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Processo n.º 6/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar da decisão sumária de fls. 376 e segs., que decidiu não tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade por aquele interposto do acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 338, com fundamento em que o recorrente
tinha o ónus de ter suscitado, durante o processo, uma questão de
inconstitucionalidade normativa, devidamente identificada, o que não aconteceu
no presente caso. Pode, entre o mais, ler-se na decisão ora reclamada:
“[…]
Na verdade, o recorrente diz ter suscitado uma questão de constitucionalidade no
seu requerimento de arguição de nulidade/reclamação para a conferência, e,
ainda, no pedido de esclarecimento, ambos dirigidos ao Supremo Tribunal de
Justiça. Ora, para além de não se descortinar nessas peças a suscitação de uma
qualquer inconstitucionalidade, não seria esse já o momento adequado para o
fazer. Como tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal, a questão de
constitucionalidade tem de ser suscitada de forma a que o tribunal saiba que tem
aquela questão para resolver, ou seja, há-de ser posta de forma atempada, clara
e perceptível (ver, por exemplo, acórdãos n.ºs 288/99, 507/99, 541/99, 616/99,
645/99, 674/99, 17/2000, 310/2000 e 364/2000, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt). Tendo a questão de constitucionalidade de ser
suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, os
incidentes pós-decisórios não são já, portanto, em princípio, meios idóneos para
se levantar essa questão.”
2.O reclamante diz o seguinte na sua reclamação:
«1. Como é referido no douto Relatório, o ora recorrente interpôs recurso do
acórdão da Relação do Porto, tirado em conferência em 24 de Maio de 2004.
2. Tal recurso de Revista foi admitido por despacho de 18 de Novembro de 2005.
3. O ora recorrente apresentou as suas alegações no Tribunal de Relação do Porto
em 6 de Janeiro de 2006.
4. Os autos foram em 23/02/2005 remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça.
5. Foi então que o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão singular de
2005/04/07, confirmada por acórdão de 2005/06/06, que entendeu não conhecer do
objecto do recurso.
6. Pelo que nunca antes destas decisões do STJ poderia o ora recorrente ter
suscitado a questão de constitucionalidade.
7. Salvo o devido respeito, só nos incidentes pós-decisórios podia o recorrente
levantar tal questão, pois anteriormente nunca se tinha colocado a questão da
interpretação dada ao n.º 6 do art.º 712.° e ao art.º 691.° do CPC, pois o
recurso havia sido admitido e seguia os seus trâmites.
8. Não era possível em momento anterior levantar tal questão, pois não se pusera
a questão da inadmissibilidade de recurso, não podendo o recorrente adivinhar
que o STJ iria tomar tal posição.
9. Pelo que entende o recorrente ter levantado em devido tempo e pelos meios
idóneos a questão da constitucionalidade.»
O recorrido B., notificado da reclamação pelo reclamante, não apresentou
qualquer resposta.
II. Fundamentos
3.Como se escreveu na decisão reclamada, para se poder tomar conhecimento de um
recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que
tenham sido esgotados os recursos ordinários, mas também que a questão de
constitucionalidade tenha sido suscitada de forma processualmente adequada
durante o processo e que a norma, ou interpretação normativa, impugnada tenha
sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida: isto é, que tal
norma ou interpretação normativa tenha constituído fundamento decisivo para o
tribunal recorrido.
O recorrente aduz que não era lhe possível, em momento anterior aos incidentes
pós-decisórios, levantar a “questão da interpretação dada ao n.º 6 do artigo
712.º e ao artigo 691.º do Código de Processo Civil”, porquanto, na sua óptica,
o recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que revogou o
saneador-sentença proferido pela primeira instância, pelo qual se havia julgado
procedente a excepção de caso julgado, “havia sido admitido e seguia os seus
trâmites”, por se tratar, em seu entender, segundo parece, de decisão do mérito
da causa de que poderia apelar nos termos do artigo 691.º do Código de Processo
Civil. Nesta linha de argumentação, não era, pois, exigível que o recorrente
tivesse suscitado a questão de constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo
712.º e do artigo 691.º do Código de Processo Civil antes da decisão do Tribunal
da Relação do Porto que usou da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 712.º do
Código de Processo Civil, nos termos do qual se “não constarem do processo todos
os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a
reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a
decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou
contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando
considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange
a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal
ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o
fim exclusivo de evitar contradições na decisão”.
Por outro lado, encontrando-se – mais uma vez na óptica do recorrente – a
decisão do Tribunal da Relação do Porto redigida de forma equívoca, seria
compreensível a suscitação tardia da questão de constitucionalidade, não valendo
a orientação geral deste Tribunal de que, após a prolação da decisão, já não é
possível suscitar a questão de constitucionalidade, isto não obstante se
entender que sobre o interessado impende um ónus de diligência, e de adopção de
uma estratégia processual adequada, que o leve a admitir que a decisão possa
aplicar uma das interpretações normativas contrárias aos seus interesses.
Verifica-se, porém, que, mesmo depois de proferida a decisão recorrida
(circunstância que não chegou a ser posta em evidência na decisão reclamada), na
reclamação para a conferência a fls. 329 e segs. dos autos, o recorrente não
identificou uma questão de constitucionalidade normativa de modo tal que o
tribunal perante o qual a questão era suscitada soubesse que tinha uma questão
de constitucionalidade determinada para decidir, o que reclamava que tal se
fizesse de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela
ou uma dada interpretação da mesma) que (no seu entender) violava a
Constituição. O que o recorrente escreveu, para o que ora releva, a fls. 330 e
331 dos autos, foi o seguinte:
“[…]
7. Com todo o devido respeito, entende o recorrente que o douto Acórdão da
Relação decidiu do mérito da causa ao revogar a decisão da 1.ª instância que
havia absolvido o Autor.
8. O Tribunal da Relação não acolheu a fundamentação da decisão de 1.ª
instância; e com oposta argumentação julgou improcedente a invocada excepção do
caso julgado.
9. Pelo que o recorrente conseguiu depreender do douto Acórdão da Relação, este
julgou improcedente a excepção do caso julgado e só não conheceu do pedido por
entender que havia necessidade de averiguar e debater alguma matéria articulada
(cfr. ponto VIII, als. f) e h) do Acórdão da Relação.
10. Desta forma, entende o recorrente que este douto Supremo Tribunal deve
conhecer do objecto do recurso, tanto mais que estamos perante matéria de
direito.
11. De contrário estaríamos perante uma situação de denegação de Justiça e,
consequentemente, à inconstitucionalidade da interpretação dada às normas que
regem o nosso direito processual.
12. Em face do exposto deverá ser proferido acórdão que recaia sobre a matéria
do despacho singular, e, diversamente deste, conheça do recurso, revogue o
Acórdão da Relação e mantenha a douta decisão de 1.ª instância, absolvendo o R.
A. do pedido.”
4.O recorrente diz ainda ter suscitado a questão de constitucionalidade no
pedido de esclarecimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça a fls. 344 e
345 dos autos, onde se lê a fls. 344 verso:
«[…]
Com efeito, o douto Acórdão deste STJ refere que não pode pronunciar-se sobre a
decisão do Tribunal da Relação nos termos do n.º 4 do art.º 712.° do CPC “QUANTO
À INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PARA A DECISÃO NO DESPACHO SANEADOR”.
Parece decorrer do Douto Acórdão deste STJ que não se conheceu do recurso em
virtude de entender que o douto Acórdão da Relação apenas anulou a decisão de
1.ª instância por considerar não constarem do processo todos os elementos para
que se pudesse decidir imediatamente no despacho saneador.
Todavia, poderá ter-se o entendimento que o douto acórdão deste STJ considerou
que subjacente àquela decisão da Relação se decidiu já a suscitada excepção do
caso julgado.
Contudo, parece-nos não se poder extrair esta ilação da decisão deste douto
Tribunal, pois nesse caso estaríamos perante uma inconstitucionalidade da
interpretação dada designadamente ao n.º 6 do art.º 712.° e ao art.º 691.° do
CPC, pois estaria a negar o direito ao recurso de uma decisão que decidia sobre
matéria de direito.»
Estas considerações não são porém, bastantes para se suscitar, de forma clara e
perceptível, uma questão de constitucionalidade de um determinada interpretação
normativa perante o tribunal de cuja decisão se recorre para o Tribunal
Constitucional, por ter aplicado norma arguida de inconstitucionalidade – não
constituindo surpresa que o tribunal a quo não tenha apreciado qualquer questão
de constitucionalidade.
Não sendo exigível que os tribunais decidam questões (designadamente questões de
constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem
que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro, “impende
sobre o recorrente o ónus de equacionar correcta e perceptivelmente a questão,
em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão, claramente
equacionada, a resolver. Ou seja, não lhe basta alegar uma inconstitucionalidade
normativa, mesmo que remetida para a norma ou princípio eventualmente ofendido,
competindo-lhe justificar minimamente a sua alegação: a suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade não proporciona, por si só, a abertura da via
do recurso de constitucionalidade, implicando que, idónea e adequadamente, a
articule com um mínimo de suporte argumentativo” (Acórdão deste Tribunal n.º
273/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Independentemente de saber se ao acórdão recorrido esteve ou não subjacente o
entendimento do n.º 6 do artigo 712.º e do artigo 691.º do Código de Processo
Civil que o recorrente reputa inconstitucional, e da consequente utilidade ou
inutilidade de conhecimento do recurso, a verdade é que, por o recorrente não
ter cumprido o ónus da suscitação, de modo processualmente adequado, de uma
questão normativa de constitucionalidade, susceptível de servir de base a um
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade fundado no artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, não pode tomar-se
conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto. A decisão sumária
reclamada, de não conhecimento do recurso, é, pois, de confirmar.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o
recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Maio de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos