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Processo n.º 450/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., Lda. deduziu reclamação do despacho do Desembargador Relator
do Tribunal da Relação do Porto que não admitiu o recurso que pretendia interpor
para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. Em recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal
Judicial da Comarca de Valongo, foi mantida a decisão da Presidente do Instituto
da Comunicação Social que aplicou à arguida A., Lda. a coima de € 112.229,95
pela prática, em concurso efectivo, de uma contra-ordenação prevista no artigo
39º, n.º 2, da Lei da Rádio (Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro) e de uma
contra-ordenação prevista no artigo 41º, n.º 2, da mesma Lei, estando a sanção
prevista no artigo 68º, alíneas c) e d), do referido diploma (sentença de 23 de
Fevereiro de 2004, a fls. 47 e seguintes).
2.2. Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do
Porto (fls. 71 e seguintes), a recorrente A., Lda. apresentou as seguintes
conclusões:
“1ª) Não punindo a Lei da Rádio os comportamentos negligentes, o ilícito
contra-ordenacional é assim, neste caso concreto, sempre e necessariamente
doloso.
2ª) Na decisão administrativa impugnada nada aí consta a propósito do elemento
intelectual do tipo contra-ordenacional imputado.
3ª) Não existindo na decisão administrativa (que valerá como acusação) nenhum
elemento que se refira sequer ao elemento subjectivo do tipo não poderá a
arguida ser condenada.
4ª) Para que o «tipo» contra-ordenacional estivesse preenchido haveria que
preencher o seu elemento subjectivo, o que não acontece, falta portanto para que
pudesse existir à decisão um elemento essencial o preenchimento de um elemento
necessário.
5ª) Porque assim é, nunca a decisão judicial poderia optar pela sua existência e
a absolvição da arguida é por isso uma imposição de ordem pública.
6ª) A actividade de radiodifusão assenta no princípio da liberdade de
programação dos operadores.
7ª) O princípio da liberdade de programação é um corolário dos direitos
constitucionais dos meios de comunicação social, devendo o mesmo ser considerado
como um direito dos operadores, análogo aos direitos liberdades e garantias.
8ª) A interpretação de qualquer norma jurídica que restrinja o âmbito do[s]
direitos inerentes ao princípio da liberdade [de] programação deverá ter sempre
em conta que […] se trata de uma restrição a um direito fundamental.
9ª) A decisão condenatória parte do princípio que as notícias emitidas não dizem
respeito à área geográfica do serviço de programas.
10ª) O serviço de programas da arguida abrange, quanto ao nível de cobertura o
município de Valongo e parte dos concelhos limítrofes de acordo com as
exigências técnicas à cobertura completa do município de Valongo nos termos do
disposto na alínea c) do n.º 1 do art° 4° da Lei da Rádio.
11ª) A decisão condenatória baseia-se numa interpretação da norma legal segundo
a qual o serviço de programas da arguida só pode emitir notícias sobre Valongo.
[...].”.
2.3. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 18 de Janeiro de 2006
(fls. 129 e seguintes), julgou “manifestamente improcedente” o recurso,
rejeitando-o, nos termos do artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Disse o Tribunal da Relação do Porto, para o que agora importa considerar:
“[…]
Apreciando agora o invocado «erro de julgamento decorrente da errada
interpretação das normas legais relativas à obrigatoriedade de emissão de
noticiários e das normas constitucionais referentes a liberdade dos meios de
comunicação social», manifestamente que também não assiste razão à recorrente.
Não se compreende mesmo como possa colidir a decisão em apreço com o princípio
da liberdade de programação dos operadores, enquanto corolário dos direitos
constitucionais dos meios de comunicação social, aliás consagrado no art° 34° da
Lei da Rádio (Lei n.º 4/2001, de 23/02), como se de tal Lei não resultassem
também obrigações, como também resulta dos seus art°s 37° a 43° do seu
normativo.
Como, com argúcia, se expande na decisão em recurso, «a letra do preceito não
contempla a referência ao âmbito geográfico do interesse do auditório sediado na
área onde o serviço noticioso é difundido».
Na verdade, dispõe o art° 39° n.º 2 da citada Lei da Rádio, como obrigação dos
operadores, entre outras ali previstas, que os serviços de programas noticiosos
regulares devem, recorrendo a produção própria, «difundir um mínimo de três
serviços noticiosos respeitantes à sua área geográfica, obrigatoriamente
transmitidos entre [as] 7 e as 24 horas, mediando entre eles um período de tempo
não inferior a três horas», sendo que, nos termos ainda do disposto no art° 4°
da mesma Lei e quanto ao nível de cobertura, os serviços de programas de âmbito
local abrangem, com o mesmo sinal recomendado, um município e eventuais áreas
limítrofes, «de acordo com as exigências técnicas à necessária cobertura
‘daquele’»!
Ora, não só não resulta dos factos provados a pertinência das ali previstas
«exigências técnicas» de cobertura noticiosa do concelho de Valongo, através de
eventual cobertura de áreas limítrofes, como simplesmente se tem como
inequivocamente assente que «nos dias 11-02-2002 e 23-04-2002, nas emissões
difundidas pela arguida, A., Lda., nos serviços noticiosos não foi divulgada
qualquer notícia relativa ao Concelho de Valongo».
Não colhe por isso a argumentação da arguida «das exigências técnicas», que não
caracteriza, como impeditivas do referido serviço noticioso.
A decisão em crise não teve por escopo saber se a arguida podia ou não emitir
notícias alheias ao concelho de Valongo, mas sim a constatação de que pura e
simplesmente não deu a cobertura noticiosa a que estava obrigada por Lei, quanto
àquele, e em conformidade com o alvará de que dispunha.
Nenhuma outra questão é suscitada pela recorrente, na sua almejada absolvição,
não merecendo censura a decisão posta em crise.
[...].”.
2.4. A., Lda. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
através de requerimento assim redigido (fls. 146 e seguinte):
“[…]
– O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70° da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro;
– Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no art. 39°
n.º 2 da Lei da Rádio (Lei 4/2001 e de 5 de Fevereiro), quando interpretada no
sentido de considerar que as notícias difundidas pelos operadores locais terão
de ter por objecto, necessariamente, eventos que ocorram ou tenham ocorrido na
área de um Concelho, não se considerando como cumpridoras da referida norma
legal, as notícias sobre eventos ocorridos ou a ocorrer em Concelhos limítrofes
mas que pela sua natureza respeitem igualmente ao auditório concreto do operador
local.
– Tais normas, assim aplicadas, violam normas contidas nos arts. 37° e 38° ambos
da Constituição da Republica Portuguesa e o Direito Fundamental análogo de
Liberdade de Programação, previsto e consagrado no […] art. 34°, n.º 2 da Lei da
Rádio, e que beneficia do mesmo regime de protecção por força do disposto nas
normas contidas nos artigos 16° e 17° da CRP.
– A questão de inconstitucionalidade nos termos agora definidos foi suscitada no
processo, quer na impugnação judicial da decisão administrativa, quer, mais
claramente, no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto.
[…].”.
2.5. O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação do Porto, decidiu
não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de 8 de Março de
2006, a fls. 148):
“fls. 146 – do cotejo dos autos e da decisão, em nenhum momento foi suscitada a
invocada inconstitucionalidade, pelo que se não admite o presente recurso – ut.
art. 70º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15/11.
[...].”.
2.6. A., Lda. veio, ao abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do
Tribunal Constitucional, deduzir reclamação do despacho de não admissão do
recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 156 e
seguintes, em que se lê:
“[…]
– Conforme consta do requerimento de interposição de recurso indeferido, a
recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma contida no artº
39º n.º 2 da Lei 4/2001, de 5 de Fevereiro (Lei da Rádio), quando interpretada
no sentido de se considerar que as notícias difundidas pelos operadores locais
terão de ter por objecto, necessariamente, eventos que ocorram ou tenham
ocorrido na área de um Concelho, não se considerando como cumpridoras da
referida norma legal as notícias sobre eventos ocorridos ou a ocorrer em
Concelhos limítrofes mas que pela sua natureza respeitem igualmente ao auditório
concreto do operador local;
– Defende a Recorrente que tal norma, quando assim aplicada, como o foi
efectivamente pelo Instituto da Comunicação Social, pelo Tribunal Judicial de
Valongo e pelo Tribunal da Relação do Porto, viola as normas contidas nos
artigos 37º (Direito Fundamental Liberdade de expressão e de informação) e 38º
(Liberdade de imprensa e meios de comunicação social), ambos da Constituição da
República Portuguesa, e o Direito Fundamental análogo de Liberdade de
Programação, previsto e consagrado no n.º 2 do artº 34º da Lei da Rádio, o qual
beneficia do mesmo regime de protecção por força do disposto nas normas contidas
nos artigos 16º e 17º da CRP.
– Contudo, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu o requerimento de
interposição de recurso, fundamentando para o efeito que «[...] em nenhum
momento foi suscitada a invocada inconstitucionalidade [...]».
– Sucede, porém que, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal da
Relação do Porto.
– Desde logo, na motivação do recurso interposto da decisão proferida pelo
Tribunal Judicial de Valongo para a Relação, a Recorrente começa por invocar
expressa e inequivocamente a existência de «(1. RAZÃO DE ORDEM [...]) b) Erro de
julgamento decorrente da errada interpretação das normas legais relativas à
obrigatoriedade de emissão de noticiários e das normas constitucionais
referentes à liberdade dos meios de comunicação social».
– Mais adiante, a Recorrente suscita por diversas vezes a invocada
inconstitucionalidade, conforme se comprova através dos excertos que a seguir se
transcrevem:
(i) «A transcrição da presente norma (do artº 39º, n.º 2 da Lei da Rádio [na
realidade encontra-se transcrito nessa parte da motivação o artigo 34º da Lei da
Rádio]) serve apenas para evidenciar que a actividade de radiodifusão assenta no
princípio da liberdade de programação dos operadores. O princípio da liberdade
de programação é um corolário dos direitos constitucionais dos meios de
comunicação social, sendo o mesmo considerado pela doutrina como um direito
análogo aos direitos liberdades e garantias, com todas as suas consequências.
[...] a interpretação de qualquer norma jurídica que restrinja o âmbito do
direitos inerentes ao princípio da liberdade de programação deverá ter sempre em
conta que se trata de uma restrição a um direito fundamental».
(ii) «Deste modo temos o seguinte enquadramento legal:
– Uma norma que estabelece o princípio da liberdade de programação, em que se
prevê que nem a Administração Pública nem qualquer órgão de soberania com
excepção dos tribunais, pode impedir condicionar ou impor a difusão de quaisquer
programas.
– Uma limitação a tal princípio onde se estabelece que as rádios locais deverão
difundir um mínimo de três serviços noticiosos respeitante à sua área
geográfica.
Será com base na articulação destas duas normas que devemos analisar os serviços
noticiosos que deram origem à decisão condenatória».
(iii) «Os motivos que levaram a arguida a impugnar a decisão estão, assim,
claros.
A decisão condenatória baseia-se numa interpretação da norma legal segundo a
qual o serviço de programas da arguida só pode emitir notícias sobre Valongo.
A requerente interpreta a norma no sentido de que as notícias devem interessar
aos ouvintes do serviço de programas, podendo os mesmos viver em Valongo,
trabalhar em Valongo, ou ainda ter acesso aos serviços de programas pelo facto
da sua área de cobertura incluir os concelhos limítrofes necessários à cobertura
eficiente de todo o concelho de Valongo.
A Lei não exige que as notícias sejam exclusivamente sobre actos da localidade
de Valongo, mas apenas que digam respeito ao auditório do serviço de programas».
(iv) «Não nos podemos esquecer que a norma em causa constitui uma restrição a um
princípio geral de liberdade de programação, com garantia constitucional, pelo
que deve ser interpretada de forma restritiva uma vez que estamos perante
restrições de Direitos Liberdades e Garantias».
– Por último, conforme se encontra reproduzido no próprio acórdão da Relação ora
recorrido, a Recorrente formulou as seguintes conclusões no recurso interposto
da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Valongo dirigido à Relação:
(i) «6ª) A actividade de radiodifusão assenta no princípio da liberdade de
programação dos operadores».
(ii) «7ª) O princípio da liberdade de programação é um corolário dos direitos
constitucionais dos meios de comunicação social, devendo o mesmo ser considerado
como um direito dos operadores, análogo aos direitos liberdades e garantias».
(iii) «8ª) A interpretação de qualquer norma jurídica que restrinja o âmbito dos
direitos inerentes ao princípio da liberdade de programação deverá ter sempre em
conta que se trata de uma restrição a um direito fundamental».
– Resulta, assim, por demais evidente, ter a Recorrente interposto recurso para
a Relação com fundamento, entre outros, na inconstitucionalidade da norma
contida no artº 39º, n.º 2 da Lei da Rádio, se interpretada da forma como o ICS
e o Tribunal Judicial de Valongo o fazem, uma vez que por via dessa
interpretação a norma em causa viola os Direitos Fundamentais de Liberdade de
expressão e de informação, e de Liberdade de Imprensa e de meios de comunicação
social, consagrados nos artigos 37º e 38º da CRP, bem como o Direito Fundamental
Análogo de Liberdade de Programação consagrado no artº 34º, n.º 2 da Lei da
Rádio.
– Não colhe, pois, o fundamento de indeferimento invocado pelo Tribunal da
Relação do Porto.
– O recurso foi interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do artº 70º
da Lei n.º 28/82, de 25 de Novembro, nos termos do qual cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
– Resulta demonstrado à saciedade ter a Recorrente invocado durante o processo a
inconstitucionalidade da norma contida no artº 39º, n.º 2 da Lei da Rádio.
– O Tribunal da Relação do Porto, contudo, aplicou a referida norma, em violação
de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 163 v.º):
“A entidade reclamante não suscitou, durante o processo (no âmbito do recurso
que interpôs perante a Relação do Porto) e em termos processualmente adequados,
a questão de inconstitucionalidade normativa a que pretende reportar o recurso
de fiscalização concreta, já que não especificou qual a interpretação normativa
do art. 39º da Lei da Rádio que considerava colidente com a Constituição,
confrontando expressamente – e de forma clara e inteligível – o Tribunal com tal
questão.
Ora, o não cumprimento deste ónus processual inviabiliza efectivamente o recurso
a que alude a alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, o que determina a
improcedência da presente reclamação.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal
Constitucional para apreciação de determinada interpretação do artigo 39°, n.º
2, da Lei da Rádio, sustentando que a mesma “viola normas contidas nos arts. 37°
e 38° ambos da Constituição da Republica Portuguesa e o Direito Fundamental
análogo de Liberdade de Programação, previsto e consagrado no […] art. 34°, n.º
2 da Lei da Rádio, e que beneficia do mesmo regime de protecção por força do
disposto nas normas contidas nos artigos 16° e 17° da CRP” (supra, 2.4.).
O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação do Porto, não
admitiu o recurso por entender que “em nenhum momento foi suscitada a invocada
inconstitucionalidade” (supra, 2.5.).
Na reclamação agora deduzida, a reclamante vem afirmar, em
síntese, que “resulta demonstrado à saciedade ter a Recorrente invocado durante
o processo a inconstitucionalidade da norma contida no artº 39º, n.º 2 da Lei da
Rádio” e que “o Tribunal da Relação do Porto, contudo, aplicou a referida norma,
em violação de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados” (supra,
2.6.).
5. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional – a disposição mencionada pela ora reclamante no
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – é o
recurso que cabe das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso
fundado nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo,
a inconstitucionalidade da norma (ou interpretação normativa) que pretende que
este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa interpretação)
seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de
inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
Decorre claramente dos autos que a ora reclamante não suscitou,
durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Observe-se a motivação do recurso para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 61 e
seguintes, supra, 2.2.) – a peça processual a ter em conta, atento o disposto no
artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Nessa peça processual a ora reclamante limitou-se a sustentar
que:
“[…]
6ª) A actividade de radiodifusão assenta no princípio da liberdade de
programação dos operadores.
7ª) O princípio da liberdade de programação é um corolário dos direitos
constitucionais dos meios de comunicação social, devendo o mesmo ser considerado
como um direito dos operadores, análogo aos direitos liberdades e garantias.
8ª) A interpretação de qualquer norma jurídica que restrinja o âmbito do[s]
direitos inerentes ao princípio da liberdade [de] programação deverá ter sempre
em conta que […] se trata de uma restrição a um direito fundamental.
[…].”.
Nas conclusões transcritas – aliás reproduzidas pela
reclamante, na reclamação agora em apreciação, procurando demonstrar que
suscitou a questão de inconstitucionalidade em termos adequados – não foi
imputado o vício de inconstitucionalidade a qualquer norma ou interpretação
normativa. Em tais conclusões, limitou-se a então recorrente a tecer
considerações gerais sobre a “liberdade de programação”, sem nunca imputar à
norma que indicou no requerimento de interposição do presente recurso a pretensa
violação de direitos fundamentais.
Verifica-se, aliás, que na motivação do recurso para o Tribunal
da Relação do Porto a ora reclamante imputou à sentença recorrida “erro de
julgamento decorrente da errada interpretação das normas legais relativas à
obrigatoriedade de emissão de noticiários e das normas constitucionais
referentes à liberdade dos meios de comunicação social”.
Quando muito poderá ver-se em tal alegação uma censura de
violação de direitos constitucionais dirigida directamente à decisão então
recorrida. Com efeito, parece ter sido essa a interpretação atribuída a tal
alegação pelo Tribunal da Relação, como se depreende da seguinte passagem do
acórdão: “não se compreende mesmo como possa colidir a decisão em apreço com o
princípio da liberdade de programação dos operadores, enquanto corolário dos
direitos constitucionais dos meios de comunicação social” (supra, 2.3., com
itálico aditado).
Ainda assim, invocar a inconstitucionalidade da decisão é
substancialmente diferente de invocar a inconstitucionalidade de normas
aplicadas na decisão então sob recurso e, por isso, insuficiente para dar como
verificado o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Só no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional (supra, 2.4.), a ora reclamante identificou uma interpretação
normativa que considera inconstitucional e que pretende submeter ao julgamento
deste Tribunal. Mas, como o Tribunal tem afirmado reiteradamente, esse momento
não pode ser considerado momento adequado para dar como cumprido o ónus de
invocação da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido
e que a presente reclamação tem de ser indeferida. Não merece pois qualquer
censura o despacho reclamado.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Junho de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos