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Processo n.º 442/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. e
outros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, através de
requerimento assim redigido (fls. 591 e seguintes):
“[…]
- O recurso ora interposto tem por fundamento a violação de disposições e de
princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da pronúncia (por omissão
de pronúncia), os quais foram suscitados nos autos, especialmente no
requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006, a qual
foi, porém, indeferida no Acórdão de 14 de Março de 2006;
- Entendem os aqui recorrentes que nos supra identificados Acórdãos os
Excelentíssimos Senhores Conselheiros não se pronunciaram, nem conheceram, de
inúmeras questões (relevantes e pertinentes) que foram suscitadas pelos
recorrentes, quer nas conclusões, quer nas alegações do respectivo recurso, e
sobre as quais se deveriam ter pronunciado, de forma fundamentada;
- Tendo sido violado nos referidos Acórdãos o disposto nos artigos 202°, 1 e 2,
e 205°, 1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas
b) e d), do C.P.Civil;
- E sido feita naqueles Acórdãos uma interpretação inequivocamente
inconstitucional do princípio da pronúncia (omissão de pronúncia), e dos supra
mencionados artigos da Constituição e do C.P.Civil;
- Esclarecem, desde já, os recorrentes, que a interpretação que advogam vai no
sentido de que sendo suscitada uma questão concreta e relevante perante o
Tribunal, desde que não esteja necessariamente prejudicada pela decisão de
outra, a mesma tem que ser, necessariamente, apreciada, de forma fundamentada,
sob pena de omissão de pronúncia (cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do
Porto de 21.5.1969, JR, 15º-625);
- Interpretação, aliás, corroborada, pela primeira parte da alínea d) do n.º 1
do artigo 668° do C.P.Civil: «é nula a sentença quando o juiz deixe de
pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)»;
- Nulidade, aliás, directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do
artigo 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as
partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja
prejudicada pela solução dada a outras»;
- Ora a interpretação que foi dada, nos supra identificados Acórdãos, às normas
e princípios referidos, foi outra, indo antes (com o devido respeito) no sentido
de que não obstante terem sido suscitadas questões concretas e relevantes
perante o Tribunal este pode deixar de as apreciar, mesmo que elas não estejam
necessariamente prejudicadas pela solução dada a outras, não carecendo de
motivar/fundamentar a decisão;
- Interpretação aquela que colide com a letra e espírito dos normativos e dos
princípios constitucionais e jurídico-processuais supra citados;
- Violando uma tal interpretação o prescrito nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1,
da C.R.P., sendo, pois, uma interpretação inconstitucional;
- Sendo, assim, pois com fundamento no disposto no artigo 70°, n.º 1, alíneas b)
e f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na sua actual redacção), que os Recorrentes
ora vêm interpor o presente recurso com vista à apreciação da
inconstitucionalidade da interpretação que foi dada nos Acórdãos de 19 de
Janeiro de 2006 e de 14 de Março de 2006, pelos Excelentíssimos Senhores
Conselheiros que os subscreveram, ao disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°,
1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d),
do C.P.Civil e ao princípio da pronúncia (omissão de pronúncia);
- E isto porque, sendo entendimento pacífico que o objecto de um recurso é
delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente («nos recursos o thema
decidendum é fixado pelas conclusões formuladas nas alegações respectivas», cfr.
artigo 660°, 2 do C.P.Civil), no recurso de revista interposto pelos aqui
Recorrentes, perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foram suscitadas
(quer nas conclusões quer nas alegações de recurso) e levadas à apreciação
daquele Supremo Tribunal questões várias (concretas e relevantes) que deveriam
ter sido apreciadas – e não o foram, conforme se arguiu nos pontos 14° a 39° do
requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006, cujo
teor aqui se dá por reproduzido;
- Não tendo sido, minimamente, apreciadas naquele Acórdão as questões suscitadas
nas conclusões 2ª a 18ª das alegações de recurso de revista dos aqui
Recorrentes;
- Havendo que salientar que a interpretação ali efectuada foi, depois, reiterada
no Acórdão de 14 de Março de 2006, no qual se considerou que uma das omissões do
Acórdão de 19 de Janeiro de 2006 resultou de mero lapso, remetendo-se no mais
para a fundamentação deste, assim se indeferindo, singelamente, a arguida
nulidade por omissão de pronúncia – o que (com o devido respeito), pelas razões
já acima avançadas, se revela inconstitucional;
- Acresce que, não havendo aqui lugar a recurso ordinário, para efeito do
disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 70° da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro, deverá considerar-se que a inconstitucionalidade foi suscitada
durante o processo;
- Tanto mais que aquela foi invocada, de forma expressa, no requerimento de
arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006;
- O presente recurso deverá, assim, ser admitido, com subida imediata, nos
próprios autos e com efeito suspensivo;
- O recurso aqui interposto funda-se – em síntese – no disposto no artigo 70°,
n.º 1, alíneas b) e f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na sua actual
redacção) e nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição da República
Portuguesa, no que toca à interpretação (que se sustenta ser inconstitucional)
dada, nos Acórdãos de 19 de Janeiro e de 14 de Março de 2006, aos artigos 156°,
1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil, com clara e
ostensiva violação do princípio da pronúncia (omissão de pronúncia) e do
disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição da República
Portuguesa.
[…].”.
2. Por decisão sumária de fls. 618 e seguintes, não se tomou
conhecimento do objecto de tal recurso, pelos seguintes fundamentos:
“[…]
5. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual, entre outros, a existência de uma norma – ou interpretação normativa
–, a apreciar pelo Tribunal Constitucional, sob o ponto de vista da sua
constitucionalidade ou legalidade.
Aliás, qualquer dos outros recursos previstos no n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente submete à apreciação do
Tribunal Constitucional uma determinada norma ou interpretação normativa.
Significa isto que o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar a
conformidade constitucional ou legal de decisões judiciais, em si mesmas
consideradas: apenas pode apreciar normas ou interpretações normativas que
tenham sido aplicadas nessas decisões.
Sucede, porém, que os recorrentes, não obstante afirmarem, no requerimento de
interposição do presente recurso (supra, 4.), que os acórdãos recorridos teriam
perfilhado uma interpretação inconstitucional de certos artigos do Código de
Processo Civil e do – por eles assim designado – princípio da pronúncia, e, como
tal, darem a entender que pretendem a apreciação de certa interpretação
normativa, insurgem-se, na verdade, contra a decisão recorrida, em si mesma
considerada.
É esta decisão que, afinal, constitui o objecto do presente recurso: os
recorrentes mais não pretendem do que obter uma decisão do Tribunal
Constitucional sobre a eventual nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão
recorrido e, por essa via, a apreciação da conformidade constitucional e legal
deste acórdão.
Ora, não tendo o Tribunal Constitucional competência para proceder a essa
apreciação, nos termos que ficaram expostos, resta concluir que não pode
conhecer-se do objecto do recurso, por falta de preenchimento de um dos seus
pressupostos processuais.
6. A isto acresce que, ainda que se entendesse que os recorrentes visam a
apreciação de uma verdadeira interpretação normativa – e não, como se disse, a
apreciação da conformidade constitucional e legal da própria decisão recorrida
–, outro motivo haveria para não conhecer do objecto do presente recurso.
Na verdade, os recorrentes não invocaram qualquer questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade normativa perante o tribunal recorrido –
nomeadamente, no requerimento de arguição de nulidade (supra, 2.), já que neste
não foi imputada qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade a qualquer
preceito legal.
Ora, tal invocação constitui outro dos pressupostos processuais do recurso
interposto (cfr. o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
[…].”.
3. Desta decisão sumária vêm agora A. e outros reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, nestes termos (fls. 632 e seguintes):
“[…]
7. O fundamento do recurso visa, assim, a apreciação da inconstitucionalidade da
interpretação normativa que foi dada, nos acórdãos de 19 de Janeiro de 2006 e 14
de Março de 2006, pelos Excelentíssimos Senhores Conselheiros que os
subscreveram, ao disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P. e nos
artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil, ao
princípio e dever de pronúncia (omissão de pronúncia);
8. Sendo de notar que a interpretação feita no acórdão de 19 de Janeiro de 2006,
do Supremo Tribunal de Justiça, foi reiterada no acórdão de 14 de Março de 2006,
do mesmo Venerando Tribunal, no qual se considerou que uma das omissões do
acórdão de 19 de Janeiro de 2006 terá resultado de mero lapso, remetendo-se no
mais para a fundamentação deste, assim se indeferindo (mais uma vez)
singelamente a arguida nulidade por omissão de pronúncia;
9. O que traduz (com o devido respeito) numa interpretação perfeitamente
inconstitucional do princípio e dever de pronúncia por parte do Tribunal;
10. De facto, aquele Venerando Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões
pertinentes e relevantes que lhe foram apresentadas, e sobre as quais tinha e
devia ter-se pronunciado, e isto, por ter sido feita, pelos Excelentíssimos
Senhores Conselheiros que subscreveram aqueles acórdãos, uma interpretação
restritiva e inconstitucional dos preceitos e do princípio e dever já acima
aludidos, não tendo sido atingidos os objectivos almejados por aquelas
exigências legais, por défice de tutela jurisdicional;
11. No fundo a interpretação defendida e aplicada nos referidos acórdãos é a de
que é constitucional a interpretação do princípio e dever de pronúncia no
sentido de que é consentido ao Tribunal nada dizer sobre questões pertinentes,
essenciais e relevantes suscitadas pelas partes;
12. Ora, o espírito e a «ratio» que presidiram e se encontram nos princípios e
disposições constitucionais e processuais supra mencionadas (cfr. o ponto 7) e o
objectivo claramente tido em vista pelo Legislador foi o de que fosse obtida
pelas partes a tutela jurisdicional a que a Constituição e a Lei «aspiram»;
13. O que pressupõe e implica uma interpretação daqueles princípios e
disposições no sentido de que tem que existir uma (efectiva) apreciação e uma
decisão expressa e fundamentada sobre as questões suscitadas pelas partes em
litígio, por forma a que, pela exteriorização daquela apreciação, o Tribunal
propicie às partes o conhecimento do «iter» e motivação decisória;
14. E uma coisa é o cumprimento (ainda que insuficiente) do dever de pronúncia e
outra é aquilo que se afigura constituir (com o devido respeito) uma «demissão»
daquele dever, e que resulta da interpretação (no mínimo duvidosa) de que mesmo
nada sendo dito, tal não é invalidante;
15. Ora, como é entendimento que se admite ser prevalecente, é necessário que o
Tribunal aprecie, de forma fundamentada, todas as questões pertinentes,
suscitadas pelas partes em litígio, através do meio processual adequado, ainda
que possa não ser necessário apreciar todos os argumentos invocados por aquelas;
16. Assim como é, também, (obviamente) despiciendo apreciar questões que ficaram
prejudicadas pelo conhecimento de outras;
17. E do que se discorda é que seja constitucional e legal a interpretação
expressa nos supra citados acórdãos que considera que apesar de suscitadas
questões que abonam pelos direitos em discussão, mesmo que elas não sejam
apreciadas nem decididas, tal omissão, mesmo não sendo fundamentada, é uma
interpretação com cabimento constitucional.
18. Ora, como é sabido, a lei fulmina com o vício de nulidade a decisão em que o
Juiz «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de
questões de que não podia tomar conhecimento» (cfr. alínea d) do n.º 1 do
artigo 668° do C.P.Civil);
19. Tendo aquela nulidade (com fundamento em omissão ou excesso de pronúncia) a
sua razão de ser na falta de cumprimento de um dos deveres primeiros do Juiz,
qual seja o de conhecer e resolver todas as questões que as partes hajam
submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada
pela solução dada a outras, e só essas (cfr. artigos 668º, n.º 1, alínea d), e
660º, n.º 2, do C.P. Civil);
20. Ora, fazer uma interpretação num sentido que derrogue aqueles normativos e
os princípios que lhe estão subjacentes, é, com o devido respeito,
inconstitucional;
21. Além disso, as decisões judiciais também são nulas quando não especifiquem
«os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (cfr. alínea b)
do n.º 1 do artigo 668º do C.P. Civil);
22. A interpretação normativa que foi feita e aplicada nos supra referidos
acórdãos ao omitir a apreciação de inúmeras questões suscitadas nas conclusões e
alegações de recurso dos reclamantes, e ao não se ter sequer fundamentado aquela
omissão, é, s.m.o., e com o devido respeito, inconstitucional;
23. A decisão sumária da Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora
compreender-se-ia se estivessem em causa meros argumentos, pois que, como é
sabido, uma coisa são as questões suscitadas pelas partes e outra são os
argumentos que elas usam em sua defesa, sendo certo que só daquelas está o
Julgador obrigado a conhecer;
24. Estando em apreciação no recurso interposto perante este Venerando Tribunal
a constitucionalidade da interpretação perfilhada nos acórdãos, e não a
constitucionalidade daquelas decisões judiciais, como se afigura terá
(sumariamente) entendido a Excelentíssima Senhora Conselheira Relatara;
25. A este propósito, dir-se-á que quando se requer a apreciação da
interpretação normativa é porque a mesma foi exteriorizada, e tendo-o sido por
um Tribunal, é necessariamente exteriorizada sob a forma de decisão, a qual
necessária e consequentemente será afectada;
26. No entanto (sublinha-se) aquilo que se pretende no recurso é ver apreciada a
interpretação normativa das normas e dos princípios e deveres já acima,
sobejamente, mencionados;
27. Entendem os reclamantes que, nos supra identificados acórdãos, os
Excelentíssimos Senhores Conselheiros que os subscreveram não se pronunciaram,
nem conheceram, de inúmeras questões (relevantes e pertinentes) que foram
suscitadas pelos recorrentes, quer nas conclusões, quer nas alegações do
recurso, e sobre as quais se deveriam ter pronunciado, de forma fundamentada;
28. E não o fizeram por defenderem e aplicarem uma interpretação dos referidos
preceitos, princípio e dever, que, com o devido respeito, na óptica dos
reclamantes, não é constitucional;
29. Tendo sido, inequivocamente, violado nos supra referidos acórdãos o disposto
nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1,
660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil;
30. Tendo sido, com o devido respeito, exteriorizada naqueles acórdãos uma
interpretação inconstitucional do princípio e dever de pronúncia (omissão de
pronúncia) e dos supra mencionadas disposições da Constituição e do C.P.Civil;
31. Já que a interpretação efectuada naqueles acórdãos foi a de que não obstante
terem sido suscitadas questões concretas e relevantes perante o Tribunal este
pode deixar de as apreciar, mesmo que tais questões não estejam necessariamente
prejudicadas pela solução dada a outras, não carecendo de motivar/fundamentar
tal decisão;
32. Interpretação que, s.m.o., colide com a letra, a «ratio» e o espírito
daqueles normativos e dos princípios constitucionais e jurídico-processuais
supra citados e com o prescrito nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P.;
33. Defendendo os reclamantes uma interpretação que vai no sentido de que sendo
suscitada uma questão concreta e relevante perante o Tribunal, desde que não
esteja necessariamente prejudicada pela decisão de outra, a mesma tem que ser,
necessariamente, apreciada, de forma fundamentada, sob pena de omissão de
pronúncia (cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 21.5.1969, JR,
15º-625);
34. Interpretação aquela corroborada pela primeira parte da alínea d) do n.º 1
do artigo 668° do C.P.Civil: «é nula a sentença quando o juiz deixe de
pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)»;
35. Estando tal nulidade directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2
do artigo 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as
partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja
prejudicada pela solução dada a outras»;
36. E isto porque, sendo entendimento pacífico que o objecto de um recurso é
delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente («nos recursos o thema
decidendum é fixado pelas conclusões formuladas nas alegações respectivas», cfr.
artigo 660°, 2 do C.P.Civil), no recurso interposto pelos reclamantes para o
Venerando Supremo Tribunal de Justiça foram suscitadas (quer nas conclusões quer
nas alegações de recurso) e levadas à apreciação daquele Supremo Tribunal
questões várias (concretas e relevantes) que deveriam ter sido apreciadas;
37. E não o foram, conforme se vê pelo acórdão de 19 de Janeiro de 2006 e como
se arguiu nos pontos 14° a 39° do requerimento de arguição de nulidade daquele
acórdão, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
38. Não tendo sido, minimamente, apreciadas no citado acórdão as questões
suscitadas nas conclusões 2ª a 18ª das alegações de recurso dos reclamantes;
39. Acresce que, no tocante à segunda objecção, apontada pela Excelentíssima
Senhora Conselheira Relatora, para não tomar conhecimento do recurso, que radica
na (alegada) circunstância de não ter sido suscitada, de modo processualmente
adequado, a questão da inconstitucionalidade, cumpre salientar que tal questão
foi invocada pelos reclamantes, de forma expressa, no requerimento de arguição
de nulidade do acórdão de 19 de Janeiro de 2006;
40. Tendo ali invocado os reclamantes a violação de disposições e princípios
constitucionais, nomeadamente os princípios da legalidade e do dever de
pronúncia, bem como o fizeram, também, nas suas alegações de recurso;
41. O recurso interposto para este Venerando Tribunal funda-se, assim, no
disposto no artigo 70°, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro, na sua actual redacção) e nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da
Constituição da República Portuguesa, no que toca à interpretação (que se
sustenta ser inconstitucional) dada, nos acórdãos de 19 de Janeiro e de 14 de
Março de 2006, aos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d),
do C.P.Civil, com clara e ostensiva violação do princípio da pronúncia (omissão
de pronúncia) e do disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição
da República Portuguesa;
42. E não havendo, como não há, lugar a recurso ordinário, para efeito do
disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 70° da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro, a questão da inconstitucionalidade deverá considerar-se suscitada
durante o processo;
43. Não sendo, para efeito de interposição deste recurso e da presente
reclamação, de exigir, s.m.o., e com o devido respeito, mais desenvolvida
argumentação, a qual (como é óbvio) será aprofundada e fundamentada nas
alegações do recurso, a prevalecer o entendimento de que deve ser ordenado o
prosseguimento do mesmo, como os reclamantes esperam e defendem.
[…].”.
4. B., Lda., ora recorrida, respondeu à reclamação fora do prazo
fixado na lei.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. A decisão sumária ora reclamada (supra, 2.) concluiu no sentido do
não conhecimento do objecto do presente recurso por duas razões:
a) O objecto do recurso não é constituído por uma norma ou
interpretação normativa, mas pela decisão recorrida, em si mesma considerada;
b) Os recorrentes não suscitaram, durante o processo, qualquer
questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) normativa.
Como é evidente, a revogação da decisão sumária reclamada só se
justificaria se os reclamantes lograssem demonstrar:
a) Que ainda é possível identificar, como objecto do recurso, uma
norma ou interpretação normativa, distinta da própria decisão judicial recorrida
cuja nulidade censuram;
b) Que imputaram, durante o processo, a inconstitucionalidade ou
ilegalidade a um preceito legal.
6. Ora, os reclamantes não demonstraram nenhuma destas duas
realidades.
6.1. No que diz respeito ao primeiro ponto – à exigência de que o recurso
para o Tribunal Constitucional tenha por objecto uma norma ou interpretação
normativa –, verifica-se que os reclamantes se limitam a referir que a
interpretação em causa, alegadamente perfilhada na decisão recorrida, seria a de
que “é constitucional a interpretação do princípio e dever de pronúncia no
sentido de que é consentido ao Tribunal nada dizer sobre questões pertinentes,
essenciais e relevantes suscitadas pelas partes” (supra, 3.).
Esta suposta interpretação, porém, mais não traduz do que a
circunstância da alegada não pronúncia, pelo tribunal recorrido, sobre certas
questões suscitadas pelas partes: dito de outro modo, não é possível autonomizar
tal interpretação da própria não pronúncia pelo tribunal recorrido, pelo que não
é também possível identificar uma interpretação normativa como objecto do
presente recurso de constitucionalidade.
Tal autonomização só seria possível, com efeito, se do texto da
decisão recorrida de alguma forma decorresse a exteriorização, pelo tribunal
recorrido, da inexistência de um dever de pronúncia sobre questões pertinentes,
essenciais e relevantes suscitadas pelas partes: ora, como é evidente, em nenhum
passo do texto da decisão recorrida se exterioriza tal pensamento, nem os
reclamantes aliás o apontam.
Assim sendo, não é possível vislumbrar uma norma ou
interpretação normativa, dissociada da própria decisão recorrida, como objecto
do presente recurso, pelo que não é possível dele tomar conhecimento: e, como é
óbvio, tal conclusão não é afastada pela mera declaração, pelos reclamantes, da
sua intenção de submeter ao Tribunal Constitucional uma questão de
inconstitucionalidade normativa (cfr. n.º 26 da reclamação, supra, 3.), pois que
se tal declaração bastasse, fácil seria contornar as exigências respeitantes ao
objecto do recurso de constitucionalidade.
6.2. No que se refere ao segundo ponto – à exigência de que os
recorrentes invoquem, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade (ou
de ilegalidade) normativa –, verifica-se que os reclamantes apenas mencionam
que, durante o processo, apontaram a violação de disposições e princípios
constitucionais.
Ora tal não significa, como é evidente, que o tenham feito em relação a normas
ou interpretações normativas, circunstância que importava agora provar.
Sublinhe-se, aliás, que nem no requerimento através do qual foi
interposto o recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 1.), nem na
reclamação agora deduzida (supra, 3.) – que, de todo o modo, não poderiam ser
considerados momentos adequados para dar como cumprido o ónus de invocação da
questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) “durante o processo”
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – os ora reclamantes
identificaram com clareza qual a interpretação normativa perfilhada na decisão
recorrida que consideravam inconstitucional (ou ilegal) e que pretendiam
submeter ao julgamento deste Tribunal.
Nenhuma razão existe, assim, para revogar a decisão sumária
reclamada.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação e mantém-se a decisão sumária de fls. 618 e seguintes, que
não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura ramos