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Processo n.º 531/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do art.
78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu
não conhecer do recurso de constitucionalidade, interposto de acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver
fiscalizada a constitucionalidade das seguintes normas:
«(…)
a) artigo 127.º do Código de Processo Penal (se interpretado no sentido e com a
dimensão normativa de que é possível permitir a valoração em julgamento de um
reconhecimento de arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras
definidas pelo artigo 147.º do CPP”);
(…)
b) Interpretação inconstitucional, feita pela instância (6.ª Vara Criminal),
quer do artigo 127.º do CPP quer dos artigos 147.º e 335.º do CPP, ao indagar,
na audiência as testemunhas como terão decorrido “anteriores reconhecimentos”,
efectuados noutros locais e aos quais o Tribunal não assistiu. E sua valoração
(dos referidos preceitos) inconstitucional.
(…)
c) Inconstitucionalidade material do artigo 355.º do CPP, por violação dos
artigos 32.º, n.º 1 e 5, da Lei Fundamental, quando interpretado no sentido e
com a dimensão normativa de que, para o efeito do disposto no art. 127.º do CPP,
o acórdão condenatório pode proceder a valoração positiva de depoimento de
testemunha que na audiência de julgamento não consegue reconhecer o arguido – e
somente no segmento do depoimento em que a testemunha afirma que anteriormente
teria reconhecido o arguido – fazendo retroverter a fase anterior à do
julgamento a culpabilidade do arguido e retirando ao reconhecimento efectuado no
julgamento todo o seu efeito útil, esvaziando-o inteiramente de sentido.
(…)
d) As normas dos artigos 412.º, n.º 3 e 4 do CPP mostram-se feridas de
inconstitucionalidade material, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Lei
Fundamental, se interpretadas no sentido e com a dimensão normativa de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido
impugna a decisão sobre matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e,
pela forma prevista no n.º 4, nas alíneas b) e c) daquele n.º 3, teria como
efeito o não conhecimento da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa
parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência
– o que ocorreu, manifestamente no caso dos autos
(…)
e) O acórdão recorrido, ao considerar um reconhecimento feito em audiência como
simples prova testemunhal, faz indevida ou inconstitucional valoração do artigo
127.º do CPP, interpretando-a no sentido de admitir que o princípio da livre
apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do
arguido, realizado sem a observância de nenhuma das regras do artigo 147.º do
CPP (…)».
2 – Compulsados os autos, cumpre anotar com interesse para o
caso decidendo:
2.1 – O recorrente foi condenado pelo Tribunal Colectivo da 6.ª
Vara Criminal de Lisboa, pela prática de 6 crimes de roubo, na pena única de 13
anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional, com
interdição de entrada pelo período de 10 anos
2.2 – Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da
Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15 de Dezembro de 2005, negou provimento
ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
2.3 – Discordando desse entendimento, o arguido interpôs
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual sintetizou a sua
argumentação dizendo:
«(…)
1º O douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL está afecto de nulidade. Na
verdade, na sua fundamentação não conhece de todo o conteúdo do recurso
interlocutório em tempo apresentado pelo recorrente (recurso interlocutório de
fia. 3690). Não conhecendo, nomeadamente, de todas as quatro conclusões insertas
na motivação desse mesmo recurso e – ora transcritas a fls. 3 e 4 da presente
motivação. Não conhecendo, sequer minimamente, das aí arguidas
inconstitucionalidades materiais no tocante à interpretação feita pela instância
dos comandos dos arts. 127º e 147º do CPP.
2º É por isso nulo o douto acórdão recorrido, nulidade que lhe advém do melhor
disposto no art. 379º nº1 alínea c) do Código do Processo Penal.
3º Nulidade esta que se requer seja declarado por este Alto Tribunal, com todas
as consequências processuais a que alude o art. 122º do CPP.
4º O douto e recorrido acórdão enferma da nulidade de excesso de pronúncia, por
não haver conhecido (rejeitando por tal facto parcialmente) do recurso elaborado
pelo recorrente, com o argumento de o recorrente não ter dado cumprimento ao
disposto no art. 412º nº4 do CPP.
5º Sendo a renovação de prova uma opção da própria defesa, não está o recorrente
vinculado (nem obrigado) a requerer a renovação de prova, se entender que no
caso concreto não será ela de requerer.
6º Resulta “in casu” e a esse propósito, que não foi, como do recurso decorre, a
prova produzida em audiência que se mostra inquinada, antes o foi a decisão da
instância que não valorou corno devia essa mesma prova.
7º Assim, o recorrido acórdão, ao ordenar, como de facto ordenou, “a rejeição
parcial do recurso” – o que consta de fls. 58 – parágrafo 3º do aresto ora em
crise, cometeu a nulidade de excesso de pronúncia, conhecendo para além do que
devia, nulidade essa cominada na alínea c) do nº1 do art. 379º do CPP.
8º Ao não tomar conhecimento de questões desenvolvidas pelo recorrente nas
conclusões nº 1 e 2 da motivação – as quais remetem para fls.2, 3, 4, 5, 6 e 7
desse mesmo recurso – limitando-se a afirmar que: “Inexistem tais questões, nada
mais cumprindo acrescentar”, como consta de fls. 58 do recorrido acórdão, foi no
mesmo cometida a nulidade de omissão de pronúncia prevista na já mencionada
alínea c) do nº 1 do art. 379º do CPP, a qual deve ser declarada com os efeitos
constantes do art. 122º do CPP.
9º As normas dos arts. 412º nº 3 e 4 do CPP mostram-se feridas de
inconstitucionalidade material, por violação do art. 32º nº 1 da Lei
Fundamental, se interpretadas no sentido e com a dimensão de que a falta de
indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugna a
decisão sobre matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e, pela forma
prevista no nº 4, nas alíneas b) e c) daquele nº 3, tem como efeito o não
conhecimento da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem
que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência.
10º Na verdade, como resulta do recorrido acórdão, o TRL nem sequer convidou o
recorrente a completar a sua motivação nos apontados elementos, cuja falta ora
se censura no impugnado acórdão.
11º O acórdão recorrido ao considerar um reconhecimento feito em audiência, como
simples prova testemunhal, faz indevida ou inconstitucional valoração do art.
127º do CPP, interpretando-a no sentido de admitir que o princípio da livre
apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do
arguido, realizado sem a observância de nenhuma das regras do art. 147º do CPP.
12º Pelo que tal preceito – o a 147º do CPP – se interpretado no sentido em que
o interpretou o douto acórdão recorrido, encontra-se ferido de
inconstitucionalidade material, por violação, entre outros, do art. 32º nº 1 da
Constituição da República.
13º Assim já tendo decidido o Tribunal Constitucional em seu aresto proferido em
28 de Março de 2001 (Acórdão 137/200 1).
14º A medida acessória de expulsão mantida no acórdão recorrido é ilegal e viola
a letra e o espírito do art. 101º nº 2 e nº 4 alínea b) do DL 244/98 de 8 de
Agosto (actualizado), preceitos estes violados no douto acórdão recorrido. De
resto, afim de fundamentar melhor a decisão de expulsão do arguido, o recorrido
acórdão acrescentou o nº 2 do referido art. 101º do citado DL (quando o acórdão
da instância a ele se não referia, ver folhas 49 “in fine” o que logo se vê pelo
simples cotejo de uma e outra das impugnadas decisões).
15º Ao invés de manter a duvidosa expulsão, uma vez que não foi investigada, nem
mesmo “ex officio” os requisitos do citado art. 2º do art. 101º do DL 244/98 de
8 de Agosto quanto à vida pessoal e familiar do recorrente), deveria o douto
acórdão recorrido ter lançado mão do disposto no a 340º do CPP e, por aplicação
subsidiária do art. 4º do CPP, da faculdade concedida pelos arts. 729º nº 3 e
730º nº 1 do CPC.
(…)».
2.4 – Por acórdão de 27 de Abril de 2006, o Supremo Tribunal de
Justiça decidiu revogar a pena acessória de expulsão do território nacional,
confirmando, no mais, a decisão recorrida.
Tal juízo louvou-se na consideração dos seguintes fundamentos:
«(…)
2.2.
Nulidade do acórdão recorrido
Nas conclusões 1ª a 4ª e 19ª da sua motivação, sustenta o arguido A., a nulidade
do acórdão recorrido, que se desenvolve em três momentos.
Não teria conhecido de todo o conteúdo do recurso interlocutório de (fls. 3690)
apresentado pelo recorrente, nomeadamente, de todas as 4 conclusões, não
conhecendo, sequer minimamente, das aí arguidas inconstitucionalidades materiais
da interpretação feita pela instância dos arts. 127º e 147º do CPP (conclusões
1ª a 3ª).
Enfermaria ainda de excesso de pronúncia, por não haver conhecido (rejeitando
por tal facto parcialmente) do recurso elaborado pelo recorrente, com o
argumento de o recorrente não ter dado cumprimento ao disposto no art. 412º nº 4
do CPP (conclusão 4ª)
E de omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a
constitucionalidade do art. 101º nºs 2 e 4 do DL 244/98 de 8 de Agosto
(actualizado), se interpretado no sentido de que pode ser decretada a expulsão
sem se averiguar, “in casu” da situação pessoal e familiar do cidadão a quem é
aplicada a medida acessória de expulsão, (conclusão 17ª) e não toma conhecimento
da alegada nulidade em tempo alegada quanto à ausência, no dispositivo do
primitivo acórdão, da norma ao abrigo da qual o Tribunal da instância decretava
a expulsão do recorrente (conclusão 18ª).
Quanto ao primeiro momento, importa reter que no acórdão recorrido se escreve:
«Ataca o arguido a prova feita por aquilo que denomina “reconhecimento em
audiência de julgamento”, tendo aliás esta questão constituído objecto de
recurso interlocutório (a fls. 3690) que ora cumpre também apreciar. Trata-se de
recurso da decisão de fls. 3566, transcrita em acta de julgamento, do seguinte
teor:
“A inquirição da testemunha foi efectuada de acordo com o exigível formalismo e
inevitavelmente, em momento oportuno, sujeito à valoração que o Tribunal
entender fazer e ao abrigo do disposto no art. 127º do C.P.P.
Assim, não se vislumbra qualquer nulidade na referida inquirição, com fundamento
em que em audiência são admitidos todos os meios de prova legalmente admissíveis
confrontar arts. 125º e 126º do mesmo diploma –, como seja a recolha de todos os
elementos que a testemunha possa e deva indicar para esclarecimento dos factos e
de que tenha, em princípio, conhecimento directo.
Não foi efectuada em audiência qualquer diligência de reconhecimento a que alude
o art. 147º do C.P.P., contrariamente ao invocado pelo ilustre mandatário do
arguido A., tendo sim à testemunha sido perguntado se, na presença dos arguidos,
poderia indicar alguma ou alguma das pessoas que a terão abordado na data dos
factos. Termos em que se indefere o requerido.”
Porque a questão se prende com a também levantada no recurso da decisão final, a
propósito das vítimas que, em audiência, confirmaram os “reconhecimentos”
efectuados em inquérito sem contudo conseguirem já (em julgamento) identificar
com precisão os arguidos, decidi-la-emos em conjunto.
O que se passa a fazer.
A argumentação do recorrente contém em si mesma desde logo uma contradição.
Na verdade, pretende, por um lado, a invalidação da prova resultante dos
reconhecimentos efectuados em inquérito, porque não efectuados em julgamento; e,
pelo outro, a invalidação da prova resultante de “reconhecimento” efectuado em
audiência, porque fora das formalidades previstas nos arts. 147º e 149º do CPP.
Recorde-se, ainda a fundamentação da decisão recorrida, no que a esta parte
respeita:
“Para fixação da matéria dada como assente, o Colectivo fundou a sua convicção
nos seguintes elementos probatórios que, conjunta, ponderada e criticamente,
apreciou
(..)
Depoimento das testemunhas:
- B., melhor id. A fls.261, sobre situação de 20 de Julho de 2003, explicitando
o modo de execução das três pessoas que o abordaram a si a sua mulher nas
circunstâncias aludidas, sendo que, embora em audiência não pudesse ter
identificado e sem qualquer dúvida os arguidos, referiu ter reconhecido, pelo
menos com certeza, uma das pessoas em anterior diligência de reconhecimento em
que participou, alicerçado, pois, nos autos de reconhecimento de fis.484 e 1141;
mais, aludiu aos bens subtraídos, seu valor e sem recuperação;
- C., melhor id. A fls.271, sobre idêntica situação, referindo-se à actuação dos
indivíduos – três – que a abordaram a si e ao marido, bem como aos objectos e
valores que detinha;
- D., melhor id. A fls.480, ainda acerca da mesma situação, reportando-se a ter
presenciado, por se encontrar muito próximo do local, três indivíduos a exibirem
pistola aos ofendidos, logrando ter em anterior diligência de reconhecimento
identificado, sem dúvida alguma, aquele que tinha a pistola, alicerçado nos
autos de fls.491 e 2005;
- E.., melhor id. A fls.480, também sobre a mesma situação, aludindo a ter visto
três indivíduos a abordarem os ofendidos, com pistola;
- F., melhor id. A fls. 1041, sobre situação de que foi vítima, em 9 de Setembro
de 2003, explicando o modo de actuação e tratando-se de dois ou três indivíduos,
cuja descrição física, estatura e compleição, disse em audiência, corresponderem
às dos arguidos G., A. e H.
- I., melhor id. A fls. 860, versando sobre situação de 10 de Setembro de 2003,
pormenorizando as agressões físicas de que foi vítima por parte dos três
indivíduos que o abordaram, além dos bens então retirados;
- J., melhor id. A fls. 183, explicando a situação de que foi vítima, em 1 de
Outubro de 2003, não podendo, porém, identificar qualquer dos intervenientes,
apenas sabendo que eram três; ainda, acrescentou ter sido subtraído o veículo,
que veio a aparecer em Espanha e recuperado pelas entidades espanholas, nas
condições que ficaram descritas;
- K., melhor id. A fls.620, quanto à situação de 15 de Outubro de 2003,
explicitando com pormenor a execução dos três indivíduos que a abordaram, com
apropriação do veículo e restantes bens, nos valores indicados, vindo a
referir-se a ter identificado dois deles em anteriores diligências a que foi
sujeita de fls.628, 630 e 2006, um deles com algumas reservas;
- L., melhor id. A fls.625, sobre mesma situação, acerca do modo de actuação dos
três indivíduos”.
Da leitura da fundamentação resulta claro, e confirma-se aquilo que foi dito no
despacho recorrido, ou seja, que o pretenso “reconhecimento” feito, em
audiência, pela testemunha/ofendida K., mais não é do que prova obtida por meio
absolutamente lícito, ou seja, por prova testemunhal.
A obtenção deste meio de prova não tem de obedecer aos requisitos formais do
art. 147º do C.P.P., bastando que não seja proibida por lei, nos termos do
disposto nos arts. 125º e 126º do CPP,
Pode e deve o Tribunal fazê-la produzir e valorá-la, uma vez que a prova se deve
buscar onde quer que se encontre, desde que se situe dentro do campo das
ausências de proibição.
É prova testemunhal, repete-se, e não prova por reconhecimento.
Esta prova, por reconhecimento, efectua-se em inquérito, num momento processual
a montante do momento sub údice.
As formalidades do art. 147º não são uma encenação ou um exercício de teatro.
Visam garantir a genuinidade da prova, colocando o suspeito frente à vítima, num
momento processual em que nunca se viram, em que o processo a maior parte das
vezes ainda nem segue contra ninguém. E num momento processual muito perto do
facto, já que “em matéria de prova o tempo que passa é a verdade que foge”.
Em julgamento, não raras vezes muito a jusante do facto, após um “procedere” que
conduziu necessariamente a encontros processuais do arguido e da vítima,
deixariam de fazer sentido tais exigências, desvirtuadas e inúteis.
A prova em causa foi validamente produzida. E valorada pelo tribunal, porque de
prova não tarifada se trata, segundo as regras da livre apreciação.
As mesmas razões valem para o depoimento que confirma diligência de
reconhecimento anterior (em inquérito). A declaração do género “já não me lembro
hoje das feições do arguido, mas na altura dos factos reconheci-o” é/deve ser
livremente valorada pelo tribunal.
O que foi feito.»
Como é sabido, não se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal conhece da
questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados
pela parte em apoio da sua pretensão. A omissão de pronúncia só se verifica
quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas
pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões
os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou
doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. (cfr. Acs. De
16-11-00, Proc. Nº 2287/00-7, de 28-3-00, Proc. Nº 126/00, de 14-2-02, Proc. Nº
3732/01-5, de 160103, Proc. Nº 3569/02-5 e de Ac. De 15/12/2005, Proc. Nº 295
1/05-5, os três últimos com o mesmo relator)
Impressivamente, aliás, prescreve a al. C) do nº 1 do art. 379º do CPP que «é
nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que
devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»
(sublinhado acrescentado).
Ora a Relação de Lisboa conheceu da questão colocada pelo recorrente e
pronunciou-se expressamente sobre o mérito do recurso interlocutório
Saber se essa decisão foi acertada ou não, envolve eventual erro de julgamento,
que não nulidade, como sustenta o recorrente.
O que basta para afastar tal nulidade.
Quanto ao excesso de pronúncia, no segundo momento, acompanhamos a decisão
recorrida quando exprime dificuldades face a tal construção. O Tribunal Superior
pode rejeitar parcialmente um recurso, como aliás é jurisprudência fixada – Ac.
Do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.92, DR
IS-A de 6-8-92 e BMJ 418-327 — «formuladas várias pretensões no recurso, podem
algumas delas rejeitar-se, em conferência, prosseguindo o recurso quanto às
demais, em obediência ao princípio da cindibilidade».
Assim sendo, pode ocorrer erro de julgamento, por ser a rejeição parcial do
recurso indevida, mas não haverá excesso de pronúncia, pois que se exerceram
competências e poder de cognição que assistem ao Tribunal.
No que se refere ao terceiro momento, omissão de pronúncia respeitante à
invocação do art. 101º nºs 2 e 4 do DL 244/98 e sua constitucionalidade, ao
permitir expulsão sem se averiguar, “in casu” da situação pessoal e familiar do
cidadão, relembra-se o que se disse quanto ao verdadeiro sentido da omissão de
pronúncia no nosso processo penal.
Essas questões foram resolvidas, na medida em que essa disciplina o impunha.
Com efeito, o acórdão recorrido tomou posição sobre a suficiência e adequação da
decisão recorrida quanto a essa matéria e reafirmou a respectiva doutrina e, em
momento algum, qualquer dessas decisões afirma, sustenta ou admite mesmo
implicitamente a interpretação do art. 101º que o recorrente quer ver examinada
no âmbito constitucional.
Por outro lado, é patente, no quadro da decisão recorrida, que a Relação teve
por suficiente a invocação daquele art. 101º pela decisão da 1ª instância,
independentemente de o mesmo voltar a ser invocado na parte dispositiva, na
compreensão de que a parte dispositiva não obriga à repetição de tudo o que
acaba de ser explicitado em sede de fundamentação imediatamente antecedente, mas
para reafirmação formal e clara do que se decidiu.
Aliás, o próprio recorrente admite que essa invocação teve lugar na decisão de
primeira instância de forma clara e perceptível enquanto norma que permite tal
expulsão, em relação à qual afirma, aliás, a sua discordância (fls. 4291) a que
voltaremos mais tarde.
Também aqui inexiste a invocada nulidade.
2.3.
Rejeição parcial do recurso
O mesmo arguido A. impugna igualmente a rejeição parcial do seu recurso
(conclusões 5ª a 10ª).
Em síntese, defende que a renovação de prova é uma opção da própria defesa, não
obrigatória (conclusão 5ª), de que entendeu não lançar mão, por entender que a
prova produzida em audiência não se mostra inquinada, mas antes fora mal
valorada (conclusão 6ª), pelo que não podia deixar de tomar conhecimento de
questões desenvolvidas pelo recorrente nas conclusões nº 1 e 2 da motivação,
limitando-se a afirmar que: “inexistem tais questões, nada mais cumprindo
acrescentar” (conclusão 8ª).
Invoca ainda a inconstitucionalidade da interpretação feita das normas dos arts.
412º nº 3 e 4 do CPP no sentido e com a dimensão de que a falta de indicação,
nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugna a decisão sobre
matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e, pela forma prevista no nº
4, nas alíneas b) e c) daquele nº 3, tem como efeito o não conhecimento da
matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente
seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência (conclusão 9ª), uma vez que a
Relação não convidou o recorrente a completar a sua motivação nos apontados
elementos, cuja falta ora se censura no impugnado acórdão (conclusão 10ª).
Deve notar-se, desde logo, que o recorrente aceita que não pediu a renovação da
prova.
Ora, sendo assim, não pode considerar-se prejudicado pela decisão sobre essa
renovação, pois é uma questão que lhe era alheia. Daí que não tenha legitimidade
para impugnar uma eventual decisão a esse respeito, à luz do que dispõe o art.
401º do CPP («têm legitimidade para recorrer: b) o arguido e o assistente, de
decisões contra eles proferidas»).
O que resulta da decisão recorrida, que de seguida se transcreve longamente, é
que a Relação conheceu, com grande latitude, da impugnação da matéria de facto
efectivamente deduzida pelo arguido A. que, estando de acordo com o que a 1ª
instância entendera que havia sido dito em audiência, sustentava que a avaliação
a fazer de tal prova era diversa da que havia sido feita.
Na verdade, a Relação apreciou as questões suscitadas em sede de matéria de
facto pelo recorrente, à luz da prova que havia sido produzida em audiência e
sobre cujo conteúdo não havia divergências, bem como os vícios que o recorrente
atribuía à matéria de facto apurada.
Como melhor se verá da transcrição, depois dessa apreciação, e em jeito de
complemento, veio dizer que não «relativamente ao pedido de renovação da prova,
refira-se que o recorrente não o trouxe às conclusões do recurso pelo que o
recurso é de rejeitar desde já nesta parte», por não terem sido «especificadas
as provas a renovar».
Ora não tendo o recorrente, designadamente nas conclusões da motivação, pedido a
renovação da prova, não pode agora impugnar a decisão que a não admitiu.
E não tem razão de ser a discussão sobre a necessidade de formulação de convite
ao recorrente para completar as conclusões da motivação, que só é concebível
quando tendo o recorrente formulado pretensões e procedido a especificações no
texto da motivação o retrata deficientemente nas respectivas conclusões,
impondo-se então o mencionado convite.
Se o próprio recorrente clama que não pediu a renovação da prova, não haveria
então lugar a qualquer correcção das conclusões que retratavam fielmente, em
linguagem que a lei pretende articulada e sintética, o texto da motivação.
Por outro lado, como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e
do Tribunal Constitucional, o texto da motivação constitui um limite
intransponível ao convite à correcção.
Sujeita, como está a apresentação da motivação a um prazo peremptório,
apresentada a mesma, não pode a mesma ser aditada, através da correcção das
conclusões, de matéria que o seu texto não contenha.
O que vale por dizer que se o texto da motivação não contem os elementos, tidos
em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite
para correcção, por não poderem, nesse caso, ser aditados.
Não haveria, pois e em todo caso, lugar ao convite a correcção quanto ás
especificações a que se refere o acórdão.
Diga-se, depois, que a expressão «inexistem tais questões, nada mais cumprindo
acrescentar» não constitui toda a apreciação feita pelo Tribunal a quo, mas é
tão-só o fecho utilizado pelo Tribunal para a questão do excesso de pronúncia,
sobre a qual se entendeu que, tendo a primeira instância actuado sempre balizada
e confinada ao objecto do processo, não incorreu em excesso de pronúncia.
[…]
2.5.
Reconhecimento em audiência
Impugna o arguido A. o seu reconhecimento efectuado em audiência (conclusões 11ª
a 13ª).
Sustenta que o acórdão recorrido, ao considerar um reconhecimento feito em
audiência, como simples prova testemunhal, faz indevida ou inconstitucional
valoração do art. 127º do CPP, interpretando-a no sentido de admitir que o
princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um
reconhecimento do arguido, realizado sem a observância de nenhuma das regras do
art. 147º do CPP (conclusão 11ª), preceito que nessa interpretação se encontra
ferido de inconstitucionalidade material, por violação, entre outros, do art.
32º nº 1 da Constituição da República (conclusão 12ª), como já o entendeu o
Tribunal Constitucional no Ac. Nº 137/2001 de 28.3.01 (conclusão 13ª)
Deve salientar-se que, ao invés, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no
sentido de que a norma do nº 4 do art. 147º do CPP, interpretada no sentido de
que a cominação legal daquele preceito só se aplica ao respectivo acto
processual em que se verificou a violação das regras daquele preceito; auto de
reconhecimento, não é inconstitucional (Ac. Nº 199/2004).
E de que a norma dos nºs 1, 3 e 4 desse artigo, na interpretação segundo a qual
quando, em audiência de julgamento, a testemunha na prestação do seu depoimento
imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada
nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito,
não é inconstitucional (Ac. Nº 425/2005).
E manteve a Relação, na decisão que tomou, na senda da jurisprudência constante
do Supremo Tribunal de Justiça de que o reconhecimento do arguido feito em
audiência de julgamento não está sujeito às formalidades requeridas para o
reconhecimento feito no inquérito ou na instrução (Acs. De 27.1.94, Acs. STJ II,
1, 209, de 22.9.94, Proc. Nº 46678, de 1.2.96, Proc. Nº 48524, de 10.7.96, Proc.
Nº 48697, de 6.11.96, Proc. Nº 84/96, de 20.11.96, Proc. Nº 788/96, de 9.1.97,
Proc. Nº 783/96, de 22.1.97, Proc. Nº 54/96, de 19.2.98, Proc. Nº 145 1/97, de
6.5.99, Acs. STJ VII, 2, 207, de 29.3.00, Proc. Nº 180, de 11.5.00, Acs. STJ
VIII, 2, 188, de 28.5.03, Acs. STJ XI, 2, 194, de 5.11.03, Acs. STJ XI, 3, 227,
de 21.1.04, Proc. Nº 3234103-3 e de 16.6.05, Proc. Nº 553/05-5).
No último aresto citado (Ac. De 16.6.05, Proc. Nº 553/05-5) entendeu-se,
entendimento que se mantém, que o “reconhecimento” feito em audiência integra-se
num complexo probatório que lhe retira não só autonomia como meio de prova
especificamente previsto no art. 147º, como lhe dá sobretudo um cariz de
instrumento, entre outros, para avaliar a credibilidade de determinado
depoimento, inserindo-se assim, numa estrutura de verificação do discurso
produzido pela testemunha. Nesta perspectiva, tal “reconhecimento” feito em
audiência, a avaliar segundo as regras próprias do art. 127º do CPP não carece,
para ser válido, de ser precedido do reconhecimento formalizado – o
reconhecimento propriamente dito – realizado nas fases de investigação – o
inquérito e a instrução.
Como se vê da transcrição efectuada no ponto 2.2. o acórdão recorrido não se
afastou deste entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que as Relações
também têm sufragado, e ao qual não tem o Tribunal Constitucional levantado
obstáculos.
Daí que não merecesse censura o decidido acerca da questão do reconhecimento na
audiência.
Acresce que tendo sido esta questão objecto de decisão pela Relação, por via de
recurso, esgotou-se o duplo grau de jurisdição, não cabendo agora uma
reapreciação do Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, como decidiu o Supremo Tribunal, exactamente num caso das regras de
“reconhecimento” em audiência, «as questões relativas à produção e
admissibilidade de meios de prova em julgamento estão excluídas da competência
do STJ, devendo ser conhecidas pelas Relações» (Ac. De 22.1.97, Proc. Nº 54/96).
E, com efeito, tendo-se já pronunciada a Relação, por via de recurso sobre uma
decisão da 1ª instância, mostra-se garantido o duplo grau de jurisdição
garantido constitucionalmente (art. 32º, nº 1, in fine da CRP) e que não se pode
confundir com duplo grau de recurso, que não está constitucionalmente garantido.
A decisão da Relação tomada sobre o reconhecimento não põe termo à causa, pelo
que não é recorrível [art. 400º, nº 1, al. C)] para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Pode ver-se, por todos, neste sentido, o recente ac. De 6.4.06 (Proc. Nº
1037/06, em que o aqui relator foi 1º adjunto)
Como aí se salienta, essa interpretação do art. 400º, nº 1, al. C) do CPP –
pacífica no Supremo – conforma-se (como já o reconheceu o Tribunal
Constitucional no seu acórdão nº 44/2005 de 26. 1.05) com as regras e os
princípios constitucionais.
[…]
Também o arguido A. impugnou a medida da pena, pretendendo que a mesma se
ficasse por 7 anos de prisão (conclusão 24ª), por entender que se trata de um
único crime de roubo continuado, dado se tratar de realização plúrima do mesmo
tipo de crime, homogeneidade da forma de execução, lesão do mesmo bem jurídico,
unidade do dolo e persistência de uma situação exterior (conclusão 20º), sendo
que a arma utilizada era “de alarme” e que nem os ofendidos ou as seguradoras
deduziram qualquer pedido cível (conclusão 21º), sem esquecer a sua primaridade,
o que mitiga o dolo, que se admite seja directo (conclusão 22º).
Como se viu já o crime de roubo é um crime complexo em que, para além de se
protegerem bens patrimoniais, se protegem exactamente valores eminentemente
pessoais, pelo que àquele que o comete relativamente a várias pessoas são
imputáveis tantos crimes quantos os ofendidos.
E por essa via, se excepciona a aplicação do nº 2 do art. 30º do C. Penal e da
figura do crime continuado, por se tratar de bens pessoais.
Isso mesmo se acentua, aliás, no projecto de alteração do C. Penal elaborado
pela Unidade de Missão de Reforma Penal, actualmente em discussão pública,
recebendo a posição pacífica da doutrina e da jurisprudência.
Mas, de todo o modo, não estariam presentes dois dos elementos exigidos pelo nº
2 do art. 30º do C. Penal, a saber: a diminuição de culpa e motivação do agente
por factores exógenos e posteriores aos primeiros actos.
Na verdade, o que resulta da matéria de facto provada é que os arguidos
idealizaram um esquema de roubos, em comparticipação, um modelo susceptível de
ser replicado.
E foi em obediência a essa disposição das coisas, por eles criada sem que possa
ser apelidada de exógena, que os actos seguintes ao primeiro foram praticados,
o, ao invés de diminuir a sua culpa nos actos subsequentes, antes a agrava por
acumulação de infracções.
Afastado fica, assim, o principal argumento esgrimido pelo recorrente para obter
a diminuição da pena unitária.
Por outro lado, a primaridade e a utilização da arma de alarme já foram
devidamente tidos em conta.
São as seguintes as penas aplicadas a este arguido pelas instâncias:
- crime de roubo (factos de 10.09.2003): 5 anos de prisão (numa moldura penal de
3 a 15 anos);
- 5 crimes de roubo: 4 anos e 10 meses de prisão, por cada um (numa moldura
penal de 3 a 15 anos);
E, em cúmulo, na pena única de 13 anos de prisão
A pena aplicável a este arguido varia entre 5 anos (a maior das penas
parcelares) e 29 anos e 2 meses (a soma das penas parcelares), com o limite já
indicado de 25 anos.
Atendendo ao critério acima enunciado, bem como às invocadas necessidades de
prevenção geral de integração, bem como a elevada ilicitude, o dolo directo e
número de ofendidos envolvidos, não merece censura a pena unitária aplicada
pelas instâncias.
Essa pena faz, aliás, a diferenciação entre este recorrente e o outro co-arguido
que impugnou igualmente a medida da pena, atendendo às suas diferentes posturas,
pois que aquele em nada colaborou para o esclarecimento dos factos em que
incorreu.
2.9.
Pena acessória de expulsão
Contesta o arguido A. a aplicação da pena acessória de expulsão, tendo-a por
ilegal e violadora do art. 101º nº 2 e nº 4 alínea b) do DL 244/98 de 8 de
Agosto a que a decisão recorrida acrescentou o nº 2 desse art. 101º (conclusão
14ª), e deveria ter sido investigado “ex officio” os requisitos do citado art.
2º quanto à vida pessoal e familiar do recorrente, nos termos do art. 340º do
CPP e, por aplicação subsidiária do art. 4º do CPP, da faculdade concedida pelos
arts.729º nº 3 e 730º nº 1 do CPC (conclusões 15ª e 16ª).
Aquele art. 101º nº 2 e 4, se interpretado no sentido de que pode ser decretada
a expulsão sem se averiguar, “in casu” da situação pessoal e familiar do cidadão
a quem é aplicada a medida são inconstitucionais, por violação do disposto no
art. 33º nº 1 e 36º nº 6 da Constituição e do art. 13º nº 1 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem (conclusão 17ª).
Depois de se ter desatendido a arguição de nulidade, a propósito deduzida,
vejamos a valia desta argumentação.
Na 1ª Instância apurou-se que ao arguido A., também de nacionalidade angolana,
não é conhecida qualquer autorização de residência ou permanência no País e que
tem perspectiva de emprego em “M., Lda.”.
Não se vê, nem o recorrente o diz, quais as razões que imporiam ao Tribunal,
face à sua postura, diligências de prova complementares e quais.
Já em recurso para a Relação foram juntos pelo recorrente elementos.
Ora, tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a fase de
produção de provas se encerra imediatamente antes de iniciadas as alegações que
têm lugar na audiência, e a discussão da causa com a pergunta final ao arguido
sobre se pretende alegar mais alguma coisa em sua defesa (cf. Arts. 360º, nº 1,
e 361º, nº 1, do CPP).
E mesmo no caso de anulação, pela Relação anulado, só do acórdão do tribunal
colectivo, e determinado que o tribunal recorrido aprofundasse a fundamentação
do acórdão em determinados pontos, entendeu que o processo não reverteu à fase
ou fases anteriores à da decisão, pelo que não enfermaria de qualquer vício o
novo acórdão da Relação que, debruçando-se sobre a questão colocada no recurso,
de eventual nulidade da decisão da 1ª instância por não se ter pronunciado sobre
um documento junto depois da anterior decisão do mesmo tribunal, decidiu pelo
seu não conhecimento (Ac. De 1.6.05, Proc. Nº 1269/05-3).
Com efeito, do disposto no art. 165º do CPP resulta que o documento que importe
à solução do caso deve ser junto “no decurso do inquérito ou da instrução e, não
sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”. A estipulação
daquele termo final constitui um corolário do chamado princípio da imediação da
prova: se todas as provas em que assenta a convicção do Tribunal devem ser
“produzidas e examinadas em audiência”, necessário se torna concluir que só
relevam as apresentadas até então.
Ora, a audiência que marca o termo final de apresentação de documentos há-de ser
aquela em que seja produzida prova relevante à fixação da matéria de facto, o
que não sucede de todo em todo na fase de recurso. A junção de documentos pelas
partes em tal fase revela-se, por isso, intempestiva e determina o respectivo
desentranhamento, não significando tal qualquer violação de direito de defesa
(cfr. No mesmo sentido o Ac. De 25.3.04, Proc. Nº 463/04-5).
Portanto, se a decisão recorrida não tivesse tido em consideração os documentos
juntos, nenhuma censura lhe poderia ser feita.
Mas a decisão recorrida fez o exercício de ponderar aqueles documentos, nos
seguintes termos:
«Pretende por último o arguido a revogação da pena acessória de expulsão.
O M.P. na sua resposta pronuncia-se em sentido favorável à pretensão do
recorrente. Parece nos não ter aqui razão, e ser de manter, também nesta parte,
a decisão recorrida. O que se decide
Senão, vejamos:
O recorrente é de nacionalidade estrangeira e foi condenado pela prática de
vários crimes de roubo em pena de treze anos de prisão. Mesmo valorando os
documentos que agora apresenta em recurso, é de manter o decidido em primeira
instância.
Com efeito, resulta de tais documentos que o recorrente esteve autorizado a
residir em Portugal de 25 de Setembro de 1996 a 25 de Setembro de 2001 (não o
estando já actualmente); e que tem um filho menor nascido a 12.04.2001, de
nacionalidade portuguesa.
Nada mais resulta de tais documentos (quanto muito indicam ainda que esse filho
não reside com o recorrente (a única morada indicada do menor situa-se em S.
Marcos, Sintra – cfr. Doc. Fls. 3980; a do arguido é em Queluz).
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 99º, nº 1, al. A) e 101º, nºs 1
e 2, do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, na sua redacção actual, dada pelo DL nº
34/2003, de 25 de Fevereiro, deve ser ordenada a expulsão do recorrente, já que
é estrangeiro e permanecia irregularmente em território português (a sua
autorização de residência caducara em 2001), não tendo sido renovada e “foi
condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão” – nº 2 do aludido
art. 101º do DL.
Acresce que não beneficia do disposto na alínea b) do nº 4 do referido art. 101º
uma vez que não está demonstrado, nem em julgamento, nem agora, que exercesse
efectivamente o poder paternal data dos factos e que assegurasse ao menor o
sustento e a educação.».
Ora se se teve como provado que o recorrente esteve autorizado a residir em
Portugal de 25.9.96 a 25.9.001, embora o não estivesse actualmente e que tem um
filho menor nascido a 12.4M1, de nacionalidade portuguesa, embora se refiram os
documentos a moradas diferentes, daí não se pode concluir que no momento
antecedente à detenção do recorrente, o menor não morasse com ele.
Por outro lado, dada a carência de elementos não se pode concluir igualmente
face ao disposto nos arts. 1906º e seguintes do Código Civil, que o recorrente
antes da sua detenção não exercesse efectivamente o poder paternal e que
assegurasse ao menor o sustento e educação.
Perante os elementos recolhidos é perfeitamente plausível que tal acontecesse.
E a dúvida que dai advém deve ser valorizada a seu favor.
O que impõe que se não mantenha a pena acessória de expulsão contra ele
decretada, o que obviamente não condiciona a decisão que administrativamente
possa vir a ser tomada.
3.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça em (…) conceder parcial provimento ao recurso do arguido A., no tocante
à pena acessória de expulsão, que se revoga, no mais confirmando a decisão
recorrida».
2.5 – Novamente inconformado, o arguido interpôs o presente
recurso de constitucionalidade, tendo o mesmo sido admitido após resposta ao
convite referido no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC.
3 – Dado que, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da LTC, o
despacho que admitiu os presentes recursos não vincula o Tribunal Constitucional
e uma vez que neles se configura uma situação enquadrável no âmbito normativo
recortado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se.
3.1 – Como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, em cuja categoria se insere o presente, apenas pode ter como
objecto normas jurídicas que hajam sido aplicadas como sua ratio decidendi pela
decisão recorrida e não decisões judiciais ou outros actos não normativos embora
estes tenham feito aplicação directa de normas ou princípios constitucionais,
devendo a questão de constitucionalidade ser adequadamente suscitada durante o
processo [cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal», in
Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e,
entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série,
de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10
de Janeiro de 1995, e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95,
publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando
os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no
mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000].
3.2 – Como se deixou relatado, o recorrente pretende ver apreciada a
constitucionalidade das normas dos artigos 412.º, nºs 3 e 4, do Código de
Processo Penal, “se interpretadas no sentido e com a dimensão normativa de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido
impugna a decisão sobre matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e,
pela forma prevista no n.º 4, nas alíneas b) e c) daquele n.º 3, teria como
efeito o não conhecimento da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa
parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal
deficiência”.
Contudo, perscrutando o teor da decisão recorrida, constata-se que a norma
pretendida sindicar não foi aplicada, qua tale, pelo Supremo Tribunal de
Justiça, tendo sido outra a ratio decidendi fundamentante do juízo decisório
aqui impugnado.
De facto, na economia da decisão recorrida, é seguro que a oportunidade-convite
para completar as conclusões da motivação apenas se justifica quando o
recorrente, tendo formulado pretensões e procedido a especificações no texto da
motivação, o retrata deficientemente nas respectivas conclusões.
E, quanto a este ponto, a decisão recorrida não deixa margem para dúvida:
«(…) [O recorrente] invoca ainda a inconstitucionalidade da interpretação feita
das normas dos arts. 412º nº 3 e 4 do CPP no sentido e com a dimensão de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido
impugna a decisão sobre matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e,
pela forma prevista no nº 4, nas alíneas b) e c) daquele nº 3, tem como efeito o
não conhecimento da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte,
sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência
(conclusão 9ª), uma vez que a Relação não convidou o recorrente a completar a
sua motivação nos apontados elementos, cuja falta ora se censura no impugnado
acórdão (conclusão 10ª).
Deve notar-se, desde logo, que o recorrente aceita que não pediu a renovação da
prova.
Ora, sendo assim, não pode considerar-se prejudicado pela decisão sobre essa
renovação, pois é uma questão que lhe era alheia. Daí que não tenha legitimidade
para impugnar uma eventual decisão a esse respeito, à luz do que dispõe o art.
401º do CPP («têm legitimidade para recorrer: b) o arguido e o assistente, de
decisões contra eles proferidas»).
O que resulta da decisão recorrida, que de seguida se transcreve longamente, é
que a Relação conheceu, com grande latitude, da impugnação da matéria de facto
efectivamente deduzida pelo arguido A. que, estando de acordo com o que a 1ª
instância entendera que havia sido dito em audiência, sustentava que a avaliação
a fazer de tal prova era diversa da que havia sido feita.
Na verdade, a Relação apreciou as questões suscitadas em sede de matéria de
facto pelo recorrente, à luz da prova que havia sido produzida em audiência e
sobre cujo conteúdo não havia divergências, bem como os vícios que o recorrente
atribuía à matéria de facto apurada.
Como melhor se verá da transcrição, depois dessa apreciação, e em jeito de
complemento, veio dizer que não «relativamente ao pedido de renovação da prova,
refira-se que o recorrente não o trouxe às conclusões do recurso pelo que o
recurso é de rejeitar desde já nesta parte», por não terem sido «especificadas
as provas a renovar».
Ora não tendo o recorrente, designadamente nas conclusões da motivação, pedido a
renovação da prova, não pode agora impugnar a decisão que a não admitiu.
E não tem razão de ser a discussão sobre a necessidade de formulação de convite
ao recorrente para completar as conclusões da motivação, que só é concebível
quando tendo o recorrente formulado pretensões e procedido a especificações no
texto da motivação o retrata deficientemente nas respectivas conclusões,
impondo-se então o mencionado convite.
Se o próprio recorrente clama que não pediu a renovação da prova, não haveria
então lugar a qualquer correcção das conclusões que retratavam fielmente, em
linguagem que a lei pretende articulada e sintética, o texto da motivação.
Por outro lado, como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e
do Tribunal Constitucional, o texto da motivação constitui um limite
intransponível ao convite à correcção.
Sujeita, como está a apresentação da motivação a um prazo peremptório,
apresentada a mesma, não pode a mesma ser aditada, através da correcção das
conclusões, de matéria que o seu texto não contenha.
O que vale por dizer que se o texto da motivação não contem os elementos, tidos
em falta ou deficientemente expostos nas conclusões, não há lugar ao convite
para correcção, por não poderem, nesse caso, ser aditados.
Não haveria, pois e em todo caso, lugar ao convite a correcção quanto ás
especificações a que se refere o acórdão».
Como se constata pelo excerto transcrito, não foi a falta, nas conclusões da
motivação, das indicações exigidas pelo corpo literal do artigo 412.º do Código
de Processo Penal que determinou a decisão do Tribunal de rejeição do recurso,
sem prévio convite para suprimento dos elementos em falta.
O critério normativo assumido pelo Tribunal da Relação – fls. 4196 –, primeiro,
e pelo Supremo Tribunal de Justiça, depois, encontra-se, então, na norma do
artigo 412º, n.º s 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretada
no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se
impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não
conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente
tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências.
Ora, não tendo o recorrente suscitado a inconstitucionalidade da norma do artigo
412.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa aplicada como ratio
decidendi pela decisão recorrida, não há que tomar conhecimento do objecto do
recurso, bem se compreendendo que assim seja uma vez que só quando estiver em
causa a inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio
decidendi do juízo recorrido é que a decisão do Tribunal Constitucional poderá
projectar-se sobre o caso sub údice, contendendo, nessa medida, com a decisão
recorrida, posto que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal
Constitucional, enquanto “(…) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar
agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (…), toda e
qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode
deixar de produzir efeito no caso sub údice; não pode, e não deve, com efeito, o
Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou
académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
3.3 – Pretende também o recorrente ver apreciada a constitucionalidade do artigo
127.º do Código de Processo Penal, “se interpretado no sentido e com a dimensão
normativa de que é possível permitir a valoração em julgamento de um
reconhecimento de arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras
definidas pelo artigo 147.º do CPP” e, igualmente, quando interpretado no
sentido de “considerar um reconhecimento feito em audiência como simples prova
testemunhal, (…) admitindo que o princípio da livre apreciação da prova permite
a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido, realizado sem a
observância de nenhuma das regras do artigo 147.º do CPP”.
No que a tais normas diz respeito, é também manifesto que a decisão recorrida
não as aplicou como ratio decidendi do juízo alcançado, na medida em que, apesar
de haver manifestado a sua concordância com o teor da decisão do Tribunal da
Relação, concluiu, com base no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de
Processo Penal, que, tendo a questão sido objecto de um recurso interlocutório,
“a decisão da Relação tomada sobre o reconhecimento não põe termo à causa, pelo
que não é recorrível”.
Ou seja, porque as questões relativas ao “reconhecimento” foram objecto de um
recurso interlocutório, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu – não interessa
saber se bem ou mal, por o Tribunal Constitucional não poder sindicar a
correcção desse juízo interpretativo/subsuntivo, realizado no plano do direito
infraconstitucional – quando confrontado com o recurso do Acórdão da Relação,
que este aresto, ao decidir essa questão respeitante às escutas, o fizera
apreciando recurso (interlocutório) que, por si só, não punha termo à causa,
considerando, por isso, o Acórdão do Tribunal da Relação irrecorrível, nessa
parte, deixando consignado, entre o mais, que, com essa decisão, “por via de
recurso, esgotou-se o duplo grau de jurisdição, não cabendo agora uma
reapreciação no Supremo Tribunal de Justiça”.
Assim, não tendo o tribunal aplicado as normas controvertidas, nem o recorrente
suscitado a inconstitucionalidade da norma aplicada como ratio decidendi pela
decisão recorrida (artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal),
não há, também nesta parte, que tomar conhecimento do objecto do recurso (cf.,
quanto a um problema paralelo, o caso apreciado no Acórdão n.º 44/2005,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
3.4 – Pretende ainda o recorrente ver apreciada a «interpretação
inconstitucional, feita pela instância (6.ª Vara Criminal), quer do artigo 127.º
do CPP quer dos artigos 147.º e 335.º do CPP, ao indagar, na audiência as
testemunhas como terão decorrido “anteriores reconhecimentos”, efectuados
noutros locais e aos quais o Tribunal não assistiu”», bem como a
“inconstitucionalidade material do artigo 355.º do CPP, por violação dos artigos
32.º, n.º 1 e 5, da Lei Fundamental, quando interpretado no sentido e com a
dimensão normativa de que, para o efeito do disposto no art. 127.º do CPP, o
acórdão condenatório pode proceder a valoração positiva de depoimento de
testemunha que na audiência de julgamento não consegue reconhecer o arguido – e
somente no segmento do depoimento em que a testemunha afirma que anteriormente
teria reconhecido o arguido – fazendo retroverter a fase anterior à do
julgamento a culpabilidade do arguido e retirando ao reconhecimento efectuado no
julgamento todo o seu efeito útil, esvaziando-o inteiramente de sentido”.
Sucede, no entanto, que as sobreditas questões não foram
equacionadas – recte, suscitadas – perante o Supremo Tribunal de Justiça, o que
constitui obstáculo ao seu conhecimento.
De facto, o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, é claro ao exigir que,
nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma
Lei, a questão de inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie tenha sido suscitada perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos deste ficar vinculado ao seu conhecimento, não
relevando a circunstância de a questão haver sido colocada perante tribunal
inferior da hierarquia, se depois não é levada à reapreciação do tribunal ad
quem.
Ora, tendo o âmbito do recurso para o Supremo ficado restringido às questões que
lhe foram postas nas conclusões das alegações e o recurso de
constitucionalidade, por mor da sua função instrumental, apenas poder ter, como
já disse, por objecto normas que hajam constituído o fundamento normativo da sua
concreta decisão relativamente a essas questões, não servindo como instrumento
de reponderação “de todas e quaisquer questões que hajam sido colocadas ao longo
da tramitação do processo”, seria fundamental, que, na óptica do cumprimento do
ónus de adopção de uma estratégia processual adequada para interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional (cf. O acórdão n.º 479/89, in Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 14.º vol., págs. 143-154), o recorrente tivesse levado
ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça as questões que agora pretende
controverter.
Assim sendo, como o recorrente não suscitou tais questões perante o tribunal
recorrido, e este, consequentemente, não tratou da questão de
constitucionalidade normativa invocada pela recorrente, não podem dar-se por
verificados os requisitos para se poder tomar conhecimento do presente recurso
de constitucionalidade na parte circunstancialmente em causa (cf., inter alia,
os Acórdãos nºs 528/05, 498/05, 179/05, 157/05, 468/04, 222/02, 54/02 e 396/01,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente com 8 (oito) Ucs. De taxa de justiça”.
3 – Como fundamentos da reclamação, o reclamante aduz o
seguinte:
“A., arguido recorrente nestes autos, notificado da douta decisão sumária, mas
com a mesma não se conformando, dela vem assim reclamar para a Conferência, ao
abrigo do disposto no art. 78º A da Lei 28/82 de 15 de Novembro, com as
correspondentes alterações.
SÃO FUNDAMENTOS:
1 – Na base do seu indeferimento (a fls. 16 da decisão), o ilustre subscritor da
douta decisão sumária refere que “não tendo o recorrente suscitado a
inconstitucionalidade da norma do art. 412º do Código de Processo Penal na
dimensão normativa aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida, não há
que tomar conhecimento do objecto do recurso”.
Com o devido respeito, não será assim.
2 – Na verdade, o recorrente, como dos autos consta, interpôs recurso para este
Venerando Tribunal Constitucional arguindo a inconstitucionalidade material do
art. 412º nº 3 e 4 do C.P.P., nos seguintes termos:
“d) As normas dos artigos 412º, nº 3 e 4 do CPP mostram-se feridas de
inconstitucionalidade material, por violação do art. 32º, nº 1 da Lei
Fundamental, se interpretadas no sentido e com a dimensão normativa de que a
falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido
impugna a decisão sobre matéria de facto, das menções contidas na alínea a) e,
pela forma prevista no nº 4, nas alíneas b) e c) daquele nº 3, teria como efeito
o não conhecimento da matéria de facto e a improcedência do recurso nessa parte,
sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência – o que
ocorreu, manifestamente no caso dos autos (…)“
3 – Vindo a entender-se (na decisão sumária ora objecto de reclamação) que não
há que tomar conhecimento do objecto do recurso, bem se compreendendo que assim
seja, urna vez que só quando estiver em causa a inconstitucionalidade da norma
que constitui a Ratio decidendi do juízo recorrido é que a decisão do Tribunal
Constitucional poderá projectar-se sobre o caso sub-judice”. Alegando-se ainda
que “não deve, com efeito, o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobe “pleitos
puramente teóricos e académicos”. (seguindo citação)
4 – Ora, como é bom de ver e resulta “ex abundantia” dos autos, maxime” de todo
o conteúdo dos diversos interpostos recursos, o que o recorrente põe em crise –
a deficiente ou inconstitucional aplicação do disposto no art. 412º nº 3 e 4 do
CPP – relaciona-se, intrinsecamente com o conteúdo do processo e nada terá a
ver, com o devido respeito, com “pleitos puramente técnicos e académicos”,
tendo, ao invés e muito concretamente, o recorrente sido prejudicado na sua
defesa, com a inconstitucional interpretação que tanto o Tribunal da Relação de
Lisboa, como o Supremo Tribunal de Justiça deram aos mencionados normativos.
Por isso se requer que em Conferência, seja decidido do modo (que se crê mais
curial e exacto) pretendido pelo recorrente.
Por estar em tempo
E julgar necessária a reclamação”.
4 – O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal
Constitucional, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação,
dizendo:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, o reclamante confunde os planos das meras deficiências formais
das conclusões da motivação do recurso com o do défice substancial da própria
motivação ou fundamentação do recurso.
3 – Nada tendo a questão de constitucionalidade suscitada – relacionada com o
primeiro aspecto – com a “ratio decidendi” do acórdão recorrido, plenamente
suportada pela segunda vertente, ligada manifestamente à deficiência e
inconcludência substanciais da própria motivação.
4 – E sendo, aliás, óbvio que o princípio das garantias de defesa nunca poderia
legitimar um convite ao aperfeiçoamento do referido défice substancial da
motivação do recurso”.
B – Fundamentação
5 – Como se colhe do confronto entre o alegado na reclamação e
os fundamentos da decisão reclamada, o reclamante cinge a sua contestação ao não
conhecimento da questão de inconstitucionalidade relativa às normas dos artigos
412º, nº 3 e 4 do CPP, abandonando as demais, também apreciadas.
Constata-se, porém, que, mesmo em relação a tal questão, o
reclamante nada aduz que infirme a bondade dos fundamentos em que a decisão
reclamada se abonou e que aqui se reiteram.
Na verdade, a dimensão normativa de tais preceitos que
constitui a ratio decidendi do acórdão recorrido não coincide, como nela,
proficientemente, se demonstra – e por isso aqui se não repete – com aquela que
o reclamante pretende, agora, ver apreciada.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
Ucs.
Lisboa, 18 de Julho de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos