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Processo n.º 389/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal foi decidido, para o
que ora releva, declarar nulas as escutas telefónicas constantes dos autos e,
consequentemente: i) não pronunciar os arguidos A. e B. pelo crime de associação
criminosa de que vinham acusados; ii) não pronunciar o arguido C. pelo crime de
tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, de que vinha acusado;
iii) pronunciar os arguidos A. e B. por um crime de tráfico de estupefacientes
agravado; iv) pronunciar o arguido A. por um crime de detenção de arma proibida.
2. Inconformado com esta decisão, na parte em que considerou nulas as escutas
telefónicas e, consequentemente, em que não pronunciou os arguidos nos exactos
termos constantes da acusação, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da
Relação de Lisboa, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Para que se possa recorrer ao meio de obtenção de prova que são as escutas
telefónicas e para investigar um dos crimes constantes do elenco do n° 1, do
art° 187°, do CPP, não é exigível que existam já indícios do crime, mas apenas
que a diligência se revele de grande interesse para a descoberta da verdade ou
para a prova;
2. As denúncias anónimas não são legalmente proibidas pelo que são admissíveis,
nos termos disposto no art° 125°, do CPP e a prova que das mesmas poderá
decorrer livremente apreciadas, segundo as regras da experiência e a livre
convicção da entidade competente, nos termos do disposto no art° 128°, do mesmo
diploma;
3. Assim, o recurso às escutas telefónicas autorizadas nos autos com base na
informação cuja fonte a Polícia Judiciária preferiu manter no anonimato, por
razões de segurança, com vista à investigação do crime de tráfico de drogas,
afigura-se proporcional e adequada, sendo perfeitamente válida;
4. O tempo de demora decorrido, nos presentes autos, entre a cessação das
intercepções e a sua apresentação em juízo, que só em três casos excede, os 15
dias, afigura-se perfeitamente razoável, tendo em conta o elevado número de
intercepções realizadas nos autos, bem como a necessidade de prévia análise do
seu teor, por forma a poder fundamentar novas propostas de diligências;
5. Os despachos judiciais proferidos tempestivamente e que acolhem as sugestões
policiais de selecção de conversações, bem como de propostas de intercepção de
novos postos ou a cessação de outras já iniciadas não podem levar à conclusão de
falta de controlo judicial das escutas;
6. No acompanhamento da operação telefónica não se impõe que a escuta seja
materialmente realizada pelo juiz, mas deve assegurar-se um acompanhamento
contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato na terminologia
legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real em função do
decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou;
7. As escutas telefónicas realizadas nos autos foram autorizadas e submetidas,
ao longo da sua execução, a controlo judicial, pelo são válidas;
8. Os art°s 134° e 136° da acusação, ao indicarem o processo em que foi julgado
anteriormente o arguido [A] (n° 89/90, do 2° juízo 2ª secção, do Tribunal do
Cartuxo), a pena que lhe foi então aplicada (seis anos de prisão) e o momento em
que a mesma foi julgada cumprida (1998-09- 12), constantes do CRC junto aos
autos, bem como a data dos factos ora acusados, indica os elementos necessários
para que possa ser incriminado como reincidente;
9. Ao não considerar válidas as escutas telefónicas realizadas nos autos e, como
consequência, não pronunciar os arguidos nos termos constantes da acusação, a
decisão instrutória ora recorrida violou o disposto no art° 34° da CRP, art°
187°, nº 1 a) e b), 188°, 125° e 128°, todos do CPP;
10. Ao não incriminar o arguido [A] como reincidente, a decisão instrutória
violou o disposto no art° 75°, do C. Penal.
Nos termos expostos, deverá ser julgado procedente, porque provado, o presente
recurso e, em consequência, revogada a decisão instrutória proferida nos autos,
ordenando a sua substituição por outra que considere as escutas realizadas nos
autos válidas e pronuncie os arguidos, nos termos em que vinham acusados.”
3. Em resposta disseram os arguidos, para o que agora importa:
3.1. O arguido A.:
“[...] 6. Também, a interpretação da norma do art. 187º nº 1 alínea b) do CPP,
no sentido de se considerar ilegal o recurso a escutas telefónicas com
fundamento em denúncia anónima de ilícito de tráfico, sem que existam outras
diligências ou factos que indiciem o referido ilícito e sem que resulte
impossibilidade ou dificuldade de recurso a outros meios probatórios menos
lesivos do direito ao sigilo na comunicação telefónica, é inconstitucional por
violação do disposto nos artgsº 32 nº 1, 34º nº 1 e 4 da C.R.P. [...]
10. Sendo a interpretação do preceito do art.°188 n° 1 e 3 do C.P.P., no sentido
de se considerar legal o procedimento relativo a escutas telefónicas, quando o
Juiz acolha as sugestões da Polícia Judiciária para autorizar escutas, ordenar
transcrições da matéria seleccionada e determinar a cessação, sem que esteja
documentado nos autos qualquer intervenção do Juiz no acompanhamento das
escutas, durante o seu decurso, em ordem à sua manutenção ou cessação, bem como,
o envio dos autos contendo os Cd’s de escutas ao Juiz após a sua cessação, sem
ser imediatamente e sem qualquer facto explicativo, inconstitucional por
violação do disposto no artg° 32 n° 1 , 34 n° 1 e 4 do C.R.P.
3.2. A arguida B.:“[...]”
3.3. O arguido C. nada disse que possa importar ao ponto relativo às escutas
telefónicas, limitando-se a concluir que “independentemente de terem sido
julgadas inválidas ou não as escutas realizadas nestes autos”, “inexistem
quaisquer indícios da prática […] do crime que lhe vem imputado”.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Janeiro de 2006,
decidiu conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e
ordenando “que o mesmo seja substituído por outro que julgue válidas as escutas
efectuadas nestes autos e pronuncie os arguidos nos termos da acusação deduzida
pelo Ministério Público”.
5. Inconformados com esta decisão, os arguidos A. e B. recorreram para o
Tribunal Constitucional, através de requerimentos do seguinte teor:
5.1. O recurso do arguido A.:
“[...] notificado do acórdão proferido por este Tribunal, em 19/1/06, por, de
forma alguma, se poder conformar com o mesmo, pretende dele interpor o
competente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições
conjugadas dos artgs° 69, 70 nº 1 alínea b) e 2, 71 nº 1, 75 nº 1 e 75-A, n°1 e
2 da lei 28/82 de 15/11.
O recurso deverá subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, nos
termos do artg° 78 no 3 do supra-referido diploma legal.
O, ora, recorrente suscitou nas suas contra-alegações ao recurso do M. Público,
conclusões 6 e 10, as seguintes inconstitucionalidades: Também, a interpretação
da norma do artg° 187 n.° 1 alínea b) do C.P.P., no sentido de se considerar
legal o recurso a escutas telefónicas com fundamento em denúncia anónima de
ilícito de tráfico, sem que existam outras diligências ou factos que indiciem o
referido ilícito e sem que resulte impossibilidade ou dificuldade de recurso a
outros meios probatórios menos lesivos do direito ao sigilo na comunicação
telefónica, é inconstitucional por violação do disposto nos artgs° 32 n° 1, 34
n° 1 e 4 da C.R.P.
Sendo, a interpretação do preceito do artg° 188 n° 1 e 3 do C.P.P., no sentido
de se considerar legal o procedimento relativo a escutas telefónicas, quando o
Juiz acolha as sugestões da Policia Judiciária para autorizar escutas, ordenar
transcrições da matéria seleccionada e determinar a cessação, sem que esteja
documentado nos autos qualquer intervenção do Juiz no acompanhamento das
escutas, durante o seu decurso, em ordem à sua manutenção ou cessação, bem como,
o envio dos autos contendo os Cds de escutas ao Juiz após a sua cessação, sem
ser imediatamente e sem qualquer facto explicativo, inconstitucional por
violação do disposto nos artgs° 32 n° 1, 34 n° 1 e 4 da C. R. P.[...]”
5.2. O recurso da arguida B. “[...]”
6. Por sua vez, o arguido C. reagiu arguindo a nulidade do acórdão. Para o que
ora releva, alegou o seguinte:
“[...] 3. Como se vê, nas conclusões formuladas pelo M.P., são apenas duas as
questões suscitadas:
- da validade das escutas e consequente validade ou não do despacho de não
pronúncia (parcial) proferido nessa sequência pelo TCIC (conclusões formuladas
sob os n°s. 1 a 7 e 9);
- a do enquadramento como reincidente de um determinado Arguido (conclusões
formuladas sob os n°s. 8 e 10)
[...]
11. Ora, como bem sabido, e como o próprio Acórdão em causa faz questão de
lembrar, a fis. 10, “o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do
recorrente”.
12. Assim, tendo sido alegadas pelo M.P., nas respectivas conclusões, apenas as
duas questões supra referidas no ponto 3,
13. O TRL ao entender, como de facto entendeu, validar a escutas e o
enquadramento dado a determinado Arguido como reincidente, não podia ordenar ao
TCIC, como o fez, a pronúncia de todos os arguidos nos termos da acusação,
14. Mas apenas e tão-só ordenar ao TCIC que, tendo em conta a validação das
escutas e o referido enquadramento como reincidente, proferisse em conformidade
novo Despacho de pronúncia ou não pronúncia nos termos legais (i.e., de acordo
com o disposto no art. 308° do CPP)
[...]
24. Pelo que, também por este motivo, se reitera quanto supra se disse no
sentido de que ao TRL competia, in casu, apenas e tão-só ordenar ao TCIC que,
tendo em conta a validação das escutas e o referido enquadramento como
reincidente, proferisse em conformidade novo Despacho de pronúncia ou não
pronúncia nos termos legais.
25. Interpretação divergente, neste aspecto, dos arts. 17°, 288°/1 e 2, 290°,
307°, 308°, 425°/4 e 379°/i, alínea c), todos do CPP,
26. I.e. no sentido de considerar que, no condicionalismo em questão, o TRL
possa ordenar ao TCIC o proferir de despacho de pronúncia, nos termos em que
aquele o fez, em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência,
27. Nenhuma nulidade ocorrendo por tal facto, nomeadamente por excesso de
pronúncia
28. Tal interpretação, reitera-se, viola os princípios da estrutura acusatória
do processo penal e do juiz natural, plasmados no artigo 32°, nos 4, 5 e 9 da
Constituição da República Portuguesa (CRP)
Por último,
29. Admitindo subsidiariamente que assim se não entenda, i.e., hipoteticamente,
que não se verificaria o assinalado excesso de pronúncia do Acórdão ora arguido
de nulidade, quer considerando o teor das conclusões do Recorrente, quer
considerando o teor do decidido pelo TCIC,
30. Então, sempre se diria verificar-se, em contrapartida, nulidade do Acórdão
em causa, precisamente pela razão contrária, i.e., por omissão de pronúncia,
correspondente especificamente à ausência, naquele, da apreciação minimamente
crítica de toda a prova carreada para os Autos, quer em sede de inquérito, quer
em sede de instrução, rio sentido de concluir pela respectiva suficiência
indiciária, ou não, à luz do disposto no art. 308° do CP.[...]
38. Ora, no caso vertente e no que ao Arguido diz respeito, em sede de Instrução
foram alegados factos, junto documentos e ouvidas testemunhas, que explicam a
actuação do Arguido no que respeita ao caso sub judice e permitem concluir no
sentido inexistência de indícios suficientes quanto à prática de qualquer crime,
39. O que, admitindo por mera hipótese que assim se não entenda, sempre teria
tal entendimento de ser minimamente fundamentado, comparando criticamente a
versão factual da acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão
factual do Arguido plasmada no requerimento de abertura de instrução, e
respectivo suporte probatório também.
40. Certo é que tal comparação, mínima que seja, não se mostra feita no Acórdão
ora arguido de nulidade,
41. O qual parece, com toda a sinceridade, ter em absoluto desconsiderado o
requerimento instrutório do Arguido ora Arguente,
42. O que, sendo à partida perfeitamente aceitável tendo em conta o âmbito do
recurso tal como supra definido,
43. Já não o é caso hipoteticamente se considere como válida a ordem de
pronúncia dada ao TCIC,
44. Pois teria então o TRL que efectiva e criticamente analisar a prova carreada
para os autos, de forma a concluir fundadamente no sentido da respectiva
suficiência ou não.
45-. Interpretação divergente, neste aspecto, dos arts 286º, 287º, 289º, 308º,
425º / 4, e 379º /1, alínea c), todos do CPP,
46. I.e., no sentido de considerar que, no condicionalismo em questão, o TRL
possa ordenar ao TCIC o proferir de despacho de pronúncia, nos termos em que
aquele o fez, em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência,
47. Sem que o TRL haja, para tanto, comparado de forma crítica, ainda que
sumária, a versão factual da acusação, e respectivo suporte probatório, com a
versão factual do Arguido plasmada no requerimento de abertura de instrução, e
respectivo suporte probatório também,
48. Para concluir no sentido da suficiência indiciária ou não da acusação, em
parte ou na totalidade, para submeter aquele a julgamento,
49. Nenhuma nulidade ocorrendo por tal facto, nomeadamente por omissão de
pronúncia,
50. Tal interpretação, reitera-se, viola os princípio das garantias de defesa e
da estrutura acusatória do processo penal, plasmados no artigo 32°, nºs. 1 e 5,
da CRP.[...]”
7. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9 de Março de 2006, indeferiu
as alegadas nulidades.
8. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional pelo
arguido C., através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...] notificado do Douto Acórdão proferido no sentido do indeferimento do
respectivo Requerimento de Arguição de Nulidade, vem do mesmo apresentar RECURSO
para o Tribunal Constitucional, sendo que:
a) O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70º
da LTC;
b) A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie é, concretamente, a constante do art. 379º, n.º 1, alínea c) do Código
de Processo Penal;
c) A norma e princípios constitucionais violados, do ponto de vista do
Recorrente, e cuja identificação se impõe de acordo com o disposto no art. 75°/2
da LTC, são: o art. 32° da Constituição da República Portuguesa; o princípio da
estrutura acusatória do processo penal e o princípio do juiz natural;
d) A questão da inconstitucionalidade da norma referida supra na alínea b), tal
como interpretada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi suscitada no
Requerimento de Arguição de Nulidade apresentado pelo Recorrente.
Mostrando-se, assim, cumpridos os requisitos previstos na LTC, deverá ser
admitido o presente recurso.[...]”
9. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária que, na parte relativa aos ora reclamantes, tem o seguinte teor:
“9. O recurso do arguido A..
Importa, antes de mais, decidir se se pode conhecer do objecto deste recurso,
uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr.
art. 76º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
9.1. Pretende o recorrente ver apreciada por este Tribunal a constitucionalidade
do artigo 187º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, quando
interpretado, nas palavras do 1º recorrente, “no sentido de se considerar legal
o recurso a escutas telefónicas com fundamento em denúncia anónima de ilícito de
tráfico, sem que existam outras diligências ou factos que indiciem o referido
ilícito e sem que resulte impossibilidade ou dificuldade de recurso a outros
meios probatórios menos lesivos do direito ao sigilo na comunicação telefónica”,
por alegada violação do disposto nos artigos 32 n.º 1 e 34 n.ºs 1 e 4 da
Constituição.
Como se verá sumariamente já de seguida, não pode, porém, nesta parte,
conhecer-se do objecto do recurso.
Na verdade, para que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional possa ter lugar, torna-se
necessário que, tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, a exacta questão de constitucionalidade normativa que
pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, a decisão recorrida tenha,
não obstante, efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma ou
interpretação normativa arguida de inconstitucional. Acontece, contudo, que, no
caso concreto, tendo o acórdão recorrido invocado a realização “da análise
global de todos os indícios dos autos”, compulsados estes, se constata que
aquele preceito não foi efectivamente aplicado no exacto sentido normativo que
vem questionado pelo recorrente e que supra já transcrevemos.
Em primeiro lugar, porque a decisão de ordenar as escutas não teve origem numa
denúncia anónima, mas antes numa denúncia efectuada por pessoa identificada
perante o inspector da Polícia Judiciária responsável que, por uma questão de
segurança, solicitou que não fosse identificada a fonte. Em segundo lugar,
porque também se não pode afirmar que não existiram “outras diligências ou
factos que indiciem o referido ilícito”. Nesse sentido pode ler-se na mesma
informação de serviço da Polícia Judiciária que dá origem ao processo que
“segundo informações recolhidas e diligências efectuadas por esta Brigada, da
Polícia Judiciária, foi possível apurar que o Borda D`Água raramente está na sua
área de residência, deslocando-se frequentemente por toda a zona centro,
inclusivamente fazendo viagens a Espanha, de forma a camuflar as suas
actividades ilícitas [...]”; e, mais à frente, “diversas informações apontam
para que o Borda D`Água se prepara para importar de Espanha, nos próximos dias,
uma elevada quantia de produto estupefaciente que irá introduzir no mercado
nacional”. Finalmente, porque também não pode afirmar-se que a norma foi
aplicada no sentido de que é possível autorizar escutas telefónicas “sem que
resulte impossibilidade ou dificuldade de recurso a outros meios probatórios
menos lesivos do direito ao sigilo na comunicação telefónica”. Nesse sentido
refere-se expressamente na decisão recorrida o seguinte: “Apesar [de a] lei,
como referimos, não exigir, para a realização de uma escuta, que se afirme ou
comprove a impossibilidade do recurso a outros meios de prova, aceitamos a
posição defendida pelo Prof. Manuel de Andrade [quererá referir-se o Prof.
Manuel da Costa Andrade], que, conforme vem citado na decisão recorrida, entende
que «não será legítimo ordenar escutas telefónicas nos casos em que os
resultados probatórios almejados possam, sem dificuldades particularmente
acrescidas, ser alcançados por meio mais benigno de afronta dos direitos
fundamentais [...] (Negritos aditados).
Em face do exposto, apenas resta concluir que, não tendo o questionado artigo
187º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal sido interpretado e aplicado
no exacto sentido que o recorrente pretende ver confrontado com a Constituição,
não pode conhecer-se, nesta parte, do objecto do recurso.
9.2. Pretende ainda este recorrente ver apreciada pelo Tribunal Constitucional a
constitucionalidade do artigo 188º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal,
interpretado “no sentido de se considerar legal o procedimento relativo a
escutas telefónicas, quando o Juiz acolha as sugestões da Policia Judiciária
para autorizar escutas, ordenar transcrições da matéria seleccionada e
determinar a cessação, sem que esteja documentado nos autos qualquer intervenção
do Juiz no acompanhamento das escutas, durante o seu decurso, em ordem à sua
manutenção ou cessação, bem como, o envio dos autos contendo os Cds de escutas
ao Juiz após a sua cessação, sem ser imediatamente e sem qualquer facto
explicativo”, por alegada “violação do disposto nos artgs° 32 n° 1, 34 n° 1 e 4
da C. R. P.”
É, todavia, manifesto que, formulada nos termos em que o recorrente, no
cumprimento do ónus, que é o seu, de delimitar o objecto do recurso de
constitucionalidade, colocou a questão, também não pode conhecer-se do recurso
nesta parte, como veremos já de seguida.
Na verdade, também neste ponto não é possível afirmar-se que a norma tenha sido
interpretada e aplicada no exacto sentido normativo que o recorrente lhe atribui
e que pretende ver confrontado com a Constituição da República Portuguesa, como
é exigido pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, ao abrigo da qual recorre.
Com efeito, compulsados os autos, não só não é possível afirmar-se que não
“esteja documentado nos autos qualquer intervenção do Juiz no acompanhamento das
escutas, durante o seu decurso”, como, além disso, se retira do próprio acórdão
recorrido uma interpretação oposta, já que aí se afirma, expressamente, quando
se procede à análise da eventual falta de controlo judicial das escutas,
entretanto alegada nos recursos apresentados, que:
“[...] l. Não se vê que o Sr. Juiz do Tribunal da Nazaré não tenha controlado
devidamente a realização das escutas. O facto de ter aceite as sugestões de
todas as propostas de selecção, mas também nas decisões de prorrogação das
escutas em curso da Polícia Judiciária, bem como do Ministério Público não
significa que tenha sido acrítica.
[...]
Como muito bem aponta o Ministério Público “aderir à sugestão do OPC não pode
ser confundido, de modo algum, com ausência de controlo das escutas telefónicas
em curso”.
Esse acompanhamento está documentado, precisamente, nos despachos judiciais
proferidos todas as vezes que os autos foram presentes em juízo, juntamente com
os CDs contendo os registos, decidindo atempadamente, antes da junção ao
processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção
ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
o. Concluímos, pois, que as escutas realizadas no âmbito dos presentes autos
foram judicialmente controladas, nos termos do disposto no art° 188°, do CPP,
pelo que deverão ser julgadas válidas.
Assim verificou-se por um lado, a sua admissibilidade legal atento o crime em
investigação e a sua importância e necessidade para a descoberta da verdade e
para a prova; por outro lado, as mesmas escutas telefónicas tiveram controlo
jurisdicional, ao contrário do que foi decidido em sede de decisão instrutória.
[...]”
Ora, não tendo o artigo 188º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal sido
interpretado e aplicado no exacto sentido normativo cuja constitucionalidade o
recorrente questiona e pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional,
imperioso se torna constatar que, também nesta parte, se não pode conhecer do
objecto do recurso interposto por este recorrente.
9.3. Assim sendo, como inquestionavelmente é, nada mais resta do que concluir
pela impossibilidade de conhecimento do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade interposto pelo recorrente, por manifesta falta dos seus
pressupostos legais de admissibilidade.
[…]
11. O recurso do arguido C.
Importa, por último, uma vez mais, decidir se pode conhecer-se do objecto deste
recurso, uma vez que a decisão que o admitiu, como é sabido, não vincula o
Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, nº 3, da Lei do Tribunal
Constitucional).
11.1. Pretende este recorrente, em primeiro lugar, que o Tribunal aprecie a
constitucionalidade do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal, quando interpretado em termos de considerar que não é nulo, por excesso
de pronúncia, um acórdão da Relação que, concluindo, diferentemente da decisão
instrutória recorrida, pela validade das escutas telefónicas efectuadas nos
autos, ordena ao Tribunal de Instrução Criminal que profira despacho de
pronúncia, “em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência,” sendo certo que
as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, se limitam a questionar
“a invalidade das escutas e o enquadramento como reincidente de um determinado
Arguido”.
Mas, como vai sumariamente ver-se já de seguida, não pode, nesta parte,
conhecer-se do objecto do recurso.
Na verdade, para que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional possa ter lugar, torna-se
necessário que, tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, a exacta questão de constitucionalidade normativa que
pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, a decisão recorrida tenha,
não obstante, efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma ou
interpretação normativa arguida de inconstitucional durante o processo.
Ora, tal não aconteceu nos presentes autos.
Com efeito, a decisão recorrida considerou (em termos que a este Tribunal não
compete sindicar) que nas alegações do recurso que interpôs e, inclusivamente,
nas próprias conclusões do mesmo, o Ministério Público - então recorrente -
solicitava expressamente ao Tribunal da Relação que revogasse a decisão
instrutória proferida nos autos e ordenasse a sua substituição por outra que,
considerando válidas as escutas realizadas, “pronuncie os arguidos, nos termos
em que vinham acusados”. Na verdade, afirmou-se naquele acórdão:
“[...] De nenhuma nulidade sofre o acórdão prolatado por esta Relação, que deu
provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico, revogando o despacho
recorrido e ordenando a sua substituição por outro que julgue válidas as escutas
efectuadas e pronuncie os arguidos nos termos da acusação deduzida pelo
Ministério Público. Como consta das alegações de recurso é precisamente como
quando o Juiz acolha as sugestões da Policia Judiciária para autorizar escutas,
ordenar transcrições da matéria seleccionada e determinar a cessação, sem que
esteja documentado nos autos qualquer intervenção do Juiz no acompanhamento das
escutas, durante o seu decurso, em ordem à sua manutenção ou cessação
Não procede assim esta nulidade, já que o Tribunal decidiu de acordo com o que
lhe fora pedido na sequência de ter considerado existir fundamento para
tal.[...]”
Mas, assim sendo, evidente se torna que o artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código
de Processo Penal, não foi efectivamente aplicado pela decisão recorrida no
exacto sentido normativo com que o recorrente o pretende ver confrontado com a
Constituição. Concretamente, não foi efectivamente interpretado e aplicado em
termos de permitir ao Tribunal da Relação que ordene a pronúncia dos arguidos
nos termos em que vinham acusados, sem que tal ordem corresponda aos expressos
termos da solicitação que lhe foi apresentada pelo recorrente Ministério Público
nas conclusões do recurso que então apresentou.
Ora, não tendo o preceito cuja constitucionalidade vem questionada sido
efectivamente aplicado pela decisão recorrida no exacto sentido normativo que,
nesta parte do recurso, o recorrente pretende ver confrontado com a
Constituição, não pode conhecer-se do seu objecto, por manifesta falta de um dos
seus pressupostos legais de admissibilidade.
11.2. Pretende ainda o recorrente que o Tribunal Constitucional se pronuncie
sobre a alegada inconstitucionalidade do mesmo artigo 379º, n.º 1, alínea c) do
Código de Processo Penal, agora quando interpretado em termos de considerar que
não é nulo, por omissão de pronúncia, o acórdão do Tribunal da Relação que,
concluindo, diferentemente da decisão instrutória recorrida, pela validade das
escutas telefónicas efectuadas nos autos, ordena ao Tribunal de Instrução
Criminal que profira despacho de pronúncia, “em vez de simplesmente lhe ordenar,
como deveria ter feito, que profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em
conformidade com o decidido quanto às questões - prévias - das escutas e da
reincidência,” sem que o Tribunal da Relação compare “de forma crítica, ainda
que sumária, a versão factual da acusação, e respectivo suporte probatório, com
a versão factual do Arguido plasmada no requerimento de abertura de instrução, e
respectivo suporte probatório também”.
Mas, também nesta parte, não pode conhecer-se do objecto do recurso.
Na verdade, também aqui, não pode concluir-se que o acórdão recorrido tenha
efectivamente aplicado o preceito que vem questionado no exacto sentido
normativo indicado pelo recorrente, uma vez que no mesmo se pode ler que “este
Tribunal avaliou os indícios suficientes para a decisão de pronunciar o arguido
como se alcança da decisão”, passando de seguida a transcrever a parte do
acórdão que ordenou a pronúncia do ora recorrente em que, alegadamente, teria
apreciado de forma crítica os elementos de prova constantes dos autos que
suportam aquela decisão. O que, como já se viu, conduz à impossibilidade de
conhecimento do objecto recurso por este Tribunal.
Acresce que, o recorrente, tendo invocado a nulidade do acórdão por omissão de
pronúncia, pretende ver confrontada com a Constituição uma determinada
interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal -
a que, alegadamente, permitiria que, sem nulidade, pudesse ser dispensada uma
comparação “crítica, ainda que sumária, da versão factual da acusação, e
respectivo suporte probatório, com a versão factual do Arguido plasmada no
requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte probatório também”.
Acontece, porém, que uma tal interpretação, a gerar nulidade, não pode ser
retirada da alínea que o recorrente questiona, mas antes, quando muito, da
alínea a) do artigo 379º do Código de Processo Penal, conjugada com o n.º 2 do
artigo 374º, preceitos que não vêm, de todo em todo, questionados pelo
recorrente no requerimento de interposição do recurso, que delimita o objecto do
presente recurso, nem, aliás, alguma vez viram a sua inconstitucionalidade
suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Ora, verificando-se, por um lado, que o acórdão recorrido não interpretou a
alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal no exacto sentido
normativo indicado pelo recorrente e, por outro, que esse sentido normativo que
o recorrente pretende ver confrontado com a Constituição - o de que, sem
nulidade, possa ser dispensada uma comparação crítica “da versão factual da
acusação [...] com a versão factual do Arguido” -, apenas pode ser imputado à
alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, conjugada com o
n.º 2 do artigo 374º do mesmo Código, disposições indispensáveis para a
construção da norma questionada e cuja inconstitucionalidade não foi suscitada
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, nem invocada no
requerimento de interposição do presente recurso, tanto basta para que, por
qualquer uma destas razões, cada uma delas só por si suficiente para fundamentar
a decisão, se não possa, também neste ponto, conhecer do recurso.
11.3. Pelo exposto, há que concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto
do recurso interposto por este recorrente, por falta manifesta dos respectivos
pressupostos legais de admissibilidade.
10. Inconformados com esta decisão, os recorrentes A. e C. vieram, ao abrigo do
n.º 5 do art.º 78°-A da LTC, reclamar para a conferência, reclamação que
fundamentaram no seguintes termos:
10.1. O reclamante A.:
“QUESTÃO PRÉVIA
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sob censura, foi proferido sobre
recurso interposto pelo M.Público a fls. 8157.
Quando o processo deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa e antes de ser
concluso ao relator, o M. Público alterou a sua posição, a fls. 8279 a 8280 v.
considerando, então, que a decisão recorrida tinha decidido em conformidade com
a lei, não merecendo o recurso provimento.
E, nos termos do artg° 401 n° 2 do C.P.P. não pode recorrer quem não tiver
interesse em agir.
Ora o Ministério Público, ao aceitar, expressamente, o decidido em 1ª instância,
deixou, a partir dessa altura, de ter interesse em agir, pelo que não podia o
Tribunal da Relação conhecer do recurso.
Neste sentido, Ac. Rel. Porto de 14/4/99, publicado na Colectânea de
Jurisprudência, Tomo XXIV, pg. 231.
Por outro lado, a declaração de concordância com a decisão recorrida, após a
interposição de recurso dessa decisão, corresponde, implicitamente, a uma
desistência desse recurso.
Sendo certo que podendo tal desistência ser declarada mesmo após ter sido
lavrado acórdão, desde que a decisão não tenha transitado em julgado — Ac. STJ
de 47.96, C.J./STJ, 1996, 3°, pg. 7, como sucede no caso concreto, e não se
tendo, o Tribunal recorrido, pronunciado sobre a mesma, nada obsta a que o
Tribunal Constitucional dê sem efeito o recurso do Ministério Público ou julgue
válida a desistência desse recurso, determinando-se a baixa dos autos ao
Tribunal da Relação de Lisboa para reforma da decisão proferida em função do
decidido pelo Tribunal Constitucional.
QUANTO À RECLAMAÇÃO
O recorrente arguiu a inconstitucionalidade do preceito do artg° 188 n° 1 e 3 do
C.P.P., se interpretado no sentido de se considerar legal o procedimento
relativo a escutas telefónicas, quando o Juiz acolha as sugestões da Polícia
Judiciária para autorizar escutas, ordenar transcrições da matéria seleccionada
e determinar a cessação, sem que esteja documentado nos autos qualquer
intervenção do juiz no acompanhamento das escutas. durante o seu decurso, em
ordem à sua manutenção ou cessação, bem como, o envio do autos contendo os Cd’s
de escutas ao Juiz, após a sua cessação, sem ser imediatamente e sem qualquer
facto explicativo, por violação do disposto no artg° 32 n°1, 34 n°1 e 4 da
C.R.P.
A decisão sumária considerou que o artg° 188º, n° 1 e 3 do C.P.P. não foi
interpretado e aplicado no exacto sentido normativo cuja constitucionalidade o
recorrente questiona, pelo que não era possível conhecer do objecto do recurso.
Para tanto transcreveu-se parte da decisão recorrida, onde se refere que existem
nos autos elementos demonstrativos de um cabal acompanhamento judicial das
escutas telefónicas.
Porém, o tribunal recorrido considerou, aplicando o artg° 188 nº 1 e 3 do
C.P.P., que a legalidade do procedimento fica sufi[ci]entemente garantida com o
controlo judicial após cada período de intercepção.
Sendo certo que o recorrente arguiu a inconstitucionalidade da norma
supra-referida se não estivesse, também, documentado o acompanhamento judicial
durante os períodos de intercepção.
Pelo que, salvo melhor opinião se deveria ter tomado conhecimento do recurso.
Por outro lado,
A arguição de inconstitucionalidade é também referente ao envio dos autos
contendo os CD’s de escutas ao juíz após a sua cessação, sem ter sido
imediatamente e sem qualquer facto explicativo.
A este propósito a decisão recorrida, interpretou e aplicou a norma do artg° 188
n° 1 do C.P.P., considerando que os períodos que mediaram entre a finalização de
cada período de escutas e a apresentação das mesmas ao Juiz não padece de
ilegalidade.
E a decisão sumária não se pronunciou sequer, sobre este segmento da arguição,
pelo que , também, por este fundamento se afigura que se deveria ter tomado
conhecimento do recurso.
TERMOS em que se requer a V.Excsª se dê sem efeito ou seja declarada válida a
desistência do recurso do Ministério Público, ou alterada a decisão sumária
proferida, de modo a conhecer-se do recurso do recorrente, no que tange à
arguição de inconstitucionalidade da norma do artg° 188 n° 1 e 3 do C.P.P”.
10.2. O reclamante C.:
“[...] II) - DA QUESTÃO DE FUNDO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO
5. Ao contrário do que se faz constar da decisão sumária ora reclamada é,
precisa e inequivocamente, nos sentidos apontados pelo ora Recorrente no
respectivo requerimento de arguição de nulidade que o TRL veio a interpretar e
aplicar as alíneas c) e d) do n° 1 art. 379º do CPP, justamente ao indeferir a
referida arguição de nulidade, nos termos e circunstancialismo nos quais o fez.
6. É que, se é certo que, como assinala a decisão ora reclamada, “para que o
recurso ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70º da Lei do Tribunal
Constitucional possa ter lugar, torna-se necessário que, tendo o recorrente
suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta questão
de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, a decisão recorrida tenha, não obstante, efectivamente aplicado,
como ratio decidendi, a norma ou interpretação normativa arguida de
inconstitucional”.
7. O ora reclamante mantém e insiste, nesta sequência, que a interpretação
normativa por si arguida de inconstitucional foi, não obstante, efectivamente
aplicada pelo Tribunal a quo, no exacto sentido arguido de
inconstitucionalidade, sem tirar nem pôr.
8. Vejamos concretamente, passo a passo, os termos da arguição de nulidade em
causa, e subsequente decisão do TRL.
9. O ora Reclamante arguiu, resumindo, em termos de nulidade, em primeiro lugar,
o seguinte:
- ao contrário do que se fez constar no acórdão, que menciona uma alegada
décima-primeira conclusão, esta na realidade inexiste, sendo que o único
Recorrente (o MP) apresentou dez conclusões, expressa e inequivocamente
numeradas de 1 a 10;
- o que vem identificado como sendo mais uma, a décima-primeira e última
conclusão, mais não é do que o pedido final do Recurso apresentado pelo M.P.;
- nas conclusões formuladas pelo M.P., são apenas duas as questões suscitadas: a
da validade das escutas e consequente validade ou não do despacho de não
pronúncia (parcial) proferido nessa sequência pelo TCIC (conclusões formuladas
sob os n°s. 1 a 7 e 9); e a do enquadramento como reincidente de um determinado
Arguido (conclusões formuladas sob os n°s. 8 e 10);
- em ponto nenhum, rigorosamente nenhum, das referidas conclusões, é pelo
Recorrente sequer tentada a demonstração de que, validadas as escutas, e
considerados todos os demais elementos de prova carreados para os Autos, e
designadamente tendo em conta as alegações de facto e a prova obtida em sede da
Instrução, resulta a suficiência de indícios exigida por Lei, desde logo e
especificamente no que respeita ao Arguido ora Reclamante;
- e a simples validação das escutas não determina tal suficiência de indícios,
estando por demonstrar que da matéria probatória adquirida para o processo
resultam ou não indícios suficientes que permitam levar, nos termos legais, o
Arguido ora Reclamante a julgamento, tendo sido esse, especificamente, o objecto
do respectivo Requerimento de Abertura de Instrução formulado por aquele, sendo
certo que, volta a salientar—se, nada, rigorosamente nada, se mostra a esse
respeito alegado seja na Motivação do Recurso do M.P., seja, e que é o que mais
importa, nas respectivas conclusões;
- ora, como bem sabido o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do
recorrente, pelo que o TRL ao entender, como de facto entendeu, validar a
escutas e o enquadramento dado a determinado Arguido como reincidente, não podia
ordenar ao TCIC, como o fez, a pronúncia de todos os arguidos nos termos da
acusação, mas apenas e tão—só ordenar ao TCIC que, tendo em conta a validação
das escutas e o referido enquadramento como reincidente, proferisse em
conformidade novo Despacho de pronúncia ou não pronúncia nos termos legais;
10. Mais arguiu em segundo lugar o seguinte:
- os recursos estando limitados à reapreciação das questões já suscitadas, não
cabem no respectivo âmbito e por norma apreciar questões que não hajam já sido
objecto de uma primeira decisão (neste caso do TCIC), entendendo-se que os
juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, se devem
encontrar numa situação idêntica à do juiz da lª instância no momento de
proferir a sua sentença;
- ora a decisão do TCIC relativa à não validação das escutas corresponde à
decisão de uma verdadeira questão prévia e incidental, a qual, sendo certo que
condicionou a subsequente decisão instrutória (parcialmente de pronúncia e
parcialmente de não pronúncia, ao contrário do referido no ponto 1 do Acórdão em
causa, certamente por lapso), não se confunde com esta última;
- nesta sequência, não pode deixar de ser valorada com o carácter de novidade,
não tendo ainda sido proferida pelo TCIC, a decisão instrutória final tendo em
conta a apreciação de toda a matéria probatória carreada para os Autos,
incluindo a resultante da totalidade das escutas; ou seja, validadas as escutas,
deixa de haver identidade de situação entre os juízes de 1ª e 2ª instâncias no
que à decisão instrutória diz respeito:
- pelo que, também por este motivo, se reitera quanto supra se disse no sentido
de que ao TRL competia, in casu, apenas e tão-só ordenar ao TCIC que, tendo em
conta a validação das escutas e o referido enquadramento como reincidente,
proferisse em conformidade novo Despacho de pronúncia ou não pronúncia nos
termos legais.
11. A este respeito o ora Reclamante, invocou expressamente que interpretação
divergente, neste aspecto, designadamente do 379°, n.º 1, alínea c), do CPP,
i.e. no sentido de considerar que, no condicionalismo em questão, o TRL possa
ordenar ao TCIC o proferir de despacho de pronúncia, nos termos em que aquele o
fez, em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que profira
despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido quanto
às questões - prévias - das escutas e da reincidência, nenhuma nulidade
ocorrendo por tal facto, nomeadamente por excesso de pronúncia, tal
interpretação, reitera-se, viola os princípios da estrutura acusatória do
processo penal e do juiz natural, plasmados no artigo 32°, n°s 4, 5 e 9 da
Constituição da República Portuguesa;
12. Ora, é inequívoco, dir-se-á é facto, que:
- o TRL teve a esse respeito interpretação divergente, tanto que indeferiu a
arguição de nulidade
- essa interpretação divergente respeita especificamente, à interpretação
normativa questionada pelo Arguido, isto é: o TRL considerou que, no
condicionalismo em questão, podia ordenar ao TCIC o proferir de despacho de
pronúncia, em vez de simplesmente lhe ordenar que profira despacho de pronúncia
ou de não pronúncia em conformidade com o decidido quanto às questões - prévias
- das escutas e da reincidência, nenhuma nulidade ocorrendo por tal facto,
nomeadamente por excesso de pronúncia, sem que, na sua perspectiva, tal
interpretação violasse seja de que modo fosse qualquer preceito ou princípio
constitucional.
13. Nada, rigorosamente nada, releva para o caso a interpretação que se faz e o
nome que se dá aos factos processuais.
14. Não releva, desse modo, que o Tribunal a quo considere ter sido objecto de
conclusão pelo M.P. o que, documentalmente, e à luz dos Autos, o não é;
15. Não releva também o facto de o TRL ter tergiversado - e a decisão sumária
ter omitido - quanto à alegada distinção de posições entre o TCIC e o TRL, não
tendo aquele decidido em face das escutas que só este agora veio a validar;
16. Releva sim o facto de, nesse circunstancialismo, reitera-se
independentemente do modo que se o qualifique, o TRL ter aplicado a norma na
interpretação arguida de inconstitucionalidade,
17. Isto é e concretamente, tenha aplicado a alínea c) do n.º 1 do art. 379° do
CPP, no sentido considerar que, no condicionalismo em questão, podia ordenar ao
TCIC o proferir de despacho de pronúncia, em vez de simplesmente lhe ordenar que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência, nenhuma nulidade
ocorrendo por tal facto, nomeadamente por excesso de pronúncia, sem que, na sua
perspectiva, tal interpretação violasse seja de que modo fosse qualquer preceito
ou princípio constitucional.
18. Entendeu a decisão sumária a este respeito que o TRL não aplicou e
interpretou o supra referido normativo nesse sentido, questionado ab initio pelo
ora Reclamante,
19. Mas, com o devido respeito, e por todo o supra exposto, parece-nos que foi
exactamente isso, nem mais nem menos que fez..
20. É caso para dizer, sem querer qualificar quem porventura - se alguém - se
aproxima mais da bonomia ou da fantasia de uma ou outra das personagens, que
“onde Sancho vê moinhos, Dom Quixote vê gigantes”.
21. Mais arguiu o ora Reclamante, em termos de nulidade, o seguinte:
- mais se verifica, em contrapartida, a nulidade do Acórdão em causa,
precisamente pela razão contrária, i.e., por omissão de pronúncia,
correspondente especificamente à ausência, naquele, da apreciação minimamente
crítica de toda a prova carreada para os Autos, quer em sede de inquérito, quer
em sede de instrução, no sentido de concluir pela respectiva suficiência
indiciária, ou não, à luz do disposto no art. 308° do CP;
- para que os indícios sejam suficientes, é necessário que sejam precisos,
graves e concordantes;
- de facto, a exigência de uma suficiência indiciária, que em nada se pode
confundir com a existência de meros indícios, resulta do simples facto de que,
para qualquer pessoa, por mais idónea e inocente que seja, poder sempre existir
um mero indício;
- ora, no caso vertente e no que ao Arguido diz respeito, em sede de Instrução
foram alegados factos, junto documentos e ouvidas testemunhas, que explicam a
sua actuação do Arguido no que respeita ao caso sub judice e permitem concluir
no sentido da inexistência de indícios suficientes quanto à prática de qualquer
crime;
- o que, admitindo por mera hipótese que assim se não entenda, sempre teria tal
entendimento de ser minimamente fundamentado, comparando criticamente a versão
factual da acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão factual do
Arguido plasmada no requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte
probatório também;
- certo é que tal comparação, mínima que seja, não se mostra feita no Acórdão
arguido de nulidade, o qual parece ter em absoluto desconsiderado o requerimento
instrutório do Arguido ora Reclamante, o que, sendo à partida perfeitamente
aceitável tendo em conta o âmbito do recurso tal como efectivamente definido nas
conclusões (1 a 10) do M..P., já não o é caso hipoteticamente se considere como
válida a ordem de pronúncia dada ao TCIC.
22. O ora reclamante concluiu, nessa sequência, que interpretação divergente,
neste aspecto, designadamente da alínea c) do n° 1 do art. 379° do CPP, i.e. no
sentido de considerar que, no condicionalismo em questão, o TRL possa ordenar ao
TCIC o proferir de despacho de pronúncia, nos termos em que aquele o fez, em vez
de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que profira despacho de
pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido quanto às questões
- prévias - das escutas e da reincidência, sem que o TRL haja, para tanto,
comparado de forma crítica, ainda que sumária, a versão factual da acusação, e
respectivo suporte probatório, com a versão factual do Arguido plasmada no
requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte probatório também,
para concluir no sentido da suficiência indiciária ou não da acusação, em parte
ou na totalidade, para submeter aquele a julgamento, nenhuma nulidade ocorrendo
por tal facto, nomeadamente por omissão de pronúncia, tal interpretação,
reitera-se, viola os principio das garantias de defesa e da estrutura acusatória
do processo penal, plasmados no artigo 32°, n°s. 1 e 5, da CRP.
23. Ora, é inequívoco e é facto que:
- o TRL teve a esse respeito interpretação divergente, tanto que indeferiu a
arguição de nulidade;
- essa interpretação divergente respeita, especificamente, à interpretação
normativa questionada pelo Arguido, isto é: o TRL considerou que podia ordenar
ao TCIC o proferir de despacho de pronúncia, em vez de simplesmente lhe ordenar
que profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o
decidido quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência, sem ter,
para tanto, comparado de forma crítica, ainda que sumária, a versão factual da
acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão factual do Arguido
plasmada no requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte
probatório também, nenhuma nulidade ocorrendo por tal facto, nomeadamente por
omissão de pronúncia, sem que, na sua perspectiva, tal interpretação violasse
seja de que modo fosse qualquer preceito ou principio constitucional.
24. Também aqui nada releva para o caso a interpretação que se faz dos factos
processuais, e designadamente nada releva que o TRL afirme, afirmação que só o
vincula a ele, ter avaliado os indícios suficientes para a decisão de pronunciar
os arguidos:
25. É que, comprovadamente, da respectiva decisão não consta qualquer comparação
crítica, ainda que sumária, da versão factual da acusação, e respectivo suporte
probatório, com a versão factual do Arguido plasmada no requerimento de abertura
de instrução, e respectivo suporte probatório;
26. Releva sim o facto de, nesse circunstancialismo, reitera-se
independentemente do modo que se o qualifique, o TRL ter aplicado a norma na
interpretação arguida de inconstitucionalidade,
27. Isto é e concretamente, tenha aplicado a alínea c) do n° 1 do art. 379° do
CPP, no sentido considerar que, no condicionalismo em questão, podia ordenar ao
TCIC o proferir de despacho de pronúncia, em vez de simplesmente lhe ordenar que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência, sem ter, para
tanto, comparado de forma crítica, ainda que sumária, a versão factual da
acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão factual do Arguido
plasmada no requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte
probatório também, nenhuma nulidade ocorrendo por tal facto, nomeadamente por
omissão de pronúncia, sem que, na sua perspectiva, tal interpretação violasse
seja de que modo fosse qualquer preceito ou princípio constitucional.
28. Pelo que se conclui, também aqui ao contrário da decisão sumária, que o TRL
aplicou e interpretou o supra referido normativo nesse sentido, questionado ab
initio pelo ora Reclamante, o qual, dir-se-á finalmente, respeita de facto ao
disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 379º do CPP, e não à respectiva alínea
a), porquanto se trata não de urna simples questão de fundamentação, mas do
próprio cerne e finalidade da instrução: o apuramento da suficiência (leia-se
precisão, gravidade e concordância), ou não, dos indícios, de forma a comprovar,
ou não, a decisão de deduzir acusação ou de arquivar.[...]”.
11. Notificado para responder, querendo, às reclamações apresentadas, disse o
Ministério Público, ora reclamado:
11.1. Sobre a reclamação do reclamante A.:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Em primeiro lugar, é evidente que a matéria da “questão prévia”, suscitada
pelo reclamante – e atinente à tramitação do recurso no Tribunal “a quo” –
extravasa as competências deste Tribunal Constitucional, circunscritas à estrita
dirimição da questão de inconstitucionalidade normativa que integra o objecto do
recurso.
3 – Relativamente à matéria da impugnação deduzida contra a decisão sumária,
proferida nos autos, nada alega o recorrente que seja susceptível de abalar o
teor e sentido de tal decisão, por ser manifesto que a decisão recorrida não faz
aplicação dos estritos critérios normativos que o recorrente curou de
especificar, ao cumprir o ónus de delinear com precisão o objecto do recurso.
11.2. Sobre a reclamação do reclamante C.:
“1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, o arguido - na sua longa e prolixa argumentação - confunde
manifestamente os planos dos critérios normativos efectivamente aplicados pelo
acórdão recorrido e da enumeração e análise crítica de concretas e específicas
vicissitudes processuais, ocorridas nos autos.
3 - Não cabendo obviamente a este Tribunal Constitucional sindicar o conteúdo
concreto das peças processuais apresentadas nos autos, de modo a concluir - ao
contrário do que decidiram as instâncias - que certa questão fazia ou não fazia
parte do elenco de que o Ministério Público suscitara à apreciação da Relação ou
que a Relação - ao determinar a pronúncia do arguido - procedeu ou não a uma
valoração adequada das versões factuais apresentadas pela acusação e pela
defesa.
4 - Termos em que deverá confirmar-se inteiramente a decisão reclamada”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação
12. A Reclamação do recorrente A.
12.1. Começa o ora reclamante por solicitar ao Tribunal Constitucional que “dê
sem efeito o recurso do Ministério Público [o que havia sido interposto da
decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal para o Tribunal da Relação de
Lisboa] ou julgue válida a desistência desse recurso”. Mas, como é evidente,
esta solicitação não pode ser satisfeita por este Tribunal, a quem
manifestamente não cabe decidir da falta de interesse em agir ou da validade de
uma alegada desistência implícita do recurso que fora interposto para o tribunal
a quo. Com efeito, em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade, a
competência do Tribunal Constitucional circunscreve-se a averiguar se se
encontram reunidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso
para si interposto e, em caso afirmativo, a dirimir a específica questão de
constitucionalidade normativa que integra o seu objecto. Nada há, por isso, que
decidir no que se refere ao objecto da alegada “questão prévia” suscitada pelo
reclamante.
12.2. Com o recurso que interpôs pretendia o ora reclamante ver apreciada por
este Tribunal a constitucionalidade das seguintes normas:
(i) do artigo 187º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, quando
interpretado “no sentido de se considerar legal o recurso a escutas telefónicas
com fundamento em denúncia anónima de ilícito de tráfico, sem que existam outras
diligências ou factos que indiciem o referido ilícito e sem que resulte
impossibilidade ou dificuldade de recurso a outros meios probatórios menos
lesivos do direito ao sigilo na comunicação telefónica”, por alegada violação do
disposto nos artigos 32 n.º 1 e 34 n.ºs 1 e 4 da Constituição;
(ii) do artigo 188º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, interpretado “no
sentido de se considerar legal o procedimento relativo a escutas telefónicas,
quando o Juiz acolha as sugestões da Policia Judiciária para autorizar escutas,
ordenar transcrições da matéria seleccionada e determinar a cessação, sem que
esteja documentado nos autos qualquer intervenção do Juiz no acompanhamento das
escutas, durante o seu decurso, em ordem à sua manutenção ou cessação, bem como,
o envio dos autos contendo os Cds de escutas ao Juiz após a sua cessação, sem
ser imediatamente e sem qualquer facto explicativo”, por alegada “violação do
disposto nos artgs° 32 n° 1, 34 n° 1 e 4 da C. R. P.”.
Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso, por não terem aqueles preceitos sido
efectivamente aplicados pela decisão recorrida no exacto sentido normativo
indicado pelo recorrente. O ora reclamante vem contestar esta conclusão, mas
apenas no que se refere ao artigo 188º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.
Fora do objecto da presente reclamação fica, pois, a parte da decisão sumária
reclamada em que se concluiu pela impossibilidade de conhecer da questão de
constitucionalidade que vinha reportada ao artigo 187º, n.º 1, alínea b), do
Código de Processo Penal, que, assim, transitou em julgado.
Com esta delimitação, vejamos então.
12.3. Para decidir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso na
parte em que o mesmo vinha reportado a uma determinada interpretação normativa -
supra já identificada - do artigo 188º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal,
concluiu-se na decisão sumária reclamada não poder afirmar-se que aquele
preceito tivesse sido efectivamente aplicado no exacto sentido normativo que o
recorrente lhe atribuiu e que pretendia ver confrontado com a Constituição. Com
efeito, e como então se ponderou, compulsados os autos concluiu-se que não só
não era possível afirmar que não estava “documentado nos autos qualquer
intervenção do Juiz no acompanhamento das escutas, durante o seu decurso”, como,
além disso, que de várias passagens do próprio acórdão recorrido - que ali se
transcreveram - se podia retirar precisamente uma conclusão contrária.
O reclamante opõe-se a esta conclusão, alegando, fundamentalmente, que, por um
lado, “arguiu a inconstitucionalidade da norma supra referida se não estivesse,
também, documentado o acompanhamento judicial durante os períodos de
intercepção”; e, por outro, que “a arguição de inconstitucionalidade é também
referente ao envio dos autos contendo os CD’s de escutas ao juiz após a sua
cessação, sem ter sido imediatamente e sem qualquer facto explicativo”, questões
sobre as quais, alegadamente, o Tribunal Constitucional não se pronunciou.
É, porém, manifesto que o reclamante não tem razão. Desde logo porque lhe não é
possível - uma vez que não foi assim que colocou a questão no requerimento de
interposição do recurso, que delimita o respectivo objecto - a segmentarização
que agora pretende fazer do conteúdo normativo que, por referência ao artigo
188º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, optou por enunciar unitariamente
naquele requerimento, como se de uma única norma ou interpretação normativa se
tratasse.
Acresce, não obstante o que se acaba de dizer - e que, por si só, conduz a que a
presente reclamação tenha de improceder - que, mesmo que se pudesse admitir uma
tal segmentarização da questão, ainda assim, no que se refere à questão colocada
em primeiro lugar, sempre seria de concluir pela impossibilidade de conhecer do
objecto do recurso, uma vez que, assim colocada, a questão de
constitucionalidade manifestamente não coincide com a que, nesta parte, estaria
colocada no requerimento de interposição do recurso; e quanto à segunda, nem
sequer é uma questão de constitucionalidade normativa que por este Tribunal deva
ser conhecida.
13. A Reclamação do recorrente C..
13.1. Nos termos do requerimento de interposição do recurso, pretendia o ora
reclamante que o Tribunal Constitucional apreciasse:
(i) a constitucionalidade do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de
Processo Penal, quando interpretado em termos de considerar que não é nulo, por
excesso de pronúncia, um acórdão da Relação que, concluindo, diferentemente da
decisão instrutória recorrida, pela validade das escutas telefónicas efectuadas
nos autos, ordena ao Tribunal de Instrução Criminal que profira despacho de
pronúncia, “em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter feito, que
profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com o decidido
quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência,” sendo certo que
as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, se limitam a questionar
“a invalidade das escutas e o enquadramento como reincidente de um determinado
Arguido”;
(ii) a constitucionalidade do mesmo artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de
Processo Penal, interpretado em termos de considerar que não é nulo, por omissão
de pronúncia, o acórdão do Tribunal da Relação que, concluindo, diferentemente
da decisão instrutória recorrida, pela validade das escutas telefónicas
efectuadas nos autos, ordena ao Tribunal de Instrução Criminal que profira
despacho de pronúncia, “em vez de simplesmente lhe ordenar, como deveria ter
feito, que profira despacho de pronúncia ou de não pronúncia em conformidade com
o decidido quanto às questões - prévias - das escutas e da reincidência,” sem
que o Tribunal da Relação compare “de forma crítica, ainda que sumária, a versão
factual da acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão factual do
Arguido plasmada no requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte
probatório também”.
13.2. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso, por não ter a decisão recorrida aplicado o
artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, em nenhum daqueles
sentidos normativos indicados pelo ora reclamante. No primeiro caso porque a
decisão recorrida considerou (em termos que a este Tribunal não compete
sindicar) que nas alegações do recurso que interpôs e, inclusivamente, nas
próprias conclusões do mesmo, o Ministério Público - então recorrente -
solicitava expressamente ao Tribunal da Relação que revogasse a decisão
instrutória proferida e ordenasse a sua substituição por outra que, considerando
válidas as escutas realizadas, “pronuncie os arguidos, nos termos em que vinham
acusados”. Dessa forma, o artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal, não teria sido interpretado e aplicado em termos de permitir ao Tribunal
da Relação que ordenasse a pronúncia dos arguidos nos termos em que vinham
acusados, sem que tal ordem corresponda aos expressos termos da solicitação que
lhe foi apresentada pelo recorrente Ministério Público nas conclusões do recurso
que então apresentou – ou seja, não teria sido interpretado e aplicado no exacto
sentido normativo questionado pelo recorrente. No segundo caso porque, por um
lado, ao contrário do que constituía o pressuposto factual da dimensão normativa
identificada pelo recorrente, na decisão recorrida se afirmava expressamente que
“este Tribunal avaliou os indícios suficientes para a decisão de pronunciar o
arguido como se alcança da decisão”, e, por outro, porque, se em causa estava a
interpretação normativa que, alegadamente, permitiria que, sem nulidade, pudesse
ser dispensada uma comparação “crítica, ainda que sumária, da versão factual da
acusação, e respectivo suporte probatório, com a versão factual do Arguido
plasmada no requerimento de abertura de instrução, e respectivo suporte
probatório também”, então a mesma só poderia imputar-se à alínea a) - e não à
alínea c) - do artigo 379º do Código de Processo Penal, conjugada com o n.º 2 do
artigo 374º, preceitos que não foram, em absoluto, questionados pelo recorrente
no requerimento de interposição do recurso.
13.3. Com a presente reclamação o reclamante pretende contestar que assim seja,
insistindo em que aquela alínea c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo
Penal, teria sido efectivamente aplicada nos exactos sentidos normativos por si
indicados. Fá-lo, porém, em termos a que, no essencial, já se respondeu na
decisão sumária reclamada e que, por merecerem a nossa inteira concordância,
aqui se reiteram.
Agora apenas se acrescenta que, como nota o Ministério Público, o reclamante, na
tentativa de demonstrar que tem razão, resvala do plano “dos critérios
normativos efectivamente aplicados pelo acórdão recorrido” para a “enumeração e
análise crítica de concretas e específicas vicissitudes processuais, ocorridas
nos autos”, o que é bem visível na insistência que faz, ao [re]delimitar na
presente reclamação as questões de constitucionalidade através da referência,
várias vezes reiterada, ao “condicionalismo em questão”. Ora, como é sabido e
certamente o reclamante não ignora, o recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de
normas jurídicas e não de quaisquer vicissitudes processuais. É por isso que, no
que se refere à primeira das dimensões normativas do artigo 379º, nº 1, al. c)
do Código de Processo Penal que o arguido pretendia ver apreciada por este
Tribunal, ao contrário do que o reclamante afirma na presente reclamação, é
relevante para a decisão a que se chegou no sentido de, nesta parte, se não
conhecer do objecto do recurso, que o Tribunal a quo tenha concluído que o
pedido para que a Relação “pronuncie os arguidos, nos termos em que vinham
acusados”, fazia parte integrante das conclusões do recurso do Ministério
Público, uma vez que esta é uma razão que impede que tenha sido aplicada, como
ratio decidendi, a exacta dimensão normativa que o recorrente pretendia ver
sindicada por este Tribunal. Finalmente, no que se refere à dimensão normativa
identificada em segundo lugar, apenas cabe acrescentar, em relação ao que se
afirmou já na decisão sumária reclamada, e que agora se reitera, que se não vê -
nem é convincente a distinção que se faz no ponto 28. da reclamação - como é
que, centrando o recorrente a questão de constitucionalidade que, nesta parte,
pretendia ver apreciada, na alegada falta de apreciação crítica da prova que
sustenta a decisão de ordenar a sua pronúncia nos termos constantes da acusação,
o mesmo insista em extrair a alegada norma que pretende ver questionada da
alínea c) e não da alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo
Penal.
14. Por tudo o que se acaba de dizer e, no essencial, pelas razões que já
constavam da decisão sumária reclamada, cuja fundamentação aqui se reitera, há
que concluir pela improcedência das presentes reclamações.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se desatender as presentes reclamações e, em consequência,
confirmar a decisão sumária reclamada, na parte em que aos reclamantes respeita.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, por cada um.
Lisboa, 22 de Junho de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Rui Manuel Moura Ramos