e nas imprescindíveis e inelutáveis Conclusões - art.°s 3°, 8°, 10° e 11° das
mesmas;
e antes na Contestação do Arguido -art.° 390;
11º
Para efeitos do disposto pelo art.° 75°-A N.°2 da LTC, o recorrente indica o
Acórdão da Relação, datado de 23.11.2005, como referidor destas questões
constitucionais, nas folhas dois, três, seis, sete (ponto 1, quanto ao recurso
principal, no Acórdão) onze (ponto 3, quanto ao recurso principal, no Acórdão)
doze (ponto 4, quanto ao recurso principal, no Acórdão) e treze (ponto 5, quanto
ao recurso principal, no Acórdão)
12°
Para efeitos do disposto pelo art.° 75°-A N.° 1 da LTC, in fine, o recorrente
indica ao tribunal “ad quem” a(s) norma(s) cuja inconstitucionalidade se
pretende que o tribunal aprecie;
Como segue:
Sobre esta questão, dispõe o art.° 250° do Código de Processo Penal vários
procedimentos relativos a identificação das pessoas; em vão aí procuraremos a
recolha das impressões digitais, tal como foi adoptado neste processo, porque
não consta; consta, sim, a exibição do bilhete de identidade - que o arguido
possuía;
13º
Tendo sido tiradas, cinco minutos depois da Leitura de Sentença (condenatória),
as impressões digitais ao arguido, conforme se explicou melhor no requerimento
de interposição de recurso (alegado e concluído) essa prática á
inconstitucional;
Quer por violação do art.° 32° N.°2 da CRP, uma vez que se colhe a impressão
digital do arguido ANTES da Sentença Condenatória se tornar definitiva quer por
violação do art.° 25° N.°1 e 2 da CRP: porque arguido sabe ler e escrever;
possui (e possuía nesse dia, hora e local citado) o seu documento de
identificação pessoal (bilhete de identidade) válido, actualizado e não
estragado ou adulterado; para quê então sujeitá-lo a um tratamento degradante e
humilhante, à frente de toda a gente que entra e sai da Secretaria Judicial?
Essas exigências, se válidas, só deverão ter lugar APÓS o trânsito em julgado da
Sentença, NÃO ANTES;
14°
A norma jurídica constante do art.° 136° do Código da Estrada, que permite que a
matéria contra-ordenacional conviva com a matéria crime, conduz a que conduta do
arguido esteja a ser duplamente valorada, quando a punição com a multa, a título
do crime praticado (condução em estado de embriaguês) absorveria a conduta
típica - logo, há violação constituciona1;
E o art.° 29° n.° 5 da Constituição estatui : “Ninguém pode ser julgado mais do
uma vez pela prática do mesmo crime”, com o duplo alcance de direito de defesa
negativo (o direito de não ser julgado mais do que uma vez, pelo mesmo facto,
conferindo-lhe a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores
desse direito) e princípio conformador das “lege ferenda”;
(vide Constituição da República Portuguesa Anotada, por Gomes Canotilho e Vital
Moreira, 3ª Edição revista, Coimbra Editora, 1993, com sublinhado e negrito
nosso de pelo mesmo facto).
15°
Com este princípio jurídico-penal não se pretende apenas evitar o duplo
julgamento; pretende-se evitar também a aplicação renovada de sanções
jurídico-penais pela prática do mesmo crime. (idem, ibidem)
16º
Repetindo o alegado no Tribunal da Relação o ordenamento jurídico intervém com
menos força, quando aplica as sanções previstas no Código da Estrada; ou com
mais força, quando aplica as sanções previstas no Código Penal (o carácter
fragmentário do direito penal também explica esta perspectiva, através do
princípio da subsidiariedade, da máxima restrição ou da intervenção mínima do
direito penal).
O que não pode é intervir com sanções mais fracas (as provenientes do Direito
Estradal) e com sanções mais fortes (as provenientes do Direito Penal, que só
deveriam ser chamadas a intervir quando todas as outras menos gravosas
falham...) ao mesmo tempo, sem violar o príncípio “ne bis in idem”.
Isto parece defender igualmente a Prof. Teresa Beleza quando escreve : “penso
que o “ne bis in idem” deve ser tratado também como princípio material (...)e
sendo assim não poderá continuar-se a defender a completa independência dos dois
processos, nos termos em tem sido aceite” (recorda-se o tribunal “ad quem” que
aqui estavam em causa o processo criminal e o processo disciplinar, mas parece
ter plena aplicação aquele raciocínio neste processo).
(vide Teresa Beleza, Direito Penal (o livro verde) 1° Volume, AAFDL, 1984, pg.
106/107 da 2ª Edição).
17°
O que diz a lei, neste âmbito?
Art.° 82° e 90° N.°2 do DL. 433/82: (Regime de Ilícito Contraordenacional : “A
decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ou uma sanção
acessória caduca quando o arguido venha a ser condenado em processo criminal
pelo mesmo facto; deve suspender-se a execução da decisão da autoridade
administrativa quando tenha sido proferida acusação em processo criminal pelo
mesmo facto”.
Como quem diz: (e passe a teatralidade da imagem)
“Sai de cena, o regime sancionatório menos enérgico; e entra em cena, o regime
sancionatório mais enérgico.”
18°
A punição pelo normativo jurídico-penal absorveria a punição pelo normativo
jurídico-estradal - sendo o arguido punido apenas uma só vez;
19°
Chamada de atenção ao tribunal “ad quem” de que a votação no Acórdão não foi
unânime: houve uma declaração de voto de vencido (precisamente do Sr. Dr. Carlos
Rodrigues de Almeida) de um Juiz Desembargador que exarou:
«vencido, porquanto, para além de não acompanhar a fundamentação, nomeadamente
quanto às razões pelas quais se confirma a não aceitação da contestação – que,
em meu entender, se justifica porque não houve intervenção de terceiros e o
pedido não tinha sido deduzido contra o arguido - e quanto ao facto de se ter
apreciado o procedimento administrativo adoptado para a recolha das impressões
digitais - visto que é matéria que não integra a decisão recorrida - com cujos
argumentos, de resto, não concordo, não subscrevo a decisão na medida em que
considero que o procedimento contraordenacional se encontra extinto por
prescrição».
ESTE O CONTEÚDO DO PRESENTE REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO, DIRIGIDO AO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL;
O RECURSO agora interposto por meio de requerimento, preenche todos os
pressupostos processuais subjectivos exigidos pela lei: art.° 280° CRP e art.°
69° e ss. da LTC:
· quanto ao tribunal, a questão
foi levantada num feito submetido a julgamento, perante um tribunal - art.° 207°
CRP;
· quanto aos sujeitos, a questão
foi levantada pela parte recorrente: art.° 280° N.°1 b) e N.° 4 da CRP + art.°
72° n.° 2 LTC;
· quanto aos pressupostos
processuais objectivos, estes encontram-se igualmente preenchidos:
I - que a questão seja de inconstitucionalidade, concreta e objectiva;
II - ... relevante para a decisão da causa;
III - com referência a normas aplicadas na causa; (são elas as constantes dos
art.°s 78°, 377° do CPP quanto ao pedido cível; 250° do C.P.P. quanto à recolha
das impressões digitais; e 136° do Código da Estrada, quanto ao princípio ne bis
in idem)
IV - … procedente, na perspectiva do arguido;
Dr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª Edição (1991), Almedina, pag.
1055 e 1056;
Em terceiro lugar,
O recorrente reputa igualmente ilegal a apreciação do thema decidendum à luz do
art.° 29° N.° 5 da Constituição (violação do princípio constitucional ne bis in
idem, por aplicação simultânea da contra-ordenação estradal e da sanção criminal
- ou, dupla valoração do comportamento do arguido) o que aconteceu ao abrigo do
art.° 136° do Código da Estrada, que frontalmente contraria o disposto naquele
art.° 29° N.° 5!
Concretamente quanto a este fundamento, o recorrente faz ressaltar: na
Contestação por si apresentada, no art.° 39°, suscitou esta
inconstitucionalidade, logo perante o tribunal de primeira instância;
posteriormente, na Sentença, este problema foi enfrentada pela M.ma Dr.a Juiz,
que entendeu não existir “dupla punição pela mesma factualidade” (fls. 15 da
Sentença in fine) e pelo Acórdão (fls. 12, in fine).
Pedido:
Porque o Acórdão (recorrido) do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Novembro
de 2005, fez errada interpretação das normas jurídicas aplicadas, violando as
normas constitucionais, acima citadas e invocadas, bem como os princípios
consagrados na Lei Fundamental do País, sobre esta matéria, roga-se a V.Ex.a se
digne admitir o presente recurso, prosseguindo o mesmo, seus ulteriores termos,
até final, decidindo:
a) - que o arguido tem o direito de contestar o pedido cível;
b) - que o arguido tem o direito de não lhe serem recolhidas as suas impressões
digitais, ANTES de transitada em julgado a decisão judicial, por negação
intolerável do princípio da presunção da inocência, e também por ofensa à sua
integridade pessoal
c) - que o arguido tem direito a não ver valorada sua conduta, por duas vezes:
uma, à luz do Código da Estrada; outra, à luz do Código Penal.
O respeito pelo princípio ne bis in idem assim o exige: SE dever ser punido, QUE
SEJA só uma vez!
Foi proferido Despacho, ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional, convidando o recorrente a indicar as dimensões normativas que
pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (fls. 605).
O recorrente respondeu o seguinte:
A., arguido nos autos acima referenciados, no seguimento do despacho proferido
por V.Ex.a, de convite para que indicasse as dimensões normativas que
pretende(u) submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, responde:
1°
Quanto ao pedido formulado no recurso, de que o arguido tem o direito de
contestar o pedido cível: o art.° 315° N.° 1 do Código de Processo Penal,
permite ao arguido apresentar a Contestação, quanto às razões de facto e de
direito que compõem a sua defesa.
E o art.° 78° do C.P.P., idem.
2°
No caso dos autos, o arguido foi admitido a apresentar a sua Contestação
criminal - a que respeita o art.° 315° N.° 1 do C.P.P. - mas não foi admitido a
apresentar a sua Contestação quanto ao Pedido Cível - a que respeita o art.° 78°
do C.P.P.;
3°
E essa atitude do tribunal criminal de Mafra - apoiada pelo tribunal “a quo” -
prejudica-o, desde logo porque não se pôde defender do pedido cível; no entanto,
na sequência de Acordo entre a Companhia Seguradora e o lesado, esta veio a
pedir ao arguido o pagamento de 55.215,26 Euros!
(vide a carta da Companhia Seguradora que já consta dos autos)
4°
Ao arguido deve poder ser-lhe dada a possibilidade de apresentar a sua defesa
quanto ao Pedido Cível, o que é admissível, em sede constitucional.
5º
Através do art.° 32° N.°1 da C.R.P. (pelo princípio constitucional da protecção
global dos meios de defesa do arguido) deve admitir-se o arguido a contestar o
pedido cível, por poder bem vir a ser afectado num eventual direito de regresso
contra si demandado - até porque, como já se disse, a Companhia Seguradora já
chegou a acordo com o lesado/ofendido, pagando-lhe 5.000 contos (EUROS:
24.939,89) e o arguido não foi tido nem achado, ouvido ou sequer notificado; (a
Seguradora já escreveu ao arguido, pedindo-lhe 55.215,26 EUROS!)
6°
A decisão que veio a ser produzida contra/sobre si, também o afectou, pois a
Companhia Seguradora poderá vir demandar o arguido - como já lhe comunicou - ao
abrigo do direito de regresso, e não lhe foi dada oportunidade para se
pronunciar.
7º
Goza o arguido em especial do direito de “ser ouvido pelo tribunal … sempre que
ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte” - art.° 61° N.° 1 b)
do C.P.P.
Neste âmbito já referiu o mais TOTAL E COMPLETO OSTRACISMO a que o tribunal de
primeira instância o votou, pois nem sequer da transacção judicial, homologada
nos autos judiciais, lhe foi dado conhecimento: jamais dela foi notificado!
8°
O que desrespeita a Constituição - art.° 32° N.° 1 e N.° 5: “o processo criminal
assegura todas as garantias de defesa” e “... tem estrutura acusatória.,
subordinado ao princípio do contraditório”.
9º
Quanto ao segundo pedido formulado de que o arguido tem o direito de não lhe
serem recolhidas as suas impressões digitais, ANTES de transitada em julgado a
decisão judicial, por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, e também por ofensa à sua integridade pessoal:
10º
A Lei N°57/98. de 18-8, estabelece a Identificação Criminal:
N.° 2: “São também objecto de recolha, como meio complementar de identificação,
as impressões digitais dos arguidos condenados nos tribunais portugueses, que
são arquivadas pela ordem da respectiva fórmula, para organização do ficheiro
dactiloscópico”. art. 1
(alterada pela Declaração de rectificação 16/98, de 22-9 ; e pelo Decreto-Lei
381/98, de 27-11 ; revogou a Lei 12/91, de 21-5)
11º
Presumindo-se INOCENTE até ao trânsito em julgado da Sentença Condenatória
(art.° 32° N.° 2, primeira parte da C.R.P.) está bem de ver que não cabe na
PREVISAO da NORMA JURÍDICA referida no número anterior, (arguidos condenados)
pelo que não se lhe pode aplicar a ESTATUIÇÃO (recolha das impressões digitais);
12°
Ao se recolherem as impressões digitais ANTES de transitada em julgado a decisão
judicial (o que ainda NÃO aconteceu) esta prática revela-se inconstitucional,
por negação intolerável do princípio da presunção da inocência;
13º
É certo de que se poderá tratar de uma prática mas o Tribunal Constitucional tem
de ter poder para considerar que esta prática é ilegal e inconstitucional:
ilegal, por desrespeito ao art.° 1º da Lei N° 57/98, de 18-8, que diz que só
pode ser recolhida a impressão digital de arguidos condenados; inconstitucional,
por desrespeito ao art.° 32° N.° 2, primeira parte da Constituição.
14°
Mas também por ofensa à sua integridade pessoa].
15º
Dispõe o art.° 250º do Código de Processo Penal vários procedimentos relativos a
identificação das pessoas; em vão aí procuraremos a recolha das impressões
digitais, tal como foi adoptado neste processo, porque não consta; consta, sim,
a exibição do bilhete de identidade - que o arguido possuía;
16°
Há violação do art.° 25° N.°1 e 2 da CRP: o arguido sabe ler e escrever; possui
(e possuía nesse dia, hora e local citado) o seu documento de identificação
pessoal (bilhete de identidade) válido, actualizado e não estragado ou
adulterado; para quê então sujeitá-lo a um tratamento degradante e humilhante, à
frente de toda a gente que entra e sai da Secretaria Judicial?
Essas exigências, se válidas, só deverão ter lugar APÓS o trânsito em julgado da
Sentença, NÃO ANTES;
17°
Tratamento degradante e humilhante, nomeadamente enxovalho público e
desnecessário levado a efeito pelo tribunal - vide o que se escreveu no Recurso
Principal - motivado e concluído - do arguido (de 17-6-2002) art.° 12° a 14° - e
ainda:
Constituição da República Portuguesa Anotado, pelos Drs. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, 3ª Edição revista, 1993, nota 1 ao art.° 25°;
Bem como: Constituição Portuguesa Anotada, pelo Prof. Jorge Miranda e Dr. Rui
Medeiros, Tomo 1, 2005, anotação ao citado art.° 25°.
18°
Mais uma vez: a prática adoptada é lamentável! É intolerável, fazer-se isto a
quem pode identificar-se com Bilhete de Identidade, válido e donde já consta a
dita impressão digital (embora só uma); mas NORMA, propriamente NORMA, não há!
19°
Quanto ao terceiro pedido formulado de que o arguido tem direito a não ver
valorada sua conduta, por duas vezes: uma, à luz do Código da Estrada; outra, à
luz do Código Penal:
O respeito pelo princípio ne bis in idem assim o exige: SE dever ser punido, QUE
SEJA só uma vez!
Eis a violação do princípio constitucional ne bis in idem (constante do art.°
29° N.°5 da Constituição) por aplicação simultânea da contra-ordenação estradal
e da sanção criminal;
20°
A norma jurídica constante do art.° 136° do Código da Estrada, que permite que a
matéria contra-ordenacional conviva com a matéria crime, conduz a que conduta do
arguido esteja a ser duplamente valorada, quando a punição com a multa, a título
do crime praticado (condução em estado de embriaguez) absorveria a conduta
típica - logo, há violação constitucional;
21°
Com este princípio jurídico-penal não se pretende apenas evitar o duplo
julgamento; pretende-se evitar também a aplicação renovada de sanções
jurídico-penais pela prática do mesmo crime.
22°
Art.° 82° e 90° N.°2 do DL. 433/82: (Regime de Ilícito Contraordenacional: “A
decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ou uma sanção
acessória caduca quando o arguido venha a ser condenado em processo criminal
pelo mesmo facto; deve suspender-se a execução da decisão da autoridade
administrativa quando tenha sido proferida acusação em processo criminal pelo
mesmo facto”.
23°
A punição pelo normativo jurídico-penal absorveria a punição pelo normativo
jurídico-estradal - sendo o arguido punido apenas uma só vez;
24°
Aqui, é que realmente NORMA, propriamente NORMA, já há! O art.° 136° do Código
da Estrada está em rota de colisão com o art.° 29° N.° 5 da Constituição;
PENSA-SE TER INDICADO A DIMENSÃO NORMATIVA, QUE SE PRETENDIA VER APRECIADA PELO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL; resumindo:
Na primeira vertente,
A norma contida no art.° 32° N.°1 e 5 (e art.° 61° N.°1 b) do C.P.P.) da
Constituição, na interpretação que foi dada pelo Tribunal - não poder apresentar
uma defesa quanto ao Pedido Cível, ao abrigo do art.° 78°, 315° 1 e 377° do
Código de Processo Penal;
Na segunda vertente,
A norma contida no art.° 32°, N.° 2 primeira parte e 25° N.° 1 e N.° 2 da
Constituição (recolherem as suas impressões digitais, ANTES de transitada em
julgado a decisão judicial, por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, e também por ofensa à sua integridade pessoal - identificação
eventualmente ao abrigo do art.° 1 N.° 2 da Lei 57/98, de 18-8, e art.° 250° do
C.P.P., pois o tribunal recolheu-lhe as impressões digitais, mas nunca invocou a
norma com base na qual, o fazia;
Na terceira vertente,
A norma contida no art.° 29° N.° 5 da Constituição (violação do princípio
constitucional ne bis in idem, por aplicação simultânea da contra-ordenação
estradal e da sanção criminal, o que aconteceu ao abrigo do art.° 136° do Código
da Estrada. Aqui, a norma contida no art.° 136° do CE contraria frontalmente o
disposto pelo art.° 29° N.° 5 da CRP.
A Relatora proferiu então o seguinte Despacho:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que
figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, são submetidas
à apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes questões:
A., arguido nos autos acima referenciados, no seguimento do despacho proferido
por V.Ex.a, de convite para que indicasse as dimensões normativas que
pretende(u) submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, responde:
1°
Quanto ao pedido formulado no recurso, de que o arguido tem o direito de
contestar o pedido cível: o art.º 315° N.º 1 do Código de Processo Penal,
permite ao arguido apresentar a Contestação, quanto às razões de facto e de
direito que compõem a sua defesa.
E o art.º 78° do C.P.P., idem.
2°
No caso dos autos, o arguido foi admitido a apresentar a sua Contestação
criminal - a que respeita o art.º 315° N.º 1 do C.P.P.
- mas não foi admitido a apresentar a sua Contestação quanto ao Pedido Cível - a
que respeita o art.º 78° do C.P.P.;
3°
E essa atitude do tribunal criminal de Mafra - apoiada pelo tribunal 'a quo' –
prejudica‑o, desde logo porque não se pôde defender do pedido cível; no entanto,
na sequência de Acordo entre a Companhia Seguradora e o lesado, esta veio a
pedir ao arguido o pagamento de 55.215,26 Euros!
(vide a carta da Companhia Seguradora que já consta dos autos)
4°
Ao arguido deve poder ser-lhe dada a possibilidade de apresentar a sua defesa
quanto ao Pedido Cível, o que é admissível, em sede constitucional.
5°
Através do art.º 32° N.º1 da C.R.P. (pelo princípio constitucional da protecção
global dos meios de defesa do arguido) deve admitir-se o arguido a contestar o
pedido cível, por poder bem vir a ser afectado num eventual direito de regresso
contra si demandado - até porque, como já se disse, a Companhia Seguradora lá
chegou a acordo com o lesado/ofendido, pagando‑lhe 5.000 contos (EUROS:
24.939,89) e o arguido não foi tido nem achado, ouvido ou sequer notificado (a
Seguradora já escreveu ao arguido, pedindo-lhe 55.215,26 EUROS ! )
6°
A decisão que veio a ser produzida contra/sobre si, também o afectou, pois a
Companhia Seguradora poderá vir demandar o arguido - como já lhe comunicou - ao
abrigo do direito de regresso, e não lhe foi dada oportunidade para se
pronunciar.
7°
Goza o arguido em especial do direito de 'ser ouvido pelo tribunal ... sempre
que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte'- art.º 61° N.º 1
b) do C.P.P.
Neste âmbito já referiu o mais TOTAL E COMPLETO OSTRACISMO a que o tribunal de
primeira instância o votou, pois nem sequer da transacção judicial, homologada
nos autos judiciais, lhe foi dado conhecimento: jamais dela foi notificado!
8°
O que desrespeita a Constituição - art.º 32° N.º 1 e N.º 5: 'O processo criminal
assegura todas as garantias de defesa' e “...tem estrutura
acusatória..subordinado ao princípio do contraditório”.
9°
Quanto ao segundo pedido formulado de que o arguido tem o direito de não lhe
serem recolhidas as suas impressões digitais, ANTES de transitada em julgado a
decisão judicial, por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, e também por ofensa à sua integridade pessoal:
10°
A Lei Nº 57/98, de 18-8, estabelece a Identificação Criminal:
N.º 2 : 'São também objecto de recolha, como meio complementar de identificação,
as impressões digitais dos arguidos condenados nos tribunais portugueses, que
são arquivadas pela ordem da respectiva fórmula, para organização do ficheiro
dactiloscópico”. art. 1º
(alterada pela Declaração de rectificação 16/98, de 22-9 ; e pelo Decreto-Lei
381/98, de 27-11; revogou a Lei 12/91, de 21-5)
11°
Presumindo-se INOCENTE até ao trânsito em julgado da Sentença Condenatória
(art.º 32° N.º 2, primeira parte da C.R.P.) está bem de ver que não cabe na
PREVISÃO da NORMA JURÍDICA referida no número anterior, ( arguidos condenados )
pelo que não se lhe pode aplicar a ESTATUIÇÃO (recolha das impressões digitais);
12°
Ao se recolherem as impressões digitais ANTES de transitada em julgado a decisão
judicial (o que ainda NÃO aconteceu) esta prática revela-se inconstitucional,
por negação intolerável do princípio da presunção da inocência;
13°
É certo de que se poderá tratar de uma prática mas o Tribunal Constitucional tem
de ter poder para considerar que esta prática é ilegal e inconstitucional:
ilegal, por desrespeito ao art.º 1° da Lei N° 57/98, de 18-8, que diz que só
pode ser recolhida a impressão digital de arguidos condenados; inconstitucional,
por desrespeito ao art.º 32° N.º 2, primeira parte da Constituição.
14°
Mas também por ofensa à sua integridade pessoal.
15°
Dispõe o art.º 250° do Código de Processo Penal vários procedimentos relativos a
identificação das pessoas; em vão aí procuraremos a recolha das impressões
digitais, tal como foi adoptado neste processo, porque não consta; consta, sim,
a exibição do bilhete de identidade - que o arguido possuía;
16°
Há violação do art.º 25° N.º1 e 2 da CRP: o arguido sabe ler e escrever; possui
(e possuía nesse dia, hora e local citado) o seu documento de identificação
pessoal (bilhete de identidade) válido, actualizado e não estragado ou
adulterado; para quê então sujeitá-lo a um tratamento degradante e humilhante, à
frente de toda a gente que entra e sai da Secretaria Judicial?
Essas exigências, se válidas, só deverão ter lugar APÓS o trânsito em julgado da
Sentença, NÃO ANTES;
17º
Tratamento degradante e humilhante, nomeadamente enxovalho público e
desnecessário levado a efeito pelo tribunal vide o que se escreveu no Recurso
Principal - motivado e concluído - do arguido (de 17-6-2002) art.º 12° a 14° - e
ainda: Constituição da República Portuguesa Anotado, pelos DRS. Gomes Canotilho
e Vital Moreira, 3.ª Edição revista, 1993, nota 1 ao art.º 25°;
Bem como: Constituição Portuguesa Anotada, pelo Prof. Jorge Miranda e Dr. Rui
Medeiros, Tomo I, 2005, anotação ao citado art.º 25°.
18°
Mais uma vez: a prática adoptada é lamentável! É intolerável, fazer-se isto a
quem pode identificar-se com Bilhete de Identidade, válido e donde já consta a
dita impressão digital (embora só uma); mas NORMA, propriamente NORMA, não há!
19°
Quanto ao terceiro pedido formulado de que o arguido tem direito a não ver
valorada sua conduta, por duas vezes: uma, à luz do Código da Estrada; outra, à
luz do Código Penal:
O respeito pelo princípio ne bis in idem assim o exige: SE dever ser punido, QUE
SEJA só uma vez !
Eis a violação do princípio constitucional ne bis in idem (constante do art.º
29° N.º5 da Constituição) por aplicação simultânea da contra‑ordenação estradal
e da sanção criminal;
20°
A norma jurídica constante do art.º 136° do Código da Estrada, que permite que a
matéria contra‑ordenacional conviva com a matéria crime, conduz a que conduta do
arguido esteja a ser duplamente valorada, quando a punição com a multa, a título
do crime praticado (condução em estado de embriaguez) absorveria a conduta
típica - logo, há violação constitucional;
21°
Com este princípio jurídico-penal não se pretende apenas evitar o duplo
julgamento; pretende-se evitar também a aplicação renovada de sanções
jurídico-penais pela prática do mesmo crime.
22°
Art. 82° e 90° N.º 2 do DL. 433/82: (Regime de Ilícito Contraordenacional: 'A
decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ou uma sanção
acessória caduca quando o arguido venha a ser condenado em processo criminal
pelo mesmo facto; deve suspender-se a execução da decisão da autoridade
administrativa quando tenha sido proferida acusação em processo criminal pelo
mesmo facto'.
23°
A punição pelo normativo jurídico-penal absorveria a punição pelo normativo
jurídico‑estradal - sendo o arguido punido apenas uma só vez;
24°
Aqui, é que realmente NORMA, propriamente NORMA, já há! O art.º 136° do Código
da Estrada está em rota de colisão com o art.º 29° N.º 5 da Constituição;
PENSA-SE TER INDICADO A DIMENSÃO NORMATIVA, QUE SE PRETENDIA VER APRECIADA PELO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL; resumindo:
Na primeira vertente,
A norma contida no art. 32° N.º 1 e 5 (e art. 61° N.º 1 b) do CPP) da
Constituição, na interpretação que foi dada pelo Tribunal - não poder
apresentar uma defesa quanto ao Pedido Cível, ao abrigo do art. 78°, 315° 1 e
377º do Código de Processo Penal;
Na segunda vertente,
A norma contida no art. 32º Nº 2 primeira parte e 25º Nº 1 e nº 2 da
Constituição (recolherem as suas impressões digitais, ANTES de transitada em
julgado a decisão judicial, por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, e também por ofensa à sua integridade pessoal - identificação
eventualmente ao abrigo do art. 1 N.º 2 da Lei 57/98, de 18‑8, e art.º 250º do
C.P.P., pois o tribunal recolheu‑lhe as impressões digitais, mas nuca invocou a
norma com base na qual, o fazia;
Na terceira vertente
A norma contida no art.º 29° N.º 5 da Constituição (violação do princípio
constitucional ne bis in idem, por aplicação simultânea da contra‑ordenação
estradal e da sanção criminal, o que aconteceu ao abrigo do art.º 136º do Código
da Estrada.
Aqui, a norma contida no art.º 136° do CE contraria frontalmente o disposto pelo
art.º 29° N.º 5 da CRP.
2. Quanto à questão da admissibilidade da contestação do pedido de indemnização
civil, verifica‑se que nem a fls. 501 e ss., nem a fls. 202 e ss., suscitou
qualquer questão de constitucionalidade normativa, quando abordou a
admissibilidade da contestação do pedido de indemnização civil.
Não se verifica, portanto, quanto a esta questão, o pressuposto processual do
recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade
normativa.
3. Quanto à recolha das impressões digitais, verifica‑se que o recorrente
apenas impugna a “prática” concretizada na recolha das impressões digitais) e
não uma norma jurídica (cf. fls. 502 e ss.).
Também não se verifica, portanto, o pressuposto processual do recurso
interposto, consistente na suscitação da questão de constitucionalidade
normativa durante o processo.
4. Em face do exposto, notifique‑se o recorrente para produzir alegações quanto
à questão que tem por objecto o artigo 136º do Código da Estrada, suscitando‑se
desde já as presentes questões prévias, ao abrigo do artigo 3º, nº 3, do Código
de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal
Constitucional.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente produziu alegações que concluiu
do seguinte modo:
Em primeiro lugar,
A apreciação das normas jurídicas contidas nos art.°s 32° N.° 1 e 5 e 61° N.° 1
b) do C.P.P. da Constituição da República Português, na interpretação que foi
dada pelo Tribunal - não poder apresentar uma defesa quanto ao Pedido Cível, ao
abrigo do art.° 78°, 315º 1 e 377° do Código de Processo Penal - não deve ser
excluída na QUESTÃO PRÉVIA, antes admitida;
Em segundo lugar,
A apreciação das normas jurídicas contidas nos art.°s 32°, N.° 2 primeira parte
e 25° N.° 1 e N.° 2 da Constituição da República Portuguesa (recolha das
impressões digitais, ANTES de transitada em julgado a decisão judicial, por
negação intolerável do princípio da presunção da inocência, e também por ofensa
à sua integridade pessoal - identificação eventualmente ao abrigo do art.° 1 N.°
2 da Lei 57/98, de 18-8, e art.° 250° do C.P.P., pois o tribunal recolheu-lhe as
impressões digitais, mas nunca invocou a norma com base na qual o fazia , não
deve ser excluída na QUESTÃO PRÉVIA, antes admitida;
Em terceiro lugar,
A apreciação da norma jurídica contida nos art.°s 29° N.° 5 da Constituição da
República Portuguesa (violação do princípio constitucional ne bis in idem, por
aplicação simultânea da contra-ordenação estradal e da sanção criminal, o que
aconteceu ao abrigo do art.° 136° do Código da Estrada) contraria frontalmente o
disposto por aquele art.° 29° N.° 5 , deve resultar em consideração punitiva
apenas pelo ilícito mais grave - o do Código Penal, art.° 292° (condução em
estado de embriaguês ) uma vez que este já pune suficientemente a conduta do
arguido (tipo-de-ilícito criminal, derrogando o contraordenacional) e se atém na
medida da culpa do arguido.
Por seu turno, o Ministério Público contra‑alegou, concluindo o seguinte:
1 - Por não verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n°. 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
não deverão ser conhecidas as questões relacionadas com a falta de contestação
do pedido de indemnização civil e com a recolha de impressões digitais.
2 - Tratando-se de factos distintos, porque reveladores de diferentes
resoluções, não há violação da norma do artigo 29°., n°. 5 da Constituição, se
ao abrigo do disposto na norma do artigo 136° do Código da Estrada resultar
condenação pela prática de crime e de contraordenação estradal.
3 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
A)
Questões prévias
3. No Despacho de fls. 614 e ss. (transcrito supra), a Relatora suscitou as
questões prévias, relativas à inadmissibilidade do pedido de indemnização civil
e à recolha de impressões digitais consistentes na não suscitação das
respectivas inconstitucionalidades normativas durante o processo.
O recorrente respondeu o seguinte:
Relativamente às questões prévias
1º
Quanto ao pedido formulado no recurso, de que o arguido teria o direito de
contestar o pedido cível, aprecia o Tribunal Constitucional, perfunctoriamente,
que nunca o recorrente suscitou, durante o processo, a questão da
constitucionalidade normativa ( sic ) ; pelo que, não tendo havido suscitação,
não haverá apreciação;
2°
No entanto, o arguido lê no art.° 5° do seu RECURSO INTERLOCUTÓRO: “Tudo isto,
que à partida terá sido o douto pensamento do julgador, já se tinha aceite no
art.° 1° da CONTESTAÇÃO DO PEDIDO CÍVEL (vide), pelo arguido apresentada;
À chegada, porém, entendeu o arguido constituir um meio de defesa posto à sua
disposição (nos termos do art.° 32° N.° 1 da Constituição da República
Portuguesa, de acordo com o princípio da protecção global dos meios de defesa do
arguido, “...”) responder ao PEDIDO CÍVEL formulado, ainda que não directamente
contra si;”
O Tribunal Constitucional afirma não ter sido suscitado?
3°
O arguido lê AINDA no art.° 10º do seu RECURSO INTERLOCUTÓRO: “Posto isto,
embora o PEDIDO CÍVEL FORMULADO apenas o tenha sido contra a Companhia
Seguradora, o arguido pretende responder ao arrazoado levado a cabo pelo lesado
B.;
O arguido já fez referência às normas jurídicas constantes dos art.°s 78° e 377°
do Código de Processo Penal; mas outras normas jurídicas podem ser convocadas a
seu favor, de acordo com o referido princípio da protecção global dos direitos
do arguido (art.° 32° da Constituição);”
O Tribunal Constitucional afirma não ter sido suscitado?
4°
O arguido lê TAMBÉM no art.° 4º das Conclusões do seu RECURSO INTERLOCUTÓRIO: “A
intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma questão de lei e
direito, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção global
dos direitos do arguido assim o exige art.° 32° da Constituição da República
Portuguesa;”
O Tribunal Constitucional afirma não ter sido suscitado?
5º
Lendo o RECURSO PRINCIPAL (entregue a 17-6-2002) no art.° 11°: “O arguido
entende que constitui um meio de defesa posto ao seu alcance, ex vi do art.° 32°
n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (princípio da protecção global dos
meios de defesa do arguido) ser-lhe dada a possibilidade de responder ao pedido
cível formulado, ou ao montante e condições da transacção efectuada;”
O Tribunal Constitucional afirma não ter sido suscitado?
6°
E também lendo este RECURSO PRINCIPAL no art.° 3° das CONCLUSÕES (pois hoje em
dia, o rito processual odioso exige «quod non est in conclusionibus, non est in
mundo»...): “A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma
questão de lei e direito, como se referiu amplamente no recurso da decisão
interlocutória, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção
global dos direitos do arguido assim o exige: art.° 32° n.° 1 da Constituição
Portuguesa;”
O que se repetiu nas normas jurídicas violadas e sentido da interpretação das
mesmas, no RECURSO PRINCIPAL;
7º
Lendo o despacho judicial do Tribunal da Comarca de Mafra, datado de 28-6-2001
(a fls. 240) parece dele decorrer que se aceita (e se faz referência) (a)o
recurso e questão de que agora se trata (fls. 202);
Lendo o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, logo na fl. 2 se
escreve: “3º - A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma
questão de lei e direito, como se referiu amplamente no recurso da decisão
interlocutória, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção
global dos direitos do arguido assim o exige: art.° 32° n.° 1 da Constituição;”
e logo se diz aí, que “esta conclusão é extraída da motivação do recurso do
arguido” (vide fl.1 do Acórdão da Relação de Lisboa);
Como é que o Tribunal Constitucional afirma não ter sido suscitada?
E mais à frente: “1° intervenção do arguido no pedido cível: o que se deixou
escrito sobre o recurso retido vale quanto a este primeiro ponto: o arguido não
pode ser prejudicado por via da acção cível instaurada contra a Companhia
Seguradora. E, como tal, não pode haver violação do «princípio da protecção
global dos direitos do arguido» ou violação do art.° 32° n. ° 1 da Constituição
Portuguesa.
Improcede, como tal, neste particular, a pretensão do recorrente.”
O Tribunal Constitucional afirma que não?
8°
Tem picos, é ‘pink’, tem pétalas e perfume de rosa, quando se toca e quando se
cheira, mas se o tribunal diz que não é uma ROSA, a rosa de que a gente se
abeira, que fazer?
9º
Quanto ao segundo pedido formulado de que o arguido teria o direito de não lhe
serem recolhidas as suas impressões digitais, ANTES de transitada em julgado a
decisão judicial, por negação intolerável do princípio da presunção da
inocência, e também por ofensa à sua integridade pessoal, aprecia o Tribunal
Constitucional, que “o recorrente apenas impugna a ‘prática’ concretizada a
recolha das impressões digitais, e não uma norma jurídica”; pelo que, não tendo
havido suscitação, não haverá apreciação;
10º
Ainda bem que o tribunal de primeira instância, para bem identificar o arguido
presumido inocente (cidadão ainda não condenado em definitivo) não optou por
retirar-lhe uma unha, ou arrancar-lhe um bocado de pele’, uma vez que as «velhas
impressões digitais» são método falível para bem identificar um ser humano;
11º
E nenhum juiz - defensor dos direitos, liberdades e garantias do cidadão em
geral, mas não deste em particular, pelos vistos (ao menos quanto a este
segmento) - soube ou foi capaz de o defender;
Não há juízes nas instâncias capaz de notar este degradante e humilhante trato?!
12°
É lamentável; no âmbito da história da República Romana, o descrédito nos
tribunais correspondeu ao princípio do fim da República;
(do Advogado Marco Túlio Cícero, Prefácio na pg. 22, 3º §º, “As Catilinárias”, e
outras ‘defesas’ da Série Clássicos Gregos e Latinos, org. pela Prof.ª Maria
Helena da Rocha Pereira, Verbo, 1974)
13º
Quanto à invocada falta de suscitação durante o processo, conducente à falta de
apreciação, não se tecerá nenhum comentário: chegando A CONSISTIR esta matéria,
da recolha das impressões digitais, CAPÍTULO AUTÓNOMO nas peças processuais
entregues pelo arguido, desde logo no RECURSO PRINCIPAL (ART.° 12° - 14º) ou nas
alegações à Relação de Lisboa ( nos pontos de interesse apontados pelo Venerando
Juiz Desembargador) seria cómico - se não fosse trágico - persistir na sua falta
de invocação;
A resposta do recorrente demonstra que não foram suscitadas durante o processo
as questões de constitucionalidade normativa relativas à admissibilidade do
pedido de indemnização civil e à recolha de impressões digitais.
Na verdade, para que se considere suscitada durante o processo uma questão de
constitucionalidade normativa é necessário que o recorrente identifique, perante
o tribunal a quo, uma norma ou dimensão normativa que considere
inconstitucional, a norma ou princípio constitucional violado e é também
necessário que apresente uma fundamentação, ainda que sucinta, do vício
apontado. Não basta, pois, fazer referências à Constituição ou afirmar que uma
dada actuação processual ou decisão é inconstitucional. É necessário, como se
disse, identificar a norma infraconstitucional que se considera
inconstitucional.
Tal exigência decorre da natureza da fiscalização concreta da
inconstitucionalidade que tem apenas por objecto normas e não decisões
judiciais.
Na resposta reproduzida supra, o recorrente transcreve várias passagens das
peças processuais por si apresentadas. Nessas passagens, são feitas várias
referências à Constituição e afirmam‑se várias inconstitucionalidades. No
entanto, em nenhum momento dessas passagens (e mesmo das alegações de fls. 202 e
ss. e de fls. 501 e ss.) é identificada a norma que, tendo sido aplicada no
processo, o recorrente considera inconstitucional. Dos referidos trechos (e das
alegações) apenas decorre que o recorrente considera inconstitucional a decisão
que não admitiu a contestação do pedido de indemnização civil que apresentou
assim como o modo como foram recolhidas as impressões digitais. O recorrente
nunca identifica a norma ou dimensão normativa, isto é, o critério material de
decisão de casos (que não se confunde com a decisão do caso) que considera
inconstitucional.
O recorrente revela dificuldades na apreensão do sentido do que se deixa dito
(dificuldade que se expressa na forma pouco clara como concluiu o recurso de
constitucionalidade). No entanto, tal dificuldade apenas demonstra uma
deficiente compreensão dos mecanismos da fiscalização concreta da
constitucionalidade.
4. Não se verificam, portanto, os pressupostos processuais relativos às
questões indicadas, pelo que o Tribunal Constitucional delas não tomará
conhecimento.
B)
Apreciação da questão de constitucionalidade
relativa ao artigo 136º do Código da Estrada
5. O recorrente suscita a questão da inconstitucionalidade da condenação, em
concurso efectivo, pela prática da contra‑ordenação prevista no artigo 44º do
Código da Estrada e pela prática do crime do artigo 292º do Código Penal.
O mencionado artigo 44º tem a seguinte redacção:
Artigo 44.°
Mudança de direcção para a esquerda
1. O condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se,
com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de
rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os
sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende
tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
2. Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito
se processa nos dois sentidos, o condutor deve efectuar a manobra de modo a dar
a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.
3. Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de
10 000$ a 50000$.
O artigo 292º do Código Penal. na redacção da Lei nº 77/2001, de 13 de Julho,
tem o seguinte teor:
Artigo 292.°
(Condução de veículo em estado de embriaguez
ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas)
1. Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor em via
pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a
1,2g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias,
se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo,
com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o
fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes,
substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da
aptidão física, mental ou psicológica.
A redacção deste artigo vigente no momento da prática do facto corresponde ao
actual nº 1.
Assim, o recorrente considera inconstitucional o artigo 136º do Código da
Estrada na medida em que permite a condenação em concurso pela prática das duas
infracções.
O referido artigo 136º tem a seguinte redacção:
Artigo 136.°
Concurso de infracções
1. Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o
agente é punido sempre a título de crime sem prejuízo da aplicação da sanção
acessória prevista para a contra-ordenação.
2. As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas
materialmente.
O recorrente invoca a violação do princípio ne bis in idem, sustentando que, no
caso, o mesmo facto foi valorado duplamente, ao ser sancionado como crime e como
contra‑ordenação.
Não se questiona a relação do princípio ne bis in idem com os casos de concurso
entre crime e contra‑ordenação. De resto, o Tribunal Constitucional já admitiu
diversas vezes a invocação desse parâmetro de constitucionalidade em casos com
esta configuração (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 244/99, 566/04 e 102/99 –
www.tribunalconstitucional.pt).
A questão de constitucionalidade normativa que os presentes autos suscitam,
porém, é a de saber se a norma que fundamenta a condenação, em concurso
efectivo, pela prática da contra‑ordenação do artigo 44º do Código da Estrada e
do artigo 292º do Código Penal violará ou não o disposto no nº 5 do artigo 29º
da Constituição.
No que releva para a decisão da presente questão, o princípio ne bis in idem
impede que o mesmo facto seja valorado duas vezes, isto é, que uma mesma conduta
ilícita seja apreciada com vista à aplicação da sanção mais do que uma vez (não
se pretende naturalmente abranger, nesta explicitação do princípio ne bis in
idem, os casos em que o julgamento é repetido na sequência da anulação, em sede
de recurso, a anterior julgamento). A esta aplicação subjaz a ideia segundo a
qual a cada infracção corresponde uma só punição, não devendo o agente ser
sujeito a uma repetição do exercício da pretensão punitiva do Estado.
Assim, e ainda em abstracto, o mesmo facto que lese ou afecte uma só vez um bem
jurídico não pode ser valorado duas vezes.
No caso dos autos, a conduta do agente, ora recorrente, traduziu‑se na condução
sob o efeito de bebida alcoólica (a taxa detectada foi de 1,58g/l). Tal actuação
constitui o crime previsto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal. Trata‑se de um
crime de perigo abstracto que é susceptível de pôr em perigo vários bens
jurídicos relacionados com a circulação rodoviária, presumindo‑se o elevado grau
de perigosidade da acção. O perigo relativamente a esses bens é o motivo da
incriminação, mas o facto incriminado é a conduta tipicamente perigosa e
elevadamente perigosa.
No entanto o recorrente incumpriu ainda as regras do artigo 44º do Código da
Estrada, relativas à mudança de direcção, incorrendo, por essa razão, na
inerente responsabilidade contra‑ordenacional. Trata‑se da realização de uma
concreta infracção pela mesma conduta de condução no sentido naturalístico, mas
que corresponde a uma realização de factos com diversa relevância jurídica.
Verifica‑se, pois, autonomia entre a conduta relativa à manobra perigosa que
originou responsabilidade contra‑ordenacional e a conduta que originou
responsabilidade penal.
É verdade que ocorrem ambas no mesmo contexto. Porém, tal circunstância não
impede um desvalor plúrimo. Na verdade, a condução sob o efeito do álcool põe em
causa uma multiplicidade de bens, em si mesmo, independentemente da realização
de manobras perigosas. Não se tem de concretizar nelas para que possa ser
incriminada. Por outro lado, a realização de manobras perigosas pode,
evidentemente, não estar associada a uma condução sob o efeito do álcool.
Não há, portanto, qualquer relação de instrumentalidade ou funcionalidade típica
entre as duas condutas, nem em abstracto, nem sequer em concreto, que impusesse
como obrigatória do ponto de vista constitucional uma consunção. Assim, os bens
jurídicos afectados não são em concreto postos em perigo de maneira coincidente.
No caso da condução perigosa, estamos perante uma multiplicidade de bens como é
característico dos crimes de perigo comum, cuja afectação se verifica em todo o
tempo de condução sob o efeito do álcool. No caso da manobra perigosa de mudança
de direcção, dá‑se uma colocação em perigo de bens em certo momento específico
de condução, prevenindo‑se apenas o perigo para os bens que seriam afectados com
a manobra.
Na perspectiva do grau de desvalor é, assim, sustentável que o legislador
entenda que há um acréscimo de desvalor pela realização da manobra perigosa de
mudança de direcção relativamente à condução sob o efeito do álcool. É, deste
modo, esse acréscimo de desvalor que torna justificável o ponto de vista legal
de um concurso efectivo, sendo, naturalmente, possíveis, outras opções segundo
uma lógica de concurso ideal. Todavia, a Constituição não impõe uma única
solução jurídica nesta matéria.
III
Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento da questão relativa à não admissão da contestação do
pedido de indemnização civil;
b) Não tomar conhecimento da questão relativa à recolha das impressões
digitais;
c) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 136º do Código da Estrada;
d) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão
recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 8 de Junho de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos