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Processo n.º 443/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de 31 de Maio (a fls. 301 e seguintes), não se
conheceu do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., Lda., pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
10. Tal como delimitado pela recorrente (cfr. supra, 8. e 9.), o presente
recurso tem como objecto a apreciação da conformidade constitucional do artigo
100º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), em duas dimensões
interpretativas, que a recorrente considera terem sido perfilhadas pelo Tribunal
Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 4 de Outubro de 2005
(acórdão de fls. 151 e seguintes, parcialmente transcrito supra, 4.).
As dimensões interpretativas questionadas pela recorrente, com fundamento em
violação do artigo 267º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e do
direito a participação dos cidadãos no procedimento administrativo, são assim
identificadas no requerimento de interposição do recurso:
– «a interpretação aplicada pelo juiz ‘a quo’ segundo o qual quando perante um
acto de liquidação de 2º grau, feito antes da entrada em vigor da L.G.T, não se
aplica esse artigo e como tal não é necessária a Audiência Prévia do
Contribuinte»;
– «a interpretação aplicada pelos Desembargadores do Tribunal Central
Administrativo do Sul segundo os quais tendo sido feita a impugnação judicial do
acto de liquidação de 2º grau fica sanada a falta de audição prévia do
contribuinte».
11. O recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional – a alínea invocada pela recorrente no
requerimento de interposição do presente recurso – só pode ter por objecto a
apreciação da norma (ou interpretação normativa) cuja inconstitucionalidade
tenha sido suscitada pelos recorrentes durante o processo e que tenha sido
efectivamente aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida (cfr. também
o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Ora, tais pressupostos processuais não se encontram verificados no caso dos
autos.
11.1. Quanto à primeira dimensão normativa identificada pela recorrente – a
interpretação segundo a qual «perante um acto de liquidação de 2º grau, feito
antes da entrada em vigor da L.G.T, não se aplica esse artigo e como tal não é
necessária a Audiência Prévia do Contribuinte» – verifica-se que ela não foi
efectivamente perfilhada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão
recorrido.
Na verdade, na decisão sob recurso, depois de afirmar que até à entrada em vigor
da LGT, «não havia no CPT regulamentação expressa para o direito de audição, não
obstante o disposto no Artº 19º alínea c) instituir este direito como garantia
dos contribuintes», o Tribunal Central Administrativo, citando uma obra de Pedro
Machete, pronunciou-se no sentido de que o instituto da audiência dos
interessados, concretizadora do princípio da participação procedimental
consagrado no artigo 267º, n.º 5, da Constituição, «é, salvo indicação expressa
em contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais,
independentemente de a respectiva disciplina jurídica ser anterior ou posterior
ao início de vigência daquele código». E concluiu que «na falta de
regulamentação expressa sobre o direito de audição, e como forma de cumprir o
comando constitucional, havia que recorrer, supletivamente, às normas previstas
nos Artº 100º e segs. CPA [por força do Artº 2° alínea b) do CPT]».
Aplicando este entendimento ao caso dos autos, o Tribunal Central Administrativo
considerou que «não sendo a decisão impugnada favorável ao contribuinte, não
podia ser dispensada a sua audição», pelo que, «ao preterir-se a formalidade
essencial de audição prévia, o acto tributário está ferido de invalidade, por
vício de forma».
Simplesmente, o Tribunal Central Administrativo considerou que «esta invalidade
não é geradora de nulidade mas sim de mera anulabilidade, uma vez que a lei não
comina a sanção, mais severa, de nulidade» e que, nas circunstâncias do
processo, «deve considerar-se sanada a irregularidade invocada».
Isto é, e por outras palavras: o Tribunal Central Administrativo admitiu a
aplicabilidade ao caso dos autos do artigo 100º do Código de Procedimento
Administrativo; entendeu que, ao preterir-se a formalidade essencial de audição
prévia, o acto tributário impugnado está ferido de invalidade, por vício de
forma; todavia, considerando que tal invalidade não é geradora de nulidade mas
sim de mera anulabilidade, concluiu que, nas circunstâncias do processo, a
irregularidade invocada deve ter-se como sanada.
Conclui-se, assim, que o Tribunal Central Administrativo não interpretou o
artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo no sentido de que «perante
um acto de liquidação de 2º grau, feito antes da entrada em vigor da L.G.T, não
se aplica esse artigo e como tal não é necessária a Audiência Prévia do
Contribuinte».
Não tendo o Tribunal Central Administrativo perfilhado, no acórdão de 4 de
Outubro de 2005, quanto à norma do artigo 100º do CPA, a primeira interpretação
questionada pela recorrente, não pode o Tribunal Constitucional tomar
conhecimento do objecto do recurso, no que a tal interpretação se refere.
11.2. Quanto à segunda dimensão normativa identificada pela recorrente – a
interpretação segundo a qual «tendo sido feita a impugnação judicial do acto de
liquidação de 2º grau fica sanada a falta de audição prévia do contribuinte» –
verifica-se que, em relação a ela, não foi suscitada uma questão de
inconstitucionalidade em termos processualmente adequados perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, nas alegações apresentadas no recurso que interpôs da sentença do
Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto para o Tribunal Central
Administrativo (a fls. 131 e seguintes, supra, 3.), disse a recorrente:
«[…]
25 – Assim sendo, não foi a contribuinte ouvida no procedimento administrativo
que finalizou com as liquidações ora impugnadas, em clara violação ao direito de
participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito,
consagrado no n.º 5 do art. 267º da Constituição da República Portuguesa, ao
disposto no art. 8º e 100º do CPA, aplicável ex vi art. 2º, n.º 7 do CPA e art.
60º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária, devendo, igualmente, com este
fundamento ser anulada a liquidação.
[…]
34 – Salvo o devido respeito, violou a douta sentença recorrida, as seguintes
disposições legais: Arts. 668º, n.º 1, al. d), 514º, n.º 1 e 515º, do CPC, arts.
120º e 33º do CPT, arts. 100º e 125º, n.º 1 do CPPT, arts. 8º, 100º, 132º, n.º
2, al. c), 139º, n.º 1, al. c) do CPA, arts. 7º, 8º, 22º, 82º, e 88º, n.º 2 do
CIVA, art. 60º, n.º 1, al. a) da LGT e art. 267º, n.º 5 da Constituição da
República Portuguesa.».
Nas expressões utilizadas não pode ver-se a invocação em termos processualmente
adequados da segunda questão de inconstitucionalidade, reportada ao artigo 100º
do CPA, que a recorrente agora pretende submeter ao julgamento do Tribunal
Constitucional.
Com efeito, nessas alegações, a recorrente limitou-se a invocar a violação, no
procedimento administrativo que finalizou com as liquidações ora impugnadas, do
«direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam
respeito, consagrado no n.º 5 do art. 267º da Constituição da República
Portuguesa», e do «disposto no art. 8º e 100º do CPA, aplicável ex vi art. 2º,
n.º 7 do CPA e art. 60º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária» (conclusão n.º
25).
Além disso, imputou à sentença recorrida a violação das «seguintes disposições
legais: Arts. 668º, n.º 1, al. d), 514º, n.º 1 e 515º, do CPC, arts. 120º e 33º
do CPT, arts. 100º e 125º, n.º 1 do CPPT, arts. 8º, 100º, 132º, n.º 2, al. c),
139º, n.º 1, al. c) do CPA, arts. 7º, 8º, 22º, 82º, e 88º, n.º 2 do CIVA, art.
60º, n.º 1, al. a) da LGT e art. 267º, n.º 5 da Constituição da República
Portuguesa» (conclusão n.º 34).
Ou seja, nesta peça processual – a única relevante face ao disposto no artigo
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – a recorrente imputou ao
procedimento administrativo e à sentença então recorrida os vícios de violação
de lei e de violação da Constituição.
Não cumpriu assim o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. E não existe no caso dos autos
qualquer fundamento para que possa considerar-se a recorrente dispensada do ónus
de suscitar a questão de inconstitucionalidade em termos processualmente
adequados perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, uma vez que a
interpretação por ela questionada estava subjacente à decisão proferida na 1ª
instância e corresponde àquela que tem sido seguida pela jurisprudência dos
tribunais administrativos, concretamente pela jurisprudência do Tribunal Central
Administrativo Sul (cfr., por exemplo, o acórdão de 25 de Janeiro de 2000,
referenciado na decisão sob recurso, e disponível em www.dgsi.pt/).
Não tendo a recorrente suscitado em termos adequados perante o tribunal
recorrido, quanto à norma do artigo 100º do CPA, a segunda interpretação
identificada no requerimento de interposição do recurso, não pode também o
Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do recurso, no que diz
respeito a tal interpretação.
[…].”.
2. Notificada da decisão sumária, A., Lda. dela veio reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos (fls. 322 e seguintes/327 e seguintes):
“1. A recorrente quando interpôs o recurso para o Tribunal Central
Administrativo da decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto não
antecipou a interpretação segundo a qual «tendo sido feita a impugnação judicial
do acto de liquidação de 2° grau fica sanada a falta de audição prévia do
contribuinte».
2. Não o fez nem o poderia ter feito pois tal interpretação não é lógica e não
era seguida pelo Tribunal Central Administrativo na altura.
3. Por outro lado, tendo sido essa interpretação seguida pelo Desembargador
Relator da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo do Sul a
recorrente tentou, através do Recurso de Oposição de Julgados, recorrer de tal
entendimento.
4. Todavia, não foi proferida decisão de mérito sobre esta questão uma vez que o
Supremo Tribunal Administrativo entendeu sumariamente, após as alegações de 1°
grau, a inexistência de qualquer oposição.
5. Mesmo que não se entenda que a recorrente invocou a inconstitucionalidade, a
decisão da relatora vai ao arrepio da jurisprudência constitucional e da maioria
da doutrina.
6. O entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul fez era de todo
«insólito» e «imprevisível» quando a recorrente interpôs o seu recurso.
7. Nestes casos, em que o recorrente já não dispõe de «oportunidade processual»
para suscitar a questão e estamos perante um caso «anómalo» ou «excepcional»,
deve o recurso ser admitido.
Termos em que, se requer a V. Ex.ªs despacho que substitua a decisão sumária
proferida pela relatara por um despacho que admitindo o recurso notifique a
recorrente para alegar como é de direito.
[…]”.
A Fazenda Pública, ora recorrida, não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II
3. Através do presente recurso, pretende a recorrente que o Tribunal
Constitucional aprecie a conformidade constitucional, em confronto com o artigo
267º, n.º 5, da Constituição, do artigo 100º do Código de Procedimento
Administrativo (CPA), em duas dimensões interpretativas, que considera terem
sido perfilhadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e que assim enuncia:
– “a interpretação aplicada pelo juiz «a quo» segundo o qual
quando perante um acto de liquidação de 2º grau, feito antes da entrada em vigor
da L.G.T, não se aplica esse artigo e como tal não é necessária a Audiência
Prévia do Contribuinte”;
– “a interpretação aplicada pelos Desembargadores do Tribunal
Central Administrativo do Sul segundo os quais tendo sido feita a impugnação
judicial do acto de liquidação de 2º grau fica sanada a falta de audição prévia
do contribuinte”.
Na decisão sumária reclamada não se tomou conhecimento do
objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
– relativamente à primeira interpretação questionada pela
recorrente, por se ter entendido que, no acórdão de 4 de Outubro de 2005, aqui
recorrido, o Tribunal Central Administrativo não tinha perfilhado, quanto à
norma do artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, tal
interpretação;
– relativamente à segunda interpretação questionada pela
recorrente, por se ter verificado que, em relação a ela, não havia sido
suscitada pela recorrente uma questão de inconstitucionalidade normativa, em
termos processualmente adequados, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida.
4. Na reclamação agora deduzida, a reclamante apenas impugna a
decisão de não conhecimento do recurso no que se refere à segunda interpretação
da norma do artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo (n.º 11.2. da
decisão sumária reclamada). Conformou-se, portanto, a reclamante com a decisão
de não conhecimento do recurso no que se refere à primeira interpretação por ela
impugnada (n.º 11.1. da decisão sumária reclamada).
Assim, mantendo-se, nesta parte, a decisão sumária reclamada,
cumpre apreciar a argumentação da reclamante que pretende pôr em causa a decisão
proferida quanto à segunda questão enunciada no requerimento de interposição do
recurso, isto é, e utilizando as suas palavras, “a interpretação aplicada pelos
Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Sul segundo os quais tendo
sido feita a impugnação judicial do acto de liquidação de 2º grau fica sanada a
falta de audição prévia do contribuinte”.
5. Considerou-se na decisão sumária reclamada que nas alegações
apresentadas no recurso que interpôs da sentença do Tribunal Tributário de 1ª
Instância do Porto para o Tribunal Central Administrativo (a fls. 131 e
seguintes), – a única peça processual relevante face ao disposto no artigo 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – a então recorrente se limitou:
– a invocar a violação, no procedimento administrativo que
finalizou com as liquidações ora impugnadas, do “direito de participação dos
cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito, consagrado no n.º 5 do
art. 267º da Constituição da República Portuguesa», e do «disposto no art. 8º e
100º do CPA, aplicável ex vi art. 2º, n.º 7 do CPA e art. 60º, n.º 1, al. a) da
Lei Geral Tributária” (conclusão n.º 25); e
– a imputar à sentença recorrida a violação das “seguintes
disposições legais: Arts. 668º, n.º 1, al. d), 514º, n.º 1 e 515º, do CPC, arts.
120º e 33º do CPT, arts. 100º e 125º, n.º 1 do CPPT, arts. 8º, 100º, 132º, n.º
2, al. c), 139º, n.º 1, al. c) do CPA, arts. 7º, 8º, 22º, 82º, e 88º, n.º 2 do
CIVA, art. 60º, n.º 1, al. a) da LGT e art. 267º, n.º 5 da Constituição da
República Portuguesa” (conclusão n.º 34).
Verificou-se assim que a recorrente não suscitara qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 100º do Código de
Procedimento Administrativo, pois que se limitara a imputar ao procedimento
administrativo e à sentença então recorrida os vícios de violação de lei e de
violação da Constituição.
Tanto bastava para concluir – como se concluiu na decisão
sumária reclamada – que, não tendo a recorrente suscitado em termos adequados
perante o tribunal recorrido, quanto à norma do artigo 100º do CPA, a
inconstitucionalidade da segunda interpretação identificada no requerimento de
interposição do recurso, não pode também o Tribunal Constitucional tomar
conhecimento do objecto do recurso, no que diz respeito a tal interpretação.
Por outras palavras, o Tribunal entendeu que a recorrente não
colocara ao tribunal recorrido uma autêntica questão de inconstitucionalidade
normativa reportada ao artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo. Não
cumprira portanto a recorrente o ónus de invocação da questão de
inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigada a dela conhecer”,
tal como se exige nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional, e, consequentemente, o Tribunal não podia conhecer do
objecto do recurso.
De todo o modo, acrescentou-se na decisão sumária reclamada que
“não existe no caso dos autos qualquer fundamento para que possa considerar-se a
recorrente dispensada do ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade em
termos processualmente adequados perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, uma vez que a interpretação por ela questionada estava subjacente à
decisão proferida na 1ª instância e corresponde àquela que tem sido seguida pela
jurisprudência dos tribunais administrativos, concretamente pela jurisprudência
do Tribunal Central Administrativo [por lapso, escreveu-se «Tribunal Central
Administrativo Sul»]” – tendo-se mencionado como exemplo o acórdão de 25 de
Janeiro de 2000, aliás referenciado na decisão sob recurso, e disponível em
www.dgsi.pt/, em “Tribunal Central Administrativo Sul”).
6. Na reclamação em apreço, começa a reclamante por reconhecer que
não invocou perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade da
interpretação segundo a qual “tendo sido feita a impugnação judicial do acto de
liquidação de 2° grau fica sanada a falta de audição prévia do contribuinte”.
Mas alega que “não o fez nem o poderia ter feito pois tal
interpretação não é lógica e não era seguida pelo Tribunal Central
Administrativo na altura” e que “o entendimento [que o] Tribunal Central
Administrativo Sul fez era de todo «insólito» e «imprevisível» quando a
recorrente interpôs o seu recurso”. Sustenta, por isso, que “nestes casos, em
que o recorrente já não dispõe de «oportunidade processual» para suscitar a
questão e estamos perante um caso «anómalo» ou «excepcional», deve o recurso ser
admitido”.
7. Reitera-se o que, quanto a este ponto, se disse na decisão sumária
reclamada: o entendimento impugnado pela ora reclamante – segundo o qual “tendo
sido feita a impugnação judicial do acto de liquidação de 2° grau fica sanada a
falta de audição prévia do contribuinte” – não era “de todo «insólito» e
«imprevisível» quando a recorrente interpôs o seu recurso”, pois que não foi
perfilhado pela primeira vez no acórdão aqui recorrido.
Com efeito, e desde logo, tal entendimento estava subjacente à
decisão proferida nestes autos pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância do
Porto, como se refere na decisão sumária reclamada. Assim, e tendo em conta que
um dos problemas suscitados pela ora recorrente na impugnação judicial que deu
origem ao presente recurso dizia respeito à “falta de audiência prévia”, não
podia a recorrente deixar de suscitar em termos adequados a
inconstitucionalidade do artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo,
de modo a abrir a via do recurso de constitucionalidade.
Aliás, já anteriormente o Tribunal Central Administrativo
afirmara:
“[…]
XVII - É que a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por
preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída
para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir [a]
justeza e correcção do acto final do procedimento. Porque se trata de um trâmite
destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de
também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial,
quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidado do acto
final.
XVIII - Visto que a recorrente deduziu impugnação judicial, não tem aquela
preterição relevância invalidante pois da preterição da formalidade não resultou
uma lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos pelo preceito
violado já que, mesmo a admitir a aplicabilidade do regime do artº100º do CPA,
não obstante tal preterição, veio a atingir-se o resultado que com ela se
pretendia alcançar e que é a defesa contra o acto tributário.
[…].”.
(Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 25 de Janeiro de 2000, proc.
1023/98, disponível em www.dgsi.pt/, em “Tribunal Central Administrativo Sul”).
8. Certo é porém – e aqui reside o argumento decisivo para o não
conhecimento do recurso quanto à segunda interpretação enunciada no respectivo
requerimento de interposição – que a ora reclamante não colocou ao tribunal
recorrido uma autêntica questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao
artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, pois que, como se
demonstrou, nas alegações que produziu perante esse tribunal, se limitou a
imputar ao procedimento administrativo e à sentença então recorrida os vícios de
violação de lei e de violação da Constituição.
Não merece assim censura a decisão sumária reclamada.
Como tal, improcede a reclamação.
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, mantendo-se a decisão
sumária de não conhecimento do recurso, constante de fls. 301 e seguintes.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos